O governo paraguaio esquece-se de cumprir a promessa eleitoral de fazer a reforma agrária. Por Anuncio Martí


Na região de Curuguaty, departamento (Estado) de Canindeyú, onde a maior parte de seus quilômetros quadrados é latifúndio em mãos de ricos mafiosos do Paraguai e fazendeiros brasileiros e de outras nacionalidades estrangeiras, foram massacrados 13 camponeses sem terra na última sexta-feira, 15 de junho. Na tentativa de despejar os sem terra, acampados numa fazenda, 6 polícias militares perderam também a vida ao deparar com uma forte resistência de parte dos camponeses.

Os camponeses pertencem ao movimento dos sem terra chamados de carperos, que faz alusão aos barracos de lonas pretas utilizadas nos acampamentos. A organização dos carperos tem três anos de existência e surge quase ao mesmo tempo que o governo do presidente Fernando Lugo, com a intenção de exercer uma maior pressão sobre o governo em busca da reforma agrária. O governo do ex-bispo utilizou de forma oportunista o novo movimento para projetar uma pretensa imagem popular ao se manter como interlocutor do movimento campesino paraguaio em busca de uma solução para a injusta estrutura fundiária do pais. Os carperos, sem se declararem luguistas, partiram para ações mais diretas na esperança de que o governo iria dar respostas a eles perante os poderosos fazendeiros, aos quais enfrentavam. Até o momento foi todo o contrário. Importante esclarecer que no país existem outras organizações camponesas históricas como a Federação Nacional Campesina (FNC), a mais forte e de oposição frontal ao governo Lugo; o Movimento Campesino Paraguaio (MCP); a Mesa Coordinadora de Organizaciones Campesinas (MCNOC); a Coordinadora Nacional de Mujeres Indígenas e Campesinas (CONAMURI); todas elas mantendo uma postura de apoio condicionado ao Lugo.

O dono da fazenda Campos Morombí, onde aconteceram os fatos, é um dos donos do Paraguai. Blas N. Riquelme é um oligarca que ficou poderoso na época da ditadura militar, dono de terras griladas [tomadas ilegalmente], de grandes latifúndios em várias regiões do país, se fez rico com a evasão de impostos e a corrupção, homem do Partido Colorado em representação do qual foi senador da república. Segundo a Direção Geral da Verdade, Justiça e Reparação da Defensoria do Povo do Paraguai, a Fazenda Morombí foi cedida de forma irregular ao referido latifundiário. Com tudo isso o governo do Lugo foi incapaz de recuperar a terra para fins da reforma agrária.

Depois do massacre o governo tirou o ministro do Interior Carlos Filizzola (social-democrata) e colocou no seu lugar Rubén Cándia Amarilla do Partido Colorado, com o qual o Lugo deu uma nova mensagem contrária aos interesses populares, cedendo mais uma vez à direita, desta vez para agradar e acalmar ao partido fascista da ditadura, seu principal adversário eleitoral. Até a esquerda luguista ficou contrariada ao considerar o Cándia Amarilla como “repressor de camponeses”. Com o novo ministro só se esperam mais abusos e arbitrariedades contra o movimento camponês. Quando o mesmo foi máximo representante do Ministério Público paraguaio apoiou a criminalização da luta camponesa e agora, como novo ministro do Interior, já falou que vai ser implacável com os “assassinos” (de polícias), ou seja, contra os membros da organização dos 13 camponeses massacrados.

Enquanto a mídia do Paraguai acusava os camponeses de “assassinos”, “terroristas”, Lugo reafirmava sua defesa das “leis da república” e os policiais eram considerados como únicas vitimas e heróis, os corpos dos camponeses foram seqüestrados e vários morreram sem ser socorridos. Mais do que nunca o governo “progressista” de Lugo reanimou os partidos e organizações de direita, pois estes agora o acusam como único responsável pelo massacre, tentando tirar o maior proveito político da situação. Porém, Lugo é responsável sim, fundamentalmente, porque não fez avançar a reforma agrária e menos ainda quebrar a obsoleta estrutura fundiária num país onde a extrema pobreza no campo é a mais grave em América Latina. O maior problema no campo paraguaio é o latifúndio, agora em plena consolidação com o agronegócio, o império da soja e o avanço do capital transnacional sobre o principal meio de produção do país: a terra.

