Por Passa Palavra

 

Por que este artigo?

Não se conseguirá superar o capitalismo sem a energia e a iniciativa dos trabalhadores, ansiosos em romper com suas atuais condições de vida e existência. Mobilizar os explorados tem sido até agora a motivação com que se formam organizações revolucionárias e sindicatos anticapitalistas. A suposição implicitamente aceita é de que a revolução é um ato de massas. No entanto, desde o início histórico do movimento anticapitalista dos trabalhadores, um inimigo trabalha para enfraquecer essa perspectiva, entorpecê-la e finalmente matá-la: a burocratização, a divisão do movimento entre uma base passiva e uma ativa elite dos “mais iguais que os demais”.

A crítica à burocratização é tão antiga quanto a própria burocratização, e tem sido necessário recomeçá-la a cada vez. Por que tal cultura está ainda tão enraizada, manifestando-se desde a social-democracia do século XIX até os pólos modernos da esquerda dita radical? Como age o vírus da burocratização, neutralizando o fervor revolucionário de velhos e novos militantes, criando o ceticismo na base do movimento e promovendo sua desmoralização? Como combater essa cultura, de modo que os movimentos sejam verdadeiros espaços de mobilização e formação, sem outros interesses em jogo além da emancipação social e destruição do Estado capitalista?

Não ignoramos, é claro, que inúmeros fatores externos tomam parte neste tabuleiro. Mas, aqui, optamos por nos ocupar com a porção da realidade que nos compete e que está ao nosso alcance: o desafio interno a toda luta social.

O desenvolvimento da burocratização

Prevenir-se contra a burocratização exige que o ativista revolucionário não perca de vista nunca que o objetivo é incentivar o processo da emancipação humana, da constituição consciente de novas relações sociais, solidárias, igualitárias e autônomas, de uma sociedade que mereça o nome de socialista. Uma transformação desse tamanho não é tarefa de partido, sindicato ou movimento social corporativo, mas de milhões de trabalhadores num processo de conscientização crescente. Movimentos, sindicatos e partidos são instrumentos surgidos na guerra de classes com o objetivo de favorecer o processo, dinamizá-lo e ampliar sua perspectiva. Mas até agora tem ocorrido que muitas vezes eles acabam por agir no sentido contrário.

Há uma ligação íntima entre a burocratização, os horizontes limitadamente corporativos e a conversão do aparelho organizativo no objetivo principal. O burocrata perde a visão da meta original, a emancipação humana, e passa a viver cada vez mais para defender seu aparelho organizativo, seu poder criado por cima da base do movimento, e teme que um processo revolucionário derrube esse seu poder corporativo — o que de fato aconteceria… — e por isso se torna um inimigo encarniçado da luta emancipatória. Por sua ação desmoralizante da luta dos trabalhadores, a burocracia é a quinta coluna do Estado capitalista nos movimentos dos trabalhadores. É o agente da classe exploradora, a face interna do inimigo de classe, beneficiando-se tanto quanto este da manutenção de uma sociedade de exploração.

É certo que às vezes os dirigentes tomam a iniciativa de se converter em burocratas, ou militantes entram já burocratizados para os movimentos. Mas não cremos que isso tenha acontecido na maior parte dos casos e, de qualquer modo, a grande questão é saber por que motivo os trabalhadores comuns, a base do movimento, permitiram a burocratização? Não se trata aqui de culpar os burocratas por terem se transformado em tal, mas de analisar o que ocorre nas lutas que torna as massas passivas e, portanto, converte os dirigentes em burocratas.

Dois inimigos de classe

As trabalhadoras e os trabalhadores, portanto, têm dois inimigos. O inimigo exterior é facilmente identificável. São os patrões, os donos das empresas e os seus administradores, os donos das terras e todos os representantes diretos destas três categorias no Estado. Mas existe ainda outro perigo, formado no interior da classe proletária, em organizações populares, nas direções de sindicatos, nas direções de partidos de esquerda, e que é mais difícil de identificar. Este perigo surge quando a base se torna passiva e, portanto, os dirigentes se tornam independentes da base, se burocratizam, se distanciam do convívio cotidiano dos trabalhadores que dizem representar e se transformam nos novos chefes das organizações que controlam. No final do processo eles converteram-se num segundo inimigo, não exterior como o outro, mas interno ao movimento dos trabalhadores.

Quando se trata de sindicatos, que gerem verbas muito avultadas, além de fundos de pensões, estes novos patrões passam a comandar uma verdadeira instituição capitalista, capaz de realizar investimentos colossais. E, deste modo, as contribuições dos trabalhadores deixaram de ser empregues para o seu objetivo original, que era o de organizar a resistência contra a exploração. Mas a disposição de grandes verbas não é indispensável para a conversão dos burocratas em novos patrões. Num processo convergente, as burocracias de muitos partidos políticos que se reivindicam de esquerda têm passado a ocupar-se com acordos eleitorais e com negociações com o aparelho de Estado, abandonando o objetivo inicial desses partidos, que era o de enfrentar o Estado capitalista e todas as suas ramificações. Esse é um fenômeno da atualidade da luta dos trabalhadores internacionalmente.

À medida que se tornam independentes da base, as burocracias sindicais e partidárias passam a conviver cotidianamente com patrões, administradores de empresa e políticos de direita. Fazem-no com o pretexto de estarem pressionando e negociando, mas a familiaridade assim estabelecida e a aquisição de novos comportamentos levam a crítica e o combate a moldar-se, adaptar-se e esfriar. Em pouco tempo, as burocracias sindicais e partidárias começam a dirigir as bases trabalhadoras com os mesmos métodos e a mesma mentalidade que são empregues pelos patrões tradicionais. Invocam o pretexto de usar mais tarde esse Estado — quando ele for hipoteticamente conquistado e se tudo der certo… — para controlar o capital. E assim se desenvolve, ainda que de forma embrionária, um capitalismo de Estado.

