É preciso que certa extrema-esquerda tenha caído muito baixo para apresentar um programa como o que Mix propõe. Quando eu digo que o multiculturalismo ecológico é genocida, estou a empregar a palavra no sentido literal. Por João Bernardo

Convém recordar — o que Mix parece não ter entendido no seu artigo Será o camponês um mito? — que na série de artigos O mito da natureza eu nunca afirmei que o campesinato fosse um mito. Afirmei que o capitalismo mitificou aquela realidade, o que é muito diferente.

moholy-nagy-2Mix considera que as minhas teses ficam enfermadas por eu estar inserido no contexto europeu e não no brasileiro, e diz-me isto a mim, que, apesar da versão de língua que insisto em usar, sou bastante mais brasileiro do que europeu. Se eu acusasse alguém, Mix por exemplo, de tupiniquincêntrica, imaginem o escândalo que seria; mas alguém ser acusado, eu por exemplo, de eurocêntrico é considerado politicamente correctíssimo. Trata-se de uma acusação recorrente entre aqueles que não encontram melhores argumentos para defender as suas convicções e, curiosamente, é endereçada apenas aos autores europeus com quem não se está de acordo. Os outros podem ser europeus à vontade. De qualquer modo, a história das sociedades humanas não se divide por continentes e obedece a mecanismos e regras universais, pelo que o conhecimento de um caso particular é sempre importante para a compreensão de outros casos particulares. Se eu for alguma coisa, sou mundocêntrico.

rodtchenko-5Por isso os exemplos de lutas camponesas invocados por Mix em nada contrariam os meus artigos e em nada confirmam as teses ecológicas. O facto de as sociedades contemporâneas constituírem formações económico-sociais, em que o modo de produção capitalista hegemónico se articula com sistemas pré-capitalistas subordinados, multiplica as linhas de fissura e as oportunidades de luta, mas não justifica a conversão de qualquer desses sistemas subordinados em modelos de alternativa social ao capitalismo, como se a história fosse um relógio que se pudesse atrasar à vontade. Embora a minha série de artigos tivesse por objectivo mostrar que os fascismos italiano, português e alemão, entre outros, e que um industrial de extrema-direita como Henry Ford promoveram o campesinato arcaico como modelo social alternativo, isto não levou Mix a reflectir sobre o carácter duvidoso desse modelo. Mix permaneceu impermeável, o que é tanto mais curioso quanto ela invoca Murray Bookchin contra as opiniões que eu defendo, sem se dar conta de que citei repetidamente dois discípulos de Bookchin, incluindo a sua mais próxima colaboradora, e lhes conferi um lugar central na argumentação com que sustento as minhas teses.

Mas, já que Mix mencionou a guerra civil espanhola entre os exemplos de intervenção do campesinato em processos revolucionários, remeto para a análise que fiz das enormes contradições dos anarquistas naquela ocasião em Labirintos do Fascismo. Na Encruzilhada da Ordem e da Revolta (Porto: Afrontamento, 2003), págs. 541-577. Quanto à pretensa abolição do dinheiro nalgumas comunas rurais espanholas durante a guerra civil, que na realidade se limitou a constituir uma nova forma de emissão pecuniária, remeto para o meu artigo «O Dinheiro: da reificação das relações sociais até o fetichismo do dinheiro» (Revista de Economia Política, vol. III, nº 1, Janeiro-Março de 1983), possível de encontrar na internet em vários lugares, por exemplo aqui. O dinheiro nada tem de especificamente capitalista nem sequer está obrigatoriamente relacionado com os sistemas de exploração. Ao longo da história houve múltiplas formas de dinheiro, que serviram de veículo a numerosos regimes económicos e sociais. Aliás, não creio que seja possível a existência de uma sociedade complexa sem qualquer modalidade de instrumento pecuniário.

rodtchenko-6Aproximando-me do centro da questão, é pena que Mix tivesse pretendido dar-me lições de história medieval acerca da origem do uso generalizado do carvão mineral sem se ter preocupado minimamente em consultar a obra com que justifiquei as minhas afirmações sobre a evolução tecnológica das sociedades rurais europeias. Quem estudar os desbravamentos prosseguidos na Europa ao longo do regime senhorial e a relação desses desbravamentos com a resistência dos camponeses ao controlo crescente assumido pelos senhores sobre os espaços incultos compreenderá os termos do problema. Os desbravamentos constituíram, do lado dos camponeses, uma forma de luta social, tendo em vista a preservação da sua independência; e os senhores tentaram e conseguiram enquadrar os desbravamentos espontâneos dos camponeses. Enquanto duraram, e mesmo sob a alçada dos senhores, os desbravamentos foram uma das mais importantes válvulas de escape das tensões sociais, até se chegar em muitas regiões a uma crise drástica de escassez da madeira. O que ocorreu foi uma crise ambiental provocada pelas contradições inerentes ao modo de produção senhorial e pelas lutas sociais nesse modo de produção. Foi a partir de então que se recorreu ao carvão mineral.

moholy-nagy-1O desconhecimento das contradições económicas e sociais vigentes nos regimes pré-capitalistas é a condição intelectual da mitificação dos arcaísmos. Mix segue a moda corrente que consiste em apelidar de «venenos», sem qualquer forma de demonstração, os adubos químicos produzidos industrialmente. Qualquer adubo tem uma composição química, evidentemente, e a própria Mix, sem ser um adubo, tem uma composição química também, como todos nós a temos, o leitor e eu incluídos. Mas hoje reserva-se vulgarmente o adjectivo «químico» para os produtos industriais, como se a química operada nos laboratórios pervertesse a química processada na natureza. Este é mais um dos aspectos da mitificação da natureza. Também as mutações genéticas produzidas nos laboratórios deixam os ecologistas de cabelos em pé, mas estes mesmos ecologistas consideram naturais as mutações provocadas pela prolongada selecção artificial das espécies e pelas enxertias, sem as quais teria sido impossível a revolução agrícola do neolítico. Essa hostilidade ao laboratório é do mesmo tipo da que rodeou os alquimistas medievais de uma aura diabólica e revela atitudes mentais similares. Assim, escreve-se a torto e a direito que os alimentos estão envenenados, sem se ter a curiosidade de verificar as consequências estatísticas deste envenenamento geral da população. A taxa de mortalidade tem aumentado? A esperança média de vida tem diminuído? Muito pelo contrário, o que mostra que estes «venenos» são bons para a saúde.

Do mesmo modo, Mix insurge-se contra a minha afirmação de que a generalização da agro-ecologia condenaria a população mundial à escassez. Num dos artigos da série O mito da natureza desafiei os partidários desse método de cultivo a usarem uma calculadora e avaliarem o que sucederia se fosse atribuída aos trabalhadores agrícolas dos principais países produtores de alimentos a taxa de produtividade dos camponeses nas explorações familiares, respeitando-se no cálculo a especificidade de cada tipo de produção. Mix não se deu a esse incómodo e limita-se a argumentar que em extensas regiões as pessoas já estão desde há muito condenadas à escassez. Mas será que a população aumentou ou diminuiu em África, o continente mais pobre, no século XX em comparação com o século XIX? Será que a esperança média de vida em África aumentou ou diminuiu? Será assim tão difícil entender que, por um lado, as disparidades de fortuna, incluindo as disparidades de recurso aos alimentos, podem agravar-se enquanto, por outro lado e ao mesmo tempo, aumenta o rendimento pessoal e melhora o nível alimentar das camadas mais pobres? Seria bom que as argumentações se fizessem com base nos dados estatísticos e não em meras deduções ideológicas.

Também graças a lucubrações simplesmente ideológicas, Mix lastima que os medicamentos produzidos cientificamente em laboratórios tivessem posto fim às mezinhas feitas e usadas pelas gerações anteriores e lastima igualmente que os partos tivessem passado a realizar-se em clínicas e não na própria casa, com a assistência da parteira da esquina. Mas quais eram as taxas de mortalidade quando se usavam os medicamentos tradicionais e quais passaram a ser quando se generalizou a medicamentação científica? E qual era a proporção de crianças e mães mortas nos partos quando estes eram feitos em casa e qual passou a ser quando começaram a ser feitos em clínicas, assistidos por médicos e enfermeiros diplomados?

naum-gabo-4O problema aqui é que Mix confunde a divisão do trabalho com o controlo exercido sobre o trabalho alheio. Mix não parece conceber a possibilidade de uma divisão cooperativa do trabalho e parece admitir que a divisão do trabalho levará sempre ao controlo sobre o trabalho alheio. Se isto fosse exacto, lutar contra o controlo exercido sobre a nossa actividade e a nossa vida — que é o mesmo que dizer, lutar contra a exploração — teria como consequência acabar com a divisão do trabalho e, por conseguinte, reduzir de novo a humanidade à escassez e à indigência. Um dos aspectos mais funestos do mito da natureza é levar pessoas que se situam na esquerda a confundir civilização industrial e capitalismo ou sociedade urbana e capitalismo. Julgam que não pode haver indústria que não seja capitalista nem cidades que não sejam capitalistas, e em nome do anticapitalismo desejam condenar-nos a um modo de vida arcaico, ou mais exactamente, ao que imaginam terem sido os modos de vida arcaicos. Por isso, e apesar das ocasionais declarações em contrário, acabam mitificando o campesinato, e este mito vigente na esquerda está muito próximo do que vigorou entre uma certa extrema-direita, como alertei naquela minha série de artigos. Se os ecologistas supostamente de esquerda lessem Walter Darré, por exemplo, encontrariam afinidades. Mas por este motivo viram a cara para o lado.

Só uma grande dose de — como dizê-lo de maneira delicada? — de distracção pode levar Mix, referindo-se aos «milhares de miseráveis existentes pelo mundo», a escrever que «estas pessoas já estão condenadas à escassez há centenas de anos; quando o conseguem, reproduzem sua vida no limite» e no parágrafo seguinte considerar que com a agro-ecologia «o camponês e a camponesa podem não ter em sua casa comida congelada sempre, ou ir a restaurantes com vários tipos de comida para poder jantar fora aos finais de semana, mas muitos vivem bem com o que produzem, têm diversidade de folhas, frutas, vegetais, alguns leite e queijo». Que bom! Alguns chegam a ter leite e queijo. É preciso que certa extrema-esquerda tenha caído muito baixo para apresentar isto como programa. Junte-se a apologia das mezinhas e das parteiras de fundo de quintal e ficamos com uma ideia da sociedade em que nos é proposto viver. Quando eu digo e escrevo, e tenho-o feito várias vezes, que o multiculturalismo ecológico é genocida, estou a pesar a palavra e a empregá-la no sentido literal.

pevsner-1Porém, inconsciente das consequências do seu próprio programa, Mix lamenta, referindo-se à sociedade industrial contemporânea, que «estão acabando com o mundo natural, estão acabando com as pessoas».

Comecemos pelo «estão acabando com o mundo natural». É significativo que, apesar de sistematicamente desmentidas pelos factos, as teses ecológicas do esgotamento da natureza pela indústria continuem a ser repetidas. Seria bom que os ecologistas lessem as previsões catastróficas do Clube de Roma feitas na década de 1970 e as comparassem com o que realmente sucedeu. Mas quando observo que hoje não são poucos os ecologistas a citar com respeito o Clube de Roma, lembro-me de que a fé resiste aos argumentos e é isto mesmo que caracteriza a fé. Se a indústria se limitasse a usar a natureza em vez de, ao mesmo tempo, conseguir multiplicar a natureza, o planeta já estaria reduzido ao tamanho de uma laranja, e tão pequenina como essas provenientes da agricultura chamada biológica. Mas a indústria moderna constitui uma forma de multiplicação da natureza, e no capitalismo industrial os mecanismos da mais-valia constituem a forma como os resultados desta multiplicação são apropriados pelos detentores dos meios de produção e pelos gestores do processo de trabalho. O objectivo do socialismo não deve ser o de pôr fim à civilização industrial, mas de pôr fim ao processo de exploração de modo a que todos beneficiemos plenamente da acção multiplicadora da natureza exercida pela indústria e pela agricultura industrializada.

No primeiro dos artigos da série O mito da natureza, quando evoquei a desproporção entre as destruições ambientais causadas e o resultados económicos obtidos em sociedades itinerantes de colectores, baseei-me em estudos referentes não só à Eurásia mas igualmente à África e às Américas pré-colombianas, como será facilmente perceptível a quem tiver analisado esses casos. Mix revela um lastimável grau de desconhecimento ao argumentar que «naquela época o mundo parecia infinitamente utilizável, além de haver a possibilidade de recuperação “natural” daquele mundo». Nos estudos de arqueologia não faltam casos de antigas civilizações que se extinguiram por terem esgotado os recursos naturais que as sustentavam. Se passarmos a uma época mais recente, vários historiadores consideram que a colossal expansão dos nómadas das estepes asiáticas, que levou à formação do mais vasto império da história da humanidade, foi desencadeada pela progressiva escassez de pastos na pátria de origem, devida ao desequilíbrio entre o crescimento das manadas de cavalos e as possibilidades de renovação natural da erva. Não pretendo apenas indicar, como fiz no primeiro artigo daquela série, que, proporcionalmente ao nível de produção conseguido, as tecnologias mais toscas são as que ocasionam efeitos secundários mais consideráveis e perturbam áreas mais vastas. Pretendo chamar também a atenção para o facto de as tecnologias arcaicas não possuírem, ou possuírem em baixo grau, a capacidade de multiplicar a natureza exercida pela indústria contemporânea. O esgotamento dos recursos naturais é uma ameaça tanto maior quanto mais rudimentares forem as tecnologias usadas.

naum-gabo-1Quanto a saber se «estão acabando com as pessoas», basta verificar nas estatísticas o crescimento da população mundial e o aumento da esperança média de vida. Quem ameaça acabar com a maior parte das pessoas são os ecologistas como Mix. Por razões estritamente ideológicas, interessa-lhes a preservação das tecnologias arcaicas, sem se preocuparem com as consequências demográficas. E a humanidade iria pagar a factura de mais esta engenharia social ecológica, como os cambodjianos pagaram a da experiência similar do regime de Pol Pot. Felizmente para a tranquilidade física dos partidários da agro-ecologia, os cidadãos comuns ainda não se deram conta do que eles verdadeiramente propõem.

A questão do antagonismo entre o socialismo da abundância e o socialismo da escassez assume aqui um lugar central, e remeto para um artigo do Passa Palavra em que abordei o tema. Ora, Mix critica-me por eu considerar que o socialismo moderno — eu especifiquei «moderno», palavra que Mix omitiu — nasceu da constatação de que a humanidade chegara a um nível tecnológico que permitia a superação do reino das necessidades e o acesso à abundância. Mix argumenta que o socialismo nasceu apenas da constatação das grandes desigualdades. Se isto fosse exacto, então o socialismo moderno não se teria distinguido de uma grande parte das heterodoxias religiosas surgidas no âmbito do cristianismo, que se insurgiram contra a desigualdade e pretenderam ultrapassá-la não no Reino dos Céus, mas já neste mundo. Foi o surto tecnológico operado a partir dos finais do século XVIII que permitiu converter aquele comunitarismo arcaico num socialismo de novo tipo, começado a formular no segundo quartel do século XIX.

rodtchenko-2E assim as coisas ficam claras. Mix termina confessando que não tem a intenção de defender uma revolução mundial, o que me deixa mais sossegado, porque isso só reverte em benefício da revolução mundial. E Mix explica que a revolução mundial levaria a uma homogeneização que apavora os multiculturalistas. É precisamente por isso que sou francamente hostil ao multiculturalismo e a tudo o que ele defende. Aliás, a sequência causal é a inversa, e o multiculturalismo só pôde surgir e difundir-se numa época de acentuado recuo do processo revolucionário mundial. Os obstáculos que se erguem hoje à constituição de uma cultura universal de classe trabalhadora são sistematizados e favorecidos pelos multiculturalistas. O multiculturalismo é a ideologia dominante numa época em que as classes capitalistas estão transnacionalizadas mas a classe trabalhadora está fragmentada, e o objectivo dessa corrente ideológica é manter a fragmentação da classe trabalhadora. Se este artigo de Mix representasse apenas as ideias dela, eu poderia considerá-lo uma anomalia e não escreveria uma resposta. Verdadeiramente preocupante é o facto de estas ideias terem agora um curso generalizado, a ponto de constituírem um lugar-comum para grande parte da esquerda.

As ilustrações reproduzem obras de quatro dos principais fundadores da nova estética do lirismo urbano e industrial. De cima para baixo, Moholy-Nagy, pormenor da escultura Modulador Luz-Espaço (1922-1930); Rodtchenko, fotografia de uma moça (1934); Rodtchenko, fotografia de varandas na rua Myasnicka (1925); Moholy-Nagy, fotografia das varandas da Bauhaus (1926); Naum Gabo, escultura Construção Linear no Espaço nº 2 (1959-1960); Pevsner, escultura Superfície Desenvolvível (1938-1939); Naum Gabo, escultura Construção Linear no Espaço nº 1 (concebida em 1942 e executada na década de 1960); Rodtchenko, fotografia de peças de automóvel (1929).

101 COMENTÁRIOS

  1. As verdades deste texto poderiam se limitar a causar em mim puro prazer pessoal de lê-las por verificar o nível altíssimo de concordância que tenho com o que que foi escrito. Infelizmente porém, a tolerância e a abertura mental para com o desenvolvimento heterogêneo da humanidade (que gera uma diversidade incontável de gostos, formas de expressão, etc.) é confundida, com o advento do multiculturalismo, com o congelamento do movimento das sociedades rumo à superação de seus problemas. E temos assim uma inversão de hierarquias: os multiculturalistas rejeitam a cultura do desperdício, idealizando um passado de carências e com alguns hábitos culturais que não nos faria falta alguma se desaparecessem do planeta.
    O presente pode ser muito ruim (e é mesmo para a maioria), mas o passado não deixa saudades. e o estabelecimento de padrões/homogeneidades em certos campos facilita em muito a existência humana, mesmo agora no capitalismo, que dirá em uma sociedade livre da exploração.

  2. 1) Agricultura familiar não é agroecologia. As técnicas agroecológicas vêm sendo aprimoradas constantemente; partem de saberes dos povos originários mas se aliam ao que há de mais moderno na ciência buscando também a produtividade (além da resiliência a mudanças climáticas, não-uso de venenos, manutenção da biodiversidade, etc.). De fato, plantação agroecológica é mais produtiva por área do que a monocultura sob o controle do agronegócio, com todos seus insumos¹. É certo que o agronegócio requer menos pessoas para cultivar diretamente uma porção de terra, mas parte do trabalho necessário foi realizado por diversos outros trabalhadores na produção das máquinas, na preparação dos insumos, no transporte dos materiais. Além disso, a preparação de fertilizantes e o uso das máquinas necessitam de bens finitos no planeta.

    2) Agrotóxicos são venenos. Revisões científicas dos diversos danos à saúde causadas por seu uso são abundantes². Isso é sabido também por qualquer agricultor que aplique manualmente o veneno ou mesmo que trabalhe colhendo alguns gêneros no qual se usa veneno, como o fumo, cujo trabalho de colheita é seguido por náuseas e alucinações no curto prazo, além de taxa de câncer bastante acima da média no longo prazo. Não é de surpreender, visto que o mecanismo de funcionamento do agrotóxico é, justamente, ser tóxico para animais e se manter na planta por longos períodos após a sua aplicação (inclusive quando a plantação vira comida).

    ¹ http://www.organicsnet.com.br/wp-content/uploads/20110308_agroecology-report-pr_es.pdf
    “Para poder alimentar a nueve mil millones de personas en 2050 necesitamos urgentemente adoptar las técnicas agrícolas más eficientes conocidas hasta el momento. Los estudios científicos más recientes demuestran en este sentido que, allí donde reina el hambre, especialmente en las zonas más desfavorecidas, los métodos agroecológicos son mucho más eficaces a la hora de estimular la producción alimentaria que los fertilizantes químicos” afirma Olivier De Schutter, Relator Especial de la ONU sobre el derecho a la alimentación y autor del informe.

    ² http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/terra-em-transe/pesticidas-saude-e-o-custo-social-da-revolucao-verde

  3. Dito que este artigo é o que mais concordo dentre todos desse debate, tenho que no entanto discordar profundamente da afirmação:

    “A taxa de mortalidade tem aumentado? A esperança média de vida tem diminuído? Muito pelo contrário, o que mostra que estes «venenos» são bons para a saúde.”

    Ora, a taxa de mortalidade e a esperança de vida média tem aumentado, mas obviamente isso não mostra que os tais “venenos” são bons para a saúde, uma vez que, até que se demonstre, não há nenhuma correlação entre esses “venenos” e esse aumento de expectativa de vida.

  4. entretanto, um certo discurso desenvolvimentista vai desalojando pessoas para construir barragens, matando lideranças de movimentos sociais, tudo isto em nome dessa sociedade da abundância, que no brasil acontece mais a sul e claramente só para alguns. a colonização não acabou e hoje traja de emancipação nacional e desenvolvimento industrial.

    Há um certo discurso ambientalista meio deslocado que vem mais ou menos de onde disse a menina, que vota marina e come bio e já está, mas também há um discurso ‘esquerdista’ que defende o desenvolvimento a todo o custo, no fundo defende um capitalismo mais avançado, mas por ora contenta-se em ceder aos grandes senhores do brasil a sua cota, enquanto alguns dos muitos outros forem tendo mais umas migalhas. o pouco que li do artigo, deu para entender que o senhor defende que a revolução industrial produz a revolução socialista, o que é uma ideia tão escabrosa como a de que seriamos todos tão felizes a comer espinafres e batatas. com a circulação de informação que temos hoje, dificil é não ver a violência do processo de industrialização. mas talvez sejam assim as revoluções socialistas, o ‘povo’ que aceite ser industrializado para ser revolucionado e logo burocratizado.
    jb não é tampoco desolocado desses outros, os pobres, os perifericos, que para um lado e para o outro do debate, parecem bastante distantes.

