Neste conjunto de quatro municípios a luta é dura, contra o governo, os provocadores e os assassinos. Mas há progressos grandes em muitas áreas da vida social. “Está claro que um dia o neoliberalismo irá tropeçar nas resistências de todos os cantos do mundo. Temos a esperança de vencer o nosso inimigo”. Por Brigada Europeia em Apoio aos Zapatistas

Situação actual: agressões

1-2010-07-12-rbarrios-00A zona norte teve muita história de sofrimento. Em 1996-97 acenderam-se muitos conflitos e houve muitos grupos paramilitares que custaram muitas vidas de gente inocente. Agora a situação continua a ser difícil, embora estejamos noutra etapa. Naquele tempo, eram os paramilitares que actuavam directamente, matando, fazendo desaparecer as pessoas, despojando-as das suas terras, dos animais e das casas com o objectivo de eliminar as comunidades zapatistas. O mesmo plano seguido pelo mau governo.

Em 1994 recuperaram a terra “que consideramos nossa porque é dos nossos avós. Não chamamos a isso tomar ou ocupar, mas sim recuperar porque era nossa. Foi em 1994 que a recuperámos e trabalhamos para sustentar as nossas famílias”. Ao longo dos anos, o governo tenta deslocar novamente os compas da terra. Por isso criam, formam ou apoiam grupos oficialistas ou paramilitares que estão de acordo com o governo. É o caso de Choles de Tumbalá; são terras recuperadas de que haviam sido desalojados em 2006. Os donos de quintas, juntamente com o governo, mandaram a polícia para queimar e destruir habitações. “Mas, nós, os povos da zona norte, voltámos a recuperá-las novamente”. Em 20 de Maio, o governo organiza e compra um grupo da mesma comunidade que se une à XI’NICH oficial encabeçada por Mario Landero Cárdenas e Romana del Carmen. Esse grupo começa a juntar gente nova e vão ter com o governador Sabines y Calderón para legalizar a terra. Começam a fazer diligências para a terra ser legalizada em nome desse grupo, com o fim de desalojar os compas. Tomam a terra sem levar em conta as pessoas que lá viviam. Dias depois, os compas foram agredidos e ameaçados, e tiveram de sair… Esse grupo começa a medir a terra e a traçar a zona urbana da comunidade. Começam a fabricar delitos aos compas. O mesmo grupo queima quase 100 hectares de terra, atirando as culpas para a base de apoio. Chegou o momento em que os compas foram ameaçados por estes irmãos, “podemos dizer irmãos porque são indígenas”, com 5 machetes. Ameaçaram os compas que estavam na sua loja. Uma forma de lhes meter medo para que se fossem embora. “Demos a conhecer os factos à JBG, denunciámos os desalojamentos e as agressões que os compas sofreram”.

“Então os povos tomaram a decisão de defender a nossa terra. O governo queria desalojar as bases que ali vivem e trabalham. A nós, cabe-nos recuperar a terra, porque precisamos dela. É já certo que, em 20 de Junho, voltámos a recuperar Choles de Tumbalá. Isto, queremos dá-lo a conhecer à sociedade civil nacional e internacional, e à opinião pública”.

Noutras zonas passa-se o mesmo. “Temos muita pena, pois são irmãos como nós. Deixam-se enganar pelo governo, este Romana convence as pessoas de que vão ser donos das terras e, como não têm consciência, deixam-se enganar. Os dirigentes cobram 5.000 pesos. O governo diz que o problema é uma disputa entre indígenas, mas na realidade é um plano do mau governo. A terra voltará a ser do governo com o programa PROCEDE, através do qual o procurador agrário intervém e convence as pessoas a aceitá-lo. É uma estratégia para privatizar a terra. É o tribunal agrário que dá os títulos de pequena propriedade. Somos ejidatarios [ver a nota do 1º Diário], cada um tem um certificado de direito agrário, mas o governo diz que não tem valor porque não tem escrito o número de hectares. Com o PROCEDE, diz que agora somos proprietários, porque consta o número de hectares e constam os proprietários limítrofes, ou seja, diz que não somos ejidatarios mas sim pequenos proprietários. A terra agora é como uma mercadoria, quando já tens o título és proprietário, podes vendê-la, fazer comércio, e pedir crédito ao banco, segundo eles. São muito enganados”.

“Nós os zapatistas não consideramos a terra como um negócio, mas como a mãe que nos dá de beber e de comer. Há que cuidar dela. Não se pode trocá-la por moedas e dólares”.

