Na quinta parte desta “biografia política” de Mário Pedrosa, o foco será seu exílio no Chile, a organização do Museu da Solidariedade e o retorno ao Brasil, já durante o período de greves do ABC Paulista que levariam à formação do PT. Por Manolo

1. O intelectual independente em novo exílio (1970-1972)

Mário Pedrosa na década de 1970
Mário Pedrosa na década de 1970

Pedrosa, com o episódio do boicote à Bienal de São Paulo em 1969, tornara-se um homem marcado pela ditadura. Mas não pararia. Descobriu em 1970 um esquema para enviar à Anistia Internacional denúncias comprovadas de casos de tortura no Brasil, e, mesmo estando no exterior para realizar estudo para a UNESCO e não tendo tempo de enviar denúncia alguma, foi chamado a testemunhar num processo aberto pelos militares para investigar esta maneira de “denegrir a imagem do Brasil no exterior”. Ao dizer que não teve participação direta, mas que se solidarizava com os torturados, passou de testemunha a indiciado. Luciano Martins dá outros detalhes:

Em julho de 1970, avisado de que seria decretada sua prisão preventiva, sai de casa às pressas com a ajuda de Janio de Freitas. A casa foi em seguida invadida por policiais, que, contaram-me depois, foram recebidos por uma impávida Mary, que nem sequer interrompeu o seu jogo de paciência, até porque já havia passado antes por essas coisas. Em seguida, Mario se asila na embaixada do Chile, onde aguarda, durante três meses, salvo-conduto para viajar para aquele país. Mario Pedrosa tinha então 70 anos.

2. O Museu da Solidariedade e as “cartas chilenas” (1972-1973)

Ao chegar no Chile, então sob o governo de Salvador Allende, começou intensa correspondência com amigos, na qual descrevia sua visão do processo de profundas mudanças sociais que então ocorria:

Trabalhadores chilenos em manifestação popular
Trabalhadores chilenos em manifestação popular

A situação do Chile está agora numa fase bem decisiva, e continuo a achar do maior interesse. A fase crítica começa a aproximar-se, e o pessoal começa a dar-se conta disso. A experiência que se vive é fascinante, apesar das dificuldades que por vezes aparecem e chateiam. (Julho de 1972)

Nossa avaliação da situação? Mas isso, apesar da fria análise que possamos fazer, é tão subjetivo. A crise de poder agravou-se enormemente no mês passado e inicio deste. Com as altas de preços que o governo permitiu, subitamente, na esperança de poder frear o mercado negro e dar então um reajuste geral generoso às massas proletárias capaz de cobrir as altas, em outubro, a burguesia inteira acreditou chegada a hora de, agitando cassarolas [sic], tomando as ruas, fechando o comércio, fazendo greves de caminhões e autos, tratando a porretes e correntes os que encontravam pelo caminho poder tornar a situação insustentável para o governo, e obrigar Allende a capitular ou entregar-se às forcas armadas. Com a CIA e o imperialismo, a ofensiva momia era poderosa. Mas houve um basta. E quem o deu foi a classe operária, agindo à la 1917 na Rússia. (…) Ao chamado do governo e da CUT, as massas saíram à rua e desfilaram horas diante do palanque presidencial, ocupando inclusive os bairros momios, chics, como Providencia. A direita, que jamais esperou essa formidável resposta da massa à convocação numa hora de tantas dificuldades e altas incríveis de preços, encolheu-se. A DC [Democracia Cristã, um dos partidos da base de sustentação do governo Allende], cuja base proletária da CUT formou com o resto da classe, e sua direção, firmou o apelo da CUT para ocupar fábricas, usinas e tudo em caso de ameaça de golpe, não prosseguiu na ofensiva, com medo da resistência no seu flanco esquerdo a qualquer manobra de golpe com a direita parafascista e fascista. (Setembro de 1972)

Trabalhadores de cordão industrial no Chile
Trabalhadores de cordão industrial no Chile