    ‘Essa hostilidade ao laboratório é do mesmo tipo da que rodeou os alquimistas medievais de uma aura diabólica e revela atitudes mentais similares. Assim, escreve-se a torto e a direito que os alimentos estão envenenados, sem se ter a curiosidade de verificar as consequências estatísticas deste envenenamento geral da população.’

    estudos e demonstrações existem com fartura, apesar da relação intima entre qualquer laboratorio e industria, que torna qualquer investigação contraria aos seus interesses no minimo dificil de financiar. O MON 810 provocou num estudo com ‘petits souris’ alteração nas glandulas linfaticas e rins. Varios agricultores indianos suicidaram-se quando as suas sementes de algodão, caras e supostamente resistentes a pragas, pereceram a essas mesmas pragas. Agente laranja, rings a bell? A comissão europeia emitiu o ano passado uma directiva que impede os agricultores de guardar sementes, obrigando-os a compra-las a empresas que entretanto estão a patentear todas as variedades. com o argumento basico de ‘a natureza também tem quimica’ se resume todo este contexto.

    tão bonita que é a imagem dos cartazes do inicio do século passado, que alguns ficam ofuscados pelo desenho do operário de punho erguido, musculado e de olhar no horizonte.

  5. sr joao bernardo, digne-se no minimo, à curiosidade que exige aos seus interlocutores, e pesquise um pouco sobre o que tem significado social e ambientalmente ‘a revolução verde’.
    senão vai deixar a entender que a abundancia que defende é a sua, claro que não poderá estar ameaçada por qualquer impeto revolucionario daqueles que comem soja para você comer bifes.

  6. O assusta este tipo de gente é que a revolução seja feita por uma turba incivilizada, como a das histórias das emancipações africanas, que põe as cabras na banheira e caga da varanda. o medo é de que os ansejos emancipatórios da multidão de excluidos surjam demasiado cedo, talvez até antes desses selvagens terem esquecido do sabor da carne humana, e tão doutos senhores ‘revolucionarios’ acabem como tempero para estufado.

  7. Agora no final de 2011 a Folha de São Paulo publicou uma longa entrevista com um destes ecocratas e para além de vários elementos da religião ecológica o sujeito reclamava que os resturantes serviam pratos grandes e propunha que fosse diminuído a quantidade de comida servida, embora não falasse em diminuir os preços.

    Além da proposição de um mundo de miséria outra coisa complicada nesse pessoal é a tentativa sempre corrente de tentar culpar os trabalhadores, as pessoas comuns, por uma série de questões que lhes fogem. Identificam, na religião ecológica, a vida urbana com Sodoma e Gomorra e nos acusam a todos de viver em Sodoma, de criar Sodoma, de gostar de Gomorra. Se você come um pedaço de alcatra te jogam no mesmo molho que um Eike Batista, outra hora te acusam de ser culpado pelo aquecimento do planeta (outro grande mito), que o mundo está assim e assado. Enfim, são piores que Testemunhas de Jeová…

  8. Pessoas,
    A diferença é a seguinte, o lema dos ecológicos é a defesa do “futuro comum”, quando a maioria da população carece do comum agora. Queremos tudo a que temos direito agora, tudo e agora, agora e tudo, e não depois e não em partes. Quem vai se engajar num projeto de futuro se não goza as benesses do presente?
    Sobre a questão da agroecologia, acho que ela é válida dentro de algumas iniciativas de luta como elemento agregador, eventualmente como gerador de renda que atenue as dificuldades materiais, mas dificilmente pode ser colocada como meta estratégica e nem ser generalizada para toda a sociedade, pois o resultado disso, dado os seus índices de produtividade, seria a carência generalizada, resultando no retrocesso de inúmeras conquistas históricas dos trabalhadores.
    Saudações

  9. Neste artigo o Bernardo demoliu uma por uma as teses do artigo da Mix. Para isso usou argumentos e invocou fatos. E como as teses da Mix não são originais, mas um conjunto de lugares-comuns, as críticas do Bernardo têm a vantagem de apontar para afirmações correntes da ecologia. E que fizeram os ecologistas, com uma ou duas exceções? Em vez de responderem a este artigo, lançaram apelos, a partir dos comentários do artigo da Mix, para que ninguém comentasse o artigo do Bernardo a não ser nos comentários ao próprio artigo da Mix. Muito corajosos… A incapacidade de sair do grupo caracteriza as seitas e as fés, e é um dos fundamentos do totalitarismo. Quando li o artigo do Bernardo estranhei a referência ao Pol Pot. Agora começo a entender.

  10. MIX apresenta a apologia de uma vida rural arcaica, toda ela mitificada. Vendo depois, de fora, projeta uma absoluta mitificação, tirando dessa vida rural arcaica as contradições, o sofrimento interno, acaba romantizando. Chega mesmo a demonizar a vida urbana, sem levar em conta os dados reais, as estatísticas. Aqui, é ela, ao contrário, que parece não conceber alternativa no mundo urbano, como se estivesse toda civilização industrial condenada pelo capeta. O que ela apresenta não é muito distante da estética bíblica: na velho livro religioso, as cidades são sempre palco do pecado, de Sodoma e Gomorra à Babilônia.

    Depois, a parte do “eles já estão na escassez” ou “alguns chegam a ter leite e queijo” é de um profundo cinismo (obviamente resultante da romantização do arcaico) e de dar medo. Melhor viver sob a distribuição de leite do Maluf do que no mundo autônomo e anticapitalista da MIX.

    O que não entendo nos defensores do socialismo da miséria é porque não começam a aplicar desde já suas visões de mundo: podem comprar um sitio por ai, ausentarem-se de luz elétrica, de água encanada, de comidas vendidas pelos mercados satânicos, podem ficar sem anestesia, sem pasta de dente, pegar água do poço e lavar roupas no rio…enfim. Por que ficar esperando?

  11. A Mix talvez seja partidária das trocas fora do mercado, mas os seus amigos ecologistas praticam as técnicas de marketing mais rasteiras. Apelam para que a discussão do artigo do Bernardo seja feita nos comentários ao artigo da Mix. E depois invocam o número de comentários do artigo da Mix como prova de que esse seria «no mínimo, interessante». É a inflação como argumento ideológico.

  12. O capitalismo matou a fome a muita gente. pois.
    onde é que nós estàvamos?

  13. Até agora, para além de manobras sujas, denunciadas por um leitor, e de insultos, apenas dois leitores criticaram este meu artigo com seriedade.
    Neste artigo, bem como noutro anterior, eu indiquei a conveniência de comparar as taxas de produtividade do trabalho nas explorações agrícolas familiares e na agricultura industrializada, respeitando a especificidade de cada tipo de produção. A isto JG responde começando por comparar a produtividade por superfície, o que não é o problema que eu tinha levantado. Logo em seguida, JG admite que a produtividade do trabalho no agronegócio é superior à das plantações agro-ecológicas, mas, para minorar os efeitos desta conclusão, introduz considerações estatísticas sobre os inputs que, se fossem aplicadas generalizadamente, deveriam levar à remodelação da totalidade dos cálculos da produtividade do trabalho na totalidade da economia. E não há razão para aplicar a um único tipo de produtividade do trabalho considerações que não se aplicam aos demais. Na realidade, porém, a alta produtividade do trabalho nos ramos produtores dos inputs usados pelo agronegócio deixa sem grande pertinência aquelas considerações de JG. Num dos artigos ( http://passapalavra.info/?p=43784 ) de uma série que publiquei neste site, dedicada à economia brasileira contemporânea, citei o livro de 2009 de Werner Baer, que indica que o mau estado das vias de comunicação no Brasil levava a que o custo do transporte da soja atingisse uma média de 50 dólares por tonelada, enquanto nos Estados Unidos se limitava a 20 dólares por tonelada. E eu comentei naquele artigo: «É realmente preciso que o ramo das commodities tenha atingido um elevadíssimo grau de produtividade para ser mundialmente competitivo em tais condições de transporte».
    Quanto aos efeitos nocivos eventualmente provocados pelos adubos químicos industriais, os efeitos sobre os trabalhadores fazem-se sentir, como sempre no capitalismo, quando o baixo custo da força de trabalho não pressiona os patrões a investir em medidas de segurança. Com o desenvolvimento económico, o aumento da produtividade do trabalho e o aumento das qualificações dos trabalhadores, passa a ser mais rentável para os patrões arcar com custos de segurança do que deixar morrer a mão-de-obra. Aliás, mesmo antes de se chegar a esta fase, a organização dos trabalhadores e as lutas nos lugares de trabalho podem obrigar os patrões e investir em medidas de segurança. No geral, as melhorias da segurança no trabalho resultam da convergência da evolução estritamente económica e das lutas sociais.
    Mas quem pretende afirmar que os adubos químicos industriais são nocivos para os consumidores dos alimentos terá de demonstrar que a esperança média de vida tem diminuído e que a taxa de mortalidade tem aumentado. Sem isto, continuarei a afirmar que esses pretensos venenos são bons para a saúde.
    Aqui, outro leitor, Leo Vinicius, afirma que não existe correlação entre a melhoria das condições demográficas e o uso extensivo de adubos químicos industriais. Ora, um dos factores que levou tanto à redução da taxa de mortalidade como ao prolongamento da esperança média de vida foi o aumento do consumo alimentar, tornado possível pelo aumento da produção de alimentos e pela redução do seu preço. E ambos estes factores se deveram à industrialização da agricultura e ao uso extensivo de adubos químicos industriais, não só nas explorações de grandes dimensões mas igualmente na pequena agricultura, graças à Revolução Verde, cujos benefícios se fizeram especialmente sentir em alguns dos países e regiões mais pobres, onde era maior a taxa de mortalidade e menor a esperança média de vida. A Revolução Verde teve efeitos negativos também, mas estes deveram-se ao sistema de crédito usado em vários casos e à consequente concentração da propriedade, não à aplicação extensiva de adubos químicos.

  14. A respeito do aumento da expectativa de vida nos países mais pobres durante a Revolução Verde, convém dar uma olhada no gráfico dinâmico desenvolvido pelo estatístico sueco Hans Rosling: http://www.gapminder.org/world/
    (é só clicar em “play” e observar a evolução dos índices)

  15. “Faltam utopias no mundo, movimentos de transformação que tragam novas formas de viver em harmonia. Isso é importante porque somos parte da biosfera.”
    Eis um exemplo de como o discurso ecológico tem sido usado pela direita, este foi proferido por Guilherme Leal, co-presidente do Conselho de Administração da Natura, ao receber o prêmio ECO 2011.
    Para não ficar em um caso isolado, para o presidente do Conselho de Administração da Fibria Papel e Celulose (a mesma empresa que está realizando parceria com o MST) José Luciano Penido “As novas gerações já nascem conscientizadas sobre esse tema [necessidade de equilíbrio entre resultados financeiros, preservação do meio ambiente e responsabilidade social]. Os jovens que começam a trabalhar e os que estão assumindo postos de liderança estão cientes da escassez de recursos naturais”, o que vem auxiliando as empresas a desenvolverem inovação e diferenciais competitivos, graças a ideologia baseada na sustentabilidade.
    Funcionalidade de uma ideologia e engajamento ao capital que é confirmada por Eduardo Wanick, presidente e CEO da DuPont para América Latina e presidente do Conselho de Administração da Amcham, para quem, “Os jovens que já têm essa conscientização se engajam com mais facilidade no processo de tornar a empresa mais competitiva”.
    E, claro, os professores universitário não poderiam ficar de fora, com suas simbólicas linguagens, como nos demonstra o professor (e ex-reitor da USP), Jacques Marcovitch: “É preciso reverenciar as companhias que estão construindo o futuro, reconciliando o tempo do falcão, que representa a rapidez e o ataque, ao da coruja, que significa a sabedoria”.
    O que demonstra que estes gestores e os políticos não apropriam-se apenas do discurso ideológico, mas ainda de práticas que são defendidas por certa esquerda e muito presentes no ecologismo, valendo-se de toda um acúmulo de militância neste campo para aprimorar suas formas de exploração.

  16. Compartilhando os dados de uma pesquisa de Simone Barbanti (2006, Retorno à terra – como elo afetivo e meio de sobrevivência nos assentamentos rurais. São Paulo: Musa/Fapesp), que desconstrói a perspectiva, ou o mito, dos camponeses como “inerentemente ecológicos”. A autora, através de pesquisa de campo em alguns assentamentos, constata que nestes a preocupação ecológica era mais acentuada não nos assentamentos formados exclusivamente por pessoas que mantiveram laços de relação com a terra, mas ao contrário, nos que eram formados por assentados que tiveram algum tipo de experiência de vida nas cidades.
    Para além dessa pesquisa, muitos grupos políticos indígenas na América Latina passaram há poucas décadas a apropriar-se do discurso ideológico de conciliação com a natureza e sustentabilidade, mais do que uma prática milenar em seus territórios (ainda que assim o digam).
    O que parece-me complexificar mais, e aumentar, os pontos de contato entre a ideologia ecológica e as práticas de dada esquerda e de certa direita, que conforme levantamento de empresas associadas a Amcham, 87% [das empresas] consideram que inserir a sustentabilidade na gestão traz resultados positivos para a imagem da companhia e agrega valor a produtos e serviços. “Essa consciência cada vez maior de resultados é o que realmente está movendo a sustentabilidade adiante”, afirma o presidente da Amcham, Gabriel Rico.
    E mais uma vez parece que os projetos políticos, de esquerda e direita, mais assemelham-se do que diferenciam-se, quando tratamos da ideologia ecológica.

  17. Interessante essa perspectiva apresenta por João Bernardo, porque sempre faz pensar para além dos aparentes consensos no meio das esquerdas, como esses das tecnologias agrícolas e industriais como multiplicadoras da natureza. Essas passagens, sobretudo, são muito intrigantes:
    “O objectivo do socialismo não deve ser o de pôr fim à civilização industrial, mas de pôr fim ao processo de exploração de modo a que todos beneficiemos plenamente da acção multiplicadora da natureza exercida pela indústria e pela agricultura industrializada.”
    “Pretendo chamar também a atenção para o facto de as tecnologias arcaicas não possuírem, ou possuírem em baixo grau, a capacidade de multiplicar a natureza exercida pela indústria contemporânea. O esgotamento dos recursos naturais é uma ameaça tanto maior quanto mais rudimentares forem as tecnologias usadas.”
    Fiquei pensando: também não é um pressuposto que as tecnologias estão impregnadas das relações sociais nas quais se desenvolveram, e que a tecnologia capitalista tenderia a fazer reproduzir as relações de exploração? A superação do capitalismo não exigirá igualmente o desenvolvimento de uma nova base técnica, adequada às novas relações sociais de produção pós-capitalista? E se a agroecologia ou a agricultura familiar não são necessariamente sinônimo de retrocesso tecnológico, mas uma tentativa de bifurcação a partir da base técnica atualmente existente, supostamente em direção oposta à agricultura capitalista, não poderiam ser compreendidas como experimentações que podem abrir espaço para o desenvolvimento futuro de uma nova base técnica igualmente produtiva? Não estariam as proposições de João Bernardo alargando de tal maneira o alcance da tecnologia capitalista ao ponto de tangenciar o determinismo tecnológico? Parece-me importante que as lutas sociais se estabeleçam também em torno das técnicas e tecnologias utilizadas nos processos de produção material, e ainda mais importante quando é o próprio trabalhador da agricultura ou da indústria que leva adiante esses movimentos, se apropriando dos mecanismos (técnicos) de fabrico.
    Obviamente que estamos longe de pretender um socialismo da penúria, como se nos fosse atualmente possível viver de farinha, grãos e tomates, ainda que agroecológicos. Bem como não se imagina um retorno ao artesanato nos meios de fabrico. A dúvida é se são realmente tão infrutíferas as iniciativas de questionamento prático das técnicas capitalistas, especialmente quando orientadas para a busca de uma base técnica adequada a uma possível nova forma de relacionamento social coletivista. Será mesmo que a valorização da agricultura familiar e dos assentamentos sinônimo de mitificação da natureza ou do campesinato? Não se trata de uma luta contra espaços ainda não totalmente incorporados às teias da produção de mercadorias?

  18. Aragão,
    Agradeço os seus questionamentos, que fornecem uma oportunidade de ampliar as perspectivas.
    Estou de acordo consigo quando escreve que as tecnologias estão impregnadas das relações sociais em que se desenvolveram e que a tecnologia capitalista tende a reproduzir as relações de exploração. Desde há muito que eu defino a tecnologia como a materialização de relações sociais. Mas vejamos um exemplo histórico.
    A invenção e o uso roda estiveram estreitamente relacionados com o carácter dos sistemas económicos. O facto de os egípcios usarem a roda nos carros de combate mas não na actividade produtiva e o facto de o império inca não ter conhecido a roda devem ajudar-nos a delimitar o contexto social e os mecanismos de exploração em que a roda originariamente se inseriu. Mas isto não significa que estas mesmas relações sociais se reproduzissem em toda a série de sociedades que posteriormente usaram a roda, até aos nossos dias. Aplica-se aqui o modelo da linguística estrutural. Quando um elemento é isolado da sua estrutura de origem e inserido noutra estrutura, ele muda de características gerais. Sendo inicialmente uma tecnologia, a roda tornou-se uma técnica a partir do momento em que foi inserida noutros quadros tecnológicos mais vastos.
    O mesmo poderá vir a suceder mais tarde com muitos elementos da tecnologia capitalista. Mas como saber? Detesto especulações e procuro ater-me aos dados empíricos. Ora, até hoje os períodos de luta anticapitalista generalizada duraram o suficiente para podermos analisá-los enquanto formadores de relações sociais de um novo tipo. Mas não duraram o suficiente para que essas novas relações sociais se materializassem numa nova tecnologia. Encontram-se por vezes alguns brevíssimos ensaios, mas breves demais para servirem de indicação segura.
    Aragão considera que a agricultura familiar poderá indicar novos rumos tecnológicos anticapitalistas, por se tratar de «espaços ainda não totalmente incorporados às teias da produção de mercadorias». Mas no mundo contemporâneo todos os espaços estão integrados naquelas teias, e aliás a agricultura ecológica encontra nas camadas de rendimentos mais elevados os seus consumidores preferenciais. Reconheço, porém, que a agricultura familiar, especialmente quando serve de base a lutas de resistência, pode ocupar, em certos casos, uma posição periférica no sistema de mercado. Será que isto lhe permitirá, no futuro, o desenvolvimento de uma tecnologia anticapitalista? Como saber? Não tenho base empírica para dizer que não. Portanto, também não tenho base empírica para dizer que sim. Mas tenho, e todos deveríamos ter, a base empírica suficiente para saber que, em história, os ponteiros do relógio não andam ao contrário.
    Creio que escapou a muitos leitores que o objectivo deste artigo, como aliás da série de artigos sobre o mito da natureza, era o de suscitar dúvidas, numa questão em que muitas pessoas gostam de ter certezas. E eu partilho as dúvidas.
    Mais dúvidas, então. Em muito do que se escreve hoje a respeito da ecologia e da agro-ecologia ecoam os escritos de Proudhon. Não espanta, dir-me-ão, já que ele foi um dos fundadores do anarquismo. Pois. Mas Proudhon é também a figura que a extrema-direita francesa reivindica como o seu grande antecessor, e isto desde o começo do século XX. Janet Biehl e Peter Staudenmaier analisaram detalhadamente a relação da extrema-direita com a ecologia numa obra que citei na referida série de artigos.
    Mas é em Zola que eu encontro a verdadeira antecipação das teses agro-ecológicas contemporâneas, na série dos Rougon-Macquart. Geralmente as pessoas lêem um ou outro romance e ficam com uma ideia falsa das ideias de Zola, porque se lerem toda a série e por ordem, como o autor pretendia, verão que para Zola tanto os capitalistas como o proletariado são duas forças sociais nefastas, condenadas a autodestruírem-se na luta de classes, destruindo com elas o principal elemento nocivo da sociedade, a Cidade. E a civilização renasceria com a aliança entre a ciência e a tradição rural. Na época, sobretudo em França, o modelo do cientista era o médico-biólogo, e é este o significado do termo da série dos Rougon-Macquart, com a ida do dr. Pascal para o campo.
    Que concluir de tudo isto? Mais dúvidas.

  19. João Bernardo gostaria apenas de levantar apenas uma questão, ainda que o texto pela qualidade merecesse outros comentários mais pormenorizados.

    Você confunde adubo químico com agrotóxicos. São coisas muito distintas. Segundo me recordo, a agroecologia não dispensa totalmente o uso de adubos químicos, mas sim de agrotóxicos.

    São coisas muito diferentes.

    Até por que o uso intensivo de agrotóxicos não aumentou a produção de alimentos no mundo como propaga a revolução verde.

    Em relação a discussão em si, gostaria de pontuar algumas questões, que de certo modo já foram reiteradas qualitativamente aqui no passapalavra.

    A leitura de alguns militantes de movimentos sociais rurais que tenho contato, é que o uso das máquinas e de determinadas tecnologias, é propositivo quando inserido num projeto coletivo e podem servir e potencializar o trabalho do camponês (ou do trabalhador rural). Neste ponto não há arcaísmos, ainda que reconheça, que muitos setores da esquerda estejam presos a uma visão mitificada da natureza pregando contra a utilização de quaisquer tecnologias. O extremo disto é o tal anarco-primitivismo, se bem que, considerar o anarco-primitivismo como de esquerda é de um erro craso, já que os mesmos não se reivindicam de esquerda. Em relação a condenar o uso da tecnologia, Bookchin, que você citou bem, aponta, o quão complicado é colocar todas as tecnologias no mesmo “bolo”.

  20. Incrível a capacidade do João Bernardo de falar as maiores barbaridades sobre o uso de agrotóxicos na agricultura de maneira tão arrogante (“estes venenos fazem bem pra saúde”)…Curiosamente, ele está a repetir, apenas de maneira mais sofisticada, os mesmos argumentos que a Revista VEJA expôs há algumas semanas, numa matéria infame em defesa das grandes multinacionais do setor (Monsanto, Cargill, Bunge, Basf, Dupont etc.). Bom, a julgar pelos argumentos do autor, essas empresas deveriam ser condecoradas por salvarema humanidade da fome…inacreditável!
    Ou a VEJA virou de esquerda, ou o autor arrota esquerdismo onde só há argumentos reacionários pró capital!
    Acho que a VEJA não se esquerdizou…hehe

    Pra quem quiser conferir, eis um breve artigo sobre a matéria da VEJA, feita por uma espcialista no debate sobre agrotóxicos:

    http://aspta.org.br/2012/01/os-beneficios-dos-agrotoxicos-no-mundo-de-veja/

  21. Especialista no debate sobre agrotoxicos que promove a agroecologia. Muito sério e imparcial. Eu preferia que me indicassem artigos científicos ou pelo menos um artigo de divulgação com referências a artigos científicos.
    Eu indico este blog espanhol, que refuta vários mitos sobre agroecologia: http://www.losproductosnaturales.com/

  22. Esquerda, qual esquerda?
    Com a vitória do revisionismo moderno da 2ª metade do séc. XX sobre a ideologia marxista e sobre o socialismo, a esquerda e quase toda a extrema juntaram-se ufanas e triunfantes a todos os sectores da direita incluindo a social-democracia que travestiram como convinha de “esquerda”. Por sua vez a direita branqueou completamente o nazismo hoje recuperado com a extrema-direita em ascenção nalguns países europeus enquanto o revisionismo se mantém intocável no seu percurso degenerativo conduzindo os trabalhadores para o abismo.

