Por Alex Hilsenbeck

O futuro chef

gastro2Ele se formou numa conceituada escola de gastronomia no interior de São Paulo, rapaz aplicado e competente, foi trabalhar no restaurante de um dos mais famosos chefs do Brasil, entre os melhores do mundo. Trabalhava das 9h às 14h, assim estava devidamente registrado em sua carteira de trabalho, somente o outro período, das 20h às 02h (na verdade até encerrar todos os trabalhos do badalado restaurante, o que normalmente demorava muito mais) é que não estava no papel.

Em compensação ele podia tirar uma folga por semana e ao menos morava relativamente perto do trabalho, diferente do outro colega, que por ser mais pobre e morar na periferia da cidade, gastro3ao invés de viver a sua vida no intervalo das 14h às 20h, preferia esperar no próprio trabalho, assim poderia ajudar os colegas que estivessem nadando [1] na cozinha, pois no tempo que levaria para chegar em casa já teria que pegar o ônibus [autocarro] de volta para o trabalho.

No início ele acreditou que o sacrifício valeria a pena, pois engordaria o currículo, se especializaria e afinal, caso ele não quisesse, outros tantos rapazes e moças competentes faziam fila para trabalhar naquele badalado restaurante.

Os garçons

Eles também trabalhavam na cozinha, mas não fizeram faculdade de gastronomia ou algo que o valha, eram empregados de mesa, serviam as pessoas, carregando os pratos para lá e para cá, em festas de aniversário e outras comemorações. Quando chegaram à casa onde ocorreria um evento, foram conduzidos para um amplo e belo ambiente com tijolos de vidro. Ao gastro4perguntarem onde era a cozinha, responderam-lhes, não sem certo sarcasmo, que era ali mesmo, uma cozinha maior do que suas próprias casas.

O emprego tinha um bom diferencial, eles poderiam comer antes de passarem a exercer sua função de servir iguarias requintadas. Contudo, a comida destinada ao pessoal da cozinha variava entre pão com mortadela e macarronada com salsicha ou carne moída, de segunda, claro, e segundo a organizadora do evento, uma empresária independente no ramo, é por que “eles gostam né?”.

***

Compreende-se assim que, seja no topo ou na base, seguido por pratos com o maior requinte e harmonização, o valor da alta gastronomia tem o gosto amargo da exploração que é servida à mesa.

Nota

[1] Nadar é um termo usado na cozinha quando o período para preparar determinado prato está acabando e ainda faltam muitas tarefas a cumprir antes de poder servi-lo.

17 COMENTÁRIOS

  1. Ah meu caro. Já vi isso, Trabalhei no extinto RED, atual américa. Lá inventaram a sepração do garçom atendnete, que ganha gorjetas e do puxador (que só leva e traz pratos de comida e drinks).
    Ritmo alucinante, horário imprevisível, pois tem de fechar, maus tratso da parte dos clientes (e respostas agressivas dos garçons e cozinheiros que podem por coisas nas comidas) o negócio é um inferno.
    Além disso, em São Paulo, por causa do horário, obriga-se a que os funcionários que não são os de atendimento (hostess, atendentes, maitre, que mantendo o paralelo lembra o capataz ou mestre de obras e que parecem com os clientes podendo ser de classe média e estilosos e moderninhos no visual) a serem de duas áreas específica de São Paulo:Campo Limpo e Zona Leste, pois são as únicas áreas que possuem ônibus que passam no corredor da 9 de julho ou da rebouças ao longo da noite.
    Quem não for destas regiões, muitas vezes estes jovens moderninhos (apenas no visual, mas pobres ou de classe média bem baixinha) vagam pela noite procurando lugares abertos para esperar até de manhã, ou vão para a balada (vindos do interior como eu), gastando o salário e sobrando apenas o suficiente para viver.
    É osso essa vida. Além disso os do atendimento incorporam a ideologia do cliente e ficam em conflito com o pessoal mais humilde deste tipo de trabalho.
    Bom texto.

  2. A profissão de garçom é uma das que mais trabalha na ilegalidade, sem garantias, sem registros etc. Interessante como que consegue aglutinar escravos contentes que ficam felizes por estarem servindo estas ou aquelas pessoas, de posse, poder ou de fama.

    Nos bufês, faz-se jornadas de mais de 24 horas seguidas, às vezes emendando três dias seguidos de trabalho dormindo-se apenas 2 ou 3 horas de uma jornada para outra.