O que caracteriza a situação política atual é o processo de crescente conscientização da classe trabalhadora. Isso começou a acentuar-se nas fábricas e usinas tomadas da área social. A cousa é de tal ordem que ameaça os próprios burocratas dos partidos. E tudo culminou com o ato público de 4 de setembro. A classe sente que o que está em jogo é o seu governo, que esta é a sua hora. A pressão é tal alta que os dirigentes sindicais do PC se sentem cada vez mais da classe, e menos do partido. Este, por sua vez, teve que fazer uma reviravolta a esquerda, e para com o sectarismo anti-esquerda. Toda a UP sabe hoje que afinal não se trata de ganhar eleição, mas o poder. (Sem data, provavelmente de setembro de 1972)

Tomar usinas, fábricas, bancos, terras, com jeito, interpretações e perito se faz e se tem feito, com mais ou menos acidentes e choques. O aparato legislativo grita, o aparato da justiça zurra, reclama, sabota. Mas a cousa feita, feita fica, e não se volta atrás, em geral, pois os trabalhadores se põem de permeio. (Sem data)

Impor, porém, que as mercadorias circulem pelos seus canais de distribuição “normais” e cheguem aos estuários a tempo, em quantidade e a preços cristãos, ah, isso é outra cousa. 30% delas é desperdiçado de saída, contrabandeado e mais ainda é açambarcado. Aqui as interpretações da legalidade não têm cabida, a barragem dos operários não tem onde operar. (…) O que importa então é chamar a iniciativa da base para ir às fuças dos açambarcadores, controlar preços, o diabo. São as juntas populares que se organizam por toda a parte. Enquanto isso se faz, o governo trata de organizar seu aparelho de distribuição próprio, com suas frotas de caminhões e transportes para pegar os gêneros nos centros apropriados, portos, etc, e levá-los aos centros populares de consumo, onde se instalam os armazéns destinados a entregá-los ao povo. (…) Para as classes médias há as cooperativas de distribuição e consumo. Quanto aos ricos, que se arrumem. Ao lado disso, a montagem de um outro sistema de distribuição de rendas… A burguesia vai chiar, as classes médias gritam, mas se vão dividindo, como já o estão, inclusive ideologicamente; a pata, porém, do poder proletário se vai fazendo sentir de mais a mais. Este é o poder novo que está surgindo de dentro do velho. o aparelho de Estado range por todos os cantos. (Sem data)

A propósito do Chile (…) Temos vivido uma experiência riquíssima (…) A tensão política porém era alta, e sentia-se um clima pré ou para-revolucionário. Neste país de povo moderado e, em geral, sem imaginação, mas de comportamento surrealista, tivemos a originalidade única na história de uma greve geral burguesa, em nome da solidariedade gremial, contra o governo, mas a favor da restauração da ordem capitalista já em pandarecos talvez irreversível. E todos os dias entrava mais um contingente social em paro. Camioneros, comerciantes, médicos, dentistas, donas-de-casa, putas, engenheiros, arquitetos, por um dia ou dois ônibus e táxis, bancários, serviços, construtores, estudantes, garotos armados de estilingue, iam parando e o governo, nos primeiros dias, olhando tudo, sem saber muito o que fazer, e dizendo besteira até que a cadeia de paros estacou na porta das fábricas, usinas, empresas industriais: os operários recusaram a ordem de parar, mesmo com a jornada paga. E não só foram para as fábricas, como as puseram a trabalhar. E nos dias em que os ônibus da cidade e os táxis não funcionaram, andaram quilômetros a pé, e não faltou um só, nem mesmo nas segundas feiras em que matam muito o trabalho. Os patrões ficaram bestas, o Governo saiu do bobeamento em que caiu, os partidos de esquerda enfim desencantaram, os comunistas à frente. Restabeleceu-se um serviço de distribuição, sobretudo para os bairros pobres, que nunca estiveram tão bem sortidos, com carne de vaca, etc. E os bairros chic na pendura… Atrás dos trabalhadores saíram os estudantes, professores universitários, ao trabalho voluntário, descarregando e carregando milhares e milhares de sacos de arroz, farinha, açúcar, o diabo (…) (Novembro de 1972)