Há muitas formas de agressão. Nas comunidades há compas que resistem não pagando o imposto predial, da luz e da água. Vivem ali, ilegalmente segundo o governo. “Pressionam para que se vão embora. Claro que estão assessorados à distância pelo mau governo. Temos de ir embora, ou de pagar. Muitas bases de apoio são maltratadas, agredidas, feridas por reclamarem os seus direitos. Prendem-nos e ameaçam-nos de morte por não pagarem. Há bases de apoio que estão há anos sem luz porque não podem voltar a ligar-se à corrente”.

“Nas nossas zonas há camponeses treinados que assaltam e roubam, encapuzam-se como nós e dizem que são os zapatistas que fazem tudo isso. Porém nós não nos organizamos para roubar, mas sim por uma causa justa. Os paramilitares assaltam, violam, roubam e deitam-nos as culpas para cima. Toda a gente sabe a verdade, mas o governo não faz nada. Isto também nos chateia. A entrada de todo o tipo de forças repressivas do mau governo provoca muito medo nas comunidades. Os compas temem a militarização e que possam ser agredidos ou detidos”.

Outro problema é o narcotráfico entre eles, os paramilitares. “É um bom pretexto para os soldados entrarem nas nossas comunidades”.

21-2010-07-13-rbarrios-36As empresas transnacionais também provocaram conflitos, sobretudo em comunidades com recursos naturais. Por exemplo, “nesta comunidade temos uma linda cascata onde o governo quer fazer um complexo ecoturístico, enganando-os e dizendo-lhes que vão sair da pobreza. É a maneira que têm os ricos de se apropriarem da terra, e que gera muitas divisões”.

“Até agora, os compas resistem com a denúncia. É um problema de despojamento do património do povo. São muitas as manhas para os ir despojando. Tentaram desalojar a escola para instalar um restaurante, um hotel, lojas, mas os compas continuam a resistir”.

“Outro problema é que os meios de comunicação são usados pelo mau governo para desinformar e para debilitar a consciência dos companheiros. Fazem comunicados falsos onde dizem que a JBG nomeou uma comissão para ir ao congresso do Estado pedir o reconhecimento da JBG. Isto é falso, porque eles não acreditam que o governo os oficialize. Temos o nosso próprio caminho. Mas fazem estes documentos para levar a crer que estamos a render-nos. Outro documento que publicaram fazia referência a que os zapatistas pediam a legalização da terra. É uma estratégia para desorientar as nossas irmãs e os nossos irmãos que lutam”.

Outra medida para dividir são os programas como VIVIENDA, PROCAMPO, PISO FIRME, TERCERA EDAD e OPORTUNIDADES (para as mulheres). Em algumas comunidades receberam duas ou três habitações. Isto quer dizer que os estão a enganar porque lhes mostram que os ajudam, “mas nós, mesmo sendo pobres, não vendemos a nossa dignidade por um dinheirito ou por uma casita”. Pensam que têm de sofrer para construir a autonomia. O governo faz tudo isso porque quer ver como se vão submetendo.

Os partidos também fazem um trabalho muito sujo, confundindo e dividindo as comunidades. “O voto vale dinheiro; aos que votaram em 4 de Julho ofereceram 400 pesos. O presidente foi eleito ao engano. Dizem que é um governo democrático mas aproveitam-se da pobreza das pessoas. É triste”, contam-nos.

Vão desenvolvendo a sua resistência mesmo estando nessa situação de ameaças e agressões. Mas “a arma mais perigosa é o dinheiro. Temos consciência, não pedimos esmolas, queremos construir um mundo justo onde o povo viva em justiça e igualdade, e por isso é preciso trabalhar na criação dos nossos municípios autónomos, nomeando as nossas autoridades, criando os nossos projectos de saúde e educação, comissões agrárias, de mulheres, e levando em conta a nossa terra. Aprender a forma de mandar obedecendo. O povo elegeu-nos para sermos autoridades e comissões, não se pediu um voto nem se marcou um “X” para eu ser uma autoridade. Não é preciso propaganda nem fotos nas ruas, e não se trata de interesse pessoal. É um serviço que se presta ao povo e o povo encarrega-se de vigiar as suas autoridades para não cairmos no caminho da corrupção do governo. O povo nomeia a comissão de vigilância, que são [elementos das] bases que estão próximas da JBG e vigiam como os projectos são geridos. Estão a aprender a vigiar e a informar o povo. Tentações não faltam e há que ter cuidado”.