    Entretanto, embora exista toda uma turma feliz por sua servidão, há muita resistência, muita sabotagem tanto individual quanto coletiva. Uma coisa que só quem trabalha percebe. Desde a apropriação de pequenas coisas até demorar coletivamente no atendimento ou beber, dançar, brincar e cantar durante o trabalho, quebrar utensílios intencionalmente etc.

    Mas no seu texto foi interessante lembrar, como no caso do vestido de Angelina Jolie, narrado no livro Camorra, como que o luxo se alia à mais bizarras formas de exploração do trabalho humano. E como alguns se sentem felizes por serem escravos de gente requintada.

  3. A cultura serviçal é mais uma sequêla da colonização, desde a monarquia, onde os servos serviam seus senhorxs. Isso acontece hoje com a “profissão” de garçon e garçonete, é uma alternativa para quem está disposto a ser explorado, desde que tenham uma boa aparência e bons modos, ou seja, tenham os mesmos modos padronizados pela burguesia. Existem diversos sindicatos para essa profissão, que dizem lutar por seus direitos, tirando aí uma fatia do seus salários, mas na prática não são capazes nem de obrigar o patrão a repassar os 10%. Em maringá, cidade onde trabalhei por algum tempo, acredito que nenhum restaurante repassa a porcentagem para os garçons e garçonetes, mas não deixam de cobrar os 10% dos clientes.

  4. Quando estava participando da greve na USP, quando era lá funcionário, fiquei constrangido em como conseguir ajudar amigos a conseguirem reduzir o horário de trabalho a 8 horas, isto é, como no século XIX. Mas o que se podia fazer?
    Qualquer manifestação que se fizesse os colocaria no olho da rua.
    Tentamos umas intervenções, por sugestão de alguns garçons, com apoio mais entre estudantes do tipo colocar na ficha de sugestões a redução do turno de trabalho para melhorar o atendimento, pois eles não estavam aguentando.
    Além da fila de pessoas atrás desses empregos, inclusive gente que não depende estritamente do salário, por isso pesam sobre os demais (o que acontece em trabalhos cooperativos ou em projetos onde há alguns que trabalham dependendo do salário e outros pela militância…, sendo os primeiros sempre os prejudicados).
    Estas coisas colocam problemas parecidos às categorias que não possuem contrato de trabalho e são ligados à área de serviços sem qualquer tipo de garantia ou profissão.
    Agora estes puxa-sacos meio servos, que são prejudicados, mas ficam felizes em ganhar um pouquinho mais que os outros, já não sei se viriam das colônias não…
    Vejam esta tirinha:
    http://www.malvados.com.br/index1340.html

  5. Pra quem pode ler em inglês, aqui vai um artigo interessante sobre o tema, a partir de um enfoque (pós)operaísta (trabalho imaterial, afetivo, composição de classe…). Escrito a partir da experiência da própria autora como garçonete.

    Producing the Dining Experience: Measure,
    Subjectivity and the Affective Worker

    Emma Dowling

    http://www.ephemeraweb.org/journal/7-1/7-1dowling.pdf

  6. Já trabalhei como garçom e vivi boa parte das situações apresentadas acima. Tive mais três irmãos que trabalharam como garçons também. Existe um alto grau de exploração, porém o garçom tem um alto controle sobre seu ambiente de trabalho, mesmo em lugares badalados como o Hotel Hilton. É praticamente impossível por parte das empresas controlarem a quantidade de alimentos e bebidas utilizados no seu dia-a-dia. Dessa forma os garçons, pelo menos os da minha família, inclusive eu, tivemos a possibilidade de praticar táticas de reapropriação direta, como o Yomango. Então comer macarronada com salsicha, nem pensar! Nem mesmo em casa! Só não dava pra escapar da carga horária fatigante e dos seis dias semanais de trabalho. Mas pelo menos conseguia beber todos os dias e como eram boas aquelas bebidas! Afogavam as minhas mágoas…

  7. Me reconheci no texto e nos comentários!
    Fazemos mesmo várias formas de resistência, sobretudo pela invisibilidade que temos, ás vezes em festas e eventos há pessoas que conhecemos e simplesmente não nos veem enquanto estamos como garços.
    Mas, exatamente por me reconhecer na exploração deste tipo de trabalho é que não entendo porque a etiqueta é lazer, ora, na época em que trabalhei como garçom, apesar dos momentos de prazer ao lado de companheiros (inclusive com bebidas expropriadas e quentinhas levadas para casa) não era nem um pouco lazer, mas trabalho, com direito a todas as formas de humilhação e exploração que isto significa no capitalismo (ainda que muitas pessoas esqueçam isso ao servirem Hebes Camargos e Jo Soares da vida).