Isto aqui está atravessando uma fase chata, sobretudo depois do paro, quando havia tensão nos espíritos e certa excitação, sinal dos tempos. Agora há pasmaceira, e algumas colas chatas para se prover de cousas… O caminho da revolução chilena é complicado. Vale a pena segui-lo de perto. A experiência é cada vez mais rica… (1973)

Após o golpe que derrubou o governo Allende e exterminou a esquerda chilena, manifestações como esta dificilmente seriam vistas
Após o golpe que derrubou o governo Allende e exterminou a esquerda chilena, manifestações como esta dificilmente seriam vistas

Quanto à situação política, 3 coisas achei importantes agora: 1) a poderosa contra-ofensiva da DC que parece ter quebrado o monopólio prático do Allende das manobras com o Exército. Ela agora já tenta manobrar com ele contra o governo… Mas o que quer agora a DC é fazer do Exército o árbitro bonapartista acima das classes. 2) a ocupação maciça das empresas pelos trabalhadores e destas fazer os bastiões do poder proletário… 3) indícios mais claros de divisão dentro da UP. Que há divisões no PS é certo, mas no PC? Tudo indica que vamos chegando próximo a ponto de desenlace. Pero, tendo em conta o surrealismo político que aí domina – esperamos o desenvolvimento. (Agosto de 1973)

Pelo que vejo – todo o palavreado político se reduz aos que detém poder de fato: exército e povo. Este – numa posição tipicamente chilena – no seu reduto final: a fábrica, a empresa. A grande vantagem estratégica do governo UP é terem como principal aliado os operários ocupando as empresas e armados dentro delas. (1973)

No meio do furacão, Pedrosa envolveu-se na construção do Museu da Solidariedade. Surgido por iniciativa do próprio Salvador Allende, que organizou uma ação internacional junto a artistas plásticos sintonizados com a Revolução Chilena para que doassem obras ao museu em formação, era animado pelo Comitê Internacional de Solidariedade Artística ao Chile, cuja presidência foi entregue a Mário Pedrosa. Era o Comitê quem incentivava as doações ao Museu, apoiado também pelas articulações de Pablo Neruda, então embaixador chileno na França. Chegaram obras de onze países, inclusive do Brasil.

Mário Pedrosa e Salvador Allende no Museu da Solidariedade em 1972
Mário Pedrosa e Salvador Allende no Museu da Solidariedade em 1972

Dei-me aqui a tarefa de criar e instalar o Museu da Solidariedade, e não largo a cousa para fugir para não sei onde. A hora das dificuldades não passou. Mas são os ossos do ofício para os que no Chile botaram na cabeça que teem de fazer a famosa transição ao socialismo. Creio que a coisa vai se tornando cada vez mais irreversível. Esses próximos seis meses são decisivos. (Sem data)

Pedrosa entrava em contato com militantes brasileiros exilados, conversava, articulava. O momento pelo qual passava o Chile abria estas possibilidades. Valério Arcary relembra:

A Convergência [Socialista, grupo trotskista que, anos depois, seria a principal força no processo de construção do PSTU] nasceu de um núcleo de militantes que começou a fazer uma reflexão sobre a experiência da guerrilha no Brasil no início dos anos 70. Esse núcleo original se constituiu no Chile em torno de um grupo que se chamava Ponto de Partida, que naquela época recebeu uma grande influência do Mário Pedrosa. Na verdade, Mário Pedrosa trouxe esses jovens militantes para o marxismo revolucionário e para a IV Internacional.

