A polícia de Braga faz jus às tradições culturais que sempre prestigiaram esse tipo de corporações. Por Passa Palavra

Gustave Courbet (1819-1877), L'Origine du Monde (1866), óleo, Musée d'Orsay, Paris
Gustave Courbet (1819-1877), L’Origine du Monde (1866), óleo, Musée d’Orsay, Paris

Braga, para quem não o saiba, é uma cidade do norte de Portugal, sede de um arcebispado cujas tradições canónicas próprias constituem o último vestígio da independência do reino dos Suevos, anexado no final do século VI pela monarquia visigótica, antes que os árabes os anexassem a todos cento e vinte e tal anos depois.

Inspirada talvez pelo arcebispado e por mais que milenares tradições, a Polícia de Segurança Pública de Braga, com o amor à cultura e a abertura de espírito que as polícias sempre revelam em todos os lugares do mundo, apreendeu na Feira do Livro daquela cidade os exemplares de uma obra que reproduz na capa o célebre quadro de Gustave Courbet, A Origem do mundo, o ventre feminino de onde todos nós procedemos, polícias de Braga incluídos.

Socialista ou anarquista, autor de um conhecidíssimo retrato de Proudhon, o pintor Courbet desempenhou cargos culturais na Comuna de Paris, o que o obrigou a exilar-se na Suíça, onde morreu. Muitos dos seus quadros foram escandalosos, entre eles o que agora assustou as autoridades bracarenses, mas enfim, com o passar dos tempos e a abertura dos costumes todos eles se encontram expostos nos melhores museus, à vista das famílias e das respectivas criancinhas. A Origem do mundo está no Museu d’Orsay, em Paris, visitado por milhões de turistas todos os anos e os postais que o reproduzem contam-se entre os mais vendidos.

Perante a galhofa e a indignação geral, a direcção da polícia reconheceu que não havia fundamentos para a apreensão e prometeu devolver os exemplares. Mas para aqueles leitores brasileiros que julgarem que histórias assim acontecem apenas nas vetustas terras suevas, falaremos um dia da convocação de Sófocles − esse mesmo, o grego do século V antes de Cristo − aos serviços da censura de São Paulo durante o regime militar.

3 COMENTÁRIOS

  1. Conheço uma história curiosa que me foi contada pela filha do protagonista.
    Era nos tempos da outra senhora [do anterior regime, ou seja, do salazarismo], e o pai da minha amiga, sendo casado com uma italiana que por sua vez era filha de uma croata, foi passar férias à casa da sogra na antiga Jugoslávia. Um país “comunista”, portanto. Como o senhor era um brincalhão, escreveu uma carta ao próprio cão que tinha deixado em Portugal. Aliás, ele era tão brincalhão que tinha posto ao animal não só um nome, mas também um sobrenome. E foi para esse nome completo que ele endereçou a missiva. Depois do 25 de Abril [a Revolução dos Cravos], o nosso amigo brincalhão descobriu que o cachorro tinha uma ficha na PIDE.

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