Por fim respondem à seguinte pergunta: “O regresso [ao poder] do PRI [a nível] nacional pode desencadear novas matanças como as dos anos ’90?” “O risco existe. Quem é Juan Sabines? Era um PRI-ista. Só mudou a casaca. Quando agridem eles mostram as armas, aí eles têm-nas”.

Progressos da autonomia: a saúde

A exposição foi a cargo da Comissão de Saúde. Contaram-nos que, com o mau governo, não lhes curavam as doenças na cidade. “Muitos morreram porque não há bons médicos, nem medicamentos. Por vezes davam-nos a assistência médica correcta. Ao invés, aqui, curamo-nos bem. Os médicos da cidade não entendem o chol nem o tzeltal [dois idiomas da região de Chiapas]. Além disso, as comunidades estão muito afastadas. Daí a ideia de formarmos promotores para atenderem os povos. Tomámos a saúde como prioridade. Os jovens vão-se preparando para serem formadores ou promotores. Estes jovens vão ajudar muito e têm de conhecer bem as plantas medicinais para serem úteis às nossas comunidades, não apenas no plano teórico”.

Contaram-nos como se organiza a saúde autónoma nesta zona. Primeiro há os promotores de saúde, depois os formadores que dão formação ao nível municipal, e depois as comissões de saúde que trabalham com as autoridades municipais. Reúnem-se no Caracol para planificar e ver as necessidades, e que tipo de formação é necessário, e quando regressam distribuem o plano de trabalho. Ao nível municipal, juntam-se os promotores e os comités locais. As autoridades locais têm de aplicar as decisões e ver quais são as necessidades. Os promotores vão às comunidades e partilham as decisões.

Sobre a prevenção das doenças, o que fazem os promotores é terem conversas sobre higiene, como reciclar o lixo dividindo-o entre orgânico e inorgânico e cuidar dos animais. Também informam sobre como obter os alimentos para estarem lavados e não terem químicos (para isso trabalham em conjunto com os promotores de agro-ecologia). Fazem isso primeiro ao nível da zona, depois nas comunidades. As vacinações são importantes para prevenir as doenças. De dois em dois meses há campanhas de vacinação.

12-2010-07-12-rbarrios-17“A medicina tradicional é importante. Agora estamos a levá-la em conta. O governo não leva em conta como os antepassados curavam com a medicina tradicional”. Há oficinas de dois em dois meses em toda a zona, e têm mestras de ervanaria que dão formação. As oficinas são dadas pelas mulheres mais velhas em quatro centros: no Caracol, em Jolja, em San Marco (município La Dignidad) e no município Campesinos. Participam só mulheres, aprendendo a medicina tradicional, isto é, como processar, como conhecer as plantas e como organizá-las. Cada município tem a sua coordenadora de ervanaria. É um trabalho que ocupa um mês por ano. “Também temos em conta a química, mas se quisermos ser autónomas temos de retomar a medicina tradicional. Por isso é prioritário defender a natureza”. Em cada comunidade há parteiras que são mulheres de idade. Ninguém reconhecia o seu trabalho, mas elas lá estavam, trabalhando voluntariamente. Foi-lhes pedido para formarem outras companheiras, para que os seus conhecimentos não se perdessem. Além das oficinas de medicina tradicional, há oficinas de parteiras nos mesmos centros. Tentam que esta sabedoria não se perca. Há compas a quem se dá o nome de endireitas e que dão oficinas aos jovens, para estes aprenderem.

À pergunta sobre se têm clínicas, a comissão de saúde responde que os promotores trabalham na casa de saúde de cada aldeia, onde prestam cuidados básicos. Mas por vezes não é possível atender, e reencaminha-se para a clínica municipal onde há promotores mais capacitados. Há clínicas em três municípios: Dignidad, Campesinos e Benito Juárez, e está-se a construir mais uma no município de El Trabajo.

“É importante, a saúde; se não houver as oficinas e as conversas [de formação] com os povos, não podemos saber o que é preciso fazer e que necessidades existem. Temos de continuar a preparar promotores de saúde. É custoso, mas a questão da organização é muito importante, temos de esforçar-nos por motivar os povos”.