Mas nem sempre os contatos eram dos mais amistosos:

Não há porque tragificar as cousas. Isso é bom para meia dúzia de brasileiros super-revolucionários que se afastaram do Brasil mas não chegaram ao Chile, e vivem soberanamente alienados, à espera do momento de refugiar-se numa embaixada… São revolucionários que só admitem a revolução no Brasil, e segundo o figurino que confeccionaram… Existe um processo no Chile, mas continua sendo ao modo chileno. E este é complicado, e difícil de se entender. Mas está andando, e mais incompreensível ainda, com democracia. (Sem data)

O processo operário de autogestão das fábricas seria certamente inspirador para o que veria acontecer no Brasil ao retornar do exílio.

Mário Pedrosa, que havia ido ao México para algumas aulas e palestras, voltou ao Chile em 9 setembro, dois dias antes do golpe militar. Ficou 17 dias escondido em casa de amigos e, depois, mais 17 dias na embaixada do México. Em seguida, iria para França. Luciano Martins conta como foi a saída de Pedrosa do Chile:

Mário Pedrosa em Paris, 1973
Mário Pedrosa em Paris, 1973

O nome de Mario é posto entre os primeiros na lista de “procurados” pelos militares de Pinochet. Não há outra coisa a fazer: se asila na embaixada do México, onde aguarda um salvo-conduto para viajar que nunca chega. De Paris, Carlos Fuentes prontamente intercede junto a seu governo para a concessão do documento. Mario pode ir, então, para o México, mas lá não pode ficar. Precisa viajar para Paris e, quando vou buscá-lo em Orly, percebo que está quebrado com a derrota da esquerda no Chile. Aí começa outra novela. Mario viajava com um passaporte chileno que Allende lhe havia dado e a polícia francesa só queria deixá-lo ficar no aeroporto, em trânsito. Depois de muitas tentativas, lhe deram 48 horas para deixar a França. Graças a seu velho amigo David Rousset [militante francês, um dos fundadores do Parti Ouvrier Internacionaliste (POI) em 1936], que era então próximo de De Gaulle, conseguiu-se que lhe fosse concedido asilo político. Mas para isso ele tinha antes que prestar um depoimento na Surêté, fazendo um histórico de vida. Acompanhei-o nesse depoimento (que durou quatro horas e assumiu às vezes um caráter surrealista), procurando intervir, quando possível, para tentar esclarecer situações e passagens biográficas de Mario absolutamente incompreensíveis para um cartesiano inspetor da polícia francesa. A entrevista parecia não avançar. Foi quando o inspetor virou-se para mim e perguntou: “E o senhor, afinal quem é o senhor?”, ao que respondi: “Bem, sou o ex-genro dele”. Aí percebi que o bravo inspetor desistiu de entender o que quer que fosse – e oficializou o asilo. Mario ficou quatro anos em Paris, onde escreveu um ensaio sobre Rosa Luxemburgo, até que, revogado o mandado de prisão preventiva que havia contra ele, pôde voltar ao Brasil em 1977, e foi mais tarde absolvido no processo ao qual respondia por “denegrir a imagem do Brasil no exterior”.

"A crise mundial do imperialismo e Rosa Luxemburgo", de 1979
"A crise mundial do imperialismo e Rosa Luxemburgo", de 1979

Antes de retornar ao Brasil, além de A crise mundial do imperialismo e Rosa Luxemburgo – obra de discussão dos rumos do imperialismo com base numa análise acadêmica de A acumulação do capital – escreveria “Discurso aos tupiniquins ou nambás”, publicado pela revista Versus em 1976, no qual atualizaria as perspectivas abertas pelas duas Opções.

3. O último ato: a fundação do PT (1978-1980)

Com o fim do processo aberto contra si pelos militares, em 1977, Mário Pedrosa poderia retornar ao Brasil. Ao chegar, voltou às atividades de sempre: voltou a escrever para a Folha de São Paulo, passou a escrever para o Jornal da República e empenhou-se na reconstrução do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

O período era quente. Ainda em 1978 teria início a série de greves no ABC Paulista que deu início àquele que seria seu último ato político: o apoio à construção do Partido dos Trabalhadores (PT).