Ora, a História mostrou repetidamente que o capitalismo de Estado representa a mais grave derrota da classe trabalhadora perante o seu inimigo interno. O capitalismo de Estado é uma derrota tanto mais grave quanto ela é apresentada pela burocracia de esquerda como se fosse uma “grande vitória” e uma “demonstração de força” do movimento.

As derrotas dos trabalhadores

Ao longo da História vemos como até agora os trabalhadores têm sido massacrados nos grandes confrontos com o capitalismo. Quando as derrotas se devem ao inimigo exterior, por mais duras que sejam, elas provocam inicialmente um abalo terrível na capacidade organizativa dos trabalhadores, mas como a distinção entre as classes mantém-se clara, a luta recomeça mais ou menos rapidamente. As situações mais graves para a organização da classe e mais difíceis de serem assimiladas pela consciência — porque menos sangrentas, mais silenciosas e mais sofisticadas — devem-se às derrotas provocadas pela conversão dos burocratas em novos patrões, ou seja, pelo desenvolvimento de um inimigo interno. É quando se criam novos patrões a partir do interior do movimento operário que o ânimo de luta dos trabalhadores enfraquece e que a posição real dos burocratas na luta de classes se confunde aos olhos da maioria. Essas derrotas mistificam uma realidade já por si enganadora. Não se sabe mais quem é quem e com quem podemos contar para construir uma sociedade livre, das raízes aos frutos. Nestes casos as derrotas são muito profundas e duradouras.

Por que surgiram os Movimentos Sociais?

Durante muitas décadas, em todo o mundo, sindicatos revolucionários e partidos socialistas eram os instrumentos por excelência e praticamente únicos da luta anticapitalista. Mas desde o início, e a partir do seu próprio interior, receberam a crítica de serem portadores do vírus burocrático.

Muitos afirmam que não se trata da degeneração de sindicatos e de partidos. Eles já nasceram errados devido à sua forma de organização, que permite às direções limitarem a iniciativa das bases. Para estes críticos, o tipo de sociedade que vamos construir está pressuposto na forma como nos organizamos para lutar. E os partidos e sindicatos, com a sua estrutura hierárquica e autoritária, seriam propícios à formação de burocracias e opostos à emancipação.

Outros recordam que houve numerosas tentativas, e algumas com êxito, de usar partidos e sindicatos como instrumentos efetivos de intensa mobilização. Mas o balanço histórico, ainda que sem um veredicto final, tem contabilizado mais fracassos do que sucessos na tentativa dessas organizações tornarem-se instrumentos insubstituíveis da luta anticapitalista.

Assim, os fracassos sucessivos dos sindicatos e dos partidos de esquerda enquanto instrumentos da luta anticapitalista levaram à constituição dos movimentos sociais. Na verdade, a relação entre partidos e movimentos sociais no Brasil passou por várias fases e é muito complexa. Os movimentos sociais urbanos da década de 1980, que lutavam por saúde, transporte e moradia, contribuíram ativamente para a formação do PT, em negação ao modelo clássico de partido internamente autoritário. Mas esta componente ativa não conseguiu evitar a burocratização da forma partidária, e os movimentos sociais tiveram de renascer, para ultrapassar os limites do partido.

A América Latina e outras regiões periféricas desempenharam e desempenham um papel fundamental nesta inovação, embora mesmo na Europa e nos Estados Unidos tenham surgido formas de organização comparáveis aos movimentos sociais. Atualmente, a constituição dos movimentos sociais tem a ver com o fato de demandas cruciais do proletariado rural e urbano por terra, trabalho, teto e demais direitos sociais não encontrarem espaço ou prioridade nas pautas corporativas ou politicistas de sindicatos e partidos de esquerda, ainda que se insista muito na forma utilitária de separação entre os chamados “instrumentos sociais” — que seriam os movimentos sociais e sindicatos — subordinados ao “instrumento político” — o partido político de turno. Porém, mais que delegação de lutas a dirigentes, nos movimentos sociais suas conquistas devem-se à ação direta dos próprios trabalhadores e não resultam de negociações entre delegados, supostamente representantes das bases. Já não se trata de encarregar direções sindicais da obtenção de uns tantos por cento de aumento salarial, perdidos depois com a inflação. Nem se trata de agrupar os trabalhadores em partidos formados em torno de plataformas doutrinárias formuladas por meia dúzia de iluminados, que levam ao autoritarismo dos únicos que possuem a chave da mítica clareza ideológica. Os movimentos sociais surgiram para unir os trabalhadores em torno de reivindicações práticas, de conquistas efetivas — incluindo a dimensão imaterial — e não simplesmente salariais ou corporativas.

O risco da burocratização dos Movimentos Sociais

Mas as instituições mudam mais depressa do que as palavras e a designação “movimentos sociais” passou por vezes a ocultar uma realidade bem diferente.