  8. Parabéns pelo texto!
    Eu também tive minha experiência nesta área, só que na baixa gastronomia. Na cidade de Marechal Cândido Rondon – PR, entre os anos de 2002-2008, pude ver e experimentar a triste prática do trabalho em troca de comida; em dois restaurantes diferentes. Lá onde tem um campus da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE era muito comum a utilização da força de trabalho dos universitários, em restaurantes populares e outros nem tão populares, em jornadas curtas e intensas, principalmente no horário do almoço, entre as 11 e as 14 horas, cuja única forma de remuneração era um prato de comida no final do expediente. Nós, naquela época, procurávamos os restaurantes que nos davam também um copo de suco de água da torneira com polpa congelada de fruta, junto à refeição. E isso era motivo de diferenciação entre uns e outros restaurantes; e tragicamente motivo de chacota entre vários professores universitários daquela instituição, muitos desses se auto proclamavam revolucionários e à época eram dirigentes sindicais. Esta realidade estava bem enraizada, lucrativa a todo vapor, pois até 2008 lá não existia restaurante universitário, casa do estudante, e nenhuma política de incentivo financeiro à permanência na universidade, o que empurrava dezenas de estudantes pobres a esta realidade de exploração, e o pior, ainda acabávamos tirando o trabalho de profissionais deste setor, prejudicando a renda mensal dos mesmos, rebaixando a pauta geral de reivindicações desta categoria, entre outras coisas. Fazíamos isso sem ter noção desses resultados sociais, mas fazíamos porque isso ajudava a continuarmos a freqüentar a universidade. Mesmo não ganhando gorjetas, eram raros os clientes que davam gorjetas, mais ainda na hora do almoço, economizar o dinheiro que gastaríamos com almoços ajudava e muito. Lá também não existia nenhuma forma de organização política por parte dos trabalhadores do setor, nem mesmo um sindicato. O que provavelmente contribuía, e muito, para a existência desta prática. Neste setor era comum dividirmos o trabalho com crianças e idosos, e principalmente com trabalhadores que não tinham qualificações profissionais nas áreas que mais empregava naquela cidade. Como também era comum comermos o resto frio de comida que ficava no buffet. Quando acabava a comida antes mesmo dos trabalhadores se sentarem para as refeições, comíamos X-Salada. Quando estávamos sem dinheiro trabalhávamos doentes, e pra chegar no horário saíamos antes do término das aulas. Ali não tinha nada de lazer, de status, não atendíamos globais, não havia expropriações diretas individuais ou coletivas em grande escala, quando muito ganhávamos uma marmita pra levar pra casa, não deixávamos o que sobrava no buffet virar lixo, virava a nossa farta janta, e o que economizavamos no jantar gastávamos com Tubão caseiro feito com água da torneira misturada com cachaça de alambique e suco de pacotinho (tipo Tang só que do mais barato).

  9. Fernando, seu relato é importante. Eu tentei, há um tempo, escrever um texto sobre as formas de exploração e servidão de alunos dentro da universidade. O texto não ficou muito bom e o abandonei. Entretanto, esse seu relato me faz lembrar que também na Unesp de Assis o restaurante usava trabalho de alunos que ganhavam somente a comida. A prática é maior do que eu pensava e pode se unir aos casos de trabalho gratuito na organização de enventos, transcrição de gravações, organização de livros e outros mais.

  10. Nas férias de 2001 fiz um intercâmbio aos EUA para trabalhar como camareira em um hotel. Após 1 mês, abandonei o emprego e junto a outros 4 estudantes de diferentes países da América Latina, pegamos um carro e saímos do Mississipi em direção à Flórida para trabalharmos como garçons no restaurante de algum hotel na cidade de Daytona. Chegamos ao meio-dia e às 18h eu já estava servindo o meu primeiro cliente. Sem nunca ter segurado uma bandeja antes… Tanto é verdade, que a primeira vez em que fui servir água, cometi o “deslize” de derramar todo o conteúdo da jarra sobre a mesa do cliente. Fui mandada embora? Claro que não! O custo para me manter naquele emprego era apenas me oferecer alimentação (leia-se restos), local para dormida (um salão imenso em que aproximadamente 10 jovens dormiam sobre colchões no chão)e 5 dólares/hora. O turno começava às 6h30 e ia até as 15h30, depois fazíamos uma pausa e voltavamos às 17h30, para terminar o turno às 22h30. Ou seja: 14h/dia.
    Essa experiência durou 3 semanas, tempo suficiente para eu juntar dinheiro e prosseguir minha viagem. Assim como a maioria dos outros estudantes. Ninguém se considerava um garçon profissional, porém, confesso que foi ali, levando e trazendo a comida para aquelas pessoas que nem falavam o meu idioma, que nasceu em mim pela primeira vez o orgulho em servir. Em todas as outras profissões que tive depois, inclusive agora como professora universitária, me sinto honrada em poder servir conhecimento aos meus alunos.
    Lutar por condições de trabalho mais justas, sempre. Sentir-se inferior por carregar uma bandeja, jamais!