Progressos da autonomia: a educação

“Na escola do mau governo não há bom ensino e nalgumas comunidades nem há escolas. Por isso, a partir de 1999, cada povo nomeou os seus promotores”. Até agora, foram formadas quatro gerações de promotores, e está a caminho a quinta. Estão a trabalhar nas comunidades com as crianças. “O promotor é do povo e o povo decide o que é ensinado. Desde 1999 avançámos muito. Cada município tem os seus formadores que coordenam o trabalho”. Todos os semestres realizam-se encontros para trocar ideias sobre como se está a trabalhar em cada comunidade.

Há dois níveis na educação. O primeiro nível chama-se “Sementinha de sol” e o segundo CCETAZ (Centro Cultural de Educação e Tecnologia Autónoma Zapatista). A “Sementinha de sol” é frequentada pelas crianças dos 4 aos 5 anos. “A escola tem três níveis, primeiro os pequeninos, depois os médios e por fim os grandes”. Têm de estudar 6 anos se quiserem passar ao segundo nível, embora não seja obrigatório. Não há graus; depende das capacidades de aprendizagem e dos ensinamentos. Não há suspensos. Quando uma criança tem uma boa aprendizagem passa ao nível seguinte. Quanto ao CCETAZ, ainda não foram definidos os níveis, pois só existe há um ano. O que está definido é que tem seis semestres, e até agora ainda só se realizaram dois. O ensino é ministrado em tzeltal, chol e zoque [idiomas de Chiapas] porque a língua é muito importante. “Tiraram-nos a língua e não podemos perder as culturas, as crenças e os costumes. Estão a ser formados artesãos com os conhecimentos dos avôs”. Dentro desta educação, formam-se jovens críticos quanto ao sistema de vida que lhes é imposto e quanto aos problemas dos povos. Ensina-se a matemática, e a história que mostra a situação do povo. Também se faz referência ao trabalho no campo e à cultura do campo (a tecnologia do trabalho). “Somos camponeses, por isso precisamos saber como melhorar as colheitas”. A escola tem um pequeno terreno onde os alunos cultivam o milho e o feijão que comem na escola. Não se usam químicos nem transgénicos porque são ferramentas do sistema que prejudicam o camponês. O trabalho no campo é valorizado para se ter uma boa alimentação. O CCETAZ não é frequentado por adultos, apenas pelos “chamacos” [adolescentes] até aos 14 anos. Mas as idades não são manipuladas, a educação é aberta e pode entrar quem quiser, dependendo das necessidades de cada pessoa.

Progressos da autonomia: trabalhos colectivos

Na zona norte há diferentes cooperativas. A mais importante é a do café. A cooperativa chama-se “Sit lequil lum”, que significa “O fruto da boa terra”. Tem as suas autoridades (secretários, tesoureiros, etc.) que formam a direcção que administra a colheita, a elaboração e a expedição do café. É composta por delegados locais de cada município que assistem à assembleia. A direcção muda de três em três anos. Apresentam os planos ou levam as propostas dos produtores. Apresentam informes de como corre o processo. Há um técnico, não do governo mas zapatista, para verificar e autocertificar que o café para expedir não é fumigado nem tratado com produtos químicos, apenas orgânicos.

23-2010-07-12-rbarrios-40Em vários municípios há cooperativas de mercearia onde as comunidades se abastecem de alguns produtos para a casa. Também têm os seus administradores e direcções, fazem as suas assembleias sobre os progressos e sobre a mercadoria, executam o controlo e informam. Os cargos são rotativos para que todos os compas aprendam o processo da construção da autonomia.

Na Zona Norte só se trabalha em artesanato. As mulheres dedicam-se à criação de frangos e à padaria em moldes cooperativos.

Progressos da autonomia: agro-ecologia

A questão da agro-ecologia começou a ser colocada em 1996. Nesse período o governo dava crédito para semear com sementes más e fumigar com insecticidas químicos. A aprendizagem sobre agro-ecologia está a ser levada a cabo no CCETAZ através de promotores. “Utilizamos as sementes do nosso milho crioulo que aguenta anos e anos e não recebemos apoio do governo. Este, como o capitalista, não se importa com o aquecimento global. Por isso estamos a formar os jovens. O nosso alimento fundamental é o milho. Comemos pozole [sopa à base de milho e carnes, tradição pré-colombiana] e tortilhas, e por isso utilizamos o composto e o estrume como fertilizante. Já não é como antes, quando se queimava e maltratava a terra e se usava o pesticida. Agora temos o CCETAZ e cuidamos da montanha. Num mesmo lugar, podemos semear tudo o que precisamos graças ao adubo verde”. O governo introduziu o milho transgénico que pode ser colhido ao fim de dois meses mas não vale nada. É muito diferente da semente milenar que aqui se resgata e utiliza.