Há movimentos sociais que não são outra coisa senão partidos políticos, cuja orientação já não obedece a decisões tomadas pela base e é inteiramente determinada pela direção de um partido, subordinada hierarquicamente à burocracia dos sindicatos ou a qualquer outra estrutura externa que se eleve em instância superior.

movimento-1E há movimentos sociais que, embora não dependam de um partido em particular, estão adotando no seu interior a estrutura autoritária dos partidos. Quando começam a reservar para um certo número de dirigentes, sempre os mesmos, os canais de negociação com o Estado, esses dirigentes têm como capital o controle das ações dos militantes, e os movimentos acabam por reproduzir a lógica estatal, através do autoritarismo centralizador representado pelo domínio de uns poucos sobre a maioria. Ao longo do tempo, esta consolidação de estruturas verticais e a constante negociação com o Estado, inclusive para a gestão de recursos, acaba por requerer um quadro de funcionários técnicos especializados, que, com a falta de democracia interna e a ausência de decisão das bases, passam a constituir um aparato burocrático cada vez mais poderoso. As bases já não se reúnem em assembléias para discutir e decidir; são arrebanhadas para ouvir as instruções dos dirigentes. Esses dirigentes, em vez de serem quadros que favorecem o desenvolvimento das lutas, convertem-se em donos destas lutas. Pretendem evitar as relações de solidariedade direta entre as bases dos movimentos, fazendo com que as relações sejam estabelecidas apenas entre “quadros dirigentes”.

O que leva a esta transformação? Num movimento, tanto pela terra como por teto, transporte ou por qualquer outro objetivo, a vida das pessoas tem de ser diferente desde o início, elas têm de se organizar de uma maneira que rompa com a sociedade dominante; em todas as dimensões de sua vida tem de haver mais autonomia e mais coletividade. Ou seja, as formas de organização coletiva têm desde o início de ser distintas das que vigoram no capitalismo. Se isso não ocorre ou se essa distinção vai se enfraquecendo, então a base do movimento afasta-se dos processos de decisão.

Vai se consolidando, assim, um novo espírito burocrático, que impregna as novas gerações de lutadores. Militantes valorosos e cheios de dinamismo vão-se submetendo e se subordinando a este espírito, pois acabam tendo como horizonte esse tipo de liderança. Quem desconhece isto e não teria mil exemplos para relatar?

Um dos critérios para avaliar se pode ou não formar-se uma classe de novos chefes no interior de um movimento social consiste em saber em que medida as direções são controladas pela base, em que medida a base consegue determinar às direções as suas necessidades e o seu dinamismo. O outro critério consiste em averiguar se as direções se esforçam por promover a autonomia da base e por incentivar as decisões coletivas e as relações de solidariedade na base; ou se, ao contrário, procuram a todo custo reforçar a sua autoridade e deixar a base sem voz e sem um campo de atuação direto.

Trata-se de saber, em cada caso, se um movimento social é um instrumento à disposição da luta dos trabalhadores ou se ele se baseia numa lógica que instrumentaliza os trabalhadores e os seus anseios para os fins específicos de uma elite dirigente. Neste caso a iniciativa das bases é reduzida a uma aparência, destinada à perpetuação da força interna, e a uma imagem, destinada à propaganda externa. O objetivo deixa de ser a construção de relações sociais novas, solidárias, diferentes das relações capitalistas, e passa a ser formulado em termos apenas quantitativos: número de pessoas, número de ônibus, número de aparições na imprensa e listas de cadastros. Nos movimentos sociais em que isto ocorre, os trabalhadores ficam reduzidos a cifras, como são numa fazenda, numa fábrica, num canteiro de obras ou numa carteira de investimentos, e os burocratas usam essas cifras na mesa de negociações.

Algumas práticas nocivas no interior de Movimentos Sociais: cadastros e listas de presença

Uma das práticas danosas que vem ganhando espaço nos movimentos sociais brasileiros é a de listas de presença, passadas em diversas atividades, sejam assembléias, reuniões políticas ou atos públicos considerados importantes pela direção. Ao invés de servirem como instrumento para manter o contato e a comunicação entre companheiros, estas listas estabelecem uma classificação entre os militantes, e aqueles que tiverem mais presenças e mais pontos têm acesso supostamente garantido às promessas do movimento: casas, bolsas em Faculdades, cursos de formação, loteamentos. Há ainda outra modalidade mais estruturada de pontuação, consolidada em cadernos e cadastros de militantes, que têm seus pontos marcados por cada atividade que realizam, como, por exemplo, participar em campanhas eleitorais para um determinado candidato. Isso quando não são também meio de controle e monitoramento para pura prestação de contas do movimento junto ao Estado, em razão de convênios e parcerias afins estabelecidas com ele.

Assim, para se conseguir mobilizar as pessoas, recorre-se ao mesmo padrão que o da empresa capitalista ou das instituições disciplinares estatais. Ainda que se convença o militante de que é possível conseguir mudanças e que isto depende do esforço e do comprometimento pessoal, no caso de ele não ter tempo ou condições físicas e psíquicas, ou mesmo de não querer se engajar em determinada atividade, existe uma lista de espera que forma um “exército de reserva de militância”, tal como no capitalismo há um “exército de reserva de desempregados”. Trata-se de uma forma de gestão e de controle que, ao invés de fortalecer os processos de formação e emancipação, os esvazia, substituindo-os pela intimidação e pela coação. O fato é que tais números e cifras tornam-se, na prática, o “capital político” que o corpo dirigente tem a oferecer às demais burocracias, sejam elas diretamente entranhadas no Estado, estejam elas fora dele (no âmbito da própria “esquerda”).

Outras práticas nocivas: problemas de financiamento

O tipo de relacionamento que cúpulas de movimentos sociais, órgãos estatais, ONGs e fundações privadas mantêm entre si, no que se refere ao modelo de financiamento que vem sendo crescentemente adotado por estas novas organizações de classe, constitui outro dado muito preocupante.