  23. João Bernardo, pensador que muito admiro precisamente porque me faz pensar, iniciou esta página com muitas certezas (nomeadamente de que “o multiculturalismo ecológico é genocida” ou que os “«venenos» são bons para a saúde”) e termina, por agora, com muitas dúvidas (o que retira algum poder de fogo ao seu fulminante corpus argumentativo) que derivam possivelmente de várias críticas legítimas de vários comentadores.

    Parece-me que o mérito deste seu texto é precisamente o de gerar um debate muito actual e importante que nem o João parece capaz de resolver.

  24. Quando comecei a escrever este artigo de polémica imaginei que me ia divertir, e é o que tem sucedido.
    Por um lado, Mix, se ousou criticar, embora mal, a minha série de artigos, não se mostrou capaz de responder à sequência de argumentos com que eu repliquei.
    Entre os comentários críticos, apenas dois, os de JG e de Aragão, ou dois e meio, se incluir o de Leo Vinicius, puseram as minhas afirmações em causa de maneira séria e com argumentos fundamentados. Procurei responder-lhes. O curioso é que nenhum desses comentadores assumiu a defesa do artigo da Mix e, pelo contrário, distanciaram-se dele.
    Por seu lado, a maior parte dos comentadores que expressaram a discordância recorreu ao insulto e um leitor observou mesmo a existência de apelos para que quem discordasse de mim fosse debater no artigo com que eu polemicava e não no meu. Que honestidade de procedimento! E como no Brasil há quem goste de insultar os textos de que discorda dizendo que eles se assemelham ao que diz a revista Veja, também não faltou esse argumento. Sucede que eu não leio essa revista, porque me limito a ler revistas de excelente qualidade, mas um dia que um artigo da Veja disser que a terra é redonda, os revolucionários brasileiros terão de pretender que ela é plana ou bicuda. A isto chegaram. Entre as comentadoras houve mesmo quem desejasse que eu entrasse um dia no cardápio de canibais, o que fez rir muito, porque em décadas de polémica foi a primeira vez que alguém apelou para que eu fosse comido, no sentido gastronómico do termo.
    Mas o mais curioso de tudo foi o facto de haver um único ponto a preocupar os críticos, o da agroecologia, como se eu me tivesse limitado a falar disso e de mais nada. Não espanta, porque se trata de um artigo de fé numa mitificação da natureza que assume todos os contornos do comportamento religioso. Ora, eu afirmo 1) que a agroecologia diminui a produtividade medida por trabalhador, relativamente a cada tipo de produção, 2) que se os adubos químicos, incluindo as suas novas modalidades, fossem nocivos à saúde isso teria repercussões nas estatísticas demográficas, o que não sucede e 3) que se fossem aplicadas generalizadamente as medidas propostas pelos agroecológicos isso provocaria uma catástrofe demográfica sem precedentes, um verdadeiro genocídio.
    As taxas de produtividade medem-se estatisticamente, o crescimento demográfico e o aumento da esperança média de vida também. Se as minhas afirmações estiverem incorrectas, será fácil demonstrá-lo com números.
    As certezas que eu tinha quando comecei a escrever este artigo são as mesmas que tenho agora, e as dúvidas são as mesmas também. Nestas coisas não se muda em três semanas. Que o programa da agroecologia, tal como ele é defendido por Mix e pelos seus amigos e amigas, é teoricamente demagógico e, se fosse aplicado na prática, seria genocida, disto não tenho a menor dúvida. Mas que no vasto campo dos que se interessam pela ecologia existem pessoas sensatas — ou, pelo menos, não totalmente insensatas — que se preocupam com as questões da tecnologia não num viés arcaizante mas numa perspectiva científica, isso tenho de admitir também. E como a relação da tecnologia com as lutas sociais constitui um campo ainda aberto, para o qual não existem dados empíricos suficientes, a única atitude racional é admitir a dúvida e seguir com interesse essas experiências. Isto porque, Pedro Duarte, quem resolve as dúvidas não sou eu nem ninguém, é a experiência prática.
    Termino estas observações lastimando que ninguém, tanto nesta ocasião como noutras, tivesse interesse em seguir uma via de abordagem que repetidamente propus — estudarem o regime de Pol Pot no Cambodja, os seus pressupostos ideológicos e as suas consequências práticas.

  25. Só não esqueça que eu é que comecei a dizer que ecologia era religião, isso em muitos comentários. Assim como afirmo hoje que certo feminismo é religião e certa devoção aos animais idem

  26. Reduzir quase todos os logros e embustes que têm envolvido a ecologia como sendo expressão de um sentimento religioso é redutor e não corresponde à verdade, assim como o feminismo e a dedicação à causa dos animais. Como se sabe por detrás da ecologia existe um grande negócio, falsificação e alienação. Por sua vez o feminismo acarreta um problema da sociedade que está longe de ser resolvido de forma justa e em plena liberdade e igualdade para ambos os sexos. A causa a favor dos direitos dos animais resulta, também, ainda de uma vergonha para a sociedade contemporânea: são os sádicos e cruéis espectáculos a que os animais são sujeitos para gáudio de diversão macabra e ainda a forma como são tratados, de uma maneira gerqal, socialmente.
    Nada disto tem a ver com a religião mas sim com a sociedade laica e embrutecida no mundo em que vivemos.

  27. Caro professor. Gostei muito da primeira parte do primeiro texto seu. Contudo, me desagradou igualmente a perspectiva um tanto quanto radical adotada contra a discussão ecológica. Não tenho conhecimento particular sobre o regime Pol Pot no Cambodja, mas permita-me algumas considerações críticas ao texto, num campo um pouco mais lógico-abstrato que creio serem pertinentes. Desculpe se algumas afirmações soarem agressivas – não é essa a intenção.

    – Discutir se a produtividade num possível sistema global baseado na agroecologia seria maior ou menor do que no atual sistema, me parece um tanto quanto sem sentido numa perspectiva socialista (ou mesmo ecossocialista) – já que o que interessa é se o sistema permite ou não uma melhor distribuição e apropriação do produto social, por meio de um trabalho não alienante e que reforce vínculos sociais a partir de uma perspectiva cooperativa. Afinal, uma produtividade menor não é necessariamente um problema se o que se busca é a melhoria da vida em geral, não? Não que certo nível de produtividade não seja importante, mas essa não é nem de longe o a questão principal. Aliás, nenhuma pessoa sensata proporia uma transição geral, instantânea e irrestrita do sistema atual para um sistema agroecológico de um dia para outro (ceteris paribus), limitada a técnica de produção. A ironia do senhor, pedindo que se pegue uma calculadora e faça as contas, apesar de parecer ser uma boa provocação, simplesmente não tem sentido, pois nem de longe leva em conta a possibilidade de mudanças no modo de vida.

    – Poderíamos discutir se o nível atual de desenvolvimento das forças produtivas permite ou não um padrão de vida elevado para todos ou refletir sobre como avaliar se a produção pode um dia satisfazer as necessidades “ilimitadas” dos homens, já que o valor da força de trabalho é relativo a cada sociedade. Contudo, o fundamental é questionar se uma via alternativa (ecológica? agroecológica? chame como quiser) pode orientar não apenas outro sistema de trabalho e produção, mas também outras formas de trabalho e relação entre as pessoas e outros hábitos de vida e de consumo, contrapondo o fetiche da mercadoria (ou seja, a transmutação da relação entre pessoas para uma relação entre coisas). Em suma, enquanto sua preocupação parece ser ‘quem produz mais intensamente’, uma preocupação legitimamente socialista seria, em palavras simples, como podemos ser mais felizes. Não creio que possa ser considerado socialista aquele que acredita que a felicidade seja diretamente proporcional ao consumo crescente nem aquele que acredite ser saudável reproduzir o estilo de vida dos EUA para todo o mundo.

    – A busca incessante por maior produtividade só é condição necessária para sociedades capitalistas, que dependem da geração de mais valia. Teoricamente, superar o capitalismo significa buscar um sistema fundado por formas de produção e distribuição fora da lei do valor. Nesse sentido, as suas propostas e comparações estão limitadas a análise da economia pela lei do valor e, consequentemente, viesadas num sentido aparentemente mercantil.

    – Ao contrário do que a sua interpretação propõe, sugerir que se pode viver melhor consumindo menos não significa sugerir o regresso a um mundo arcaico. Existem muitas vertentes do que se chama ecologia, e muitos dos princípios reproduzidos e discutidos nesse meio derivam da reflexão e do uso dos instrumentos tecnológicos mais avançados de comunicação e de processos de troca e acúmulo de conhecimentos e tecnologias de produção que, apesar de não possuírem uma sistematização avançada, nada tem de arcaicos, tendo interfaces com atividades econômicas complexas como o desenvolvimento de softwares colaborativos (vale dizer, numa perspectiva não mercantil).

    – Assim, o termo “socialismo da miséria” me parece não apenas injusto, mas inclusive deriva de uma interpretação do que seja socialismo dependente do aumento da produção e do consumo, como se produzir e consumir mais fosse sempre melhor e mais relevante do que e de como se produz. A meu ver, socialismo não se trata de quanto produzir (embora este seja um problema real) mas sim de como se dão as relações econômicas entre as pessoas e, de forma mais ampla, de como se dá a organização da vida em geral. O peso que o senhor dá ao aumento da produção é injustificável numa perspectiva que deveria ter um horizonte fora da lei do valor.

    – Ao criticar a agroecologia por supostamente permitir uma produtividade menor, o senhor acaba por fazer uma defesa radical e dogmática ao uso de “venenos”. Isso se assemelha a afirmar que a proibição do trabalho infantil, a liberação dos escravos ou a redução da jornada de trabalho seriam medidas condenáveis, já que causariam efeitos deletérios sobre o nível de produção de uma sociedade, gerando escassez e miséria, o que não é verdade (por razões que o senhor conhece melhor do que ninguém). No mínimo, é preciso reconhecer que um controle cada vez maior e mais amplo sobre o uso de agrotóxicos, visando critérios de qualidade e segurança dos alimentos, é algo a ser buscado numa sociedade civilizada – e é essa a orientação agroecológica mais positiva. A meu ver, políticas com essa orientação seriam conquistas de orientação socialista, assim como diversas conquistas históricas de proteção do trabalho.

    – Por fim, é preciso reforçar também outro problema do texto, no qual o senhor insiste, da afirmação de que os agrotóxicos fazem bem para a saúde. Essa é fácil de rebater. A taxa de mortalidade e a esperança de vida não dependem exclusivamente da qualidade dos alimentos agrícolas produzidos em si, mas provavelmente muito mais da quantidade e acesso aos alimentos, das condições de saneamento básico, saúde e trabalho em geral. A qualidade de vida de uma população pode aumentar, melhorando esses indicadores, ao mesmo tempo em que decai a qualidade dos alimentos agrícolas em geral. Logo, dizer que estes «venenos» são bons para a saúde, senão uma provocação desonesta, é uma pura falácia lógica. Argumento indefensável.

    – E apenas para refletir mais: Um exemplo simples para questionar este produtivismo é analisar o sistema de transporte Brasileiro. A contradição é que incentivar formas de transporte não motorizado nas grandes cidades, apesar de ser o mais coerente e sensato para melhorar a vida das pessoas, pode ter efeitos extremamente negativos para a economia capitalista, que depende da indústria automotiva e dos empregos nela gerados. O transporte não motorizado, o caminhar e a bicicleta, apesar de serem formas mais racionais de deslocamento, mais saudáveis, e de gerar maior integração social e menor impacto ambiental (como a produção agroecológica, me parece) não substituirão o carro como principal meio de transporte de grande parte da população da noite para o dia. Para que essas formas sejam incentivadas (e de fato isso pode ser feito, melhorando a vida no capitalismo com todas as suas deficiências) é preciso fazê-lo sem reduzir o crescimento econômico. Nesse sentido, produzir menos (já que um carro necessita de uma quantidade muito grande de trabalho social) e viver melhor não é possível dentro do capitalismo de forma generalizada, mas é possível fora dele.
    – Apesar de tudo isso, a questão ecológica mais profunda não diz respeito ao argumento ingênuo de “salvar o planeta” e sim de livrar o homem de uma existência medíocre, buscando uma vida melhor em sociedade.

    Nossa, acabei perdendo a tarde nisso…

    Cordialmente.

  28. Caro Jonas Bertucci,
    O seu comentário ultrapassa tanto o tema da série de artigos que suscitou a crítica de Mix como o próprio tema da minha réplica. Isso é legítimo e não vejo nenhuma razão para que os comentários não ampliem o debate. Neste caso, porém, Jonas deveria levar em consideração o que eu penso sobre as novas questões que ele colocou. Não é correcto ignorar o que escrevi em livros e artigos acerca desses assuntos e atribuir-me opiniões que não tenho, só à base de deduções ilegitimamente formuladas a partir de um texto em que esses assuntos não estão desenvolvidos ou sequer tratados. Seria bom que Jonas — e com ele muitos leitores — se lembrassem de que as deduções são feitas pelos leitores e que podem, muito simplemente, ser mal feitas.
    Ao ler o comentário de Jonas percebi que a discussão deu uma volta inteira, porque aquilo que escrevi no terceiro artigo da série O mito da natureza ( http://passapalavra.info/?p=49001 ) aplica-se igualmente às lucubrações de Jonas acerca da indústria alimentar e dos impactos ambientais. Jonas, como todos os defensores da agroecologia, esquiva-se a averiguar o que foi o regime dos Khmers Vermelhos, como se esquece igualemente de ler os livros de Walter Darré e os discursos de Himmler ou, se não tiver paciência para tanto, pelo menos leia, de Janet Biehl e Peter Staudenmaier, Ecofascism. Lessons from the German Experience ( Edimburgo e San Francisco: AK Press, 1995). Será pedir demais? Jonas veria assim que a ecologia ultrapassa tanto a lei do valor como o Terceiro Reich a ultrapassou.
    Embora a minha discordância das apregoadas virtudes de uma sociedade ecológica não seja aquela que Jonas deduziu, ela é ainda mais completa do que ele pode imaginar. Se Jonas está realmente interessado em saber o que eu penso acerca da ecologia em geral e das suas relações com a produtividade capitalista, remeto-o para o meu livro O Inimigo Oculto. Ensaio sobre a Luta de Classes, Manifesto Anti-Ecológico (Porto: Afrontamento, 1979). Como vê, desde há mais de trinta anos que sou radicalmente antiecologista e nestas três décadas só encontrei motivo para tornar a minha oposição mais veemente ainda. O livro é pequeno, nem ousaria mencioná-lo se o não fosse, mas se Jonas não tiver paciência para o procurar numa biblioteca, encontrará on line uma selecção de trechos, que não sei se é criteriosa porque nunca a li, mas por que não o há-de ser? Também o que escrevi acerca da economia e da sociedade na Idade Média tem como pano de fundo reflexões sobre a ecologia e o mito da natureza, cujos aspectos tecnológicos pude analisar com um nível de detalhe impossível em obras de mera divulgação. Mas não terei a crueldade de remeter Jonas para aqueles três volumes, porque ele já gastou uma tarde a escrever o comentário. Quanto à ultrapassagem da lei do valor e às condições sociais de tal ultrapassagem, esse é o trabalho de toda a minha vida, remeto para praticamente tudo quanto escrevi.
    Em suma, não creio que o quadro da ecologia permita qualquer ultrapassagem da lei do valor. Bem pelo contrário. A ecologia é, como tenho afirmado desde 1979, uma idealização do capitalismo em período de recessão e uma idealização da mais-valia absoluta.

  29. Caro João Bernardo,

    As deduções, creio, são necessárias e até inevitáveis em qualquer processo de comunicação humana. Mesmo que lesse todos os seus livros, assim seria, já que nunca poderia acessar o seu pensamento por inteiro e de forma precisa. De qualquer forma, não ter lido seus livros, convenhamos, não impede um diálogo, muito menos impede o uso de argumentação.

    Agradeço os comentários e as referências sugeridas, as quais possivelmente terei algum tempo para estudar em um momento futuro.

    É curioso o senhor citar este ano, pois nasci justamente em 1979! :)

    Cordialmente

  30. Um extremo – vulgar – a que chegam os ecologistas creio ser a obra de um anarquista norte-americano chamado John Zerzan, que ganhou certa notoriedade com um documentário, relativamente conhecido, chamado “Surplus: Terrorized Into Being Consumers” (ATMO, 2003 – Direção: Erik Gandini): o autor propõe uma revolução em que as pessoas orientassem sua energia revolucionária para a destruição da civilização urbano-industrial, de modo que pudéssemos “viver em equilíbrio com a natureza”, tal como os homens da era pré-histórica! Os partidários desse tipo de projeto parecem não perceber que o pressuposto mesmo da transição socialista, conforme analisada por José Paulo Netto (em “Crise do socialismo e ofensiva neoliberal”, São Paulo: Cortez, 2001), é a existência de uma estrutura urbano-industrial consolidada. Se não é esse o caso (de falta de percepção), então trata-se de projeto societário antagônico ao socialismo (ou pelo menos da forma como ele é entendido pela tradição marxista).

    Entretanto, há um enfoque específico dos ecologistas que acho que merece a devida atenção: o de alertar para os perigos inerentes à má utilização de produtos químicos no processo produtivo, e à manipulação inadequada de elementos radioativos para fins energéticos. Concordo com o que diz João Bernardo: “a indústria moderna constitui uma forma de multiplicação da natureza”. Mas submeter o meio ambiente a quantidades excessivas de determinados produtos químicos e radioativos pode, não só prejudicar o processo de multiplicação da natureza, como também a saúde das pessoas e a sobrevivência de espécies animais e vegetais, indispensáveis para o processo mesmo da multiplicação da natureza.

    Tratar-se-ia de uma situação em que a própria capacidade de multiplicação da natureza, enraizada necessariamente na estrutura urbano-industrial, correria o risco de desaparecer. Tal situação, a meu ver, encontra-se dentro dos limites das possibilidades do sistema capitalista: a “ética do melhoramento” – a que se refere Ellen Meiksins Wood, em seu livro “A Origem do Capitalismo” (Rio de Janeiro: Zahar, 2001) – que é constitutiva do próprio processo produtivo capitalista (produzir mais, gastando menos, sempre), pode levar as empresas a não contabilizarem os riscos ambientais de certas negligências em relação a produtos químicos etc. Sobretudo, penso, se forem empresas que estejam dispostas a cometer irregularidades ambientais para não serem tragadas pela concorrência com empresas maiores.

    Não sei se minhas hipóteses são válidas, mas acho que vale a sugestão.

  31. Estava muito longe de mim a ideia de voltar a este debate, mas não resisti a desenvolver um pouco o comentário de Fagner Enrique. Supunhamos que uma empresa polui um espaço natural e que surgem uma ou mais ONGs reivindicando a despoluição desse espaço. Mobilizam a população e as boas-almas de sempre e o governo abre os cordões à bolsa para que se proceda à despoluição. Quem se encarrega dela? Será que são empresas pertencentes ao mesmo grupo económico da empresa que começara por poluir? E quem subsidia as ONGs que apelam à despoluição? Será que são as empresas encarregadas de despoluir?
    Se esta minha hipótese parecer uma ficção delirante, convém saber o seguinte. As empresas fabricantes de material bélico cobram menos por vender minas do que pela operação de desminar terrenos. Quando terminou a guerra civil em Moçambique entre a Frelimo e a Renamo, extensas áreas do país estavam cobertas de minas, o que impedia qualquer actividade económica regular. Como o governo moçambicano estava na penúria, mobilizaram-se ONGs em todo o mundo para recolher fundos que permitissem a retirada das minas. Resta acrescentar que a empresa que se encarregou da operação de desminagem foi a mesma que havia anteriormente vendido as minas. E ganhou mais com a segunda operação do que com a primeira. Em termos económicos deve dizer-se, portanto, que era uma empresa de desminagem, mas, para desminar, tinha primeiro de minar.
    Agora, peço aos leitores que apliquem a mesma reflexão a algumas das medidas que estão a ser propostas ou já aplicadas nos Estados Unidos e na União Europeia, destinadas a reduzir drasticamente certos aspectos da poluição. Todos os ecologistas e as boas-almas as aplaudem e foram eles quem começou por propô-las. Ora, estas medidas oferecem novas e enormes oportunidades de negócio a ramos industriais em crise.
    Para o capitalismo a luta contra a poluição não é um custo, é uma oportunidade de negócio. E o movimento ecológico é, consciente ou inconscientemente, o porta-voz dessas oportunidades de negócio.

  32. Certo, mas não posso deixar de fazer uma objeção em relação a um dos pontos da sua argumentação. O Sr. parece levar em conta apenas uma possibilidade, a de que as empresas “sempre” irão lucrar cada vez mais, “resolvendo” o problema que elas criaram, através da mediação “sempre” a favor dos negócios (mesmo que inconsciente) dos movimentos ecológicos.

    Ora, corrija-me se eu estiver errado, mas (utilizando o exemplo a que o Sr. recorre) as empresas poluidoras só desempenharam lucrativamente a função de despoluir, devido ao fato de a luta pela despoluição estar inserida num contexto em que as empresas, na correlação de forças envolvidas, estão em vantagem.

    Sua análise exclui a possibilidade (hipotética, mas nem por isso impossível) de um contexto em que outra força envolvida exerça uma pressão tal, que a despoluição, se realizada pela mesma empresa, pudesse representar uma perda e não um ganho, prejuízo e não lucro.