  11. Barbara,

    eu acho que os restaurantes de conhecimento deveriam ser self-service.

  12. Gostei bastante do texto. Identifico-me muito com as histórias por tê-las sentido na pele. Também achei muito interessante os comentários, só senti falta dos cozinheiros e cozinheiras na discussão.
    Fui encantada pela gastronomia ao longo da graduação do curso de Nutrição: me incomodava bastante o valor dado aos nutrientes em detrimento dos alimentos em si, queria saber de comida e não de nutriente!
    Fiz um curso de Cozinheiro Chefe Internacional e me apaixonei pela gastronomia pois o mundo a mim apresentado foi o dos sabores, cores, cheiros e texturas dos alimentos. No entanto, toda essa beleza e essa paixão pela gastronomia vieram por água abaixo quando comecei a trabalhar na área. Demorei um pouco para comentar esse texto porque essa história ainda não foi bem digerida por mim e acho que nunca será.
    Iniciei meu trabalho como auxiliar de cozinha num resort na Bahia e logo na minha entrevista, o chef me orientou que não contasse a meus colegas qual era a minha formação, pois eu correria o risco de ser boicotada na preparação dos pratos.
    A hierarquia que existe numa cozinha é muito rígida e independente da formação, você deve passar por todas as áreas da cozinha antes de se tornar um grande chef.
    A equipe na qual trabalhei era composta por 30 pessoas, 29 homens e 1 mulher. Ao questionar o porquê de não haver mulheres na equipe, meu chefe me disse que mulher não agüenta o trabalho que é muito pesado e que homem não tem oscilações hormonais como as mulheres então fazem menos corpo mole na hora de trabalhar. Eu me perguntava por que ele teria me aceitado na equipe, mais tarde fui entender… Ele queria uma figura feminina na cozinha para embelezar o local e para tentar que eu fizesse alguns “favorzinhos” a ele para que eu conseguisse subir de cargo. Um nojo!
    Cada reunião da equipe era uma tensão total… O Chef falava que só os melhores, os mais ágeis, os que fossem mais disponíveis (para possíveis horas extras) e os mais organizados subiriam de cargo para talvez se tornarem um chefe de setor. A pressão era enorme.
    As horas extras não eram pagas, mas compunham um banco de horas. O difícil era conseguir folgar… A cozinha nunca pára, sobretudo no caso de um grande hotel.
    O trabalho, extremamente braçal e cansativo, consumia todo nosso tempo, não havia um colega que conseguisse se divertir depois de uma jornada de 10 a 12 horas de pé, entre o frio das câmaras frias, o calor dos fogões, a pressão dos chefes e o desrespeito dos clientes.
    No horário do almoço, quando a maioria dos trabalhadores do hotel parava por 1 hora para comer, a cozinha fervia… era o horário que mais nadávamos. Era impossível parar por uma hora para almoçar, então tínhamos 2 opções: engolir o almoço semi-pronto as 10:30 ou as 15:30. Muitos preferiam comer às 15:00 pois o cardápio servido nesse horário contava com todos os restos de comida que era servida no buffet para os hóspedes.
    Fiquei nesse trabalho por 3 meses e resolvi me mudar para São Paulo pois achava que as condições de trabalho aqui seriam melhores do que as da Bahia. Para minha surpresa, ao entrar numa cozinha em São Paulo me senti no Nordeste. Todos os trabalhadores e trabalhadoras eram nordestinos moradores da periferia de São Paulo.
    São Paulo é a cidade onde mais acontecem eventos no Brasil. Apesar disso ser sabido, as equipes fixas (com registro em carteira) dos hotéis são extremamente reduzidas. Conta-se com os profissionais cadastrados nas cooperativas de cozinheiros da cidade que servem toda a rede hoteleira para a execução desses eventos. Os trabalhadores são avisados com até uma semana de antecedência o dia que terá trabalho disponível. Como você não tem certeza de quando haverá trabalho novamente, se sujeita a dobrar o turno de trabalho para conseguir mais dinheiro para a semana. O mais engraçado é que cada hotel conta com uma equipe fixa de trabalhadores extras, estes competem entre si para conseguir entrar no hotel como funcionário registrado.
    Certa vez, num evento de todas as indústrias de alimento do Brasil para 600 pessoas, ocorrido num hotel na região da Berrini, trabalhei por 17 horas seguidas. Apesar do chefe do local dizer que eu ainda tinha muito a aprender numa cozinha, sabia que eu tinha conhecimento técnico de todas as áreas, então me jogava da confeitaria para a cozinha quente, para o garde manger, para a cozinha dos funcionários, para a padaria… E assim eu não parava nem um minuto por dia. Quando eu estava indo embora, certa de que eu não voltaria nunca mais, um colega me pediu que o cobrisse no dia seguinte, pois já eram 3 da manhã e teríamos que entrar novamente às 7h. Ele não poderia dormir no hotel, pois era proibido. Se ele fosse embora para sua casa, daria tempo de chegar, tomar um banho e já voltar para o trabalho. Para minha surpresa, no dia seguinte meu colega estava lá novamente às 7h, pois disse que não tinha conseguido condução para ir embora.
    É bom lembrar que não é só na alta gastronomia que existe exploração. Mesmo nos restaurantes mais baratos, a economia se dá no pagamento do funcionário e nunca nos gêneros alimentícios. Não me espanto com as histórias de cozinheiro revoltado que cospe na comida do cliente entre outras coisas. Pena que não fazemos isso na comida dos patrões.
    Depois de vivenciar essas situações, meu olhar sobre a gastronomia foi-se modificando. Ignoro a alta gastronomia. Pouco me importa o que os grandes chef falam ou pensam. Me enoja ver esses guias dos melhores restaurantes com as fotos dos chefs de cozinha (que na verdade pouco cozinham, quem cozinha são os cozinheiros comuns).
    Hoje, tenho usado as técnicas gastronômicas (sem me restringir a elas) enquanto arte, porém aplicada a culinária simples do dia a dia, acessível a todas as pessoas que cozinham.
    Tenho um carinho e uma solidariedade imensa a tod@s os cozinheir@s, que no mais chique ou no mais simples restaurante, em pequenas ou grandes empresas, em todos os lugares que trabalham, são explorados até a última gota de suor ou até uma lesão por trabalho repetitivo não permitir mais.
    Abraços, Tereza