A chamada onda neoliberal, que liquidou paulatinamente aquelas poucas instituições tradicionais que, bem ou mal, amparavam setores sociais mais pauperizados, fez surgir, aos montes, uma nova modalidade de gestão dos conflitos: o financiamento de projetos sociais obtidos a partir de editais. A análise deste circuito econômico, mantenedor de grande parte dos movimentos sociais, evidencia que a tendência à burocratização, aqui criticada, não acontece em decorrência de eventual fragilidade de caráter, ou desvio ideológico, de que nossas direções venham a padecer. Longe disso! O problema é ainda mais profundo, pois estamos diante de um mecanismo estrutural bastante sutil, por meio do qual entidades que surgem enquanto iniciativas contestatórias podem converter-se em organismos de contenção das demandas sociais.

Por um lado, até que o capitalismo acabe, é compreensível que a criação de condições concretas para se travar as lutas exija o emprego de certa quantidade de recursos, e que, à primeira vista, obter a concessão para gerir generosas quantias apareça sempre como uma tática a ser considerada. Contudo, inquietam-nos as situações em que os movimentos sociais ficam inteiramente dependentes desta forma de financiamento, utilizando-as sem qualquer estratégia mais consistente, e sobretudo relegando para segundo plano a invenção de formas autônomas de se manter. Aliás, antes de mais nada, conviria perguntar: por qual motivo governos, ONGs ou mesmo empresas privadas estariam dispostos a financiar a atividade de movimentos que se afirmam anticapitalistas?

O centro da questão consiste em demarcar com clareza em que medida a dependência financeira não estaria comprometendo a independência política. Afinal, é de se esperar que para serem contemplados pelo projeto que pleiteiam, os movimentos tenham de se adequar às formas e conteúdos impostos pelos órgãos financiadores. Além disso, muitos movimentos acabam reféns desta lógica, voltando sua militância quase que exclusivamente para a obtenção de mais recursos, deixando de lado o verdadeiro combate ao capital.

Eventualmente acomodados a este sistema de financiamento, os movimentos sociais vão-se deixando ser moldados e, assim, cercados por instâncias externas à sua organização. Neste caso, tal como ocorreu com os sindicatos durante a vigência do modelo corporativista, são os órgãos financiadores, estatais ou privados, que acabam por imprimir o ritmo e a qualidade das lutas, através do poder que detêm sobre o fluxo e a injeção, direta ou indireta, dos recursos.

O diagnóstico tende a se mostrar igualmente grave quanto mais se desce na pirâmide organizacional que caracteriza este tipo de relação, e se adentra as formas pelas quais as receitas são geridas e distribuídas internamente. Antes de mais nada, lembremos que são raríssimas as situações em que o conjunto do movimento, sobretudo as suas bases, tem oportunidade de opinar quanto à finalidade dos recursos; esta decisão, normalmente, é de competência quase que exclusiva dos departamentos financeiros. Já não é novidade que uma significante parcela dos gastos fica destinada à manutenção do quadro administrativo da organização. Porém, tem-se tornado comum que também os quadros políticos acarretem despesas fixas aos movimentos, constituindo uma verdadeira e pesada folha de pagamentos; o que, no linguajar dos movimentos sociais, tem sido chamado de “liberação do militante”.

Mais uma prática nociva: a “liberação” de militantes

O “militante liberado” é aquele membro da organização que, além de ter cobertas as despesas relativas especificamente à atividade que lhe é atribuída, tem no movimento a sua principal fonte de renda, ou seja, salário, serviços e outras facilitações em espécie. Apesar de preservar, na maioria das vezes, as mesmas convicções originais que o levaram à ação política, o dado objetivo é que esse militante revolucionário, como num passe de mágica, converte-se em funcionário da organização a que pertence, com direito a todos os predicados que esta condição lhe impõe, visto que, até por uma questão de sobrevivência, ele passa a atuar segundo critérios de eficiência e produtividade.

Incentiva-se assim um clima policialesco, baseado na medição quantitativa do desempenho, que leva ao aprofundamento das relações de concorrência entre os militantes. Quando isto ocorre, o companheiro de luta é visto também como um rival, seja para se favorecer com as conquistas do movimento, seja para ocupar postos dentro da estrutura verticalizada da organização. E mesmo para aqueles “militantes liberados” que acabam não correndo atrás desta produtividade, por acomodamento ou “cacife político” [peso ou prestígio político] dentro das organizações, o resultado para os movimentos não é menos prejudicial. De uma forma ou de outra, vão despontando deste modo personalidades autoritárias perante a base e subservientes perante a direção. O carreirismo, a competição desenfreada e as táticas autoritárias para reprodução do poder interno são consequências imediatas desta situação.

Resultado funesto: o esgotamento das assembléias e dos espaços formativos

À medida que se acumulam e se desenvolvem aqueles vícios de organização, as bases são desmobilizadas. As formas de organização coletiva da base do movimento vão-se descaracterizando e perdendo o entusiasmo.

Assim, a base cada vez menos se reúne de maneira livre e não hierarquizada em verdadeiras assembléias, para discutir e decidir sobre a maneira de lutar e reconstruir as suas vidas. Ainda que em teoria as decisões sejam tomadas a partir de assembléias, estas geralmente passam a servir apenas para legitimar uma linha previamente decidida pelas direções ou pelas tendências majoritárias, em reuniões de cúpulas de delegados e representantes, isto quando as assembléias não são apenas outro nome para expor os informes da direção, não tendo os militantes de base, sequer, direito à palavra.

Qualquer semelhança com a lógica e retórica eleitoral não é mera coincidência. E quando se aproximam as eleições, muitos movimentos sociais, apesar de se dizerem independentes dos partidos, mostram-se vinculados a certos políticos, a ponto de mudarem o discurso para as necessidades da campanha. Não é raro que isto provoque um distanciamento e mesmo uma divisão interna na base dos movimentos. As consequências desta atuação são ainda mais graves porque subestimam a inteligência das pessoas, que sabem muito bem que aquela contida ou “retomada do trabalho e da luta”, a cada dois anos, sempre nas vésperas de grandes eleições, não passa de uma pura encenação, em detrimento dos interesses reais dos trabalhadores, tidos por trouxas.

