Por Rafael Zanatto

 

Bombas «de efeito moral»

Os métodos autoritários empregados pela tropa de choque da Polícia Militar no entardecer do dia 9 de junho no campus da USP [Universidade de São Paulo] deflagrou um confronto que perdurou por cinqüenta minutos. Estudantes e alguns funcionários resistiram ao máximo. Os que evitaram dispersar lançaram pedras contra a tropa que avançava com gás lacrimogêneo,  bombas de efeito moral e balas de borracha. A polícia militar empreendeu uma caçada que se estendeu do portão principal da USP até as cercanias da reitoria e do Museu de Arte Contemporânea.  Pessoas choravam, corriam e sangravam devido ao despreparo da reitoria.  É revoltante ver que mesmo em tempos ideologicamente democráticos, a violência do Estado policial não foi abolida com a abertura democrática conquistada após anos de ditadura. Deveríamos todos nos envergonhar pela conivência que é demonstrada por alguns segmentos da Universidade.  A centralização das reivindicações na questão salarial parece conter uma contradição que é muito bem utilizada pelo aparato burocrático do Estado. Não vos digo que as reivindicações salariais não são justas nem que são egoístas por parte dos segmentos assalariados da comunidade acadêmica, mas à medida em que estas reivindicações são atendidas, o movimento grevista acaba por sofrer um forte esvaziamento ou perda de seus contingentes. Outras pautas [reivindicações] relacionadas à transformação da estrutura burocrática acadêmica, como o voto paritário, eleições diretas para reitor, auxílio moradia, contratação de professores capacitados, dentre outras exigências que se colocam como entrave ao sucateamento do ensino público, são atiradas ao limbo. O que temos é a permanência do mesmo.

Do mesmo ao novo! Esse caminho não será percorrido com respeito, com medo, egoísmo ou apego às formas tradicionais de ensino, como o que foi notado no comportamento da maioria dos estudantes da Unesp do campus de Assis. Os discursos professavam o esvaziamento das reivindicações após a conquista do reajuste salarial, mas claramente se relacionavam com a ausência de aulas. É lamentável que grande parte dos estudantes ainda acredite apenas no ensino transmitido por um mestre. Talvez seja a hora de a Universidade como um todo assumir que em seu interior não estão a fabricar pensadores, mas técnicos que esperam adquirir somente o necessário para leiloar sua mão-de-obra pelo melhor lance no mercado de trabalho.  O florescimento do novo nunca poderá ser alcançado com a eterna reprodução do velho!

a-8A construção de espaços de debate como forma de problematizar a greve e seu desenrolar demonstrou-se ineficaz, pois na frieza dos espaços pacificados pelo isolamento, as reais dimensões da luta universitária, burocratizada ou não, ficam ocultadas por uma neblina que não se dissipa com o confortável debate, mas no confronto direto com o poder estatal. A cada pedra que lançava contra as tropas ou cada vidro que demolia de um prédio que simbolizava todas as balas, gases, bombas e cacetadas, sentia a vida percorrendo minhas veias. Sentia o novo resplandecer em minha mente e o ódio a todas as formas de opressão ser multiplicado a cada disparo do temível calibre doze. É nos momentos de luta direta contra o Estado e seus representantes que o poder se desvencilha de todos os disfarces e revela sua verdadeira crença: Todos os homens são gado! Engordados e pacificados cotidianamente pelos discursos conservadores disfarçados com elementos pretensamente inovadores. E como temos o destino em nossas mãos, decidimos ou não se ficaremos protegidos e escondidos como tartarugas em nossos cascos ou se libertaremos nossas consciências, por meio da ação direta contra qualquer forma de autoritarismo que floresça tanto da opressão dos governos, quanto do renascimento dessa autoridade em nossas próprias ações. Num primeiro momento, flores foram atiradas em protesto contra todo o aparato de repressão.  Que ilusão. Bastou o ato se aproximar do término que os policiais avançaram sobre os estudantes que haviam restado. Disseram eles em todos os canais de rádio e TV que atacaram no momento em que se sentiram acuados. Como poderiam temer as flores, armados até os dentes? E a reitoria, assim como a estrutura universitária de elite e o Estado, são os maiores responsáveis pela violência que atinge cotidianamente apenas os movimentos populares. Atiraram em carne branca e em olhos azuis. A que ponto chegaram para temer uma manifestação pacífica de filhos da classe média e alta. Será que a estrutura está nos escondendo sua fragilidade? Ou será que se trata apenas de um lamentável despreparo de uma reitoria inapta e de um hábito do governo do PSDB de usar sua bem equipada polícia contra as reivindicações da comunidade acadêmica? É insustentável a invasão da polícia militar em um espaço consolidado como inviolável por tais forças. Do que valeu tanto sangue derramado? A repressão do Estado nos assinala que devemos acirrar a resistência contra seus métodos e forças. O que devemos fazer senão combater?

Bombas «de efeito moral»: fotografia Picasa.

3 COMENTÁRIOS

  1. Ficar atordoado com o tremor que causa uma bomba de efeito “moral” lançada pela Tropa de Choque é melhor lição de ciência política que se pode ter sobre a natureza do Estado.
    Abraços

  2. Vendo as bombas explodir, as pessoas apanharem e fugirem correndo da polícia, pensando bem, aí é que eu entendi direito o que é a tal da “lei do Valor”. Por detrás do fetichismo da naturalidade das coisas, por detrás da “mão invisível do Mercado”, espreita sempre o humanismo do cacetete, sedento de sangue…

  3. Quem acompanha o noticiário sabe que vários setores – Revista Veja à frente – ficaram grandemente raivosos por Serra não ter soltado os cães sobre a ocupação da reitoria da USP em 2007. Dessa vez, Serra teve a oportunidade de reconquistar a total simpatia e mostrar firmeza para essa clientela e apoiadores. De certa forma, o movimento deu a oportunidade a ele. Serra procura mostrar força sem se desgastar, e para isso usa seus testas de ferro, Maria Helena na educação, Ferreira Pinto (ex Secretário de Administração Penitenciária e pulso firme) na segurança pública e se escuda no judiciário para fazer o que sua base de apoio cobra que seja feito sem ser diretamente responsabilizado.

    O Movimento precisa diversificar as estratégias de luta e não poderia deixar passar em branco o fato de a Medicina ter assassinado um calorouro e tal crime estar insolúvel até hoje, assim como, o segundo homem da Segurança Pública sob Serra ter sido pego em laços diretos com o PCC, ou os casos públicos e flagrantes de Plágio efetuado por altas autoridades Uspianas.

    A demissão do Brandão precisa ser posta em conjunto com a demissão, processo e perseguição de vários outros, seja do metrô, da Unesp, da rede pública de educação. Assumir uma bandeira pública contra a UNIVESP desgasta completamente o apoio social possível: há milhares de pobres esperando para ser um dos 60 mil alunos da UNIVESP.

    É bom recordar que os espancamentos, a tropa de choque, os processos e expulsões existem há muitos anos no seio da UNESP, local em que as lutas já haviam há muito tempo também atingido a radicalidade que se torna referência na USP agora. Mas a USP possui um simbolismo maior, além de concentrar uma boa parte da elite e isso faz com que as lutas ai não fossem aceitas tão facilmente.

    É estípido ver as pessoas reclamando da cobertura que a midia apresenta sobre os fatos. Os que escrevem e produzem as notícias no jornais, revistas e canais televisivos hoje são os mesmos alunos da USP de ontem que se posicionavam contra qualquer tipo de luta por mais justiça, igualdade e inclusão social.

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