    Deixe-me ilustrar melhor esta reflexão: supondo que a poluição realizada por uma empresa tenha causado problemas de saúde a uma dada população, há a possibilidade de as vítimas da poluição (ou de outras pessoas que as defendam) imporem perdas a esta empresa, transformando os custos sociais da poluição em custos da empresa (por exemplo, se a empresa tiver que arcar com os custos de tratamento da população atingida). Ou que a poluição tenha vitimado o gado de uma população rural, e a empresa tenha que indenizá-la.

    Em sua análise não aparece a antítese da ecologia conservadora: só aparece o poder absoluto do capitalismo, capaz de controlar o processo de poluição, de reconhecimento dos males da poluição e de luta (lucrativa) contra estes males. Por acaso, a denúncia do descaso de determinadas empresas, em relação à poluição e seus custos sociais, não seria capaz de impôr perdas a estas empresas, através de punições ao seu descaso? Corrija-me se estou errado, mas não acho que a empresa que lucrou com a desminagem de Moçambique arcou com os custos de tratamento das pessoas vitimadas pelas minas.

    Sua análise parece afirmar que o que o capitalismo sempre fez, e sempre fará, é controlar os processos sociais, lucrando com eles, e ponto final: um fato, um dado. Sem possibilidade de confrontação. Sem possibilidade de forças, que estão na contracorrente dos processos, lhe imporem obstáculos.

    A luta contra a poluição, e seus custos sociais sobre populações marginalizadas, sobre classes subalternas, não é uma luta que vale a pena ser travada, porque pode ser convertida em objeto de lucro pelos capitalistas? Seria o mesmo que dizer que os poucos direitos sociais e políticos, de que a classe trabalhadora dispõe numa democracia, não devem ser defendidos, pois sua defesa não é anticapitalista.

    Penso que o exemplo evocado da empresa que lucra com a despoluição é sintomático de uma conjuntura. Aquela na qual os movimentos sociais anticapitalistas estão em desvantagem, na correlação de forças. Mas isso não exclui a possibilidade de uma inversão da correlação de forças agora vigente.

    Por fim, gostaria de dizer que é uma honra, para mim, saber que meu comentário determinou a volta ao debate de um autor que admiro, mesmo que para me criticar: por isso, o agradeço.

  33. Caro Fagner Enrique,
    Antes de mais, convém distinguir empresas e capitalismo. Schumpeter falava de «destruição criativa» a propósito do progresso tecnológico no capitalismo e é realmente de destruição que se trata. O mesmo sucede no campo específico da poluição. Certas empresas são eliminadas por não terem conseguido suportar os custos da poluição que provocaram, enquanto outras florescem precisamente porque encontraram um mercado nessa despoluição. No capitalismo globalmente considerado, este duplo processo estimula a taxa de crescimento.
    É elucidativo verificar que o movimento ecológico se limita a protestar contra a poluição que as empresas provocam no exterior e esquece as condições sofridas pelos trabalhadores durante o processo de trabalho. Num artigo publicado em 1987 na Revista de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas ( http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034-75901987000300005.pdf ), Rita Delgado e eu partimos daquela contradição dos ecologistas para demonstrar com números que, pelo menos no caso de Portugal, a maior percentagem de acidentes mortais de trabalho era provocada pelas tecnologias mais antiquadas e pela utilização arcaica de tecnologias modernas.
    É aqui que se insere a questão da luta social.
    Os ecologistas, que sistematicamente adoptam a perspectiva do consumidor, pretendem mobilizar populações exteriores às empresas, residentes nas imediações. Se essas pressões tiverem êxito, os custos delas decorrentes serão absorvidos pelo preço de venda do produto; e se este preço ultrapassar um dado nível, ele provocará uma restrição do mercado, reduzindo portanto, ou eliminando, o interesse da empresa por aquele tipo de actividade. Perante este agravamento dos custos exteriores de produção, resta à empresa um único recurso, que é a diminuição dos custos internos de produção, ou seja, o agravamento da exploração da força de trabalho. Mas as boas-almas ecologistas esquecem-se sempre deste aspecto, porque as empresas só as incomodam dos muros para fora e nunca dos muros para dentro.
    Os ecologistas são indiferentes às condições de trabalho no interior das empresas. É aí que a organização dos trabalhadores pode lutar contra os acidentes de trabalho e esta luta integra-se na luta mais geral pelos dois grandes objectivos proletários de trabalhar menos e ganhar mais. E o crescimento da produtividade constitui a resposta capitalista a estas pressões — a única resposta possível. Até agora, a dinâmica do capitalismo tem sido marcada pelos ciclos de conflitos sociais e pelos correspondentes ciclos de aumento da produtividade, ou seja, em termos marxistas, de aumento da exploração de mais-valia relativa.
    Não creio que nesta minha análise apareça «o poder absoluto do capitalismo», como Fagner Enrique escreve. Eu tento mostrar as vias e mecanismos através dos quais o capitalismo tem conseguido manter o seu poder — e eles consistem na exploração da força de trabalho. E se é aí que residem as contradições principais, só aí o capitalismo poderá ser destruído. A minha discordância dos movimentos ecológicos é total e vai de A a Z, mas neste caso o factor principal é o facto de eles adoptarem a perspectiva dos consumidores, alheada dos efeitos que isso possa ter sobre os produtores, ou seja, sobre a força de trabalho.
    Pergunta-me Fagner Enrique se «a luta contra a poluição, e seus custos sociais sobre populações marginalizadas, sobre classes subalternas, não é uma luta que vale a pena ser travada»? Só vejo uma possibilidade de as lutas do movimento ecológico, lutas de consumidores, não implicarem efeitos negativos no processo de exploração. É que aquelas lutas exteriores às empresas sejam feitas em aliança com os trabalhadores das empresas. Mas, para me limitar a um único exemplo, quantas lutas contra as depredações da Vale são feitas em aliança com a luta dos trabalhadores da Vale?
    Ora, isto não resulta de um acaso nem de uma fatalidade histórica, mas é deliberado por parte do movimento ecológico. Se Fagner Enrique ou outro leitor tiverem a invejável paciência de ler todos os comentários críticos feitos a este artigo, verão como os «agrotóxicos» são esconjurados e como a agroindústria é atacada, mas será que verão manifestado algum interesse pelo processo de exploração interno à agroindústria? As boas-almas ecologistas indignam-se quando uma empresa no Brasil recorre a trabalho escravo ou quando uma empresa no Paquistão usa a força de trabalho de crianças acorrentadas pelos pés. Indignam-se com razão, mas em termos económicos isto chama-se: pressões para a modernização do processo de exploração. A partir do momento em que o processo de exploração é caracterizadamente capitalista, as boas-almas ficam satisfeitas e deixam de olhar para dentro dos muros das empresas.

  34. Certo… Quando me referi à possibilidade (hipotética, claro) de o movimento ecológico impor perdas às empresas poluidoras, me referia justamente a uma união entre este movimento e o movimento dos trabalhadores, possibilidade (embora improvável) considerada por João Bernardo.

    Agora, quando o Sr. se refere às pressões para a modernização do processo de exploração… Algumas pessoas podem cometer o equívoco de pensar que estas pressões – por serem também pressões para a modernização do processo produtivo, resultando num aumento da produtividade e da riqueza que a civilização industrial é capaz de produzir – são, portanto, potencialmente benéficas para os trabalhadores. Explico: o aumento de riqueza de uma empresa poderia ser equivocadamente considerado um benefício potencial para os trabalhadores, contanto que eles se apropriem da riqueza que eles mesmos produzem, reconhecendo-a como sua e instituindo processos autogestionários na gestão desta riqueza. Nesse sentido, a ecologia estaria contribuindo para multiplicar a riqueza que a classe trabalhadora pode vir a tomar como sua, numa revolução comunista.

    O problema é que fora de uma conjuntura de mobilização da classe trabalhadora, para a instituição do comunismo, o efeito é negativo: a riqueza multiplicada não é apropriada pela classe trabalhadora, sendo, ao contrário, distribuída para o conjunto das classes dominantes. Assim, compreendo agora o motivo de sua oposição e combate à ecologia: ela se preocupa em orientar a mobilização popular, não para a derrubada do capitalismo, e sim para uma ação a favor da modernização do processo de produção, em termos desvantajosos, isto é, em termos de exploração. Nesse sentido a ecologia é de fato uma ameaça, por desviar a atenção da exploração do trabalho para a “necessidade de um desenvolvimento sustentável” ou de um retorno a formas arcaicas de produção etc. E, de fato, é preciso combater o discurso ecológico.

  35. Não me parece sensato dizer que os ecologistas são indiferentes às condições de trabalho no interior das empresas. Talvez a maior parte deles não seja mesmo, contudo, os ecologistas de orientaço socialista (ou socialistas de orientação ecológica?), como André Gorz, Michel Lowy, etc. não cessam de reafirmar justamente o que a causa ecológica deve estar vinculada a luta contra a explocação do trabalho. É claramente, a posição apresentada no Manifesto Ecossocialista.

    “A generalização da produção ecológica sob condições socialistas pode fornecer a base para superação das crises atuais. Uma sociedade de produtores livremente associados não cessa sua própria democratização. Ela deve insistir em libertar todos os seres humanos como seu objetivo e fundamento.” (do manifesto ecossocialista)

  36. Jonas,
    O problema não é saber se existem ecologistas capazes de sentir dor de alma pelos trabalhadores e de dizer: coitadinhos deles. O problema é saber se existe um número significativo de ecologistas capazes de analisar a relação entre as reivindicações ecológicas no exterior das empresas e as suas consequências no agravamento do processo de exploração no interior das empresas.

  37. Quando eu havia feito meus primeiros comentários, não havia lido nem sequer um trecho do livro do João Bernardo, “O inimigo oculto”, por isso incorri nos erros de avaliação apontados pelo autor. Creio que a resposta para as dúvidas de Jonas podem ser encontradas particularmente no trecho que reproduzirei abaixo, retirado do link postado num dos comentários por Pablo (os interessados na discussão terão a paciência de ler este trecho, por mais longo que seja):

    “Dada a profundidade da crise actual, com a queda dos investimentos e a forte diminuição na utilização da capacidade produtiva ins­talada, o desemprego não alastrou só na classe pro­letária, mas também entre os trabalhadores não-pro­dutivos. Pela primeira vez na história do capitalismo atingiu dimensões internacionalmente preocupantes o desemprego na classe dos gestores e em grupos sociais afins. Sobretudo, são jovens saídos do ensino superior que não encontram vagas nas profissões gestoriais para que se haviam preparado, e numerosos são por­tanto aqueles que, no ensino médio ou nas universi­dades, prosseguem os estudos sabendo de antemão que o desemprego os espera no final. Estes ante-ges­tores, formados e educados para assumirem uma men­talidade gestorial, mas que caem no desemprego antes mesmo de terem tido qualquer contacto directo com a gestão do processo produtivo, limitam-se a enca­rar o sistema económico enquanto consumidores. Porém, porque desempregados, são sobretudo consumi­dores frustrados. Este conjunto de aspectos (ante-gesto­res, desempregados, consumidores, consumidores frus­trados) dá a essa camada social funções polivalentes e faz dela o principal elemento aglutinador de classes e grupos sociais distintos, constituindo o movimento ecológico em novo campo de união.

    Consumidores, as capacidades contestatárias des­ses elementos não vão mais longe do que os movi­mentos reivindicativos dos consumidores, cujas limi­tações atrás referi.

    Mas consumidores frustrados, projectam essa situação segundo a mentalidade elitista que é a sua, quero dizer, não como um estado de desfavorecimento social que procurem melhorar ou ultrapassar, mas como modelo a expandir à generalidade da população; quer pela origem de classe, quer pela educação a que foram sujeitos, quer pelo meio em que se mantêm e pelas ligações sociais que geralmente continuam a ter, estes elementos concebem-se como parte integrante da classe dominante, recusam partilhar com os explo­rados uma mentalidade, uma luta e uma visão do mundo. Precisamente por se considerarem uma elite pretendem estabelecer como padrão e norma social a sua actual situação de consumidores frustrados. Tal situação não constitui para eles um agente de revolta que os leve a combater o sistema capitalista, lutando contra o lugar que ocupam na sociedade -como acontece com o proletariado. Pelo contrário, projec­tam ideologicamente a sua situação de miséria, enal­tecem-na e pretendem apresentá-la como o modo de vida das verdadeiras elites. O proletariado combate o capitalismo porque se revolta contra a sua posição no capitalismo; estes elementos, enaltecendo a situação que ocupam no sistema económico actual, contribuem por isso mesmo para preservá-lo e reproduzi-lo. Den­tro do capitalismo apresentam-se como nova elite, e a sua frustração enquanto consumidores transfor­ma-se em apologia da redução do consumo. Daí que tentem inflectir os movimentos reivindicativos dos consumidores num sentido novo, convertendo as pres­sões relativas à qualidade e ao tipo dos produtos em propaganda das restrições ao consumo particular, de modo que, de situação de crise, a redução do nível de vida venha a estabelecer-se como situação defini­tiva. São estes elementos os principais propagandistas da ecologia no que ela tem de mais aberta e feroz­ente restritiva do nível de vida restabelecido. Pela situação de consumidores frustrados, são estes os autores e divulgadores dos mais grosseiros mitos con­temporâneos, idealizações utópicas das terríveis con­dições de vida nos modos de exploração arcaicos. Apologistas da situação retardatária e de dependência em que se vive -e sobretudo se morre- nos países exportadores de matérias-primas, pretendem não só mantê-la, mas alargá-la ao proletariado dos países industrializados. A ideologia ecológica chega, com estes elementos, ao seu extremo mais declaradamente imperialista e retrógrado.”

    Creio que este trecho responde o porquê de o movimento ecológico não ser compatível com o socialismo (que deve ser uma sociedade da abundância), mas sim com uma visão de mundo que se pauta na restrição do consumo.

    Isso me leva a outro questionamento: atualmente, ao lado da ecologia, existe uma tendência muito forte na mídia de realização de reportagens sobre como levar uma vida “saudável”, consumindo-se o “mínimo calórico” necessário para se ter a tal vida “saudável”. Embora não estejam diretamente relacionadas com a ecologia, tais campanhas podem ter efeitos semelhantes: criar na classe trabalhadora a convicção de que o consumo do mínimo calórico, por ser “saudável”, é suficiente. Essa hipótese compatibiliza-se, creio, com a afirmação de João Bernardo de que a ecologia defende a universalização da restrição ao consumo. A redução do consumo pode, ainda, levar a perdas salariais para o proletariado etc.

  38. Me corrijam se eu estiver errado, mas acredito que o problema apontado por fagner henrique é um falso problema. A classe trabalhadora já recebe um salário mínimo pra sua reprodução enquanto classe, e mesmo que quisesse, que fosse “convencida” pela ideologia ecológica, tal salário não permitiria à classe adquirir o “mínimo calórico” de qualidade, já que mal dá pra adquirir o “mínimo calórico” sem qualidade. Toda essa conversa de “vida saudável” em geral visa os consumidores da pequena-burguesia pra cima, que podem pagar a mais pelo “selo verde” de suas mercadorias adquiridas. Me parece claro que a indústria do selo verde (alimentos orgânicos, “escolha saudável”, sem transgênicos, árvores de reflorestamento, etc etc etc) é estreitamente articulada com toda ideologia da vida saudável e com os protestos etc ecológicos, os quais, via de regra, tal como ressaltado pelo João Bernardo e alguns outros, olham apenas para a esfera do “consumo consciente”, não articulando o protesto com reivindicações na esfera produtiva.

  39. Mas é aí que Pablo se engana, pois sabe-se que o que determina o valor do salário é a luta de classes, mesmo que ele tenda a limitar-se ao mínimo calórico, porque, como diz Marx, “o capitalista pode viver mais tempo sem o trabalhador do que este sem aquele” e porque “a aliança entre os capitalistas é habitual e produz efeito”. Em alguns lugares e épocas, entretanto, a classe trabalhadora consegue impor aos capitalistas o pagamento de um salário que excede o mínimo calórico.

    Agora, quando me refiro à propaganda da “vida saudável” não me refiro exatamente aos produtos com “selo verde” como diz Pablo: não são poucas as reportagens divulgadas em revistas e jornais de grande circulação, bem como em programas de televisão, que enfatizam a possibilidade (e a necessidade) de se levar uma vida saudável gastando pouco. Enfatiza-se a necessidade de consumir certos alimentos “populares”, ricos em determinados nutrientes etc.

    Pablo, ao dizer que “toda essa conversa de ‘vida saudável’ em geral visa os consumidores da pequena-burguesia pra cima, que podem pagar a mais pelo ‘selo verde’ de suas mercadorias adquiridas”, está na verdade infirmando a tese que João Bernardo defende no trecho por mim reproduzido: a de que os ecologistas “projec­tam ideologicamente a sua situação de miséria, enal­tecem-na e pretendem apresentá-la como o modo de vida das verdadeiras elites” e que “pela situação de consumidores frustrados, são estes os autores e divulgadores dos mais grosseiros mitos con­temporâneos, idealizações utópicas das terríveis con­dições de vida nos modos de exploração arcaicos. Apologistas da situação retardatária e de dependência em que se vive -e sobretudo se morre- nos países exportadores de matérias-primas, pretendem não só mantê-la, mas alargá-la ao proletariado dos países industrializados”.

  40. Pablo,
    Prolongando o último comentário de Fagner, recordo que no artigo de Mix ( http://passapalavra.info/?p=50981 ), que deu origem a esta minha réplica, no contexto da defesa da agorecologia a autora escreveu: «O camponês e a camponesa podem não ter em sua casa comida congelada sempre, ou ir a restaurantes com vários tipos de comida para poder jantar fora aos finais de semana, mas muitos vivem bem com o que produzem, têm diversidade de folhas, frutas, vegetais, alguns leite e queijo». Se isto não é uma apologia do «mínimo calórico» e da «vida saudável», então não sei o que é. Convém reler na mesma perspectiva algumas das críticas dirigidas pela extrema-esquerda ao Programa Bolsa Família (por exemplo aqui: http://passapalavra.info/?p=21281 ), responsabilizando-o pela alegada perda de espírito combativo da classe trabalhadora nos governos do PT. Esta identificação do «mínimo calórico» com a energia revolucionária é interessante, sobretudo quando feita por professores universitários, cuja remuneração, bastante acima do montante dos subsídios do Bolsa Família, não os impede de ser revolucionários.

  41. Acho que deve-se viver a vida fechado sobre livros para crer que a “classe trabalhadora” recebe de salário sempre e necessariamente o “mínimo calórico” (seja lá o que signifique isso em termos absolutos ou relativos).

  42. Caro Fagner e joão bernardo, obrigado pelas colocações.
    Segue algumas notas a fim de esclarecer um pouco melhor o que penso.

    1) Fagner critica minha desconsideração ao papel das lutas de classe na configuração do salário. Pois bem, penso que apontar a correlação entre salário mínimo e reprodução da classe trabalhadora enquanto classe trabalhadora não significa escusar o papel da luta de classes na determinação do valor do salário, assim como não significa ignorar as determinações oriundas do próprio contexto do sistema do capital como um todo, para o qual pode ocorrer, em determinados contextos históricos, ser vantajoso conceder vantagens materiais reivindicadas pela classe trabalhadora, “ampliando as margens do consumo” e, assim, dando novo fôlego ao processo de expansão/acumulação do capital. Assim, é evidente que a classe trabalhadora consegue, em determinados contextos e em determinadas configurações espaciais vantajosas – em virtude de práticas imperialistas e da relação centro-periferia, dentro da qual o “capital central” consegue deslocar algumas de suas contradições intestinas para o “capital periférico” – ganhos expressivos em salário, direitos, condições de trabalho, etc. Basta pensar no Welfare State.

    2) Em meu comentário eu me referi a uma das facetas do processo, a questão dos selos verdes e como o capital se vale da “questão ambiental” para conseguir realizar um preço mais alto pra mercadorias, impor preferencias de determinadas marcas “cidadãs” e de “responsabilidade” “ecológica e ambiental”. Não havia atentado para que o problema apontado por vocẽ era outro. Qual seja: aquelas propagandas que ensinam a alimentar-se bem com apenas 1 real, etc, e a possibilidade de isso repercutir em perdas salariais para a classe que aprendeu a se reproduzir gastando menos. Preciso pensar sobre essa outra faceta do processo. De pronto eu continuaria dizendo que trata-se de um falso-problema, posto que a reprodução da classe poderia ficar mais barata em relação à manutenção corpórea, mas interessa ao próprio capital não diminuir o poder de compra da classe trabalhadora, a qual pouparia num setor (alimentício) para gastar em outro (vestuário, etc). A necessidade do capital em não perder esses consumidores é tanta que basta olhar as linhas de crédito pós-Lula e o próprio papel levado a cabo pelo Bolsa-familia, no caso do Brasil.

    3) Não penso que meu comentário infirma qualquer tese de João Bernardo contida nos 4 artigos desse debate. Se assim aparentou, trata-se ou de um mal-entendido, ou de alguma incompreensão, da minha parte, das teses de JB. Uma coisa é o típico consumidor alvo das propagandas dos produtos com selo verde. Outra coisa é o modo como os ecologistas (alguns deles exatamente esse público-alvo das empresas de “responsabilidade ambiental”) se vẽem e como vêem/acusam romântica e utopicamente esse processo.

    Caro João Bernardo,

    Não compreendi direito suas colocações. Vocẽ sugere que meu comentário tem algo que ver com essa correlação entre “mínimo calórico” e “espírito combativo da classe”?

    Por último, gostaria de dizer que quando ressaltei uma das formas assumidas pela ideologia da “vida saudável”, qual seja, sua utilização para aumentar os lucros de determinadas empresas “ecologicamente responsáveis”, de modo algum sugeri que essa fosse a única forma assumida por essa ideologia. Também, ao indicar que o público-alvo das propagandas (e portanto da produção dessas mercadorias) seja em geral “dos pequeno-burgueses pra cima”, não exclui a possibilidade e probabilidade de tal movimento chegar também nas massas mais populares.

