O maio francês de 1968 se dá na Argentina um ano depois, em maio de 1969, com o Cordobazo. Vale a pena comemorar os seus 40 anos. Por Henrique Tahan Novaes

O maio francês de 1968 se dá na Argentina um ano depois, em maio de 1969, com o Cordobazo. Estávamos na ditadura de Onganía iniciada em 1966, ditadura essa que preparou o terreno para a genocida ditadura de 1976.

Nas fábricas e nas ruas de Córdoba, jovens operários lutaram contra as antigas burocracias sindicais peronistas, pelo controle das fábricas e contra o Estado ditatorial, e pela aliança com os estudantes. Córdoba foi palco de reformas radicais na universidade em 1918 e no início de maio de 1969 os estudantes estavam lutando contra o aumento do preço da comida do restaurante, dentre outras coisas mais.

cordbz1jpgEm Córdoba, as lutas foram iniciadas pelo Sindicato Luz e Força, nas mãos de Augustin Tosco, sindicatos Sitrac e Sitram, vinculados à FIAT e aos trabalhadores da planta [fábrica] IKA-Renault. O foco dessas lutas se dava nos setores “privilegiados”: indústria automotiva, petroleira e siderúrgica.

Eles se utilizavam de “novas táticas”: manifestações diárias para levar as lutas deles para a cidade como um todo, não ficando “dentro da fábrica” e se diferenciando claramente das burocracias peronistas.

Augustin Tosco define burocrata como aquele que “sem vocação, sem ideais, se converte num típico administrador de um cargo sindical e o usa para a sua satisfação pessoal e dali definitivamente começa a mandar em seus ‘companheiros’”.

Defendiam a “Direção honesta”, “conectada com as demandas das bases e pautada na rotatividade de cargos”. No sindicato SMATA de Córdoba, “periodicamente os dirigentes voltavam a ocupar seus postos de trabalho nas plantas [fábricas] e outros militantes substituíam em suas funções sindicais” (James, Resistência e Integração, 2005).

James, na obra referida, também observa que eles prestavam muita atenção ao contato com os afiliados e às medidas para limitar a autonomia dos organismos diretivos.

Ele acredita que os trabalhadores que impulsionaram o Cordobazo tinham muita preocupação com as condições de trabalho, combateram as metas ou incentivos, que funcionavam como iscas para aumentar a produtividade e a exploração dos trabalhadores. Também propuseram a redução das categorias laborais com o objetivo de criar uma força de trabalho mais “unificada” e tentaram participar na fixação dos objetivos da produção.

Um trabalhador da Fiat de Córdoba assim se pronunciou:

“Aqueles quinze meses de democracia sindical deixaram uma experiência enorme não somente para os trabalhadores da Fiat […] demonstramos que somos capazes de melhorar nossas condições de vida e de trabalho quando nos organizamos e as direções que elegemos cumprem autenticamente o mandato das bases […] conseguimos aumentos salariais, progressão de categorias, melhorias nos restaurantes, na atenção médica, interrompemos as demissões arbitrárias. Mas o que é ainda mais importante que tudo isso é que mudou totalmente a vida na fábrica. Os delegados nos defendiam dos chefes frente a todos os problemas que surgiam no trabalho, controlamos os ritmos de produção que antes eram terríveis. Enfim, eliminamos o clima opressivo que se vivia na fábrica e pudemos reivindicar nossos direitos como seres humanos” (James, 2005, p. 396).

cordbz2jpgLibertação dos monopólios, supressão do capitalismo, classismo, sindicalismo de libertação, controle da indústria pelos trabalhadores eram as bandeiras desse movimento. É importante ressaltar que o classismo do Cordobazo criou uma fenda momentânea no monopólio sindical peronista, portanto, sua brevidade e alcance são limitados. Essas formas de protesto e luta culminaram em 1971 no chamado “Viborazo”, quando o Governador de Córdoba de extrema-direita designado pelo ditador Levingston, que sucedeu Onganía, cunhou a célebre frase: “confundida entre la múltiple masa de valores morales que es Córdoba por definición, se anida una venenosa serpiente cuya cabeza pido a Dios me depare el honor histórico de cortar de un solo tajo” [«Escondida na massa diversificada de valores morais que, por definição, é Córdoba, está uma serpente venenosa, cuja cabeça peço a Deus que me confira a honra histórica de cortar com um só golpe»].

De qualquer forma, o Cordobazo é uma belíssima experiência histórica. Vale a pena comemorar os seus 40 anos.

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