Ainda em 1978, escreveu a Lula uma “Carta aberta a um líder operário”, na qual disse:

Sei que você, cuja liderança vem tomando vulto de norte a sul do país, no movimento da classe operária brasileira, não gosta muito de manifestações de intelectuais na vida sindical. Compreendo e respeito sua ojeriza nesse sentido, pois a história desse movimento operário, principalmente no Brasil, está recheada de exemplos de salamaléques [sic], tapinhas nas costas e outros tipos de engodo, com que certos ‘intelectuais’, mormente em vésperas de eleições, procuram bajular os trabalhadores. Felizmente, desses trejeitos nunca sofri, muito menos, hoje, nessa idade em que não se é mais candidato a nada, a não ser continuar fiel às idéias da mocidade.

Engajou-se na construção do PT com a disposição de sempre. Pedrosa passou a defender energicamente a criação do partido em todos os espaços onde tinha oportunidade, mesmo contra amigos de longa data que consideravam a empreitada “prematura”, “arriscada” ou “aventureira”. Numa série de artigos, depois reunida no livro Sobre o PT – cuja renda foi revertida para a construção do partido – resgatou a tradição da esquerda brasileira, apontou a novidade de um partido construído diretamente pelos trabalhadores, propôs muito e indicou possibilidades. Em outra carta do mesmo período (“O futuro do povo”), preconizou:

"Sobre o PT", de 1980
"Sobre o PT", de 1980

De que se necessita é recomeçar por baixo, a partir realmente da vocação das regiões [do Brasil] e daí sim iniciar um trabalho imenso de reconstrução da nação através de assembléias constituintes regionais, que permitiriam ir ao encontro das necessidades do povo que habita essas regiões. (…) Quando falamos em assembléias regionais, é para que os Estados recobrem sua autonomia e os povos seus direitos democráticos fundamentais desta nação até hoje incompleta que é a nação brasileira. A grande tarefa e imediata do povo brasileiro é a organização dessas assembléias constituintes regionais, convocadas por partidos, que sobem de baixo, como o Partido dos Trabalhadores.

Mesmo na construção de um partido, e mesmo na construção de uma Assembléia Constituinte – coisa que já vinha defendendo há algum tempo – Pedrosa mantinha o apreço pela diversidade e pela construção a partir de baixo, característicos de sua militância.

Mário Pedrosa e Lula (provavelmente 1980)
Mário Pedrosa e Lula (provavelmente 1980)

O movimento, como hoje sabemos, deu certo, pois o partido foi criado. Em São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 1980, foi marcado o ato de fundação do PT. No auditório do Colégio Sion, 242 delegados de 18 estados e um sem-número de militantes – entre 400 a mil – admitidos com direito a voz participam do ato de fundação do PT. Dirigida pelo coordenador nacional do PT, o líder sindical Jacó Bittar, a mesa foi secretariada pelo senador goiano Henrique Santillo e contou com a presença do deputado fluminense Edson Khair, de Lula, de Paulo Matos Skromov e de outros líderes populares e dirigentes sindicais.

Paul Singer relembra:

Eu lembro (…) a comoção no colégio Sion quando os três velhinhos – Apolonio de Carvalho, Mario Pedrosa e Sérgio Buarque de Holanda – foram convidados a ser os primeiros a assinar o livro de fundação do PT. Foi um momento certamente de profunda satisfação para o Mario e para muita gente mais, uma maneira de colher um pouco daquilo que ele, junto com seus companheiros, semeou a vida inteira.