  43. Caro Pablo,
    Possivelmente expliquei-me mal, eu não quis insinuar nada disso sobre o seu comentário. Mas você escreveu que «toda essa conversa de “vida saudável” em geral visa os consumidores da pequena-burguesia pra cima» e eu quis apenas recordar casos em que a «vida saudável» visa consumidores da pequena burguesia para baixo. Já agora, uma questão que penso que não foi ainda levantada nesta discussão. Tal como Pablo tem insistido, o público alvo da «alimentação orgânica» é constituído pelas faixas modernas e relativamente jovens das classes dominantes, aqueles que antes da queda da bolsa em 1987 eram conhecidos nos Estados Unidos como yuppies. É curioso que quem defende o carácter anticapitalista da agroecologia não se sinta incomodado pelo facto de esses alimentos se destinarem preferencial ou exclusivamente às classes dominantes. Uma bolsa Gucci cheia de tomates orgânicos.

  44. Caro Pablo,
    no tópico 1 do seu último comentário você captou exatamente o que eu queria dizer. Mas há outro ponto que eu mesmo esqueci de apontar, e sobre o qual você não pode ter qualquer responsabilidade: a luta que é travada entre a classe trabalhadora e os capitalistas, em torno da determinação do salário, se dá sobre um parâmetro histórico – o proletariado considera o que é necessário para sua apresentação ao local de trabalho com disposição para produzir riqueza para outros, tendo por base um conjunto de necessidades históricas que já são contempladas pelos salários na época em que ele se insere. Não é possível impor a qualquer trabalhador de hoje um salário meramente suficiente para ele comprar um pouco de comida e cachaça, embora seja o que alguns recebem de pagamento por aí. Quero com isso dizer que as necessidades dos trabalhadores são históricas. Mas numa época como a neoliberal, em que se elegem as mais absurdas justificativas para a supressão de direitos conquistados pela classe trabalhadora, as necessidades dos trabalhadores tendem a estar à disposição da arbitrariedade das classes dominantes. E é justamente uma classe dominante, ou pretensamente dominante que está a dizer o que devem ou não devem os trabalhadores consumir. Não podemos pensar que as pessoas estão sendo estimuladas a se alimentarem mal, porém de forma “saudável”, isolando isso do fato de que elas, em sua maioria, já consomem vestuário barato e de má qualidade, além de morarem mal etc. Tratar-se-ia de uma ofensiva geral ao padrão de consumo da classe trabalhadora. Mas no meu caso é só uma hipótese, só uma sugestão para a reflexão, e tem dado frutos pois o debate em torno dela está sendo travado. Quanto à sua dúvida: no comentário de João Bernardo, quando ele relaciona o mínimo calórico com a combatividade da classe trabalhadora, me parece que ele diz que certos professores universitários e militantes da extrema-esquerda atribuem a perda desta combatividade ao fato de que o Bolsa Família garante o mínimo calórico à classe trabalhadora.

  45. Essa discussão toda poderia ter terminado num dos primeiros comentários, o do “jg”. Esse João Bernardo não sabe do que está falando. Parece que se informa sobre economia agrária lendo a revista Veja.

  46. Gostaria de ver os Lasagnas deste mundo refutarem o conteúdo deste artigo:
    http://www.revistadelibros.com/articulos/mitoy-realidad-de-la-agricultura-ecológica
    Em vez disso, remetem-nos para artigos de propaganda da seita deles. A verdade é que a agro-ecologia não é baseada na ciência ou nas necessidades das pessoas mas em misticismo. Nos mesmos meios onde se propaga esse misticismo, defende-se também as chamadas terapias alternativas, ou seja, a banha da cobra, o negacionismo do AIDS, o obscurantismo anti-vacinas, etc. Não conheço a Veja mas deve ser uma leitura bem mais saudável que a dessas publicações promotoras de negócios e charlatanices alternativas.

  47. Após alguns avanços na discussão… após vários comentadores sem argumentos e que, por isso, tem que acusar os adversários de lerem a revista Veja (deve ser até boa esta revista, visto que os comentadores mais imbecis a desprezam)… o que não vi foi uma resposta, sistemática e bem fundamentada, de Mix, ou de qualquer um de seus defensores, ao artigo de João Bernardo. Talvez devamos ter paciência pois a elaboração de uma resposta à altura levaria algum tempo, mas tomara que não leve a eternidade. Embora o que me desanime seja a certeza de que não há alguém por aí engajando-se em tal tarefa. Só gostaria que acusação de leitura da revista Veja não fosse utilizada, uma vez mais! Em suma, utilizemos o argumento fecha discussão número um: “não gostou, faz melhor!”

  48. A história que a Carolina contou sobre os suicídios dos agricultores indianos e a sua relação com transgénicos é uma patranha e não é a única que é difundida por esses meios. A mais conhecida é a das sementes que não se reproduzem. Essa patranha tornou-se “verdade” aceite devido à difusão que lhe deu uma anti-feminista de nome Vandana Shiva, que explora com proveito o seu capital de autenticidade terceiro-mundista.
    http://www.agbioforum.org/v12n1/v12n1a02-herring.htm

  49. Putz, os caras estão postando até texto da igreja a favor da ecologia. Juntem-se ao papa e ao ecocatolicismo. Aliás, a ecologia tem a capacidade de unir evangélicos, católicos, feministas, testemunhas de jeová do hardcore, punks, playboys, patricinhas, putas, mendigos, donas de casa, vegetarianos, gente de direita, de esquerda, de centro….

    É a maior religião mundial

    Assim não dá Jonas

  50. Já estou vendo a marcha dos anarcoecologistas e ecossocialistas com os evangélicos por deus e pelo planeta

  51. Em primeiro lugar eu não disse que não é possível refutar o texto. Talvez até seja, mas por que então a própria autora (Mix) criticada pelo artigo e os seus defensores não publicaram ainda um artigo resposta, com referências nas provas irrefutáveis que dizem possuir? A autora permanece em silêncio e seus defensores não se dão ao trabalho de formular respostas também. Meu comentário era mais um estímulo do que um ataque. Eu mesmo tinha reservas em relação a algumas das afirmações do texto, mas não elaborarei um artigo resposta porque as críticas que fiz nos comentários foram respondidas pelo autor, que me convenceu.

    Agora, na entrevista recomendada por Jonas é curioso que algo que diz Michael Löwy: “o ecossocialismo é também uma crítica ao socialismo não ecológico, por exemplo, da União Soviética, onde a perspectiva socialista se perdeu rapidamente com o processo de burocratização e o resultado foi um processo de industrialização tremendamente destruidor do meio ambiente. Há outras experiências socialistas, porém, mais interessantes do ponto de vista ecológico – por exemplo, a experiência cubana (com todos seus limites)”. Löwy considera Cuba um exemplo a ser seguido! Ora, Cuba nunca chegou, tal como a URSSS, a consolidar uma estrutura urbano-industrial por completo, sendo um país que (até hoje!) possui uma capacidade produtiva que não é grande o suficiente para acabar com racionamentos, de energia, alimentos etc. Isso combina completamente com a tese de que os ecologistas querem, na verdade, uma sociedade com consumo limitado, desestimulando no trabalhador o impulso e a vontade de se apropriar das coisas que são criação sua. Porque, no fim, isto é o comunismo: a classe trabalhadora recupera o que é seu. Vê-se que a ecologia compatibiliza-se mais com uma sociedade na qual o Estado restringe o consumo geral, não sem conceder alguns privilégios a uma minoria (Castros e cia).

  52. A propósito do movimento ecológico e das lutas sociais, e da defesa da natureza, entendida como espaços verdes, contra os interesses dos trabalhadores, aconselho a consulta de um comunicado do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, MTST, publicado neste site ( http://passapalavra.info/?p=53586 ). Aí pode ler-se:
    «O terreno ocupado pelo MTST é conhecido como “Roque Valente” (nome de seu antigo proprietário). Trata-se de uma área desocupada entre os Bairros Parque Pirajuçara e o Jardim Santa Tereza, no município de Embu, com o tamanho de 433.800 m2. Seu atual proprietário é a CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano – órgão do Governo do Estado que, em 1998, adquiriu o terreno para implementar um conjunto habitacional para a população de baixa renda. O projeto elaborado pela CDHU previa a manutenção da vegetação local, transformando-a em Parque Ecológico, e o aproveitamento da área desmatada (150 mil m2) para a construção de 1200 unidades habitacionais. O projeto contava ainda com a construção de um centro esportivo, um centro educacional e outro centro de cultura ambiental, destinados à comunidade. Tal projeto nunca saiu do papel visto que, em 2006, um grupo de ambientalistas contrários à proposta das moradias populares conseguiu uma liminar do Ministério Público proibindo construções no local.»

  53. Em Jundiaí, hoje, os ecologistas são os principais propagandistas e defensores da retirada de ocupações populares em nome da preservação. Na mesma toada, mal escondem o racismo quando encampam uma bandeira contra praticantes de religiões afro que realizam rituais na Serra do Japi.

  54. Sempre bem escritos, os textos de João Bernardo são agradáveis de ler e, como ele muito bem o reconhece, suscitam diversas dúvidas. Tenho agora menos certezas do que tinha antes de começar a lê-lo. Minha “pulga atrás da orelha”, todavia, são as afirmações causa-efeito a partir de um dado estatístico, como (e vou ter que insistir no exemplo já citado): vivemos mais anos, agrotóxicos são saudáveis. É, no mínimo, desconsiderar a bilionária indústria farmacêutica que se sustenta de mantenimentos e não de curas, quem dirá de prevenções. Não é dizer que tua afirmação está incorreta, é dizer que ela não me serve, pois não dizendo respeito ao cerne, mas a uma camada, não pode ser posta como uma verdade totalizante até que se prove o contrário (inclusive porque não quero provar nem refutar o que dizes, quero reflexionar sobre), como o fizeste no comentário do dia 2 de Fevereiro. Até porque se talvez não haja um reflexo na mortandade, seguramente há um reflexo nas doenças decorrentes diretamente desses venenos (tive uma experiencia a partir de pomares em assentamentos, onde o consumo in locu das frutas cultivadas dessa forma estava desencadeando doenças diversas, especialmente nas crianças). Quantas pessoas conhecemos, sustentadas por bombas medicamentosas, que se arrastam durante décadas em estados terminais decorrentes de uma péssima alimentação e hábitos físicos tão terríveis quanto? Aumento da expectativa de vida diz respeito a ela própria, nada mais, nada menos. Agrotóxicos podem auxiliar a maior produção de cereais, que servirão de ração de bovinos para que um estadunidense possa comer tantos hamburgers quantos caibam em sua boca. Com isso, mais de 50% dessa população sofre de obesidade, e com cirurgias e remédios para o coração talvez cheguem a média da expectativa de vida (sem entrar no mérito de pensar na produção elétrica e na exploração da flora necessários para sua elaboração e execução, por exemplo). E daí, o que me diz a relação “produtividade alimentícia x expectativa de vida?” Nada. Muito menos que agrotóxicos são saudáveis.

    Não lembro quem comentou acima, mas a questão (ou o cerne) me parece ser não o quanto fazemos, mas a qualidade do que é feito. Talvez em palavras mais marxistas, visto a preferência teórico-metodológica-ideológica do autor, isso possa ser posto como: não nego a crescente reprodução da força de trabalho, nego que estejamos, enquanto seres humanos, nos realizando proporcionalmente a nossa reprodução. Seja pela alienação do trabalho, seja por engolir agrotóxicos, seja por não abraçar árvores. De que adianta estarmos de pança cheia aos 150 anos totalmente etéreos, ainda com os mesmos fetiches pelo que nos cerca, buscando o que não pode ser encontrado? Se a agroecologia não pode atender a demanda pelo lado produtivo, tampouco pode a agricultura das monoculturas e dos herbicidas atender pelo lado da realização.

    Um abraço fraterno.

  55. Caro Theo,
    Agradeço o seu comentário, porque ajuda a que seja um debate aquilo que na maior parte dos casos foi só uma troca de monólogos, isto quando não foi uma emissão de injúrias.
    A respeito dos chamados agrotóxicos eu não mudo sequer uma palavra ao que escrevi, mas é preciso entender que me limitei a enunciar um quadro geral. Será impossível que a população se multiplique e que a esperança de vida se prolongue se essa mesma população for maciçamente envenenada. Não se trata de uma relação de causa a efeito, como você escreveu, mas mas de um indicador que revela que uma dada situação não está a ocorrer.
    Sem dúvida que existem produtos maus e que há práticas fraudulentas, mas as empresas concorrentes aproveitam-se disso, os seus lobbies fazem grande barulho e pagam à imprensa para denunciar os maus produtos, a opinião pública indigna-se, e os concorentes com melhores produtos apoderam-se de mais uma fatia do mercado. Uma parte muito considerável da indignação dos ecológicos é, sem que eles o suspeitem, animada e mobilizada por lobbies empresariais e usada nas rivalidades do mercado. Entretanto, nos laboratórios os cientistas prosseguem uma actividade permanente para reformular as substâncias e impedir os seus efeitos nocivos. Se você observar a história da componente D da R&D na química, ou seja, da parte aplicada da Pesquisa & Desenvolvimento, verá que ela não se tem limitado a a conceber formas de reduzir os custos de produção mas igualmente a melhorar os produtos.
    A ecologia, no entanto, tal como todos os mitos, pressupõe a ignorância da história, neste caso da história económica. Quem alguma vez se dedicou a estudar seriamente os sistemas agrários na Europa do regime senhorial e do mercantilismo, a estudar as condições de vida e a alimentação da esmagadora maioria da população, e quem conheça os resultados das pesquisas sobre ossadas de camponeses ou, já no século XVIII, a análise dos estado físico dos camponeses nas listas de recrutamento do exército compreenderá facilmente o que eu quero dizer quando acuso os ecológicos de procederem à mistificação do passado e à mitificação do campesinato. Os ecológicos envolvem em lirismo a miséria mais atroz.
    Do mesmo modo, pode fazer-se hoje a crítica dos medicamentos existentes porque se esquece a colossal revolução sanitária que foi a sua invenção. Eu entendo que certas pessoas aspirem a um tratamento médico diferenciado, que considere cada paciente como um caso particular. São as mesmas pessoas que desprezam os produtos fabricados em série e que reclamam contra a sociedade de massas. Mas estas pessoas esquecem — ou será que isso não lhes importa? — que sem os medicamentos sintetizados em laboratórios científicos e produzidos industrialmente e sem a adopção nos hospitais e nos sistemas de saúde dos métodos originados na produção industrial de massa, não teria sido possível a redução da mortalidade infantil e o aumento da esperança média de vida. No final de contas todos nós morremos, evidentemente — não sei se os ecológicos que atribuem ao capitalismo a culpa dos tsunamis o responsabilizam também pelo fenómeno da morte — o que significa que os actuais medicamentos não impedem que continuem a existir doenças e que apareçam doenças novas. Mas a este respeito e quanto ao uso errado que os ecológicos fazem das estatísticas de saúde, remeto para o livro de Bjørn Lomborg.
    Não faltam comentários neste debate acusando-me de ser favorável ao capitalismo e às companhias transnacionais. O meu objectivo é o de tentar compreender melhor as capacidades efectivas do capitalismo, de modo a contribuir para que ele possa ser atacado com eficácia. Enquanto predominar na esquerda a demagogia e o lugar-comum, que são as formas mais tóxicas da preguiça mental, atacar-se-á não o capitalismo mas um fantasma do que a esquerda julga ser o capitalismo. O que permitirá ao capitalismo seguir em frente.
    Estou de acordo que a pança cheia, como você diz, não resolve as questões que para nós são fundamentais. O problema é que a barriga vazia também não.

  56. Na continuidade do meu comentário de 3 de Março, acerca da oposição de um grupo ecológico à construção de casas para pessoas sem teto, indico um novo comunicado do MTST, dando mais detalhes sobre o assunto:
    http://passapalavra.info/?p=53848

  57. Os bancos estatais baixam as taxas de juros para obrigarem os demais bancos a fazerem o mesmo. Política do governo. O spread vai diminuir, como já pediam há muito da esquerda aos empresários não-banqueiros.

    No entanto, para tentar manter seus patamares de lucro, já que o spread aos clientes vai dimimuir, irão aumentar o “spread” da mais-valia, a taxa de exploração dos trabalhadores dos bancos. Cada funcionário será forçado a produzir mais pelo mesmo.

    Não é só na ecologia que a luta dos consumidores acarreta aumento da exploração dos trabalhadores.

    Na realidade a tendência das lutas sociais pontuais (e quase todas o são), é reverter seu ganho em efeito perverso num elo mais fraco da cadeia social. E isso vale também para a luta de trabalhadores diretamente contra seus patrões. Resumindo, esse efeito não é privilégio nenhum da “luta ecológica”.

  58. Todas as lutas de consumidores têm como efeito imediato ou mediato um aumento da exploração da força de trabalho. E a ideologia ecológica abarca hoje a maior parte das lutas de consumidores.
    Quanto à luta dos trabalhadores contra os patrões de uma empresa, ela pode, a prazo, pressionar no sentido do aumento da produtividade e, por aí, contribuir para o desenvolvimento da mais-valia relativa. Mas, em sentido oposto, contribui para reforçar elos de solidariedade entre os trabalhadores, elos antagónicos da hierarquização vigente nas relações de produção capitalistas.
    Por isso o capitalismo procura converter todas as formas de contestação em lutas de consumidores. As lutas de consumidores são as únicas admissíveis no sistema e a ecologia funciona como a caução moral do capitalismo. Nas escolas, onde antes se ensinava o comportamento cívico, ensina-se hoje o comportamento ecológico.

  59. Nas escolas, embora não haja uma disciplina específica com este nome, saiu a educação moral e cívica e entrou a educação moral e ecológica.

    Sai o servir à pátria e entra o servir ao planeta.

  60. E nos casos em que as lutas dos consumidores constituírem-se na construção de mercados de solidariedade para apoiar trabalhadores que buscam desenvolver práticas produtivas que apontam para novas relações sociais de produção? Nesse caso elas não estarão permitindo o reforço dos elos de solidariedade entre estes?

  61. Em resposta à objecção de Felipe, se não falarmos no ar e nos referirmos a casos concretos, não conheço nenhuma situação em que a constituição de mercados de solidariedade tivesse resultado de lutas iniciadas no âmbito dos consumidores. Em todos os casos os mercados de solidariedade resultaram do desenvolvimento de lutas no âmbito da produção, quer em empresas industriais ocupadas quer em terras ocupadas, sobretudo latifúndios explorados colectivamente. Um exemplo precursor foi a chamada comuna de Nantes, durante a greve geral de Maio e Junho de 1968 em França. E o maior número de exemplos, que eu conheça, ocorreu em Portugal durante o ano revolucionário de 1975.
    Outra coisa muito diferente, ou mesmo oposta, é a chamada economia solidária, criada no Brasil a partir do aparelho de Estado federal para dar emprego e autoridade aos meninos e meninas saídos das incubadoras de gestores.

  62. Sobre essa questão da educação ecológica, Ivan Illich havia abordado a questão muito bem, décadas atrás:

    “Se continuarmos presos a esse esquema mental, o desenvolvimento de uma sociedade de estado estável requererá uma intensidade educativa e administrativa sem precedentes. Somente um alto grau, inimaginável até agora, de produção sóbria, prudência no consumo e vigilância mútua tornará possível a sobrevivência. Somente um ensino vitalício, projetado em conformidade com o entorno, poderá proporcionar tanta “educação”. Reler Skinner poderia nos preparar para esse cenário de uma ditadura ecopedagógica.”
    http://passapalavra.info/?p=26983

    A culpa é das sacolinhas de plástico.

  63. Um complemento à citação feita por Leo Vinicius, confirmando que há já várias dezenas de anos Ivan Illich soube prever e denunciar o significado social, económico e político do movimento ecológico: «Não está excluído de maneira nenhuma que, assustadas com os perigos que as ameaçam, as pessoas coloquem o seu destino nas mãos de tecnocratas que se encarregariam de manter o crescimento justo aquém do limite de destruição da vida. Este fascismo tecnocrático asseguraria igualmente a subordinação total dos homens aos instrumentos, enquanto produtores e consumidores» (citado em Michel Bosquet, «A Grande Conspiração Eco-Fascista», Seara Nova, [Lisboa] 1974, nº 1540, pág. 23).

  64. Todo o argumentário deste texto cai pela base se atentarmos nas realidades biofísicas que o João Bernardo, estranhamente, parece ignorar. A agroindústria, que assenta num uso intensivo de recursos minerais, combustível, água, terra, etc. foi um expediente de que a humanidade se serviu para lidar com o problema duma explosão demográfica que a precedeu (e que a chamada revolução verde ainda veio exponenciar), mas cujo ritmo de depredação que impõe aos recursos, aos ecossistemas, etc, é insustentável. Insustentável porquê? Porque, gostemos ou não, a natureza impõe-nos limites, já que o planeta Terra é um sistema fechado e existe uma coisinha chamada segunda lei da termodinâmica.
    Se grande parte dos recursos de que a necessária agroindústria exige não são renováveis (petróleo, fosfato, fósforo, etc.) e estão a dez ou vinte anos de alcançar o seu pico de extracção (quando não o atingiram já); se outros recursos, embora renováveis (água, terra arável, etc.) estão a ser exauridos a ritmos potencialmente disruptivos;
    se todo o mecanismo da agroindústria implica concentração e centralização, com o consequente incremento de custos energéticos na distribuição;
    se a agro-indústria tem um efeito comprovadamente disruptivo nos ciclos biogeoquímicos, nos habitats, nas cadeias alimentares, etc.,e que essa destruição pode acarretar danos cuja retificação, mesmo que possível, só pode ser conseguida a custos astronómicos; se, numa palavra, a revolução verde só foi possível graças a um consumo intensivo de energia, e se esse consumo só foi possível graças à historicamente excepcional disponibilidade de combustíveis fósseis baratos (mas tendencialmente mais caros à medida que se tornam mais raros e mais procurados) isto significa que a agro-indústria é petróleo-dependente, e que só é sustentável a médio prazo se os tecnólogos descubrirem uma maneira de transformar água salgada em petróleo ou areia em gás, o que não parece muito previsível.

