Por tudo isso, declaramos: «não esquecemos nem perdoamos o massacre no Pq. Oeste Industrial». Por tudo isso, a luta continua e o Sonho Real se mantém de pé. Por Passa Palavra

Cerca de 21h na sede do Stiueg (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Goiás). Aplausos, nem tímidos nem exagerados, simplesmente aplausos. Acabava de ser exibido o curta «A Luta Continua II», relatando e denunciando a realidade dos moradores que hoje habitam o residencial Real Conquista, remanescentes da antiga comunidade Sonho Real. Dentre estudantes, militantes, membros da igreja e ONGs, a maioria que se destacava era de moradores do Real, cerca de 70 pessoas. Naquele momento, enquanto terminavam de ver com seus olhos a exibição, provavelmente deveria passar em suas memórias o filme que a maioria não viu.

7 anos atrás, em 2005, cerca de 14 mil pessoas (o dobro da comunidade Pinheirinho em São José dos Campos-SP) eram brutalmente despejadas de uma grande área abandonada no Pq. Oeste Industrial, em Goiânia, pela ação da Polícia Militar de Goiás. O saldo oficial de 2 mortos, 800 presos, 16 feridos por armas letais (um que hoje se encontra paraplégico) e inúmeros feridos por armas não-letais, apesar de números impressionantes, não dão conta do que ocorrera ali. Quem teve oportunidade de assistir ao documentário «Sonho Real» certamente terá alguma dimensão do fato. Antes da operação de despejo, cinicamente nomeada de Operação Triunfo, houve uma ação de intimidação, mais cinicamente ainda nomeada de Operação Inquietação. Esta última consistiu em se formar um cerco policial à comunidade, ligando sirenes, estourando bombas e fazendo disparos, causando com isto um grande clima de terror nos moradores, impedindo as pessoas de circularem, fazerem suas atividades e até mesmo dormirem, por noites a fio.

Qual teria sido a finalidade disto? A resposta obvia, certamente, é a de quebrantar, a partir de dentro, qualquer possível resistência à desocupação. Porém, o absurdo exagero de perpetrar uma ação destas contra famílias, mães, crianças e pais desarmados, só leva a pensarmos que seria totalmente plausível que se tratasse de colocar à prova as lições de algum treinamento, de uma instituição cuja estrutura notoriamente é um dos remanescentes da última ditadura militar, que insiste, a cada vez que tentamos colocar a cabeça para fora, na tentativa desesperada de rompermos o ciclo de calamidade, nos colocar com brutalidade de volta no lugar onde previamente decidiram que permaneceríamos.

No momento da exibição ficava claro o poder da solidariedade, ativado pela memória das experiências comumente vividas, dos que ainda clamam pelo reconhecimento das brutalidades ocorridas há 7 anos. A expressão disto se faz pela manutenção da Associação de Mulheres do Real Conquista (OFF-sina da Mulher), pelos trabalhos do Movimento do Vídeo Popular, pelo apoio do Movimento Terra Livre, da Arquidiocese de Goiânia, do Cerrado Assessoria Jurídica Popular entre outros, além, claro, da própria resistência cotidiana daqueles que moram ou ainda lutam para morar no residencial Real Conquista.

Após a exibição do filme, militantes diversos, lideranças, além da guerreira Eronilde, falaram de vários aspectos pelos quais a luta ainda se desenvolve – mais de 390 famílias ainda sem casas, além de 54 famílias que tiveram o acesso às mesmas negado, com o argumento, segundo a Caixa Econômica Federal, de que os responsáveis pelas famílias declararam ter problemas de saúde -, pela união daqueles que ainda buscam o seu lugar para morar, daqueles que são despejados, por critérios injustos, das casas duramente conquistadas, contra a desmobilização de ex-pretensas lideranças, que se aliaram ao Governador (da época e atual) Marconi Perillo em busca de vantagens para si em detrimento da comunidade, e pela continuada tentativa de federalizar os crimes ocorridos na desocupação, cujo argumento de negativa consiste no princípio de que o estado ainda disporia de idoneidade para julgar o caso. Porém, a pergunta que não cala é: como o estado de Goiás tem esse status se ele é o responsável pelo crime cometido? Ainda fortalecendo esta interrogação, é importante destacar que o momento é mais do que propício para reavivar o caso, pois Marconi Perillo, que tem contra si, além do já citado (e muitas coisas mais que não caberiam no limite de um único artigo), as crescentes denúncias de envolvimento nos esquemas mafiosos comandados por Carlinhos Cachoeira, e hoje já é contestado por grande parte sociedade goiana, que está mobilizada e já se manifestou em dois grandes atos na capital. Além de ser um dos responsáveis pela desocupação – juntamente com o comando da Polícia Militar, a justiça do estado e a Prefeitura Municipal -, na época teve o desplante de acompanhar de perto a desocupação, de um helicóptero, elogiando a brutalidade que via.

Por tudo isso, a luta pela federalização da investigação deste crime continua através de um abaixo assinado que circula pela internet, se juntando na mesma voz com o caso do Pinheirinho, perpetrada por elementos do mesmo círculo político de expressão nacional. Por tudo isso, o clamor pelo direito à moradia – condição de acesso à maioria dos serviços básicos – ainda permanece. Por tudo isso, a busca pela organização ganha relevo, com a iniciativa da Associação de Mulheres do Real Conquista. Por tudo isso, a relevância deste filme se destaca ainda mais. Por tudo isso, declaramos: «não esquecemos nem perdoamos o massacre no Pq. Oeste Industrial». Por tudo isso, a luta continua e o Sonho Real se mantém de pé.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here