Segunda entrevista realizada com um trabalhador da Autoeuropa, grande empresa de montagem de automóveis do grupo Volkswagen situada na península de Setúbal, um pouco ao sul de Lisboa. Desta vez trata-se de um trabalhador efectivo, na empresa há mais de doze anos e efectivo há dez. Por Passa Palavra

Houve muitos comentários sobre o que se estava a passar, que os trabalhadores foram muito irresponsáveis, que puseram em risco postos de trabalho e a economia do país, etc. Na tua opinião o que é que levou a que o acordo fosse recusado?

us_autoindustryPrimeiro, em relação a esses comentários, sabemos que houve muita gente – e gente importante – a fazer comentários que acho muito infelizes porque primeiro deviam saber qual é a situação em que a gente se encontra. Só nós lá dentro é que sabemos o que é que se passa. Não é estar a falar sem saber. Quanto ao acordo, houve uma crise, sabemos da crise mundial, só que eles aproveitaram-se do acordo com segundas intenções. Quiseram tirar proveito dos trabalhadores porque não há crise nenhuma em que se peça ao trabalhador para ir trabalhar ao sábado. Nós sabemos que aí havia segundas intenções. Mas era opinião geral que o acordo ia passar porque neste momento há muito pessoal contratado [precário] e nestas alturas sabemos que há muita gente que tem medo de perder o emprego. Ficámos muito surpreendidos por não ter passado. Mas é assim, este acordo, sabemos que foi na altura da crise, mas tinha uma segunda intenção por trás.

O que é que queres dizer com isso? Que segunda intenção?

Eles sabem que vamos lançar um novo produto. Eventualmente vão precisar… porque, no início, sabemos que vai haver um aumento de produção muito grande. Vai ser sempre preciso fazer trabalho horas extra por n razões, produção ou falhas de produção e nessa altura eles vão precisar de muito pessoal.

Queres dizer que eles iam aproveitar esta crise e pôr os sábados quase de graça para depois, na altura dos picos de produção, aplicarem o novo modelo que conseguiram com a crise?

O objectivo era esse. Porque não tem lógica nenhuma, quando há uma crise, pedirem ao trabalhador para vir trabalhar ao sábado. E outra coisa é os downdays. Há uns anos atrás fizemos um acordo em que ficámos dois anos sem aumentos mas, em contrapartida, além das férias tínhamos vinte e dois dias adicionais por ano. Se o trabalhador chegar ao fim do ano sem gozar esses dias recebe-os como se fossem dias normais de trabalho ou gozas esses dias em casa. Só que agora, com as baixas de produção, há pessoal que já gozou os dias a que tem direito deste ano, do ano que vem e de daqui a dois anos. Há pessoal que já tem saldo negativo, já deve dias à empresa. Por isso é que eles fizeram este acordo, para compensar. Tu vais trabalhar os dias e vai-te diminuindo o saldo até chegares a um saldo zero. Só que isso nunca vai acontecer porque eles agora começam a jogar: tu tens 20 dias negativos, vens trabalhar; tu tens 20 dias positivos, ficas em casa. É assim que eles querem aproveitar. Agora vão deixar de aplicar os downdays e vão aplicar o layoff em dez dias separados até Dezembro. Começa em Setembro, dois dias, quatro em Outubro, dois em Novembro e dois em Dezembro.

Como apareceu este pré-acordo?

Houve uma reunião em que a empresa apresentou as suas razões, por causa dos picos de produção; quais eram as nossas metas para este ano e quais eram os objectivos, o que é que fizemos e deixámos de fazer. E propuseram este acordo para combater a baixa de produção porque eles não estavam à espera do que aconteceu no mercado americano. O Eos não está a vender nem 50% do que era o objectivo. Era para fazer 120 carros por turno e está fazer 70. E isso tudo, depois a baixa produção da carrinha antiga que também está a afundar e juntando esse bolo todo… Por um lado nós percebemos, nesta altura há gente em excesso porque há baixa de produção mas eles… nós sabemos que eles têm sempre uma segunda intenção por trás. A Comissão de Trabalhadores foi lá, falou connosco, mas desde o princípio o pessoal esteve sempre contra esse acordo. Ao princípio, eles tinham feito uma proposta mas que na altura era: ia-se trabalhar ao sábado mas não se ganhava mesmo nada. A Comissão vetou logo, não aceitou. Fizeram-nos uma nova proposta: ia-se trabalhar ao sábado e já pagavam como um dia normal. A Comissão fez o seu papel, apresentou a proposta e os trabalhadores car-industry400recusaram… Mas entre esta proposta e a que a Comissão apresentou não havia muita disparidade… Agora vão entrar em reuniões, na semana 36, mas agora a administração tem de alterar aquela proposta porque não pode ser igual.