Aquilo que outrora sucedeu aos núcleos de base dos partidos políticos de esquerda no Brasil, convertidos em simples comitês eleitorais, ameaça agora ocorrer também nos espaços internos dos movimentos sociais, apesar de estes terem nascido da crítica histórica à burocratização dos partidos e dos sindicatos. Ao invés de serem as primeiras experiências de um novo ciclo, os movimentos sociais correm o sério risco de se tornarem as últimas experiências do velho ciclo.

Mas os Movimentos Sociais não estão condenados!

Será que, tal como antes, as bases irão se restringir a simples correias de transmissão, obedientes a decisões tomadas de forma alheia à sua dinâmica? Não sejamos tão pessimistas!

O grande desafio interno à classe trabalhadora atualmente é a generalização e a consolidação das relações solidárias e coletivas estabelecidas diretamente na base dos movimentos. Há cozinhas comuns? Há creches comuns? Há outros espaços formativos horizontais? Como estão organizados? Trabalhador que é afastado deste processo vai tender a afastar-se e a delegar. Isto não são detalhes, são o próprio motor do movimento.

Na imediata sequência deste desafio interno vem outro: a superação das formas de controle exercidas pela hierarquia burocrática, que aniquilam as relações diretas de solidariedade nas bases dos movimentos. Se as relações forem determinadas apenas pelos quadros dirigentes, se as decisões passarem unilateralmente dos dirigentes para os demais espaços e forem transpostas para os canais de negociação, isto significa o triunfo do sistema autoritário do Estado capitalista que, teoricamente, se pretendia criticar e combater. E que se precisaria criticar e combater de forma qualificada, talvez como nunca antes.

Para evitarmos que isto aconteça, além do combate evidente contra o inimigo exterior da classe trabalhadora, contra os donos das empresas e das terras e os seus representantes explícitos dentro do Estado, é urgente prosseguir uma crítica — e uma autocrítica — atenta ao inimigo interior às nossas organizações, a todas as burocracias em gestação, aos candidatos a novos chefes.

Ora, a maior parte dos movimentos sociais continua a constituir um campo onde a luta contra a burocratização pode ser travada com condições de êxito. Parece-nos que esse campo não deve ser abandonado. Pela sua dinâmica interna e pela sua capacidade de superar os limites do corporativismo, lutando por bandeiras mais amplas que unificam diversos setores da classe trabalhadora, os movimentos sociais podem prosseguir um novo ciclo marcado pelo fortalecimento da luta anticapitalista. Os movimentos sociais devem ser defendidos, vale a pena defendê-los e a melhor forma de o fazer é impedir o avanço da burocratização.

Para afastar o confronto com as bases, os candidatos a novos burocratas e chefes recorrem geralmente ao argumento de que estaríamos fornecendo armas e munições aos inimigos exteriores. Argumentam que a crítica às burocracias sindicais teria como efeito a “divisão interna” e o fortalecimento dos proprietários e dos administradores das empresas. Que a crítica às burocracias dos partidos e de vários movimentos sociais teria como resultado reforçar os capitalistas e o seu governo. E pretendem que tais críticas deveriam confinar-se a certas instâncias internas das organizações, o que significa que os dirigentes só poderiam ser criticados pelos demais dirigentes, num círculo vicioso. As vozes críticas internas vêem-se convertidas nos supostos “verdadeiros inimigos”, enquanto as burocracias em gestação ganham o tempo necessário para se desenvolver e enraizar-se. Aliás, são estas burocracias que se preocupam acima de tudo em manter o seu poder internamente — gastando a maior parte de seu tempo com isto —, buscando eliminar qualquer voz dissonante que ouse questionar as suas posturas e mesmo dificultando, o quanto for possível, a entrada de outros companheiros e companheiras que poderiam somar-se à luta, por medo de perder seus privilégios e posições de comando.

Compreende-se que os candidatos a novos chefes usem aqueles argumentos, mas não nos deixemos iludir, porque a nossa omissão ou inércia é que seria mortal para os objetivos da emancipação. Lembremos de que as derrotas mais graves da história dos trabalhadores têm sido provocadas justamente pelos novos patrões formados no interior dos partidos e dos sindicatos, sobretudo quando eles conseguem, usando em seu benefício próprio a força da classe trabalhadora, ter acesso a espaços de poder. Ora, o Estado oferece-lhes tais espaços e estimula a sua ocupação por eles, até porque sabe que estes candidatos a novos patrões almejam simplesmente inserir-se nesses espaços, sem os derrubar e transformá-los radicalmente. A História é repleta de exemplos neste sentido. Há alguém que em sã consciência duvide disto ou seja ingênuo ao ponto de menosprezar este verdadeiro risco? Deixaremos os movimentos sociais seguirem pelo mesmo caminho?

Da nossa parte, pensamos que as vozes críticas surgidas no interior dos movimentos devem ser incentivadas e ampliadas, para aprimorar o combate anticapitalista. As condições de vida neste início de século exigem ainda mais que os trabalhadores repensem e recriem formas autônomas e emancipatórias de organização, capazes de enfrentar o novo cotidiano brutal vivido pela maioria da população. Se fosse verdade que as vozes críticas acabassem por fortalecer os inimigos externos e ocorrer que as bases permitam que as práticas burocráticas prevaleçam dentro dos movimentos, então estaríamos condenados a deixar o terreno livre para o inimigo interior se consolidar e crescer. Ou seja, sob o pretexto falso de obtermos vitórias a curto prazo, estaríamos preparando a nossa derrota certa a longo prazo.