Usam adubo verde, porque os químicos matam o monte. Verificam que o milho do governo é “chaparrito” [anão] e que o seu é normal. Quando começaram a falar com as comunidades sobre os transgénicos foi difícil porque o trabalho tradicional é mais penoso. Não têm cooperativas de milho, mas milpas colectivas em cada comunidade.

A palma africana tem tido muito êxito entre os seguidores do governo. Foi introduzida pelos capitalistas, mas os seus planos estão a fracassar.

Progressos da autonomia: reservas ecológicas

É um tema importante, um dos elementos naturais que provocou muita cobiça. “A nós, dão-nos oxigénio, milpa, ar não contaminado, dão-nos vida. Não destruímos muito, controlamos a dimensão e localização das nossas lavouras. As reservas são necessárias para os jovens. Mas os ricos querem madeira, plantas medicinais, animais que ainda não se extinguiram. A reserva converte-se num negócio. Defendemos as nossas reservas, mas os ricos são cobiçosos”.

“Estão a desalojar os irmãos da Lacandona dos Montes Azuis porque os Estados Unidos da América querem as suas reservas ecológicas”. Nesta zona não há grandes reservas ecológicas, só pequenas áreas nos municípios.

Progressos da autonomia: as mulheres

15-2010-07-12-rbarrios-26“Anteriormente, como mulheres indígenas, não éramos reconhecidas, não éramos levadas em conta. Antes não tínhamos liberdade para participar em assembleias. Em 1994 conquistámos o nosso direito a assumir cargos e a participar. Trabalhamos em colectivo, fazemos criação de frangos, porcos, borregos, feijão, milho, temos lojas cooperativas nas comunidades e padarias”. Vendem o produto do seu trabalho para sustentar a luta.

Também participam em cargos municipais como promotoras de saúde e de educação. Outras são autoridades da JBG. Há mulheres que são autoridades em trabalhos colectivos. Reúnem-se como companheiras para chegarem a acordos e para fazerem os trabalhos. Cada município tem comissões de mulheres.

“Os homens ajudam-nos em casa. Sabemos que há igualdade entre homens e mulheres”.

Progressos da autonomia: a água

Há várias comunidades na zona norte que sofrem de falta de água porque os mananciais e os rios se encontram longe. Em tempo de seca os compas caminham várias horas para se abastecerem. Têm de arranjar maneira de armazenar a água.

“Onde haja mananciais, nós não cortamos árvores. Preservamo-los do [contacto com o] lixo para não serem contaminados. Para beber fervemo-la para as crianças não adoecerem.”

Cuidar da água faz parte da saúde e também da educação. A água é vida e portanto há que saber como cuidar dela. Por vezes as comunidades não aprenderam como tratar da água, mas na “Sementinha do sol” e no CCETAZ “aprendemos a cuidar da água”.

Progressos da autonomia: a cultura

Há uma geração que, antes de 1994, foi obrigada a submeter-se à educação oficial. “Os nossos pais foram obrigados a mudar de farpela. Dentro da nossa sociedade indígena perdemos parte da nossa cultura. Há emigração, vemos coisas lá de fora e vamos mudando. É muito mais o que vemos de lá de fora do que aquilo que vem dos nossos avôs. Os migrantes partem para outras cidades do norte e quando regressam já falam espanhol [castelhano] ou outras línguas. E é assim há muito tempo. Desde 1994, voltámos a resgatar a nossa cultura. Mas é difícil”. Os pais e os avôs que resistiram estão a dar-lhes apoio. Por exemplo no CCETAZ os que sabem disso participam dando cursos aos jovens.

No seu processo de resistência “são os melhores mestres”. Os “abuelitos” [idosos] foram usados como exemplo para transmitir a língua materna. Fizeram-lhes perguntas sobre os ciclos da sementeira e as fases lunares para a colheita e a sementeira. “Foram-nos úteis. Sem eles pode faltar um elo na cadeia do que andamos a fazer”.

Eles não estudaram, mas sabem contar, sabem escrever por “pura inteligência”. “Contam-nos como falavam, como contavam, como mediam. Na construção de uma casa têm as suas ideias de como fazê-lo. Aguentam caminhar sem se cansarem”.

As histórias e os relatos serviram para preparar os menores. “Fazemos-lhes entrevistas e gravamo-los para ir documentando e para que as crianças tenham mais essa ferramenta”. Com os saberes dos avôs, estão a recuperar conhecimentos antigos.