Quem é que tem de alterar? A Comissão ou a administração?

A administração.

Têm de alterar. E tu achas que vai ser mais vantajoso?

Não! Devem fazer alterações mínimas. Mínimas. Mas não creio que vá ser assim algo tão… diferente.

Mas vocês querem um acordo?

Obviamente que a gente quer acordo mas… tem de ser um acordo… Nesta altura todos sabemos o que se está a passar, não vamos estar a prejudicar-nos a nós próprios. Sabemos que, se a Autoeuropa um dia fechar aqui, isto vai ser um caso sério, meu. Obviamente que toda a gente quer manter o posto de trabalho. Não é assim, hop hop, por dá cá aquela palha. Não sei, vamos a ver agora o que vai acontecer. Mas eu não acredito; ou apresentam um acordo com alterações em relação aos sábados, ou não acredito que vá passar outra vez.

Esperavam que o acordo fosse recusado?

Fiquei surpreso porque houve muito pessoal contratado que votou não. Por isso é que o acordo não passou. Toda gente pensava que ia passar. Os mais antigos votam sim para o acordo passar. Porque há muitos contratados [precários].

Mas há mais efectivos do que contratados?

Há mais efectivos do que contratados. Depois o pessoal de escritório que tem sempre um certo poder e, não sei se vai afectar ou não, mas não estou a ver o pessoal do escritório a trabalhar ao sábado.

Por isso achas que se estão nas tintas e votam no acordo. O pessoal que votou não é o pessoal mais afecto aos sindicatos?

Não, acho que não tem nada a ver. Os sindicatos ali não têm força para mobilizar.

Não há muita influência dos sindicatos lá dentro?

Não, não.

Só para recapitular – o outro rapaz já respondeu – mas: a administração propõe, a Comissão vê, apresenta-vos a vocês, não é? Fazem plenários…

Sim. Quer dizer, neste acordo, a primeira proposta que a empresa fez, a Comissão recusou-a logo, mesmo sem falar com os trabalhadores. Depois, como a proposta que eles fizeram já estava mais ou menos como a que apresentaram agora, eles aí [a Comissão] levaram à discussão. Chegam lá, expõem o seu ponto de vista e há pessoal que vai lá tirar dúvidas, debater, dar ideias. Depois vão discutir com a empresa e só nos dizem alguma coisa se acharem que vale a pena.

Quantos sindicatos é que há lá dentro?

Eh pá, eu acho… acho que há dois sindicatos, não sei bem.

Então consideras que este acordo foi bem discutido?

Sim. Há muita gente descontente por ser obrigada a trabalhar ao sábado. Ir trabalhar ao sábado é obrigatório.

Obrigatório, como?

Na proposta deles, estavam seis sábados programados e nesses seis sábados tens de ir trabalhar para ganhar como um dia normal.

A relação entre os contratados [precários] e os efectivos? Antes de ti, entrevistámos um contratado e ele disse que estão bem com os efectivos, e que estes até apoiaram os contratados…

42-15557322Houve muito contratado que ficou chateado porque ficaram com medo de perder o emprego. Mas a relação continuou boa. Nós batemo-nos para termos muitos contratados. Assim que saiu o comunicado em que eles disseram que não iam despedir pessoal, amenizou as coisas e houve uma maneira de pensar diferente. O sábado agora é 100%; já foi 200%, depois passou a 150%. Mas este acordo, agora, só tem a ver com os sábados e com os downdays.

E o pessoal está satisfeito com a Comissão de Trabalhadores?

Sim, há sempre os que vão lá refilar, e tal. Mas os que lá estão é que sabem. Para estar lá é preciso saber, saber jogar… Acho que fazem o que podem; se aquilo falhar para um, falha para todos.

Vocês estão em contacto com o pessoal do parque da empresa? São solidários?

Nós só sabemos deles através das notícias. Há umas empresas que já chegaram a acordo, há outras que já tiveram de despedir pessoal… Não é uma questão de estar ou não estar solidário; é uma questão de não saber o que é que se passa. Não sabemos quais são as propostas que eles têm, nem quais são as soluções que eles têm.(*)

As outras empresas da Volkswagen têm-vos apoiado?

Não. Não temos recebido apoio nenhum.

Nem as de Espanha?

Não, nada.

(*) Nota do Passa Palavra: Em recente debate televisivo, no programa Prós e Contras da RTP, o líder da Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa, António Chora, afirmou que existe uma estreita cooperação entre as comissões de trabalhadores das empresas subsidiárias da Autoeuropa, com reuniões regulares e a busca de estratégias negociais comuns. Esses encontros são confirmados no site da Comissão de Trabalhadores, o último dos quais em 15 de Julho, onde foi aprovada uma moção conjunta.

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