O secretário da mesa convoca Mário Pedrosa para assinar o Manifesto de Lançamento do Partido dos Trabalhadores. Levanta-se. A perna baleada, com a idade (já contava com 79 anos), certamente incomodava-o mais que tudo. Fez um pequeno discurso:

Manoel Conceição, Mário Pedrosa, Mary Houston e Sérgio Buarque de Hollanda, fundadores do PT no Colégio Sion (1980)
Manoel Conceição, Mário Pedrosa, Lélia Abramo e Sérgio Buarque de Hollanda, fundadores do PT no Colégio Sion (1980)

Na hora em que aqui nos reunimos, companheiros de todo o Brasil, para assinar o nome sob a flama do Partido dos Trabalhadores, temos consciência do que estamos fazendo. Diferentemente de todos os partidos por aí, com sua dança de letras e siglas, o PT é simplesmente o Partido dos Trabalhadores. É único de estruturas, é único de tendências, é único de finalidade.(…) Partido de massas não tem vanguarda, não tem teorias, não tem livro sagrado. Ele é o que é, guia-se por sua prática, acerta por seu instinto. Por isso, ao nos inscrevermos no PT, deixamos à sua porta os preconceitos, os pendores, as tendências extras que possivelmente nos moviam até lá, para só deixar atuando em nós uma integral solidariedade ao Partido dos Trabalhadores.

Disputa-se até hoje se o primeiro a assinar o livro de filiações ao PT foi Pedrosa ou o velho comunista Apolônio de Carvalho, veterano da Guerra Civil Espanhola e membro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) que fez a luta armada contra a ditadura militar. Como o livro foi extraviado, esta dúvida permanecerá.

Luciano Martins contou uma confidência feita por Pedrosa após o evento: “Danei-me de chorar”.

Um ano, sete meses e um dia depois, morreu.

REFERÊNCIAS

As “cartas chilenas” de Pedrosa foram encontradas – sem qualquer referência a fontes, e muitas delas sem data – no artigo “Mário Pedrosa – as cartas chilenas: socialismo ou barbárie”, de Cláudio Nascimento. O testemunho de Paul Singer foi recolhido de seu artigo “Mário Pedrosa e o Vanguarda Socialista”, do livro Mário Pedrosa e o Brasil organizado por José Castilho Marques Neto. Os preciosos relatos de Luciano Martins estão em seu artigo “A utopia como modo de vida (fragmentos de lembrança de Mário Pedrosa)”, publicado no mesmo livro. O relato de Valério Arcary está na clássica entrevista “Qual é a tua, Convergência?”, na revista Teoria e Debate n.º 10 (abr./jun. 1990). A sessão de fundação do PT foi descrita em detalhes por Perseu Abramo no artigo “Divergências na fundação do PT: avaliações diferentes das perspectivas de legalização do partido”, publicado pelo jornal Movimento (infelizmente, com a data ilegível).

5 COMENTÁRIOS

  1. Ola Manolo,

    As fontes das “cartas Chilenas” é o livro do sobrinho de Pedrosa,Figueiredo tal,publicado em 1981.
    No momento estou em viagem,mas depois te passo os dados completos.Abraços.

  2. Não tem nenhuma frase política que ele tinha dito na decada de 70 não?

  3. Cara Lidia, se você observar os trechos em destaque verá que as frases de Pedrosa ali presentes são, todas elas, políticas. Basta escolher uma.

  4. Grande figura !
    E aqui (no link abaixo), em 13 de outubro de 1979 – São Bernardo do Campo/SP.
    “Em reunião no salão de festas do restaurante São Judas Tadeu, com a presença de 130 pessoas, representando pelo menos seis estados do País, é lançado oficialmente o Movimento pelo Partido dos Trabalhadores. Os presentes aprovam uma “Declaração política”, que expressa as conclusões da reunião; uma “Plataforma política”, que indica as reivindicações que o Movimento pelo PT deve levar imediatamente; e as “Normas transitórias de funcionamento”, que apontam sugestões básicas para a organização do PT em todos os níveis, além de uma “Nota contra a reforma partidária”, que expressa a posição do Movimento diante da reforma partidária do regime. É também eleita a Comissão Nacional Provisória, composta por 17 pessoas, que dirige o Movimento até junho de 1980.” (entre aspas texto da Fundação Perseu Abramo, para lembrar os detalhes).

    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10206197792534999&set=a.10206197792775005.1073741834.1569991290&type=3&theater

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here