    Sobre estes problemas, o João Bernardo não parece ter nada a dizer, talvez por estar convencido de que a ecologia é uma ideologia, em vez daquilo que ela de facto é: uma ciência. Ao contrário do que o JB sugere, é precisamente por se preocuparem com a demografia que alguns ecologistas estão alarmados: JB traz à colação, muito a despropósito, o Cambodja de Pol Pot; mas o que a história nos diz é que se continuarmos na ilusão antropocêntrica (e não mundocêntrica, como JB sugere) de que a nossa espécie tem um direito natural e exclusivo sobre o planeta, é a própria natureza quem acabará por se tornar o Pol Pot da espécie humana, porque qualquer sistema físico está sujeito ao colapso se as pressões sobre o mesmo se tornarem extremas.

    O JB está convencido de que a tecnologia virá miraculosamente resolver todos os problemas criados pela tecnologia; acredita que a Monsanto nos vai projectar para um paraíso tão harmonioso como o das brochuras dos Jeovás (ignorando os efeitos colaterais dos OGM, em termos ecológicos, económicos, sociais, etc.); acredita que o Reino da Abundância para 8 mil milhões de pessoas em 2030 é possível, porque a sua fé na tecnologia e no engenho humano não corre o risco de esbarrar em quaisquer limites físicos, já que ele decidiu que esses limites físicos não existiam, e daí que acredite que haverá tempo e energia abundantes para todo o tipo de experiências e inovações.
    A isto, desculpe, eu só posso chamar viver no reino de fantasia dos economistas (que não sei se o JB é ou não); as suas elucubrações referem-se a um mundo que simplesmente NÃO EXISTE; são tão reais como o Criacionismo. Exibem uma variedade de fé muito mais perniciosa do que o eco-primitivo de alguns ambientalistas, essas cassandras. O que JB se recusa a aceitar, e eu compreendo, porque é doloroso, é que se desfaça o seu sonho (o nosso sonho) de crescimento económico infinito, de produtividade sempre crescente e da tecnologia-como-libertadora-do-mundo-da-necessidade. Lamento, JB, mas não são os ecologistas que são fascistas, é a própria natureza.
    Cumprimentos.

  65. Este comentador pretende que se abra mão, precisamente dos meios à nossa disposição, para resolver os problemas que se vão encontrando e confia-nos à triagem pela Natureza. Esquece que a revolução verde não só permitiu o aumento populacional mas resolveu um problema de falta de alimentos. Já agora, como poderíamos alimentar a população existente com métodos pouco produtivos? É preciso ver, que mesmo os fertilizantes tipo bosta teriam que ser postos de lado, já que nem seria possível criar produtores de bosta em quantidade suficiente para manter a produtividade actual, nem isso seria mais ecológico. A questão, é que este comentador não se preocupa com questões comezinhas, a que chama perspectiva antropocêntrica, de alimentar as pessoas existentes. Por outro lado, nega sem fundamento que que inovações tecnológicas podem perfeitamente resolver certos problemas, desde os transgénicos à energia nuclear. Todos os dias surgem nas revistas científicas estudos sobre projectos que vão nesse sentido. Com misticismo, ou perspectivas biocêntricas só nos espera o genocídio à escala planetária.
    Além disso, continua a insistir no tema do crescimento económico infinito como se isso tivesse sido defendido por alguém, apenas porque foi posto em causa a defesa da miséria voluntária dos ecologistas. Esse crescimento económico infinito é promovido por mecanismos sociais que nada têm a ver com uma ideologia tecnofílica mas sim resultam da necessidade da acumulação do capital, e para pôr cobro a isso é preciso superar o capitalismo, coisa para que, Serges Latouches e outros decrescentes, assim como defensores da miséria termodinamicamente inspirados, não podem apresentar solução nenhuma. Não é a adopção de credos fascistas biocêntricos ou o voluntarismo miserabilista que podem fazê-lo. Esse Serge Latouche, que o nosso ecofascista cita no comentário de outro artigo deste site, publicou aliás um artigo numa revista fascista e uma entrevista noutra: pode ver-se na página 7 deste documento, nota 1 http://www.mondialisme.org/IMG/article_PDF/article_a1698.pdf

  66. Aqui vai a nota: 1. La confu­sion entre éco­logie et extrême droite n’est pas seu­le­ment le fait de fas­cis­tes mas­qués qui se livre­raient à des ten­ta­ti­ves de récu­pération : il est signi­fi­ca­tif que le site de gauche décro­iss­ance.info qui recom­mande dans ses liens toutes sortes de publi­ca­tions liber­tai­res ou « radi­ca­les » publie en même temps une inter­view de Serge Latouche du MAUSS (qui avait déjà contri­bué au numéro 4 de la revue Krisis d’Alain de Benoist en déc­embre 1989) dans Le Recours aux forêts sans dire que cette revue fut dirigée par Laurent Ozon, néo-païen fas­ci­sant, membre du Bureau poli­ti­que du FN en 2011. Sans la vigi­lance d’un inter­naute, cette conver­gence verte-brune serait passé ina­perçue…
    http://www.mondialisme.org/spip.php?article1698

  67. A literatura científica antiecológica é muito mais volumosa do que a literatura ecológica. Precisamente por isso os ecológicos sentiram necessidade de formar dentro das universidades departamentos especiais, onde se sentem protegidos das críticas. A isto se deve, aliás, o tom defensivo a que os ecológicos são obrigados no meio científico. Qualquer pessoa com acesso à literatura científica encontrará com mais facilidade artigos não ecológicos ou antiecológicos do que artigos favoráveis à ecologia. Esta proporção só é invertida quando passamos das publicações estritamente científicas para a divulgação jornalística. Como qualquer demagogia, é na propaganda de massas que a ecologia se apoia.
    Infelizmente para eles, todas as previsões catastróficas feitas pelos ecológicos, nomeadamente as respeitantes ao esgotamento de recursos naturais, se revelaram empiricamente falsas, a começar pelas do Clube de Roma e até hoje. No meio científico isto é perfeitamente conhecido, daí a necessidade de a propaganda de massas matraquear o contrário. Passa-se hoje com a ecologia o que na primeira metade do século XX se passou com a eugenia e com o estudo das «raças» ou o que se passou na esfera soviética com com as teses de Lyssenko. A estrutura actual do conhecimento explica que, em todos estes casos, a falta de razão no meio científico seja compensada pela vitória propagandística nos meios de divulgação de massas.
    Se houver algum leitor com paciência para reler estes debates verificará que alguns ecológicos me criticam por eu afirmar que a agroecologia é pouco produtiva e por afirmar que a ecologia pretende simplesmente reduzir o padrão de consumo da classe trabalhadora; enquanto outros ecológicos me criticam por eu ser partidário de um crescimento da produtividade e por defender que o padrão de consumo da classe trabalhadora deve aumentar cada vez mais. Esta atitude paradoxal confirma que os meus artigos foram certeiros, obrigando os ecológicos a desvendar a hipocrisia com que geralmente se encobrem.
    Os ecológicos partidários do decrescimento económico devem sentir-se felizes com a Grécia, que tem caminhado a passos largos por essa via. Portugal também está bem posicionado rumo ao decrescimento. O Brasil é que é problemático, pois o decréscimo conseguido na «década perdida» foi invertido nos últimos anos, mas também no país tropical não faltam ecológicos para cantar as belezas da miséria. Aliás, para ensinar a necessidade da miséria, a necessidade natural da miséria. Porque, se a natureza é fascista, como pretende o sujeito que assinou JMS, nada mais nos resta do que nos submetermos ao fascismo da natureza. E assim a natureza é invocada como o grande argumento a favor do fascismo dos ecológicos.
    A propósito dessa afirmação de JMS de que «não são os ecologistas que são fascistas, é a própria natureza», recordo que era corrente no Terceiro Reich a definição de que «o nacional-socialismo não é mais do que biologia aplicada». Ora, é curioso saber que esse lema propagandístico foi uma adaptação da definição «a política é biologia aplicada», devida a Ernst Haeckel, que além de célebre biólogo foi o primeiro cientista a usar a palavra ecologia. No meu livro Labirintos do Fascismo (Porto: Afrontamento, 2003), págs. 923-924, abordei a contribuição de Haeckel para a gestação do nacional-socialismo.
    Demorámos um pouco, mas chegámos exactamente onde eu pretendia desde o meu primeiro artigo sobre O Mito da Natureza (http://passapalavra.info/?p=48913 ). Não fui só eu a demonstrar nos meus artigos o carácter social e politicamente reaccionário da ecologia. Foram os ecológicos que o confirmaram, a terminar em JMS, com a afirmação de que a natureza é fascista.
    Chegámos onde eu quis.

  68. Acrescento o seguinte:
    Durante a segunda guerra mundial as forças de ocupação nazis procederam ao rapto maciço de crianças eslavas consideradas de raça nórdica. O encarregado desse programa, o infelizmente célebre Heinrich Himmler, Reichsführer SS e comissário do Reich para o Reforço do Germanismo, declarou num discurso em Bad Schachen, a 14 de Outubro de 1943: «Ou obtemos todo o bom sangue que pudermos usar e lhe damos um lugar no seio do nosso povo ou, meus senhores — talvez achem isto cruel, mas a natureza é cruel — destruímos esse sangue» (citado em E. K. Bramstedt, Dictatorship and Political Police. The Technique of Control by Fear, Londres: Kegan Paul, Trench, Trubner & Co., 1945, pág. 244). «Talvez achem isto cruel, mas a natureza é cruel». JMS aprendeu na boa escola quando escreveu, a encerrar um seu comentário, «Lamento, JB, mas não são os ecologistas que são fascistas, é a própria natureza».

  69. Não são os ecologistas, mas sim os crentes do produtivismo e da tecnologia que se estão a confiar, sem saberem, à “triagem da natureza”, precisamente por se recusarem a admitir que a ideologia do crescimento infinito num planeta finito é uma falácia com consequências catastróficas. No seu tempo, Malthus não teve razão, porque não adivinhou o uso intensivo de químicos e de combustíveis fósseis na agricultura. Mas a longo prazo, Malthus estava certo. Certas espécies, como os lémures, resolvem estas pressões ambientais com suicídios em massa. A espécie humana, tradicionalmente, preferia usar mecanismos de controlo populacional como o infanticídio, o aborto, a abstenção sexual ou, em casos extremos, a guerra. Só que nos últimos duzentos anos a magia tecnológica e os combustíveis fósseis baratos eliminaram os mecanismos internos de controlo populacional da nossa espécie. E pusemo-nos todos a acreditar, estupidamente, que a cornucópia da abundância não tinha fundo, esquecendo que a nova situação de abundância era historicamente excepcional. Hoje encontramo-nos, aparentemente, numa situação sem saída.
    Para evitar o colapso futuro, teria sido vital que a transição para uma economia menos dependente dos combustíveis fósseis se tivesse iniciado em força há vinte anos, quando se dispunha de meios de investimento gerados pelo chamado crescimento económico. Essa transição não se fez (porque os optimistas crónicos, à esquerda e à direita, acharam mais divertido uns, e mais lucrativo outros, enfiar a cabeça na areia), e aquilo que se podia ter feito duma forma suave terá de ser feito, mais tarde ou mais cedo, à bruta. E não é, repito, porque os ecologistas o desejem.
    Desde o início da Revolução dos Combustíveis Fósseis, mais conhecida por Revolução Industrial, a população mundial aumentou OITO vezes (tendo mais do que duplicado nos últimos 50 anos), enquanto o consumo de energia aumentou SESSENTA vezes. Pensar que estes níveis de depredação de recursos e de consumos de energia são sustentáveis a médio prazo é uma insanidade.
    Eu não proponho a substituição da agro-indústria pela agricultura biológica. Limito-me a expor as vulnerabilidades intrínsecas à agro-indústria e a sua insustentabilidade a médio prazo, fazendo notar o que muita gente insiste em não querer ver: que a maior produtividade da agro-indústria tem altos custos energéticos e ambientais, assim como de distribuição, que esses custos só podem ser sustentados numa economia de crescimento exponencial, mas que esse crescimento é impossível por razões que se prendem com a finitude do planeta e dos seus recursos (que JB comicamente nega, mas já lá vamos). Segundo David Pimentel, “se os fertilizantes de origem mineral, a irrigação (tornada possível em parte pela energia obtida do petróleo) e os pesticidas fossem retirados, as colheitas de milho, por exemplo, cairiam cerca de 75%.”. Ora, a respeito da insustentabilidade do consumo intensivo e crescente de água, terra arável, fósforo, fosfatos e combustíveis na agro-indústria já me referi no comentário acima, e não faltam estudos sobre a iminência de um “peak everything”.
    Outro facto cujo conhecimento está ao alcance de quem estiver interessado na verdade e não em teorias fantasiosas, é que o desenvolvimento tecnológico dos últimos duzentos anos teve o efeito perverso de nos tornar dependentes tanto dos combustíveis fósseis baratos como da inovação tecnológica. Foi inevitável essa dependência? Sem dúvida. Foi positiva? Só o futuro o dirá. O desenvolvimento tecnológico constituiu uma resposta necessária que as sociedades humanas criaram para lidar com pressões demográficas. O problema é que hoje sabemos que não se pode dar por garantida a disponibilidade de energia barata em quantidade e qualidade suficiente para alimentar uma sociedade industrial com, futuramente, 8 mil milhões de hedonistas, tal como não se pode, por razões que se prendem com a situação crítica do capitalismo financeiro (cuja crise veio para ficar) dar por garantida a disponibilidade de capital para investir em tecnologias capazes de minorar os efeitos do seu desaparecimento.

    Mais alguns dados científicos, para que não estejamos aqui a discutir com base em rumores e fantasias teóricas. “Nos últimos 400 anos foram extintas 83 mamíferos, 113 aves, 288 outros animais e 650 plantas. Mas quase todas essas extinções ocorreram nos últimos cem anos – das 21 espécies marinhas que se sabe terem desaparecido desde 1700, 16 delas desapareceram desde 1972” (Craig Dilworth). Pensar que o homo sapiens tem o direito a imperar no planeta, mesmo que para isso tenha de exterminar todas as outras espécies, é uma forma de totalitarismo especista cuja agressividade se virará fatalmente contra nós, e que desembocará mais tarde ou mais cedo numa luta de todos contra todos pela posse dos últimos recursos e no consequente genocídio. Porque, sim, a natureza é “fascista” (uso o termo em sentido metafórico, claro, o que João Bernardo finge não ter compreendido), na medida em que impõe limites ao expansionismo de qualquer espécie, não abrindo excepções sequer para os auto-proclamados “filhos de Deus”. Não são os ecologistas quem o diz, é a biologia e a história das civilizações.

    Quanto às soluções propostas pelo tecnófilos, pelos promotores do crescimento infinito e outros idealistas, estou convencido de que essas soluções assentam sobretudo numa grande dose de ignorância científica e de wishful thinking. A energia nuclear, que o comentador anónimo refere, é simplesmente uma piada de mau gosto: mesmo retirando da equação os detritos que produz (e que continuamos a armazenar, passando a factura do problema às gerações futuras, confiados numa miraculosa solução que há-de chegar), se somarmos os custos de construção e de operação duma central nuclear com os do seu desmantelamento, ver-se-á que a sua rendibilidade em termos energéticos (EROI) é extremamente baixa. Cálculos identicamente desfavoráveis, em termos de eficiência energética, têm sido efectuados para fontes de energia tão “miraculosas” como o óleo de xisto, o biodiesel, a energia solar ou o gás natural.
    Relativamente à panaceia dos transgénicos, mesmo sem trazer à colação as implicações biológicas, económicas e sociais da introdução massiva dos mesmos na agricultura, admira-me que se possa considerar de esquerda quem pensa que a solução para as crises alimentares do futuro passa por trocar subitamente o património de sementes seleccionadas e adaptadas pela humanidade ao longo de milénios pelos produtos patenteados duma multinacional como a Monsanto, cujo desígnio é, obviamente, pôr na sua dependência todos os agricultores do mundo. Quem acredita que mega-corporações como a Monsanto estão preocupadas com outra coisa que não os seus lucros está, no fundo, a dar razão aos neoliberais quando estes afirmam que “greed works”. O que não deixa de ser cómico numa pessoa de esquerda. Tamanha incoerência e candura deixa-me sinceramente preocupado sobre quão baixo desceu a racionalidade entre as pessoas que, como eu, se reclamam do ideário de esquerda.
    Uma palavra ainda a respeito de Serge Latouche. Não é um autor que eu conheça especialmente bem, nem é a partir dos seus pressupostos que a minha argumentação, fundamentalmente, parte. Pelo pouco que li dele, pareceu-me ser um anti-globalista, um anti-imperialista e um melhorista, ou seja, defensor dum “capitalismo de rosto humano”. Por motivos que já sugeri, e que poderia explanar longamente, se tivesse tempo e paciência para tal, eu não penso que o capitalismo possa ser “melhorado”, porque não acredito que um sistema movido pela busca do lucro possa travar voluntariamente os seus impulsos, principalmente num tempo em que esses lucros se esfumam cada vez mais depressa; tal como não acredito, porque tenho algumas noções de biologia evolutiva, que a nossa espécie trave a tempo o seu impulso natural para o consumo desenfreado, a acumulação de riqueza e a procriação.
    Mas, independentemente de eu concordar ou não com tudo o que S. Latouche afirma, pretender diminuir as suas posições com o “argumento” de que deu uma entrevista a uma publicação de extrema-direita é algo sem pés nem cabeça. Acredite ou não, eu já tenho lido textos e entrevistas de Anselm Jappe em jornais portugueses de direita (nem há outros, de resto). Devo concluir que Anselm Jappe é um neo-liberal encapotado? Ou que os oligopólios da comunicação social viraram secretamente de esquerda?
    Seria desejável ultrapassar o capitalismo? Na minha opinião, é não só desejável como inevitável. Mas para tal seria necessário, no mínimo, que compreendêssemos, em toda a sua dimensão, a mecânica e os efeitos do capitalismo, assim como os problemas a que nos trouxe. Mas o que eu vejo, infelizmente, é uma esquerda que prefere lutar com fantasmas familiares a enfrentar os verdadeiros inimigos e os verdadeiros problemas; uma esquerda mais empenhada (como de resto já é tradição) em caluniar os seus críticos, servindo-se de rótulos como “fascista”, “revisionista” e outras bombardas ideológicas dos séculos XIX-XX (como se estivéssemos ainda em 1936!), do que interessada em argumentar a partir de factos; uma esquerda, enfim, que prefere argumentar a partir da “ciência” económica do que dos dados fornecidos pela ecologia (que, repito, não é uma ideologia nem uma religião, mas uma ciência).

  70. Respondendo agora mais concretamente ao comentário de João Bernardo. Não é verdade que “todas as previsões catastróficas feitas pelos ecológicos, nomeadamente as respeitantes ao esgotamento de recursos naturais, se revelaram empiricamente falsas.” Quem vive num mundo governado pelas leis da física sabe que não é possível consumir recursos não renováveis, como o petróleo ou o gás natural, sem que as suas reservas diminuam e sem que a sua extracção se torne cada vez mais dispendiosa. Nos EUA, que não é propriamente um país pequeno nem pobre em recursos, dados do US Geological Survey (essa organização eco-fascista, dirá talvez o JB), indicam que os seguintes metais e minerais atingiram o seu pico de extracção nas seguintes datas: cobre (1998), minério de ferro (1951), magnésio (1966), fosfato (1980), titânio (1964), zinco (1969). Quanto ao pico petrolífero nos EUA, ocorreu em 1971. Ora, o que é válido para um dado país, deve ser válido para o globo em geral. Mais dados científicos que contrariam a suposta inesgotabilidade dos recursos: as capturas de pesca alcançaram o seu pico há dezoito anos, em 1994. O pico mundial da produção de cereais per capita deu-se em 1984, e os stocks dos mesmos tiveram o seu ponto mais alto em 1986. As descobertas mundiais de campos petrolíferos tiveram o seu pico na década de 1950.

    A respeito da “literatura científica anti-ecológica”, já lhe pedi que por caridade me fornecesse a bibliografia, para eu poder avaliar do seu grau de cientificidade, mas o JB prefere pouco interessado em revelar as suas fontes, e a única que eu me lembro de ele ter fornecido (mas posso estar enganado) é a dum apologista do free-market chamado Bjorn Lomborg, que não é cientista de nada a não ser da pseudo-ciência que dá pelo nome de estatística, e cujo famoso The Sceptical Environmentalist, tão encarecido pelos businessman globais, foi demolido peça peça por verdadeiros cientistas. Ver aqui:
    http://stephenschneider.stanford.edu/Publications/PDF_Papers/PimmHarvey2001.pdf
    Ou aqui:
    http://www.lomborg-errors.dk/

    A respeito da afirmação de que os “ecológicos sentiram necessidade de formar dentro das universidades departamentos etc. onde se sentiam protegidos das críticas”, não passa duma insinuação gratuita e tão pertinente como a afirmação de que os arqueólogos, os paleontologistas, etc. sentiram necessidade de etc. dentro das universidades para se protegerem das críticas. O mesmo se pode dizer da comparação que JB estabelece entre a ecologia e pseudo-ciências cujos teorias ou objectos de estudo nunca foram reconhecidos pela comunidade científica fora dos meios ideológicos onde se desenvolveram. Abro aqui um parêntesis para fazer notar a incoerência de JB quando recorda, e muito bem, que “era corrente no terceiro Reich a definição de que o nacional-socialismo não é mais do que biologia aplicada”, sem se dar conta, aparentemente, de que essa posição da “ciência” nazi decorre duma exacerbação darwinista que se aplica igualmente bem à filosofia concorrencial e produtivista do liberalismo, expressa em certas correntes do chamado darwinismo social. Se as antinomias do capitalismo forem deixados ao seu livre curso, como tudo indica e Lomborg aplaude, daqui a vinte ou trinta anos poderá ganhar força entre as elites políticas e económicas a convicção cínica de que “a natureza tem de seguir o seu curso”. Aliás, certos indícios, para os quais eu ando atento, parecem demonstrar que essa é já hoje a convicção secreta dessas mesmas elites. A esquerda tradicional, admiravelmente representada pelo João Bernardo, continua mais interessada em fomentar ilusões, combater fantasmas, mimetizar a respeitabilidade burguesa e adular os impulsos do eleitorado perdido. Daí que lhe seja totalmente impossível o radicalismo de que se pretende herdeira. Mas isto é outra história, que nos levaria demasiado longe.