Como combater a burocratização?

A Comuna de Paris — a primeira vez que a classe trabalhadora tomou o poder, por dois meses, na capital francesa em 1871 — lembra os santos ou os Evangelhos, aquilo com que as Igrejas e todos os crentes dizem que estão de acordo, mas que ninguém pratica. Do mesmo modo, não há partido, nem grupo, nem movimento revolucionário que não proclame a sua admiração pela Comuna de Paris e a sua fidelidade aos princípios organizativos formulados pela Comuna. Só que a admiração e a fidelidade, na esmagadora maioria dos casos, ficam apenas nas palavras.

E que princípios eram esses? Aplicados aos dias de hoje, seriam:

Se existe um movimento social, é porque há ali uma “base de massas” formada por inúmeras pessoas cheias de anseios e aptidões para contribuir pela transformação social. As circunstâncias da luta nem sempre permitem as assembléias gerais, fazendo-se necessária muitas vezes a delegação de poder. No entanto, quem delega deve controlar: esse princípio deve ser a cláusula inviolável na constituição de todo movimento, aceito, garantido e praticado por todos. A aplicação dessa norma, com as consequências da substituição de coordenações, direções e comitês mal avaliados — mas nunca excluídos, cabendo sempre novas oportunidades aos militantes — deve ser encarada como natural.

As atividades de direção jamais podem ser vistas como especialização de funções. Toda a base deve ser estimulada a assumir responsabilidades orgânicas, de preferência rotativas, que enseje uma massa crítica de capacidade dirigente.

As atividades de direção inevitavelmente tendem a afastar o dirigente do cotidiano vivenciado pela base. Um burocrata consumado já despreza essa realidade e esse convívio, seu pesadelo é um dia voltar a viver e lutar com seus antigos semelhantes. Antes que isso ocorra, os dirigentes, enquanto exercerem tais funções, devem sempre reabastecer sua índole no convívio com as contradições sentidas na prática por seus representados.

57 COMENTÁRIOS

  1. Meus caros,
    os parabenizo pela iniciativa de colocar o dedo na ferida e abordar a questão, que a meu ver, é crucial para a luta anticapitalista: para além do conteúdo programático desse ou daquele movimento social, o mais importante é a maneira pela qual o mesmo é organizado internamente. De fato, reside aí o maior desafio de qualquer luta anticapitalista, a construção de relações sociais de tipo novo no próprio interior do movimento.
    Infelizmente, me parece que, frequentemente, ao denunciar-se a burocratização interna dos movimentos tende-se a ser apartado dos mesmos sob a acusação de sermos puritanos ou algo que o valha.
    Até que ponto, alguém que passou a exercer um cargo diretivo está disposto a abrir mão do mesmo e voltar a operar uma máquina, a puxar uma enxada etc.? E como explicar essa tendência dos próprios trabalhadores se acostumarem a delegar a outros o poder de decisão e perpetuá-los em tais cargos?
    Esse parece ser nosso maior desafio (daqueles que lutam contra o capitalismo e não apenas para promover reformas em seu interior), lutar cotidianamente ao lado dos trabalhadores no sentido de garantir que nossas lutas se assentem em relações sociais horizontais e igualitárias e que exista uma rotatividade obrigatória no exercício das funções representativas.
    Saudações.

  2. Ótimo artigo.
    Dá muito a pensar em muitos aspectos.
    Pensei em algo da conjuntura atual que envolve antigas reflexões que se realizavam junto com os movimentos sociais no espaço de interação do estudante ou militante “independente”, espaço que parece ter se reduzido, em prol de uma verticalização dos movimentos, e isto numa situação em que o apoio popular e mesmo a opinião das pessoas em diversos setores em relação aos Movimentos passa a impressão de ter tendido à direita, ou ao não apoio de ações anti-capitlistas seja ou não vinculadas em pautas do cotidiano.
    Do mesmo modo, no aspecto sindical lembra certa reflexão com amigos que tem experiência sindical, mas, deve-se lembrar, a questão do militante sindical liberado às vezes liga-se, por exemplo, à questão do fato de que no setor privado, após passar o período de estabilidade, os militantes tendam a manter-se no sindicato, afinal, se voltarem serão demitidos (e de fato, quando retornam o são). Perdem-se pessoas muitas vezes importantes com isso.
    Mas há outro problema, e quando os militantes são tomados pelos grupos sociais aos quais liga como “síndicos” de questões organizativas menores repondo aos militantes a ação tal qual um órgão institucional ou de um político dos partidos institucionais ? Esta restrição do escôpo de ação do grupo quando conseguem colocar alguém e se alienar da participação, há algo sobre essa questão que tenham refletido ou alguém já observou isso ?

  3. De fato é um dos aspectos que sempre refletimos e que envolve também antiga reflexão sua. A questão do militante liberado e outros, achei ótima e converge com o que tenho discutido com amigos da antiga Resistência Popular de são paulo na sua experiência sindical quando se juntaram à alternativa sindical socialista na intersindical.

    Agora no quadro geral, ao tentar formular uma observação geral sobre os movimentos sociais, sempre travo. Não sei se tenho medo de lidar com algo que esteja em crise nos movimentos sociais e que ajudaria a precipitá-la ou acreditando que, possivelmente termos mudado de um “ciclo” e então o movimento teria mudado suas reconfigurações para algo ainda mais emaranhado nos partidos institucionais que ultrapassaria o período anterior onde ações radicais eram mais comuns e igualmente suas estruturas eram mais abertas ao militante “apoiador”, quando então eram mais abertas à participação de estudantes não diretamente alinhados.

