As manifestações contra o aumento em São Paulo continuam infernizando a vida do prefeito Kassab. Por Passa Palavra.

Os leitores do Passa Palavra puderam até aqui acompanhar de perto, nesses últimos dois meses, que a negociação com o poder público tem sido uma das dificuldades de nossa mobilização contra o aumento da tarifa em São Paulo.

De modo insistente, a Prefeitura e a secretária de Transportes da cidade decidiram não receber e não conversar com os manifestantes – deixando, assim, fechada qualquer perspectiva de revogação do reajuste por iniciativa do próprio executivo. Apesar de representantes do poder municipal afirmarem para a grande imprensa que estão sempre abertos ao diálogo, o desenrolar dos acontecimentos tem provado a verdadeira mentira desse argumento de “abertura das negociações”.

Tentando justamente se contrapor a esse fechamento de negociações, o Movimento Passe Livre decidiu ousar. Depois de um grupo de ativistas solidários à luta contra o aumento em São Paulo surpreender o prefeito Gilberto Kassab na sua visita oficial a Paris (França), o MPL convocou os manifestantes para uma mobilização em frente à sua residência na cidade de São Paulo.

Decorando o prédio do Prefeito
Decorando o prédio do Prefeito

Não era bem um ato, mas sim um verdadeiro escracho. Assim como a Rede H.I.J.O.S. (Hijos e Hijas por la Identidad y la Justicia contra el Olvido y el Silencio) da Argentina – que, com seus “escraches”, visam tornar pública, para a comunidade e vizinhos, a presença de crimonosos não-julgados da ditadura militar argentina –,  os cerca de 350 manifestantes seguiram pela Avenida Brigadeiro Faria Lima e realizaram uma intervenção simbólica e lúdica de protesto em frente à casa de Kassab. Começa, desse modo, uma verdadeira perseguição ao prefeito – responsável direto pelo reajuste do começo do ano –, buscando desgastar sua imagem e explicitar o questionamento da população em relação à sua atual política para os transportes coletivos da cidade.

Um boneco representando a figura do prefeito foi queimado em frente ao condomínio no qual ele reside. Cartazes foram colados e os manifestantes cantavam animados, chamando a atenção para a luta contra o aumento. O que era para ser, no entanto, apenas um escracho em frente à casa do prefeito se tornou, no decorrer dessa mesma manifestação, mais um ato de rua. Desse modo, os militantes percorreram a Avenida Faria Lima e travaram, por alguns minutos, o cruzamento de grande circulação das Avenidas Rebouças e Faria Lima.

A Bateria do MPL-SP animava os manifestantes, que decidiram se encaminhar até os pontos de ônibus mais próximos. Foram realizadas, nessas paradas de coletivos, ações de divulgação (pixações e panfletagens) e chamados para que mais pessoas também participassem da luta. Na ação direta do catracasso, portas de ônibus foram abertas – e várias pessoas puderam retornar de graça para as suas casas.

O MPL queimou o Kassab
O MPL queimou o Kassab

O ato conseguiu repercussão considerável na grande imprensa e foi largamente noticiado em sítios da internet e canais de televisão – sendo inclusive capa, no dia seguinte, de um jornal de grande circulação nacional, a Folha de São Paulo. Na edição de sábado, 11 de março, dessa mesma publicação, outras duas observações chamavam atenção para nossa importante luta contra o aumento. Na primeira delas, o jornalista Fernando de Barros e Silva (especialista em assuntos políticos) escreveu um artigo – “Kassab na catraca” – na página 2 do caderno principal, no qual repercutia as últimas ações do Movimento Passe Livre e afirmava, categoricamente, que “está disseminada a percepção de que Kassab está mais preocupado (e ocupado) em resolver seu futuro político do que as encrencas presentes da cidade. Na vida real, o MPL pode contar mais que o PDB [Partido Democrático Brasileiro – nova agremiação a ser fundada por Kassab e aliados]”.

Já a seção “Painel” (pág. 4), também do caderno principal da Folha de São Paulo, revelou que a presidente da república manifestou, em privado, seu descontentamento com as consequências econômicas do aumento concedido por Kassab: “Em reunião com as centrais [sindicais], Dilma Rousseff manifestou incômodo diante das explicações correntes sobre a pressão inflacionária no início do seu governo. Primeiro, queixou-se de que ‘ninguém reconhece’ o peso do ‘aumento do ônibus do Kassab’ […]”.

Parando avenidas!
Parando avenidas!

E as mobilizações continuam. Nessa terça-feira agora, dia 15 de março, os estudantes da Poligremia – uma organização autônoma de grêmios secundaristas, que congrega escolas públicas e privadas – realizaram mais um Ato Regional, dessa vez  na região do Alto da Lapa.

Além disso, uma nova manifestação está marcada para a próxima quinta-feira, dia 17 de março, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo (próximo à Praça Ramos). Nessa ocasião, iremos contar com a presença, na concentração de nosso Ato, da Escola de Samba Unidos da Lona Preta – composta por militantes do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de São Paulo e coletivos aliados.

Cabe destacar, ainda, que Gilberto Kassab concedeu uma entrevista, nesse último domingo, ressaltando que, mesmo diante de tantas manifestações e questionamento social, não é de seu interesse a revogação do aumento das tarifas de ônibus. Mesmo assim, a declaração do prefeito – justificando novamente o aumento e comentando, depois desse longo período de luta, as nossas mobilizações – indica, claramente, que nossa pauta ainda está forte e conseguindo movimentar a agenda e o cenário político da cidade de São Paulo.

No dia 10 vigorou a Tarifa Zero
No dia 10 vigorou a Tarifa Zero

Como já dissemos aqui, a persistência dos manifestantes – nesses mais de dois meses de grandes atos, atos regionais, panfletagens em escolas e terminais, dentre outras atividades – e a força das mobilizações evidenciam que a construção continuada da luta por um transporte verdadeiramente público e pela transformação da sociedade depende apenas da nossa própria vontade, perseverança e auto-organização. Esses fatores tornam-se ainda mais importantes nesse momento crucial da luta – já que o MPL pretende impulsionar, no próximo período, uma campanha pelo direito social ao transporte coletivo por meio da Tarifa Zero.

De tudo isso, fica cada vez mais forte nos manifestantes a convicção de que é apenas com a mudança total e radical da lógica de circulação na cidade, com  garantias plenas à mobilidade urbana diária de todas as pessoas, que será  capaz de questionar e reverter o atual modelo de transportes coletivos – para que este  não seja pautado pelos interesses exclusivos da circulação de mão-de-obra/força-de-trabalho ou pelos lucros dos empresários do setor, mas sim pelas necessidades e direitos da maioria da população.

Fotos: Luiza Mandetta

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