    Voltemos ao assunto. Ao contrário do que o JB supõe, a ecologia não é de esquerda nem de direita, porque esses rótulos políticos não se aplicam a nenhuma verdadeira ciência. Formado no mundo das chamadas “ciências” sociais, o JB parece esquecer-se de que não existe uma biologia, uma física ou uma matemática de esquerda ou de direita. Outra coisa de que se parece esquecer, muito convenientemente, é que nem toda gente que fala ou julga falar em nome da ecologia tem credibilidade para o fazer. Ao JB, na sua guerra pessoal contra a ecologia, parece dar muito jeito confundir o “ecologismo” de Al Gore ou de B. Bardot com o trabalho de biólogos, paleoecologistas, geólogos, antropólogos, etc.
    Como já disse acima, o decrescimento económico, gostemos ou não, é uma necessidade. A verdadeira questão, pelo menos no mundo real em que eu me movo, é como gerir esse decrescimento: se de forma racional, com uma redistribuição igualitária dos recursos disponíveis, com os países ricos a abrirem mão daquilo que monopolizaram nos últimos 200 anos, ou à maneira tradicional, através da guerra, da chacina, do colapso económico e demográfico.
    Ninguém defende, eu pelo menos não defendo (embora convenha ao JB fingir desonestamente que sim) que a alternativa ao crescimento é a miséria, tal como ninguém defende que renunciemos à tecnologia para viver em cavernas. O que eu defendo, e nisso dou inteira razão a Latouche, é que não temos outra saída senão a frugalidade. O que eu digo, baseado em dados científicos, é que a possibilidade de estender ao 7-8 mil milhões de seres humanos o materialista idiota promovido pela sociedade do espectáculo e o desperdício de recursos verificado nas democracias de consumo, é uma miragem. A não ser que os nossos adorados tecnólogos arranjem maneira de inflar o planeta Terra.
    Portanto, não “chegámos onde [o João Bernardo] queria”, porque os seus insultos são tão gratuitos e disparatados que me passam completamente ao lado. Confesso até que achei muita graça ao “eco-fascista”. Já me chamaram muita coisa, mas “fascista” ou “nazi” é a primeira vez. Se o JB fizesse um esforço para inferir as coordenadas ideológicas de onde eu venho, se não julgasse ter determinado duma vez por todas o que é a esquerda e quais são as maneiras “legítimas” de se ser de esquerda, perceberia que as suas flechadas de rótulos falham clamorosamente o alvo.
    “Chegámos”, enfim, aonde o JB já se encontrava, entrincheirado numa indiferença de “cientista” social pelos contributos das ciências da terra.

  71. JMS,
    Segundo o primeiro trecho deste seu último comentário, ao reafirmar a atualidade das teses malthusianas, você quer dizer que infanticídio, aborto, abstenção sexual ou, em casos extremos, guerra são artifícios que a natureza – “fascista” – manipula para manter o equilíbrio populacional? Então toda história da humanidade, até a Revolução Industrial, não foi mais do um jogo da natureza para realizar os seus desígnios ocultos?

    Se assim for, não vejo por que esquentarmos-nos com debates e questões políticas, menos ainda motivos para atribuir aos homens a heróica tarefa de salvar o planeta, é só relaxar e deixar que a natureza execute o plano harmonioso que ela tem para nós.

  72. Quando escrevi no meu penúltimo comentário que «Chegámos onde eu quis» não imaginava que ainda viesse a ser tão abundantemente contemplado. Com efeito, os dois últimos comentários de JMS, com a concepção de «natureza» que revelam e a lista das suas preferências sociais, ilustram tudo o que ao longo de artigos neste site — para não falar em livros, capítulos de livros e aulas — eu me tenho esforçado por demonstrar acerca do movimento ecológico. É pena que JMS não tivesse aparecido mais cedo. Tinha-me poupado trabalho.

  73. Taiguara

    A natureza não utiliza nada, a natureza não tem vontade nem intenções. Simplesmente, há dinâmicas de acção-reacção verificáveis em todos os nichos ecológicos. Já ouviu falar na ilha da Páscoa? Pois olhe, lá a “natureza” tratou de ensinar aos homens que quando se se leva a depredação dos recursos ao limite, o resultado é uma diminuição catastrófica da população. Investigue as razões do colapso do império maia, ou do império romano. Ao contrário dos ecologistas lamechas e dos esquerdistas ignorantes, eu não antropomorfizo a natureza, atribuindo-lhe sentimentos morais. O que eu afirmo, e só não é evidente para quem não quer ver, é que o homem tem o poder de influenciar em seu favor ou em seu desfavor o meio ambiente. E que as coisas não são tão róseas como as pinta o capitalista Lomborg. E que ignorar os dados científicos é não só estúpido como criminoso.

    João Bernardo, você continua sem mostrar as fontes científicas das suas elucubrações. Eu apresentei-lhe dados que visam refutar algumas das suas afirmações. Você, pelo contrário, limita-se a reiterar o que já tinha dito: que se acha cheio de razão. Ora, essa reiteração é filosofica e cientificamente nula. O que você acha ou não é-me completamente indiferente enquanto não refutar os dados (sobre o esgotamento de recursos, por exemplo) que eu lhe adiantei. Começo a achar que o seu forte não são as ciências, nem sequer a filosofia política, mas uma doxa baseada em preconceitos cristalizados. Confesso que você me desilude mais do que eu achava possível. Mas admito que isso lhe seja tão indiferente como a mim as suas risíveis deduções sobre o que eu digo. Se não pretende argumentar com dados científicos, é evidente que estou aqui a perder o meu tempo. Adeus.

  74. Enfim encontramos alguém sincero, capaz de colocar claramente o fascismo que defende. Ao tentar argumentar que ” a natureza é fascista” nosso debatedor deixa bem claro que, como não são as rochas a escrever neste debate, é ela ou ele junto com os ecológicos os portadores do fascismo que ” a natureza representa por sí”.

    Foda-se o fascismo, foda-se a natureza. Queremos liberdade. Se preciso for, contra o planeta.

  75. Até agora estou sem acreditar que li esta pérola, mas vale a pena reproduzir:

    “Malthus não teve razão, porque não adivinhou o uso intensivo de químicos e de combustíveis fósseis na agricultura. Mas a longo prazo, Malthus estava certo. Certas espécies, como os lémures, resolvem estas pressões ambientais com suicídios em massa. A espécie humana, tradicionalmente, preferia usar mecanismos de controlo populacional como o infanticídio, o aborto, a abstenção sexual ou, em casos extremos, a guerra. Só que nos últimos duzentos anos a magia tecnológica e os combustíveis fósseis baratos eliminaram os mecanismos internos de controlo populacional da nossa espécie.” (Por JMC, 22 de Maio, em Resposta ao Artigo de João Bernardo).

    Então devemos fazer como os lêmures para buscar o equilíbrio com a Pacha Mama: suicídio ou extermínio coletivo? Então a guerra é o meio em que a humanidade encontrou para se justificar com a natureza? Nós, assim como os lêmures, não somos mais capazes de inovar a ponto de burlar, mais uma vez, as imposições da natureza, como assim fizemos por toda a nossa existência e, provavelmente até os lêmures em algum momento? Por que só através do capitalismo podemos criar tecnologias? QUER DIZER QUE RESSUSCITARAM MALTHUS!?

  76. Parece-me bem diferente um artigo do Anselm Jappe ser publicado no Expresso, provavelmente por intermédio dum colaborador esquerdista do mesmo, tal como o Robert Kurz publicava na Folha de São Paulo, ou o Serge Latouche publicar no órgão teórico duma organização de extrema-direita, ou o facto de um site decrescente ter um link para outra revista ecologista de extrema-direita sem alertar os seus leitores da natureza política dessa revista, o que é puro confusionismo.

  77. Acabei de ver que quem traduziu o artigo do Jappe saído no Expresso escreveu recentemente uma recensão favorável a um livro dele no mesmo jornal.
    https://fbcdn-sphotos-a.akamaihd.net/hphotos-ak-prn1/538957_411386658881965_281461171874515_1315400_1200721664_n.jpg
    https://fbcdn-sphotos-a.akamaihd.net/hphotos-ak-ash4/403536_411386688881962_281461171874515_1315401_547187565_n.jpg
    Sempre houve gente influenciada pelo situacionismo a escrever no Expresso. Comparar o Expresso com a Krisis do Alain de Benoist é portanto pouco honesto, dizendo que são ambos de direita.

  78. DAC

    Para o caso de não ter medo de aprender ainda alguma coisa, aqui vai uma listinha de livros que podem satisfazer todas as suas dúvidas (se é que são dúvidas e não interrogações retóricas) sobre demografia/energia/tecnologia.

    Collapse, Jared Diamond
    The Collapse of Complex Societies, Joseph Tainter
    The Ingenuity Gap, Thomas Homer-Dixon
    The End of Growth, Richard Heinberg
    Too Smart for Our Own good, Craig Dilworth.

    Como bónus, duas obras sobre a “sociedade urbana e industrial”:
    The City in History, Lewis Mumford
    Planet of Slums, Mike Davis

    Não precisa de agradecer.

  79. Essa discussão prossegue ignorando completamente que nem toda tecnologia é a mesma coisa e que nem só o agronegócio possui técnicas avançadas. As tecnologias que sustentam o agronegócio dependem de fontes esgotáveis e impactantes do ambiente, mas podemos trocá-las por outras técnicas e manter a produção de comida. Pois a agroecologia não é o mero abandono de venenos e fertilizantes, mas envolve novas práticas e processos que visam a produção de alimentos, na perspectiva de manter a fertilidade local. A combinação das plantas certas para cada solo e uma em relação às outras promove muito a produtividade e torna desnecessários os venenos (simplificadamente).

    A ecologia, que é uma ciência antes de ter dado nome às intenções ambientalistas – muitas das quais completamente dissociadas dos interesses dos trabalhadores -, está há mais de um século estudando a produtividade orgânica dos ecossistemas, o que pode ser constatado em qualquer livro didático usado no nível superior, que trará capítulos sobre o tema; e por isso compõe o nome agro-ecologia.

    Indo dos ecossistemas ao sistemas humanos, é necessário notar que a produtividade do trabalho não depende exclusivamente da quantidade de esforço que as máquinas podem realizar por nós ou das fontes externas de energia, mas também da efetividade do esforço utilizado em produzir. É por esse fator que as terras nas quais são utilizadas as técnicas agroecológicas produzem muito mais comida que a monocultura, fato que eu já havia citado com as devidas referências aqui: http://passapalavra.info/?p=53470.
    Nas páginas 7 e 8 do relatório da ONU lá citado, há inúmeros artigos relatando o enorme crescimento de produção em áreas onde foi implantado a agroecologia em larga escala, milhões de hectares onde a produção por vezes dobrou. A conclusão do relatório é de que, para alimentar a uma população crescente no mundo, precisamos abandonar a monocultura por métodos mais produtivos, no caso os agroecológicos.

  80. Mais referências sobre a proximidade entre os decrescentes e a direita reaccionária, que acabei de encontrar.

    “Ce jeu de références communes permit, par exemple, le rapprochement éphémère entre Alain de Benoist, l’intellectuel organique de la Nouvelle Droite, et des structures de gauche, notamment avec les animateurs du Mouvement anti-utilitariste en sciences sociales, le MAUSS. Il fut facilité en outre par une similitude thématique : anti-universaliste, anti-économisme, tiers-mondisme, écologisme radical, décroissance, localisme, différentialisme, pensée communautarienne. Alain de Benoist entama ainsi un dialogue avec les animateurs du MAUSS, notamment avec Alain Caillé, son secrétaire général. Toutefois, Alain Caillé le rompra, à la suite de tentatives de récupérations du MAUSS par des proches d’Alain de Benoist. En effet, dans une lettre ouverte à ce dernier, non datée malheureusement, mais publiée sur le site de la Revue du MAUSS [5], il condamna la tentative d’Alain de Benoist de se faire passer pour un membre de cette structure, comme ce dernier le fit dans l’édition de 1992-93 du Who’s Who in France [6]. Malgré tout, du fait du jeu de références communes, nous trouvons de larges pans doctrinaux communs entre ces différents milieux quoiqu’en disent les principaux intéressés.”

    http://gauchepopulaire.wordpress.com/2012/06/03/la-gauche-et-le-communautarisme/

  81. Não duvido da apropriação da ideologia ecológica pela direita.
    Acho muito importantes os esclarecimentos feitos por JB, tanto no artigo-resposta quanto nos comentários.
    E muito esclarecedor o debate travado por alguns comentaristas e JB.
    Mas fico triste em ver que o PP e JB não escapam do mesmo recurso que tão bem apontam nos progressistas da mídia (e tão bem comprovado por representantes desse grupo no debate neste post ): quando não há argumento, ataca-se.

    JB não poupou esforços nas suas respostas em alguns momentos, mas em outros calou-se:

    – quando Rafael o acusou de confundir adubo com agrotóxico;
    – quando o JMS pediu para comentar as medições que mostram o esgotamento de alguns recursos minerais nos EUA

    Nestes momentos, o vácuo foi claramente preenchido com ataques.

    São questões menores, ou talvez nem tanto. Para se ter certeza da sua dimensão, só se o debate tivesse prosseguido a partir desses pontos, e se verificado se teriam ou não o poder de alterar as premissas – ou pelo menos algumas – de JB.

    Pelo meu lado, para agregar ao debate, citaria o modelo do plantio direto contra aqueles que decretam o caráter destrutivo do agronegócio, ainda que me baseie unicamente nas informações obtidas no site da Embrapa e nas veiculadas pela bancada ruralista brasileira (legisladores representantes do agronegócio) através das suas reportagens pagas na mídia convencional . Segundo eles – e na Embrapa não faltam estudos que o parecem demonstrar – a técnica do plantio direto parece vir solucionar essa antiga característica predatória do agronegócio, tornando-se supostamente autosustentável. A técnica envolve a eliminação do arado, aplicação de herbicidas, a forragem do solo e rotação de culturas, levando assim à manutenção dos nutrientes no solo e preservando-o da erosão. Sem isso, o agronegócio esgotava os nutrientes, e o arado, revolvendo o solo, tornava-o sujeito à erosão.
    Esta técnica, se entendi bem, é o carro-chefe da Embrapa, e é ela que está sendo exportada para a África. É de se notar, entretanto, a sua dependência da etapa da aplicação de herbicidas, razão pela qual existe uma estreita proximidade entre a Embrapa e a Monsanto, com o já famoso Roundup-Ready e as suas sementes a ele resistentes.
    Com isto, quis apenas trazer um exemplo de aplicação industrial extrativista (no caso, agrícola) supostamente autosustentável.
    Ainda assim, essa técnica prevê o preparo inicial do solo à base de adubos químicos (ei-los!), e aqui volta a questão do esgotamento dos recursos apontada pelo JMS quando citou com números o decréscimo de fosfatos (adubos) nos EUA e sugeriu de forma razoável que as demais regiões do planeta estariam sujeitas ao mesmo decréscimo (o meu pai, geólogo, há poucos anos atrás, foi contratado pela Odebrecht para auxiliar na prospecção de fosfatos em Angola, como especialista na geologia angolana que era)

  82. Gustavo,
    Na minha opinião o autor de um artigo não deve eternizar-se nos debates, até porque já detém de antemão a vantagem de se ter explicado no próprio artigo. Nos comentários procuro responder a dúvidas e, quando muito, insistir em certas questões fundamentais.
    Para JG a questão principal era, se bem me lembro, a do grau de produtividade da agricultura familiar. JG defendeu num artigo (http://passapalavra.info/2012/03/53470 ) que a agricultura familiar é produtiva e eu respondi noutro artigo (http://passapalavra.info/2012/03/53719 ). Aí e nos comentários tratou-se muito dessa questão, com contribuições relevantes por parte de alguns leitores.
    Quanto a JMS, reproduzo um comentário meu, colocado noutro artigo deste site:

    «Em comentários colocados no Passa Palavra JMS chamou a João Bernardo “lunático”, “ignorante”, desprovido de “curiosidade científica”, caracterizado por “um deficit gritante de conhecimentos científicos”, “pretenso analista económico”, partidário do “tecno-fetichismo”, defensor de “uma doxa baseada em preconceitos cristalizados”, alguém que “representa admiravelmente a esquerda tradicional”, cujas “análises da realidade política e social parecem feitas através do binóculo economicista/sociologista”, alguém que quer “continuar a sentir-se uma pessoa influente”, partidário das “ideias hegelianas” e “cartesiano”. Num comentário colocado no Vias de Facto (http://www.blogger.com/comment.g?blogID=2525053614363345408&postID=8655611561434351264 ) JMS afirma: “Eu não conheço a obra de JB, com a excepção de alguns textos esparsos […]”.»

    Um leitor que procede desta maneira retira a credibilidade a tudo o que escreve e não me parece que deva perder tempo com ele.
    Quanto às projecções efectuadas pelos ecologistas, na questão das matérias-primas como em todas as outras, volto a indicar a leitura de Bjørn Lomborg, The Skeptical Environmentalist. Measuring the Real State of the World, Cambridge: Cambridge University Press, 2001.
    Talvez um dia eu volte ao assunto.

  83. Caro João Bernardo,

    Apesar de ter chegado bem atrasado nesta discussão, peço licença para neste espaço fazer algumas especulações (sei que em uma discussão mais profunda, a fundamentação tem caráter essencial, mas, sem querer me eximir desta responsabilidade, além de não ter lá grande qualificação, também me falta tempo, que quase já não me pertence, tendo sido alienado em troca da subsistência…).

    O mito da ecologia e o mito do camponês me fez lembrar do mito nunca invocado na visão idílica do movimento ecologista, a figura do Jeca Tatu, ao qual lhe impunham a alcunha de preguiçoso, por rapidamente se cansar de trabalhar, sendo que, na verdade, seu problema era devido à anemia provocada pela ancilostomíase, doença endêmica no Brasil, adquirida por quem trabalha descalço por não ter o que calçar nem o que comer. Talvez o movimento ecológico de fato tenha incorporado, sem perceber o espírito ufanista de Policarpo Quaresma que acreditava que nesta terra (ou em outras tantas) em se plantando tudo dá, mas que, mesmo diante da realidade, bradava que “ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”. Seu triste fim, pode ser o mesmo do movimento ecológico, que muito provavelmente irá culpar a saúva por sua falta de êxito.

    Por outro lado, entendo que se de fato o modo de produção agrícola capitalista aumentou consideravelmente a oferta de alimentos, graças ao uso de novas e variadas tecnologias, dentre eles o uso de agrotóxicos e transgênicos, isso certamente não beneficiou a todos e, provavelmente, não foi isento de “efeitos colaterais”.

    Não beneficiou a todos porque cerca de um bilhão (ou mil milhões como se diz em Portugal) de seres humanos passam fome no mundo. Muito importante frisar que este é dado que se refere à fome quantitativa, ou seja, basea-se tão somente no número de calorias diárias ingeridas. Se fôsssemos levar em consideração a fome qualitativa, que se refere à ingestão de vitaminas, proteínas, sais minerais, etc, necessários à vida, a situação seria ainda mais calamitosa. Exemplo disso são os Estados Unidos, e mesmo o Brasil, que ao mesmo tempo que sofrem de um surto de obsidade, possuem milhões de casos de pessoas obesas e anêmicas.

    E, para especular um pouco mais (não me recordo a fonte), metade de toda a produção agrícola mundial destina-se à alimentação de animais que servirão de alimento a tão somente 10% da população do planeta. Assim, se eu não estiver enganado, a fome no mundo não é apenas conjuntural, mas, mais do que nunca, estrutural . Está no “genes” do capitalismo, e isso faz toda a diferença.

    Em realação às novas técnicas agrícolas a premissa, “Para o capitalismo a luta contra a poluição não é um custo, é uma oportunidade de negócio. E o movimento ecológico é, consciente ou inconscientemente, o porta-voz dessas oportunidades de negócio”, serve também para os grandes avanços que a agropecuária traz. Assim os malefícios que eventualmente trazem serão excelentes oportunidades de negócios para a indústria farmaceutica, indústria hospitalar, indústria da assistência médica, indústria religiosa, indústria ecológica, etc…

    A título de exemplo, a gigantesca Bayer produz tanto agrotóxicos como remédios, o que não deixa de ser curioso. Além disso, num mundo onde cada vez menos grupos econômicos detém a totalidade da produção, me parece que a concorrência vai se tornando cada vez mais efêmera e ilusória. No final das contas, a margem de lucro prevalecerá, inclusive sobre a vida.

  84. Continuando (enviei sem querer antes de terminar a postagem)

    Há também que se lembrar que a contestação dos trabalhadores, num mundo de empregos cada vez mais precarizados (creio que para o trabalhador a precarização das relações trabalhistas e do trabalho em si são quase tão nocivas quanto o desemprego) e tutelado ou orientado, muitas vezes, por um sindicalismo cada vez mais capitalista (não é à toa que hoje em dia os sindicatos são hoje os maiores vendedores de planos de saúde) e cooptado, também será dificicultada ou inexistente.

    Enfim, se o capitalismo da abundância tem o condão de liberar o ser humano das necessidades impostas pela natureza, essa mesma abundância impõe a necessidade cada vez maior de trabalho, ou, pelo menos, de uma jornada de trabalho cada vez maior, seja ela formal (dentro da empresa) ou informal (tempo despendido para a capacitação à jornada formal de trabalho), ou ambas concomitantemente, o que significa, sempre, oportunidade de ampliação da reprodução e acumulação de capital e, portanto, um distanciamento cada vez maior da possibilidade de emancipação da classe trabalhadora.

    Obrigado pela atenção,

    Abraços fraternais,

    Beto.