  13. O livro “Cozinha Confidencial” de Anthony Bourdain apresenta um bom retrato deste mundo. Muitas vezes da perspectiva do chef, mas não deixa de ser muito interessante para pensar as relações de trabalho que estão colocadas em um restaurante.

  14. Lendo a autobiografia (dos nossos tempos) de Howard Zinn
    (Veja http://passapalavra.info/?p=18130), me deparo com a seguinte passagem, que tem tudo a ver com o texto e os comentários:

    “Meu pai, tentando escapar da fábrica, tornou-se garçom, na maior parte das vezes em casamentos, às vezes em restaurantes, e tornou-se um membro do sindicato local de garçons. Embora o sindicato controlasse rigidamente seus membros, na Noite de Ano Novo, quando havia necessidade de garçons a mais, os filhos dos membros, chamados juniores, trabalhavam junto com os pais, e eu também o fiz.
    Eu odiava cada momento daquilo: o smoking de garçom que não servia, emprestado do meu pai, no meu corpo magricela, as mangas absurdamente curtas (meu pai tinha 1,65 metro e eu, aos 16, tinha 1,80 metro); a maneira como os chefes tratavam os garçons, que ganhavam asas de galinhas para comer antes de irem servir rosbife e filé mignon para os convidados; todos com roupas chiques, usando chapéus ridículos, cantando “Auld Lang Syne” quando o Ano Novo começava e eu lá, com a roupa do meu pai, vendo meu pai, seu rosto tenso, limpando as mesas, não sentindo alegria alguma pela chegada do Ano Novo […]
    Eddie morreu aos 67. Até o fim ele estava carregando bandejas de comida em casamentos e em restaurantes, nunca tendo conseguido dinheiro suficiente para se aposentar”

  15. Gostaria de dar a dica e dizer que achei de muito mau gosto a terceira foto! Péssimo!

  16. Cara Amanda,

    Esta última foto (dos dedos sendo cortados, junto a pimenta e o alho-poró) me traz muita angústia ao vê-la, contudo, acho curioso que não tenhamos a mesma sensação perante o lento mutilamento social e psicológico que sofrem os trabalhadores, dos garçons aos cozinheiros, nos restaurantes, dos mais requintados aos mais simples.

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