Que a franquia Exterminador do Futuro contém uma distopia tecnológica é uma obviedade. Que o filme Avatar contém um naturalismo metafísico ingênuo também é uma obviedade. O que não é óbvio são as raízes do sucesso que o segundo está acumulando e a suas conexões “íntimas” com o primeiro. Por Antônio de Pádua Melo Neto.

Avatar pode parecer um filme recheado com os mesmos clichês: o mundo natural tem um sentido (uma lógica “comportamental”), precisamos descobri-lo, entendê-lo e nos conectarmos a ele (o ELO do povo Na´Vi). Ora, isso é de uma tremenda ingenuidade: o mundo natural não tem sentidos a não ser aqueles que inserimos nele (a seleção natural não tem nada de teleológica, ela se processa e não é um vir-a-ser, só podemos realmente entendê-la post festum).

O tema magnético de Avatar está inscrito no seu próprio título: a capacidade de sermos um outro, de possuirmos um outro corpo, um corpo supra-humano. Nesse corpo – com esqueleto reforçado por fibra de carbono – podemos nos conectar intimamente com a Natureza. O dilema enfrentado pelo protagonista Jake Sully (interpretado pelo ator Sam Worthington) reside em saber o que é mais real: os valores da natureza que ele descobriu através da relação virtualizada do seu avatar ou os valores do “mundo da grana” que sustentam o seu cotidiano imediatamente humano?

Coincidentemente (ou não?), Sam Worthington interpretou recentemente outro personagem – o ciborgue Marcus Wright em O Exterminador do Futuro: A Salvação – que é também atravessado por um dilema. Meio homem, meio máquina, Marcus só obtém livre arbítrio ao destruir uma parte do seu outro corpo (o robótico).

Esses dilemas são, no fundo, similares. Em O Exterminador, a humanidade, que foi praticamente destruída ao longo da guerra contra as máquinas, tenta resistir desesperadamente à colonização final imposta pelas suas criaturas. Em Avatar, o exterminador das criaturas é a humanidade. No primeiro, é o mundo-máquina que nos viola, no segundo, é o mundo-humano que viola a natureza.

O que resta aí é a ambivalência da nossa civilização. Somos natureza e não-natureza ao mesmo tempo, temos uma relação de rejeição a respeito da nossa condição de seres orgânicos (e, portanto, mortais) e de angústia sobre nossa singular (e temporária) condição de construtores falantes e racionais. Transformamos a natureza a tal ponto que ela se tornou o serviçal das nossas necessidades, mas não conseguimos exterminar nossa condição de mortais. Deve ser por isso que ficamos maravilhados com os primeiros filmes da franquia Exterminador (dirigidos pelo mesmo James Cameron de Avatar): pouco importando o holocausto nuclear que se processaria de qualquer forma, o vislumbre devia-se ao esqueleto de titânio movido a energia atômica durante centenas de anos por debaixo de tecidos legitimamente orgânicos.

A lição que podemos extrair do sucesso presente e passado de tais filmes é muito parecida com a mensagem final de John Connor em A Salvação. Paralisados pelo desejo de uma realidade supra-humana (um corpo “real” ou “virtual” que nos desse a condição de imortalidade), deixamos escapar a única coisa que importa: as rédeas daquilo que se convenciona chamar de destino.

1 COMENTÁRIO

  1. Olá,

    Artigo interessante.

    Li, nesses dias, outras duas análises sobre o filme – que, assim imagino, podem ser interessantes para a consideração do autor.

    Por esse motivo, gostaria que fosse repassado os seguintes artigos:

    “Gozar metido dentro del planeta de los indios azules” (http://www.prensadefrente.org/pdfb2/index.php/a/2010/02/07/p5432)

    e

    “Avatar: el comunismo… en Pandora (o un ensueño del presidente Schreber)” (http://www.lahaine.org/index.php?p=43182).

    Claro que esses artigos são apenas sugestões de leitura para o autor – já que, pelo exposto no artigo, a intenção do texto é fazer um pequeno paralelo entre os filmes Exterminador e Avatar.

    Assim colocado, ficam as indicações

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