    Hoje parece ter havido um recrudescimento e uma tendência “à direita” da população, apesar da aparente vitória do projeto esquerdista institucional quando apresenta 3 desdobramentos seus disputando eleitoralmente, Plínio de Arruda, Dilma e Marina sem que isso pareça representar um quadro de questionamento ao capital ou uma mudança de tendência, pois as pesquisas qualitativas tem mostrado tendências à direita no “imaginário” popular. Parece que todos tem surfado na opinião à direita (com a tímida exceção de Plínio, mas num quadro bem reduzido), ao invés da base ter se esquerdizado como querem fazer parecer.

    Mas após um texto assim tão focado na ação, ou seja, corrigindo o olhar de fora que tinha naquelas reflexões, me fez pensar que muito do meu foco naquelas reflexões estava errado. Se o fizesse, teria que tomar as questões em outro ângulo. Mas simplesmente tocar na questão para refletir me fazia ver um quadro sinistro (num sentido ruim da palavra) que acabava obscurecendo uma reflexão sobre o porvir e matava a vontade de escrevê-lo, pois a questão acabava por me consumir. Não conseguia escrever uma crítica como epitáfio, pois seria o próprio impulso militante que teria me levado a escrever que seria soterrado junto com o texto. Um paradoxo do qual não consegui sair até agora sem um ponto de fuga propício, como uma conclusão que seja uma proposição, pois acreditava de fato na veracidade do que estava tratando.

  4. O artigo concentra a análise em um ponto muito importante: o inimigo interno, a burocracia… O texto fala sobre a alienação dos militantes dos movimentos sociais, e de que o seu engajamento na luta muitas das vezes não é também um processo de desalienação, mas de alienação em uma burocracia dentro do movimento. Guattari em “Somos todos grupelhos” diz: “O resultado deste trabalho é a produção em série de um indivíduo que será o mais despreparado possível para enfrentar as provas importantes de sua vida. É completamente desarmado que ele enfrentara a realidade, sozinho, sem recursos, emperrado por toda esta moral e este ideal babaca que lhe foi colado e do qual ele é incapaz de se desfazer. Ele foi, de certo modo, fragilizado, vulnerabilizado, ele está prontinho para se agarrar a todas as merdas institucionais organizadas para o acolher: a escola, a hierarquia, o exército, o aprendizado da fidelidade, da submissão, da modéstia, o gosto pelo trabalho, pela família, pela pátria, pelo sindicato, sem falar no resto…”. Os movimentos sociais contribuem com a reflexão e práxis desalienada ou a reforçam? Esta é a questão.

  5. a questão se desdobra em várias:

    1) esse problema não é exclusivo dos pelegos, conlutas, intersindical, mst, enfim , tudo o que se considera esquerda tem seus liberados, profissionais e vá vc mexer nisso prá ver a reação….

    2) A LUTA hj envolve tão poucos que os que a leva adiante viram profissionais do sacrifício e cobram sua conta…

    enfim o povo terceirou a luta para os militantes, gostem eles ou não

    depois continuo…

    abraço

  6. Muito bom e realmente oportuno o texto.
    O que vou comentar aqui vem como um relato de experiência de militante que em determinado momento foi “liberada” para a luta de um determinado movimento.
    Eu comecei a atuar nesse movimento, indo nas reuniões e colaborando com o que fosse necessário. Em determinado momento, o movimento precisava de alguém que se dispusesse a ficar boa parte do dia para resolver questões organizativas de um ato que iríamos fazer. Nesse momento eu estava desempregada e vivendo de bicos e fui então convidada a desempenhar esse papel, a trabalhar para esse movimento enquanto secretária. Aí é que que as coisas se complicaram, comecei então a ser tratada de forma diferenciada e as questões que eu levantava já não eram mais vistas como o ponto de vista da militante, mas da militante paga. A confiança e respeito passaram a ser cobrança, estabeleceram comigo uma relação patronal, daquelas mais pervesas, eu me sentia em uma empresa qualquer. O limite chegou qdo fui designada para arrumar alojamento para militantes que estavam vindo de outros estados para o ato. Eu tinha uma lista de contatos e eu teria alguns dias para conseguir o alojamento. Comecei a ligar para os contatos e nada. Em determinado momento, liguei para um “capa” de outro movimento, perguntando se poderia me auxiliar, e ele realmente me auxiliou. Uma militante que acompanhava meu trabalho e desempenhava o papel de minha patroa, chegou e perguntou se eu havia conseguido algum lugar, comecei a descrever os contatos que havia feito até chegar a esse “capa”, qdo ela ouviu o nome da pessoa com quem eu havia falado, começou a gritar comigo, dizendo que eu não poderia importunar pessoas importantes dos movimentos, que meus contatos deveriam se restringir aos secretários ou outras pessoas não tão “importantes” e que ela era quem se dirigia à essas pessoas.
    Bom, isso me fez refletir como a lógica hierárquica e a lógica do trabalho capitalista estava instalada ali. Comecei então a procurar um emprego formal, desses de carteira assinada, ao encontrar me afastei do movimento enquanto trabalhadora. Pude então expor mais claramente minhas críticas (junto com outros companheiros que sentiam o mesmo) e acabamos sendo acusados de querermos implodir o movimento. Movimento esse que hoje não tem base ampla e que não tem pq sua organização interna não permite uma aproximação efetiva da base, com participação nas decisões.
    Enfim, creio que o repensar as práticas nos movimentos sociais, assim como repensar como liberar os militantes se caso necessário é fundamental. Para esse movimento em questão, falta a autocrítica sobre a organização. Essa experiência não me deixou cética em relação aos movimentos sociais, mas me fez ver que a hierarquização pode ser um grave problema e que pode minar o que nasceu como contestatório da ordem, pois estabelece dentro do próprio movimento uma ordem quase ou tão pervesa da que encontramos aqui fora.
    abraços.

