Se, na maior parte das sociedades europeias, os efeitos da crise estiveram na origem de movimentos, greves e revoltas de rua, o modelo não se aplica à França, que vive, desde há duas décadas, submetida a arrastões de agitação social. Movimentos que terminam frequentemente com compromissos instáveis, e até mesmo em derrotas mal definidas. Por Charles Reeve

Manifestação anti-CPE

Em particular, a agitação dos estudantes mantém-se enérgica desde o início dos anos 90 (1); sucessão de lutas que se seguem sem se ligar entre elas. A última, datada de 2009, contra formas disfarçadas de privatização do ensino superior, durou mais de seis meses. À excepção do que se passou aquando do movimento dos desempregados, no início de 1998, todos estes movimentos foram incapazes de estabelecer uma ligação directa com «o mundo» do trabalho assalariado, e isto apesar das tentativas voluntárias conduzidas pelos sectores mais politizados da juventude, apesar da consciência partilhada de uma situação comum e de uma mesma oposição à lógica política neoliberal que é aplicada tanto nos serviços públicos como nas empresas. Apesar destes impasses, esta constância da conflitualidade da sociedade francesa tem consequências evidentes. A mais importante encontra-se sem dúvida na reprodução de uma cultura política fundada numa visão de classe dos problemas, algo que sobreviveu das referências e dos valores das grandes lutas do passado, da Comuna de Paris ao Maio de 68.

Quando, no início de 2009, as primeiras consequências da crise começaram a fazer-se sentir em França com despedimentos [demissões] e encerramento [fechamento] de empresas, o sentimento de derrota já estava presente no seio dos assalariados. Desde há anos, as políticas liberais tinham isolado as lutas, quebrado a força colectiva. E, no entanto, subitamente, os conflitos radicalizaram-se, como um bafo de raiva contra a corrente do espírito de resignação. As promessas não cumpridas tiveram grande peso nesta explosão de descontentamento. Na Continental – uma empresa onde as acções foram das mais duras –, os despedimentos foram anunciados pouco tempo após os trabalhadores terem aceite um regresso às quarentas horas de trabalho semanal para «salvar a empresa».

As lutas desta nova fase visaram particularmente a classe capitalista. Assistimos assim a acções contra as direcções de empresas ou patrões individuais, mesmo a intervenções contra as assembleias de accionistas. Patrões foram sequestrados durante dias, outros foram forçados a saírem para a rua e manifestarem-se «ao lado» dos grevistas. Aqui e ali, ataques furiosos foram intentados contra sedes de empresas, habitações dos quadros, e por vezes também contra repartições do estado que protegiam a acção patronal. Este ressentimento contra o patronato explica-se evidentemente pelas circunstâncias do período, caracterizado pela arrogância das classes capitalistas, o deslocamento ostentatório dos rendimentos para os ricos, a insolência das remunerações e prémios patronais, a contínua distribuição de dividendos para empresas que despedem. As políticas fiscais do governo Sarkozy (2) mostraram aliás o apoio do estado francês a esta evolução, ao encontro de todos os discursos sobre o «interesse geral» da sociedade. Assim sendo, a preponderância adquirida pelo capitalismo financeiro na gestão das empresas veio reforçar a ideia confusa de uma pseudo-oposição entre o sector financeiro e o sector produtivo («economia real»), limitando a crítica radical do sistema.

A luta dos agentes da empresa pública EDF-GDF [Electricidade de França – Gás de França], que teve lugar na Primavera de 2009, foi um exemplo desta radicalização. Mobilizados contra a precarização dos jovens operários, o desmantelamento progressivo dos antigos estatutos e a transferência de algumas das suas actividades para o sector privado, os trabalhadores levaram a cabo acções muito populares de um novo tipo. Puderam assim observar-se numerosos cortes de electricidade nos bairros burgueses, nos museus e centros comerciais chiques, nos radares de polícia na estrada. Mas também pudemos ver o restabelecimento de corrente aos subscritores pobres cortados da rede e a aplicação de tarifas mais baixas nos bairros populares. Aquando da manifestação do 1º de Maio de 2009, em Paris, os grevistas cortaram a electricidade nos prédios onde residem políticos conhecidos, ao ponto de confundir os jornalistas, incapazes de distinguir os militantes do «Black Bloc» dos comandos de jovens operários sabotadores…

Por último, a acção levada a cabo contra o Festival de Cannes forçou os organizadores a recorrer a potentes geradores protegidos pela polícia. Esta proliferação de acções imaginativas explica-se também pela presença de uma nova geração proletária em sectores tradicionalmente “bem comportados” e controlados pelos sindicatos. Já o havíamos constatado aquando da greve dos transportes públicos em Paris, em 2007, quando a atitude combativa dos jovens condutores de autocarros [ônibus] (em maioria oriundos dos bairros periféricos) surpreendeu a direcção.

Incapaz de prejudicar os desenvolvimentos possíveis desta dinâmica, a classe política francesa deu então alguns sinais de inquietação. Temia sobretudo um contágio. Assim, quando milhares de trabalhadores da Continental-França se deslocaram à Alemanha para se manifestarem com os seus camaradas alemães sob os olhares desconcertados dos quadros sindicais para lá do Reno, pouco habituados a desmesuras, ou ainda, quando a Praça da Bolsa em Paris foi ocupada por centenas de operários de empresas em luta contra os despedimentos. Nestas circunstâncias o governo representou o papel de prudente e hipócrita. Embora a presença policial seja omnipresente na vida social em França, a repressão seja apresentada como a resposta a todos os problemas sociais, embora se faça habitualmente o amálgama entre discurso securitário e propostas anti-terroristas, o governo tratou estas acções directas com retenção, deixando a repressão para mais tarde (3). Como dirá um alto responsável da polícia: «os efeitos da crise devem ser tidos em conta para os problemas de segurança […] Nos períodos de crise, em que as pessoas se encontram em dificuldades no plano social, mais do que nunca devemos garantir a sua segurança no quotidiano. Devem ser protegidas (4).

Mas sobretudo, discretamente, o governo pode contar com a cooperação das direcções sindicais, também preocupadas com a perda de controlo da situação e que apostaram no medo e na passividade das grandes massas. Um conselheiro das altas esferas do Estado reconhecê-lo-á claramente alguns meses mais tarde. «Constato que na Primavera, o seu [dos sindicatos] sentido do interesse geral foi impressionante para canalizar o descontentamento. O Outono foi de uma calma absoluta. Tiro o chapéu aos sindicatos! Co-geriram esta crise com o Estado. O patronato, enquanto actor social, contou-se entre os implicados ausentes. Se ele tivesse um décimo do talento do estado-maior da CGT no Medef [Organização patronal de França], as coisas estariam já melhor…» (5).

Notas

(1) O movimento anti-CIP [Contrato de Inserção Profissional], contra os novos contratos de trabalho precários para os jovens, em 1994, viu surgirem as primeiras fracturas entre os estudantes ditos «sensatos» e os jovens «agitados», que foram rapidamente identificados com a juventude das periferias.

(2) Como uma das suas primeiras medidas, 14 000 contribuintes ricos beneficiaram de gordas restituições de impostos. Iniciativa que marcará indelevelmente a orientação do clã no poder.

(3) Será apenas alguns meses mais tarde que alguns dos trabalhadores que participaram nestas acções foram despedidos e perseguidos pela justiça.

(4) Entrevista com Eric Le Douaron, Le Monde, 1 de Abril de 2009.

(5) Alain Minc, Le Parisien, 27 de Dezembro de 2009.

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