  85. Caro Beto,
    Antigamente, antes da generalização das máquinas de calcular, as contas faziam-se à mão. E há menos tempo ainda era necessário gastar dias em bibliotecas para encontrar dados estatísticos. Hoje as contas fazem-se num ápice e as estatísticas encontram-se facilmente na internet. Por isso lhe sugiro o seguinte:
    – Procure as estatísticas referentes à fome no mundo e às carências alimentares e observe a sua evolução nas últimas décadas. Verá então que um modo de produção que requer o aumento da produtividade da força de trabalho e a expansão do mercado não pressupõe a fome como elemento estrutural. Pelo contrário, a fome foi um elemento estrutural dos modos de produção pré-capitalistas.
    – Procure as estatísticas referentes à percentagem da produção agrícola mundial destinada à alimentação dos animais e referentes à percentagem da população que come animais. E reflicta que a domesticação de animais — destinados, entre outros fins, para alimento — e a agricultura fizeram parte de um conjunto único, a que Virgil Gordon Childe chamou revolução neolítica. O capitalismo situa-se numa linhagem histórica.
    – Procure as estatísticas sobre a esperança média de vida no capitalismo, comparada com os modos de produção anteriores, e sobre a evolução da esperança média de vida nas últimas décadas. Verifique também quais eram, nos modos de produção pré-capitalistas, as doenças provocadas pela fome nas classes populares e as doenças provocadas pela abundância nas classes dominantes, e veja se existiam remédios para essas doenças.
    – Consulte as estatísticas sobre a evolução da jornada de trabalho. Será que o número de horas aumentou? Será que o agravamento da exploração se fez através do aumento dos limites da jornada de trabalho ou através do aumento da intensidade e da complexidade do trabalho? É toda a questão do que na terminologia marxista se denomina trabalho simples e trabalho complexo.
    Finalmente, agrotóxico é um perfeito exemplo de conceito demagógico, começando por pressupor exactamente aquilo que deveria demonstrar. Para ser mais rápido, peço-lhe que leia este artigo.

  86. Caro João Bernardo,

    li o artigo que você recomendou. A dúvida de minha parte não é em relação à produção “orgânica”. Mas à produção propriamente dita “capitalista” (entendo que tanto uma como outra forma de produção fazem parte do mesmo sistema capitalista, muito embora o movimento ecológico conteste esta condição e não perceba que ao invés de negá-lo, ele o reafirma). Se a agroecologia “peca” pela improdutividade e pela sobre-exploração da mão-de-obra humana, a agropecuária intensiva e voltada exclusivamente para o lucro não “peca” pelo desperdício? Segundo relatório da FAO (2013), 1/3 de todo alimento produzido no mundo é desperdiçado, e o dado mais importante: 54% do desperdício de comida no mundo ocorre na fase inicial da produção –na manipulação, após a colheita e na armazenagem (não se vê essa taxa de desperdício, por exemplo, na indústria de eletrônicos). É isso que me leva a concluir que a miséria, numa de suas formas, a fome, é estrutural.

    Ainda no mesmo relatório da FAO, quase 2 bilhões de seres humanos no mundo vivem com insuficiência de vitaminais e sais minerais essenciais para uma boa saúde e, por outro lado, quase um bilhão e meio de pessoas sofrem de obesidade. Fazendo uma analogia com o Passa Palavra: “As catástrofes pouco têm de natural, mas muito da lógica do capital. O modelo de desenvolvimento implementado, ao ter por único norte o lucro de qualquer forma possível, tira proveito das destruições do planeta, seja como desgraça ou nas conseqüências delas” do mesmo modo, “catástrofes” como, por exemplo, a fome ou a obesidade, se inserem dentro desta mesma lógica capitalista.

    Embora eu não seja um “ecológico”, não posso me dizer um “intensivista” (é essa a designação?), e venho estudando para formar minha opinião. Mas fiquei bem curioso com os seguintes dados no texto indicado para leitura em relação à soja : Soja: Produtividade dos estabelecimentos familiares (A) em quilogramas por hectare 2 365 / Produtividade dos estabelecimentos não familiares (B) em quilogramas por hectare 2651. A dúvida é a seguinte: por mais que a mão-de-obra humana seja extensivamente (e exaustivamente) explorada na agricultura familiar, por que na agricultura intensiva, utilizadora dos recursos tecnológicos e científicos moderníssimos e, não podemos esquecer, bastante caros, a diferença de produção, analisando proporcianalmente, é tão pequena, sendo que a soja é um dos carros chefes da produção agrícola a nível mundial? Neste sentido, fico de pleno acordo com sua afirmação: «é realmente preciso que o ramo das commodities tenha atingido um elevadíssimo grau de produtividade para ser mundialmente competitivo em tais condições de transporte», mas entendo que as “condições de laboração brutais” se dão, “intensivamente”, tanto no campo como na cidade, sendo que o elevadíssimo grau de produtividade da agropecuária intensiva (assim como também da indústria) só pode se realizar em face a essa dupla brutalidade (citadina e campesina), concomitantemente.

    Já em relação ao aumento da jornada de trabalho foi uma leitura que fiz, que pode ter sido equivocada, do seu livro Transnacionalização do Capital e Fragmentação do Trabalho (excelentíssimo livro, assim como Capitalismo Sindical, livros que eu indico como de “cabiceira”):

    “Ao tempo gasto na empresa continua vulgarmente a chamar-se tempo de trabalho e, ao restante, ócio. Mas, na realidade, tornaram-se ambos tempo de trabalho e distinguem-se apenas pelo objecto deste trabalho que, dentro da empresa, é algo exterior à pessoa e, fora da empresa, é o próprio trabalhador”.

    Por isso eu chamei de o tempo gasto na empresa como “formal” e de “informal” o restante do tempo que também acaba sendo tempo de trabalho, portanto, jornada de trabalho (formal e informal). Assim eu entendo que os aproximadamente os 18 anos que passamos estudando, mais o 35 anos trabalhando, mais sei lá quantos anos nos transportes (e, inclusive, o tempo que passamos “descansando”, para “repor” as forças para o trabalho e, sem querer fazer apologia a um passado idílico, segundo Marc Boyer em “Histório do Turismo de Massa, p.90, ” na sociedade pré industrial o tempo destinado aos feriados, festas, festas litúrgicas, os domingos, as grandes manifestações – Feiras, Quermesses, Festas Votivas – tem-se perto de cento e cinquenta dias), são tempo de trabalho.

    Se é fato que “o agravamento da exploração se fez através do aumento da intensidade e da complexidade do trabalho”, isso não significa, obrigatoriamente, redução da jornada, uma vez que, desde 1932 (tempo de um fascismo Getulista…) a jornada diária, ao menos no Brasil, continua sendo de 8 horas. E mesmo nas reduções de jornadas em outros países, a jornada de trabalho reduziu-se numa proporção muitíssimo menor do que o aumento da intensidade e da complexidade do trabalho e, principalmente, do aumento da produção.

    Aproveitando o ensejo, solicito, se possível, indicações de leitura sobre o material que você escreveu sobre Getúlio Vargas.

    Agradeço imensamente sua atenção e a oportunidade de dialogar e aprender.

    Abraços fraternais,

    Beto.

  87. Caro Beto,

    1. Quanto à questão do desperdício no capitalismo.

    a) Numa perspectiva micro o desperdício tende sempre a ser eliminado pela redução de custos das empresas. Não só as lutas dos trabalhadores pressionam os patrões a aumentar a produtividade como a concorrência entre patrões pressiona cada um deles a fazê-lo também, e a redução ou eliminação do desperdício é um dos aspectos do aumento da produtividade.

    b) Numa perspectiva macro pode dizer-se que o capitalismo pressupõe o desperdício, já que a obsolescência planificada pode considerar-se uma forma de desperdício. Além disso, a criação de novos ramos de produção destinados a substituir ramos já existentes faz-se enquanto estes ramos mais antigos continuam em actividade, condenando-se as regiões onde eles estão implantados e as populações que os operam a definhar como uma espécie de zombies.

    c) Porém, qualquer análise das características estruturais do capitalismo deve ser feita no contexto da história comparativa, senão arriscamo-nos a considerar como característico aquilo que não o é. Ora, o capitalismo é o primeiro sistema económico que tende a converter tudo em factores de produção. Nesta perspectiva, portanto, muitas coisas e muitas forças que nos sistemas anteriores não tinham qualquer função económica são inseridas pelo capitalismo nos processos produtivos. Ou seja, essas coisas e forças haviam antes sido desperdiçadas.
    Acresce o seguinte. Um bom número de sociedades pré-capitalistas regia-se pelo sistema de troca de presentes ou sistema de dádivas ou dom, consoante as terminologias. Era na troca de presentes que se teciam as relações sociais, incluindo as relações de supremacia e de exploração. Ora, a troca de presentes supunha a troca de injúrias, cuja forma superior era a guerra. Assim, o sistema de presentes pressupunha tanto o saque e as razias como o esbanjamento ritual, o potlatch, que constituíam formas colossais de desperdício, sobretudo proporcionalmente às capacidades produtivas dessas sociedades.

    d) Levando tudo isto em conta, parece-me que se deve afirmar que uma das características do capitalismo é a redução do desperdício.

    2. A respeito da questão específica do desperdício alimentar no capitalismo.

    a) Quanto mais estreitamente a produção se relacionar com as cadeias de distribuição e com o mercado de consumo final, menor será o desperdício. Ora, é precisamente nos continentes onde predominam a agricultura pré-capitalista e as formas arcaicas de agricultura capitalista que mais devastadoras são as fomes. Em África, geralmente as grandes fomes são ocasionadas não pela falta de alimentos no país mas pela incapacidade das cadeias de distribuição de fazerem chegar os alimentos das regiões com excedentes às regiões com carência. Este é um exemplo extremo de desperdício, suscitado não pelo desenvolvimento do capitalismo mas pelo seu atraso.

    b) Você cita um relatório da FAO de 2013, mas fico sem saber de qual se trata, porque nesse ano aquele organismo publicou dois relatórios importantes. Começo por considerar The State of Food Insecurity in the World. The multiple dimensions of food security. Logo no começo (pág. II), este relatório indica que o total de pessoas subalimentadas caiu 17% entre 1990-1992 e 2011-2013. É desta tendência que devemos partir para avaliar o problema, e igualmente decisivo como ponto de partida é o facto, bem conhecido, de que «a grande maioria dos famintos […] vive nas regiões em desenvolvimento» (pág. 8). Não só a fome crónica não é um elemento estrutural do capitalismo como ela vitima sobretudo as regiões onde o capitalismo é menos desenvolvido. Segundo este relatório (págs. 12-13), a infra-estrutura inadequada e o atraso tecnológico são os principais responsáveis pela dimensão atingida pela fome em África.

    c) Mais significativo para a questão que agora nos ocupa é o outro relatório da FAO de 2013, The State of Food and Agriculture 2013, onde se lê, na pág. 26: «A maneira mais fundamental como a produção agrícola contribui para a nutrição é tornando a comida mais disponível e barata através do crescimento da produtividade agrícola». Ora, no meu artigo sobre «A agroecologia e a mais-valia absoluta» citei a opinião do Inter-Departmental Working Group on Organic Agriculture da FAO sobre a falta de produtividade da agricultura orgânica. Voltando ao referido relatório de 2013, aconselho você e os demais interessados a lerem o que está escrito, nessa mesma pág. 26, sobre os efeitos benéficos da Revolução Verde. Quando eu acuso o programa da agroecologia de ser genocidário não estou a ser polémico a despropósito. Depois, se você ler nesse mesmo relatório as págs. 37-48, verá a confirmação do que escrevi acima sobre os efeitos da insuficiência das cadeias de distribuição nas regiões onde predominam na agricultura o pré-capialismo e as modalidades primitivas de capitalismo. O relatório considera as vantagens gerais resultantes da integração das cadeias de distribuição arcaicas na rede de distribuição capitalista mais avançada, ou seja, as vantagens da subsunção da economia arcaica no capitalismo desenvolvido, precisamente o contrário do que é afirmado pelos ecologistas.

    d) A avaliação, que você menciona, de que cerca de 1/3 dos alimentos produzidos para consumo humano são desperdiçados encontra-se originariamente não num relatório da FAO de 2013 mas na pág. 4 de um estudo devido a Jenny Gustavsson et al., Global Food Losses and Food Waste.
    – A este respeito você faz uma comparação com a indústria electrónica que me parece desprovida de validade. Antes de mais, porque a deterioração no armazenamento afecta mais os produtos alimentares do que os artigos fabricados. E ainda porque o just in time não se aplica à agricultura, o que obriga a prazos de armazenamento maiores.
    – Se você ler atentamente as págs. 10-14 daquele estudo verá que o problema é muito mais grave do que pretendem os ecologistas, que tanto gostam de culpabilizar o consumo. É certo que existe um desperdício entre as camadas de rendimentos médios e superiores proocado por deitar para o lixo comida que se deixou deteriorar ou já não se quer. Mas, para comparar com esta atitude, é interessante notar que, depois de considerarem que um dos motivos de desperdício são os critérios mais rigorosos impostos pelos supermercados, incluindo a afixação de prazos de validade, Gustavsson et al. propõem que os produtos rejeitados sejam vendidos em mercados de menor escopo, ou seja, logicamente, a consumidores com baixos rendimentos. Os ecologistas estão sempre atentos à utilização da pobreza. É certo que, como escrevem Gustavsson et al. na pág. v, «numa base per capita são desperdiçados muito mais alimentos no mundo industrializado do que nos países em desenvolvimento», e na pág. 13 concluem que «o desperdício de alimentos ao nível do consumo é mínimo nos países em desenvolvimento». Para chegar a esta conclusão não é preciso ser um grande cientista. Quanto maior a fome, mais lixo se come. Mas este é o problema e não a solução.
    – Uma forma muito grave de desperdício resulta da política agrícola adoptada pela União Europeia. Simplificando, para sustentar uma pequena agricultura que não é rentável economicamente mas constitui um lobby político poderoso na direita e agora entre os ecologistas, um montante elevado de alimentos é comprado pelos Estados e armazenado, não sendo distribuído nem consumido e, portanto, constituindo uma forma de desperdício. Nos Estados Unidos chega-se ao mesmo efeito pagando aos agricultores para não cultivarem, o que constitui outra modalidade de desperdício. O Japão aplica uma política convergente. Ora, estas políticas agrícolas decorrem das mesmas concepções de soberania alimentar que são defendidas no Brasil pelo MST e pela generalidade da extrema-esquerda, incluindo os anarquistas.
    – O principal, porém, é que aquele estudo mostra que o desperdício de alimentos será tanto maior quanto menos desenvolvidas estiverem as condições gerais de produção capitalistas. Nomeadamente nos países em desenvolvimento, onde «mais de 40% das perdas alimentares ocorrem nos níveis de pós-colheita e de processamento» (pág. 5), tornam-se patentes as implicações do atraso tecnológico e industrial.

    3. Quanto à questão da extensão da jornada de trabalho.

    a) O capitalismo é um sistema surgido no final do século XVIII e que rapidamente se tornou mundial, portanto é nesta dimensão geográfica e nesta amplitude histórica que o problema da jornada de trabalho deve ser avaliado.

    b) As lutas dos trabalhadores surgem sempre com o objectivo de trabalhar menos e ganhar mais, e a única resposta efectiva dos capitalistas consiste no crescimento da produtividade. Em termos muito simplificados, o crescimento da produtividade faz com que, por um lado, a jornada de trabalho diminua em extensão mas aumente em intensidade e complexidade; o crescimento da produtividade leva a uma transformação do trabalho simples em trabalho complexo e deste em trabalho ainda mais complexo e assim sucessivamente. Por outro lado, graças ao aumento da produtividade os bens materiais e os serviços que os trabalhadores consomem, embora sejam mais abundantes, passam a ser produzidos em menos tempo de trabalho, ou seja, têm menos valor.

    c) A conjugação destes dois aspectos implica que os trabalhadores, enquanto vêem diminuir os limites horários da jornada de trabalho, vêem aumentar o tempo de trabalho que despendem em termos de trabalho complexo; e, enquanto consomem mais produtos, o valor desses produtos vai sempre sendo menor. O processo de exploração capitalista não diz respeito a coisas mas a tempos. Uma das funções do dinheiro no capitalismo é ocultar aquele desfasamento (defasagem, no Brasil), como bem viu Keynes.

    d) O desenvolvimento do capitalismo opera-se mediante o crescimento da produtividade, o que significa a redução dos limites extremos da jornada de trabalho e o aumento da complexidade do trabalho. Ora, quanto mais complexo for o trabalho mais ele exige a qualificação dos trabalhadores. A transformação das universidades de elite em universidades de massa e a conversão da aspiração ao conhecimento em mera instrução técnica constituem um dos elementos decisivos para o processo de qualificação da força de trabalho.

    e) O que afirmei naquelas passagens que você invocou foi que o facto de os computadores serem, pela primeira vez na história, um instrumento triplo (produção, fiscalização e lazer) faz com que os trabalhadores, enquanto se divertem e jogam nos mesmos instrumentos em que trabalham, estejam só por isso a aumentar as suas qualificações de trabalho. Aliás, a recente universalização dos computadores pessoais, incluindo os microcomputadores de bolso, que ainda se denominam celulares ou telemóveis, agravou este processo. Portanto, os lazeres deixaram de ser um espaço exterior ao capitalismo e incluíram-se na esfera económica do capitalismo. Mas incluíram-se nesta esfera não directamente enquanto trabalho, mas enquanto formação da força de trabalho.

    f) Este modelo de interpretação das novas funções assumidas pelo lazer encontra-se na sequência de um artigo que publiquei em 1985 na Revista de Economia Política, «O Proletariado como Produtor e como Produto». Aperfeiçoei esse modelo noutro artigo publicado em 1989 na Educação em Revista, da UFMG, «A Produção de Si Mesmo». Dei ao modelo uma versão praticamente definitiva nas págs. 90-113 do meu livro Economia dos Conflitos Sociais. Finalmente, expus uma última versão do modelo no livro Estado. A Silenciosa Multiplicação do Poder (São Paulo: Escrituras, 1998); a obra encontra-se na internet, mas em Word, onde a parte respeitante está nas págs. 19-22. Neste modelo eu aplico o modelo da mais-valia ao ensino enquanto formação da força de trabalho, considerando assim o ciclo económico completo — a produção de trabalhadores mediante trabalhadores. E note-se que, ao incluir desde início o urbanismo entre os elementos desta produção de trabalhadores, eu estava já a abrir o caminho à posterior inclusão dos lazeres nas lan houses, cyber cafés e shoppings centers.

  88. Caro João Bernardo,

    Posso estar enganado, mas continuo pensando que os diferentes graus de desenvolvimento do capitalismo mundo afora não representam um descompasso do sistema, mas ao contrário, representam uma necessária e planejada divisão internacional do trabalho, o que justifica, entre outras coisas, a transnacionalização do capital e a fragmentação dos trabalhadores. Não há um só lugar hoje em dia, por mais distante e miserável que seja, que o capital internacional (ou o capital apátrida, para ser mais preciso) não se faça presente e dali não tire algum lucro a que preço for. Por isso tanto a produção dita ecológica, como a produção convencional (seja a produção, em ambos os casos, fabril, agropecuária ou de serviços), embora aparentemente contraditórias, estão inseridas na mesma lógica capitalista. Nenhuma das duas, no final da contas negam o capitalismo, sendo que, na prática, o reafirmam e, o pior, distanciam cada vez mais, nós trabalhadores, do nosso ideal de emancipação.

    Em relação à concorrência capitalista, as grandes corporações e seus oligopólios confirmam a sua quase inexistência (entre o pequeno e médio capital há uma concorrência real, mas que ao mesmo tempo é avassaladora e que mantém o grande capital). Só para exemplificar, aqui no Brasil o mercado varejista de alimentos é dominado por praticamente duas grandes redes, uma do grupo Cassino e outra do Carrefour, que segundo a mídia econômica tempos atrás, pensou em vender sua participação brasileira ao concorrente (aqui no Brasil representado pelo grupo Pão de Açucar). E quantas são as empresas de telecomunicações, de informática, financeiras, automobilísticas, quimícas, etc, que realmente dominam o mundo?

    E, talvez, prosseguindo num possível equívico, continuo a entender que não só o tempo regulamentar de trabalho, como também o tempo de qualificação e atualização profissional, são tempos de trabalho. O tempo livre não foge desta regulamentação e através das tecnolgias que você apontou acabam sendo cada vez mais controlado. Quantos são os trabalhadores que acabaram ficando à disposição do patrão 24 horas por dia graças ao celular e ao computador (muitas vezes sem receber por isso)? Assim, na prática a redução da jornada formal de trabalho, quando há (no Brasil desde os anos 1930 continua sendo de 8 horas diárias, mesmo com toda a ampliação da produção, ou seja, mesmo tendo aumentado em intensidade e complexidade, não diminuiu em extensividade. E assim deve ser em muitos outros países, inclusive naqueles em que houve redução formal da jornada, mas certamente uma redução desproporcional ao aumento da produção) é substituída por outras formas de trabalho quem reproduzem e ampliam o capital em detrimento do trabalhador.

    Caro João Bernardo, agradeço mais uma vez pela atenção e pelas indicações de leitura.

    Abraços fraternais,

    Beto.

  89. É possível ler em informe da União Popular Anarquista – um organismo político de extrema esquerda brasileiro – de alguns meses atrás a proposta de ‘destruir as máquinas do agronegócio’.

    Lendo esse texto do JB e algum outro em que falava sobre a proposta de destruição de máquinas agrícolas dos anarquistas espanhóis nos anos 30, é perceptível que muita coisa permanece igual. Ao menos nos anos 30, os anarquistas ainda não conheciam o regime de Pol Pot no Camboja.
    Os anarquistas de hoje já conhecem esse genocídio e continuam a defender as mesmas coisas. O primarismo de alguns programas como este (destruição de tratores e colheitadeiras) só pode nos conduzir a uma grande catástrofe humanitária caso -algum dia – tenham relevância.

  90. Léo, poderia me falar apontar algum texto ou algo do tipo que fale sobre esse ímpeto dos anarquistas espanhóis da década de 1930 em quebrar máquinas? Nunca li nada sobre isso. Na verdade, na própria imprensa anarquistas se falava o contrário disso, e as coletivizações alcançaram um nível superior de mecanização, se comparado com o que havia antes. Poderia me dar indicações? Obrigado.

  91. Paulo Henrique, peço desculpas, me enganei.

    Na página 10 deste texto, onde se discute a proposta de abolição do dinheiro, há a citação de anarquistas da Catalunha cuja proposta seria: ‘eliminar metade de Barcelona e a população correspondente seria absorvida pelo campo.’

    Segue link para download: http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Bernardo,%20Jo%C3%A3o/o%20dinheiro.pdf

    A suposta destruição de máquinas na Espanha dos anos 30 tem por única fonte, portanto, vozes da minha cabeça.

    Já a proposta de destruição de máquinas no Brasil do Século XXI pode ser lida aqui (no parágrafo 9): https://lutafob.org/8913/

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