Tanto setores do luguismo como a direita tradicional e a oligarquia fascista do Paraguai enxergam o fantasma do Exército do Povo Paraguaio (EPP) detrás dos carperos. A voz em sintonia do “governo da mudança” com os ricos do Paraguai faz com que os mais pobres dentre os pobres no país, os camponeses paraguaios, sejam levados à extrema criminalização, preconceito e intolerância; fogueiras alimentadas sobretudo mediante a mídia corporativa, cujos donos, todos, têm vínculos com a concentração de terra e a especulação imobiliária.

Com a morte dos 13 camponeses sem terra, pertencentes a um movimento social de luta pela reforma agrária no Paraguai, o governo Lugo perde mais uma oportunidade de fazer justiça e a oligarquia latifundiária saiu ganhando. Ladrões de terra como o dono da fazenda Morombí, o ex-ditador Stroessner e seus filhos, ou grileiros como os brasileiros Ulisses Rodrigues Teixeira e Tranquilo Favero (rei da soja), se fortalecem com a impunidade e a benção à criminalização da luta pela reforma agrária. Ao invés de enfrentar o problema como demanda a história de postergação dos pequenos agricultores paraguaios, o “governo de esquerda” de Fernando Lugo prefere achar que há “infiltrados” entre os camponeses.

O massacre na fazenda Morombí tem como antecedentes políticos importantes o envio em 2011, por própria iniciativa de Lugo, ao Congresso do Paraguai da Lei Antiterrorista, na contramão das conquistas do movimento popular paraguaio. A lei foi aprovada rapidamente pela direita, maioria no Congresso. As lideranças dos movimentos populares que se opõem ao sistema oligárquico são perseguidas e, como na época da ditadura, a tortura de lutadores sociais é uma prática comum. O governo Lugo também promoveu na hierarquia policial e militar quadros acusados de terrorismo de Estado, pelo qual o Estado Paraguaio está no banco dos réus na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Igualmente o governo do ex-bispo lançou uma propaganda a nível nacional e internacional, oferecendo recompensa (com dinheiro da Itaipu) para caçar refugiados políticos paraguaios que estão sob a proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Na OEA o governo Lugo assumiu a defesa de torturadores e seqüestradores de dirigentes do Partido Pátria Livre.

Enfim, o governo paraguaio se ocupa de muitas coisas batendo contra os setores populares que assumem uma postura crítica e lutam, conseqüentemente, como os camponeses mortos contra o latifúndio, e esquece-se de cumprir a promessa eleitoral de fazer a reforma agrária, sobretudo recuperando as terras roubadas na época da ditadura militar.

O autor

Anuncio Martí é poeta, militante social e político, e refugiado paraguaio no Brasil.

5 COMENTÁRIOS

  1. Engraçado essa notícia sair agora. O Brasil de Fato acabou de publicar uma entrevista entusiasmada com o Lugo: http://www.brasildefato.com.br/node/9684. Não surpreende muito, né. Boa parte da esquerda daqui também não fala, por exemplo, das prisões e assassinatos de trabalhadores nas obras do PAC. Quando vão falar de repressão jogam lá atrás, como se fosse problema da ditadura militar… sem continuidade nos tempos do PT.
    Ta aí, quem sabe, o tal projeto “democrático e popular”

  2. Eu fiquei curiosa, e creio que não seja uma pergunta de cunho privado: porque o autor é refugiado?

  3. Talvez, já que o presidente cumpriu tão mal com seu papel, então os adversários teriam razão em promover o impeachment? E da parte de quem votou nele, que seria de se esperar, além de esperar que ele resolvesse tudo, não é mesmo?

  4. Muito interessante esse texto, pois foi escrito um pouco antes do impeachment.
    Estou com dificuldade em encontrar textos confiáveis que falam sobre o posicionamento da população. O que eu percebo são textos que colocam os populares contra ou a favor ao Lugo, não acredito que a realidade seja assim.

    Abraços

  5. Talitha, o impeachment foi orquestrado pela burguesia paraguaia que não tem interesse algum em uma eventual reforma agrária que seria feita por Lugo. O impeachment não foi para o povo, nem para os camponeses, nem trabalhadores. O massacre foi o pretexto que a direita necessitava para dar o golpe.

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