Progressos da autonomia: a música

Dentro das aldeias há festas religiosas que usam tambores e flautas. A música electrónica vai penetrando nas comunidades e leva a que as tradições se percam. Não há grupos que recuperem a música tradicional, as canções, etc. “Isso deve-se à cultura dominante; os regionais [o folklore], como nós lhes chamamos, já não lhes damos importância. É um desafio revivê-lo e conservá-lo para o futuro”.

Progressos da autonomia: comunicação rádio

Há uma rádio comunitária mas não está a funcionar porque houve erros tácticos. O papel principal era promover a música regional (o violino, a guitarra), o trabalho colectivo, a educação autónoma e difundir os trabalhos da autonomia.

Também têm programas de mulheres, de promotores de educação e de saúde. Quando havia uma denúncia a fazer, difundia-se pela rádio para as aldeias não zapatistas poderem saber o que se passava.

Progressos da autonomia: comunicação vídeo

É muito importante a comunicação audiovisual para guardarmos testemunhos das lutas. Em 1998 a PROMEDIOS tornou isso possível. “Desde então realizámos vários documentários. Em 2001 Trabalhos colectivos, em 2002 A guerra do medo, e em 2004 A terra arde acerca dos acontecimentos de Bolom Ajaw”.

Gravam tudo o que podem. Estão coordenados com as autoridades municipais e com a JBG que lhes dizem o que devem gravar. Os seus vídeos podem obter-se na PROMEDIOS. Além disso gravam algumas reportagens para uso interno.

Fizeram-se oficinas e foi nomeado em cada município um responsável para gravar o que acontece. “Um grupo de dois companheiros está agora no Caracol durante 3 semanas para salvar tudo o que for possível na nossa zona”.

Autonomia

39-2010-07-13-rbarrios-73À pergunta sobre o que é a autonomia e como se desenvolve, um dos membros da autoridade responde-nos que “a palavra autonomia não é senão tudo aquilo de que falámos até agora. A autonomia é não vir ninguém de fora para nos dizer como viver ou como fazer”.

As JBG são nomeadas pelas suas bases nos municípios. Cada município envia um delegado que o representa. Administram os projectos, encarregam-se da distribuição equitativa dos apoios financeiros. A JBG não pode tomar decisões para além do mandato dos povos, segundo o princípio de “mandar obedecendo”. “Se algum companheiro não obedecer, a justiça não é como a do mau governo. O governo manda prender e cobra dinheiro. Nós aplicamos justiça fazendo trabalhar colectivamente”.

Os municípios nomeiam uma comissão de vigilância, que é a primeira a saber dos donativos e dos projectos que há. Encarregam-se de vigiar as entradas e saídas de dinheiro para esta ou aquela escola e de que a Junta cumpra as suas funções.

Quando os delegados da JBG não podem decidir, convocam uma assembleia ordinária, e se for algo urgente, extraordinária, para os povos poderem conhecer os planos e assim decidirem. A assembleia é composta por comissários ou agentes das comunidades. A diferença para o mau governo é que as bases decidem se algo convém ou não.

Todos os anos a JBG informa sobre os gastos e fazem assembleias ordinárias de 6 em 6 meses. Cada município delega por 3 anos em 3 pessoas que fazem turnos de 4 meses. Para os Conselhos Autónomos Municipais aplica-se a mesma regra.

As crianças participam na construção da autonomia vendo, brincando, obtendo informações, avisando quando há problemas e participando em tarefas simples. Nas comunidades as crianças participam nas assembleias a partir dos 12 anos, e a partir dos 16 podem desempenhar cargos.

Terra e território

Cada município tem o seu limite territorial. Depois da Sexta Declaração muitos irmãos se organizaram para defender a terra, as suas florestas, os seus mananciais, etc.

“Temos um plano de luta para defender os nossos centros cerimoniais. Há ainda muito por fazer para nos defendermos dos turistas e dos comerciantes. É preciso que as pessoas tomem consciência e se organizem politicamente. Se não nos organizarmos, tudo se converte em mercadoria para os capitalistas”.

Finalmente a conversa termina com as palavras da JBG, mais do que simples palavras, uma luz para o porvir: “Está claro que um dia o neoliberalismo irá tropeçar nas resistências de todos os cantos do mundo. Temos a esperança de vencer o nosso inimigo”.

Original em castelhano aqui. Tradução: Passa Palavra

[FIM DO 6º DIÁRIO]

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