Nem tudo é autogoverno das comunidades zapatistas, autogestão material e simbólica. Por Índio Andante

Dias 15, 16 e 17 de outubro

Comecei uma parte mais roots da viagem, estou ainda na casa de um companheiro da Rádio Proletária de Chiapas. Está interessante aqui, porque estou podendo observar, um pouco mais além das utopias, como funcionam outras lutas sociais no México. E que nem tudo é autogoverno das comunidades zapatistas, autogestão material e simbólica. Porque se o dinheiro do Estado foi retirado dos trabalhadores, então é um direito socializar esse dinheiro, reivindicar esse dinheiro para quem trabalha de fato. Algo muito mais próximo daquilo que faz o MST. Se a gestão dos recursos públicos acaba encaminhando o movimento para uma burocratização, isso já é um outro debate, que talvez aqui não esteja em questão.

De fato, desde sexta estou em um morro de Tuxtla, uma área de ocupação urbana chamada “12 de novembro”, onde está a Rádio Proletária e onde a OPEZ (Organização Proletária Emiliano Zapata), um braço do movimento agrário que existe em todo o México, possui dois ou três espaços da organização, em meio às moradias. O bairro aqui é uma ocupação. Precário, falta água e tudo o mais, mas já tem algum asfalto, uns cibercafés, videocassetes, uns carros loucos… Lembra muito as periferias do Brasil… viu?

Bom, o fato é que a polícia fechou a Rádio Proletária na terça-feira, dia 13 de outubro, alegando que estavam dando voz às manifestações da OPEZ em frente ao palácio do governo de Chiapas, onde reivindicavam a libertação dos presos políticos que foram detidos em 16 de julho e 22 de agosto, ambos dirigentes da OPEZ.

A OPEZ faz parte do Movimento de Libertação Nacional (MLN), que se formou a partir de uma fusão de sindicatos, camponeses, indígenas, jovens e estudantes no ano de 2007. Estive conversando com um grupo de pessoas do movimento – igualzinha (mas diferente) àqueles com que esbarramos por aí no MST, no MTST… Tem o beberrão expansivo, o malandro mulherengo “come quieto” [“que se faz de santo”], as mulheres sempre de luta, o sério militante que só fica fitando o pessoal de longe, etc… O problema é entender o espanhol matuto [sertanejo] que eles falam. Mas estou conseguindo me comunicar, sim.

De noite os caras da rádio exibem um filme na praça pública da comunidade. Ontem exibiram documentários sobre San Salvador Atenco (cidade próxima do DF México, onde um movimento camponês pró-zapatista resistiu contra a construção de um novo aeroporto e foi brutalmente reprimido por cerca de 3000 policiais, agentes P2, paramilitares do PRI, etc., com cobertura escrota [reles, grosseira] da TV AZTECA e da TELEVISA – respectivamente propriedades do segundo e do primeiro mais ricos do México).

Também passaram um filme sobre o movimento zapatista, da época do levante, coisa de revirar o estômago.

A gente jovem do OPEZ sonha com os EUA, os mais velhos já estão aqui de novo, porque ou já trabalharam como coyotes (facilitadores da migração para os EUA) na fronteira do Rio Negro ou porque já foram deportados pelos putos [pela bófia] da LA Migra estadunidense. Essa é a dura realidade mexicana, tão longe de Deus e tão perto dos EUA. Os camponeses da OPEZ habitam um ejido [propriedade agrária de uso comunal] autogestionado em Herradura, a duas horas de carro de Tuxtla, cujas casas foram construídas pelos próprios membros do movimento (OPEZ) e bancadas [pagas] com dinheiro do Estado…

Adeus. Hasta luego cabrones y chicas!

Encerramento da Rádio Proletária em Chiapas é inconstitucional
Comunicado oficial da Rádio Proletária de Chiapas

Enquanto em outros países é legal e legítima a utilização de rádios comunitárias por crianças, jovens, adultos e idosos, em nosso país se reprime e se prende todos aqueles que utilizam o espectro rádio-elétrico, sabendo que este é um bem comum e um direito de todos. O ar de quem trabalha.

Cada dia que passa fica mais evidente a forma ilegal como atuou o governo de Juan Sabines no estado de Chiapas, ao desmantelar a rádio comunitária da cidade de Tuxtla Gutierrez. A Procuradoria de Justiça do estado realizou uma ação que não lhe compete e que representa um delito muito grave, já que implica um abuso de poder, ou seja, a Procuradoria do estado exerceu uma ação que só compete ao poder federal.

O mau governo do estado comete um grave delito ao atuar dessa forma e inculpar a Rádio Proletária de roubo de fluido rádio-elétrico, acusação totalmente carente de fundamentos legais.

Desta forma vemos como mais uma vez no estado de Chiapas o governo manipula o sistema judiciário, querendo aplicar uma sanção penal à rádio comunitária. Ora, isto é aberrante se considerarmos que no México esse é o mesmo estado que tem se negado a legislar a favor das rádios comunitárias, querendo impor a elas os mesmos critérios das rádios comerciais, que por sua vez se beneficiam economicamente com a utilização e exploração do espectro rádio-elétrico, concentrado nas mãos de um pequeno grupo de beneficiários como Televisa e Tv Azteca (em nível nacional) e Rádio Núcleo (em Chiapas).

Diante de todas estas violações da lei por parte do mau governo do estado, as mídias livres e a sociedade civil se perguntam o que dirá o Poder Judicial da Federação e seu tão mencionado Estado de direito, ao ver como em Chiapas se inventam delitos para criminalizar e reprimir o protesto social.

Nas palavras dos companheiros advogados que conduzem a defesa da Rádio Proletária, os delitos cometidos pelo estado de Chiapas são extremamente graves no que diz respeito à violação das competências de âmbito federal, e também afirmam que em alguns casos anteriores a Suprema Corte de Justiça do país sancionou de maneira contundente tais delitos.

Protestar é um direito, reprimir um delito!
Somos rebeldia, somos povo organizado!
Rádio Proletária de Chiapas

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