  7. Vejam como as coisas mudam…

    Diante do acontecimento “Revolução Russa” G. Lukács também diagnosticava o problema da burocratização nos partidos. Juntando a lógica do trabalho abstrato de Marx com a categoria de racionalização de Weber, todas as esferas da sociedade tendiam a reificação (ciência, estado, consciência filosófica). Contra isso, qual foi a saída engenhosa de Lukács: Partido de Vanguarda (destacamento e disciplina).

    Outra coisa que aparece em HCC e é retomado aqui pelo passapalavra é a idéia de inimigo interno. Emancipação depende de uma luta “consigo mesmo”. Na época, a parte avançada (bolcheviques) deveriam lutar contra os atrasados para que a luta (a revolução continuasse). Aqui são esses (vanguarda) que devem ser neutralizados, bloqueados.

    Com condições históricas completamente distintas. O que está em jogo nesses diagnósticos? Um problema teórico (de intelectual) que vê a totalidade de uma organização a partir de níveis de consciência. E aqui, os trabalhadores, os sem-terras, os sem-tetos devem passar por uma reeducação. De um lado a (re)educação por uma severa vanguarda. De outro através de práticas que antecipem uma futura sociedade.

    O que eu quero dizer com tudo isso? Quero dizer que esse papo de vanguardismo ou espontaneismo, finalismo ou imediatismo e, principalmente, esse negócio de inimigo interno é um falso dilema.

    Hoje mesmo no maior movimento social do país o MST, podemos ver um hibridismo. Ele é leninista em sua estrutura, mas aposta na autoemancipação dos sem-terras. Nos movimentos de moradia, os especialistas aparecem: arquitetos fazem consultoria, universitários trabalham no setor de cultura e educação, advogados vão ajudar na parte jurídica… Mas aqui as especializações já estão dissolvidas na solidariedade, no trabalho comum. Acho muito estranho ver nisso analogias tão diretas com as categorias do capital (exército industrial de reserva e exército militante de reserva).

    Sindicatos vinculados com o poder são outra coisa. Não é mais militância e sim gangsterismo.

    Enfim para não me alongar demais… Se acreditamos que o capitalismo atinge e degrada não só fisica e materialmente um individuo, mas ele também atinge a consciência. Estamos todos numa mesma barca (quem educa os educadores? Velha pergunta de Marx). E se acreditamos que uma sociedade livre virá duma autoemancipação, duma autogestão… (dos trabalhadores e dos despossuídos) não há razão de questionarmos quem está organizado.

    Ou se faz isso. E acredita que o trabalhador percebe a totalidade das relações onde ele está militando (como base). Ou acreditasse que existem militantes que estão enganando eles. E ai nosso papel é intervir (jogar a luz nos erros desses oportunistas). Mais ai tudo que se defende como auto (emancipação, gestão, organização) foi por água abaixo. Nos transformamos numa nova vanguarda…

  8. Muito bom o artigo!
    Leva-nos a pensar que tipo de práticas e relações estamos desenvolvendo nas lutas que travamos. Mas gostaria que vocês explicitassem mais concretamente exemplos do que afirmam, pois recorrem muito a argumentos do tipo “a história está cheia de exemplos”… “historicamente”… etc. Confesso que não tenho tanto conhecimento histórico e ajudaria na reflexão que vocês explicitassem de onde falam (não digo quando denunciam práticas deletérias dentro dos movimentos, mas os fatos históricos que podem dar mais concretude à argumentação).

  9. O problema, gente, é que o inimigo não é um sujeito e sim uma maneira de subjetivação. Não existe uma diferença entre inimigo interno e inimigo externo.

    A burocratização é conseqüência do tipo de relação que temos com a alteridade, com a autoridade, com a entrega pessoal, com a disciplina, com a organização, com o corpo…

    Foucault é um autor extensamente conhecido, supervalorizado por um lado – talvez seja o autor de ciências humanas contemporâneas mais lido atualmente – e rechaçado por outro – pelos militantes avessos à academia. Entretanto, vale a pena dar uma lida no livro Microfísica do Poder, que é uma coletânea de textos muito voltados para a prática política.

    Fora isso, acho que precisamos de movimentos dos quais os envolvidos possam viver deles, sim! Não como funcionários mas sim como alguém que usufrui diretamente daquilo que pratica, planta, colhe, troca, pede, dá, aprende, ensina, cria. Muitas vezes isso não virá na forma de dinheiro… Muitas vezes isso virá na forma mesmo de comida, roupa! E de tudo o mais, já que a gente não quer só comer.

  10. Olá,

    Esta questão do financiamento das atividades dos militantes é algo persistente em muitos meios, para além dos espaços internos dos movimentos formalmente constituídos.

    Penso no caso específico dos militantes que acabam tendo como alternativa de sobrevivência o meio acadêmico.
    Como colocado em outros artigos aqui do passa, os acadêmicos estão inseridos em um meio onde a mediocridade é uma das marcas mais evidente da produção contemporânea, sendo esta intensificada pelo processo de taylorização do trabalho acadêmico que tem como conseqüência a perda de autonomia no que diz respeito às orientações tomadas pelos trabalhos.

    Porém, ao contrário do que seria oportuno supor, os acadêmicos geralmente ocupam posições cimeiras nos movimentos sociais, baseados em estruturas de divisão do trabalho homólogas às estruturas hierárquicas de poder dos capitalistas, se constituindo assim como arautos das formas de burocratização dos movimentos.

    Parabéns para o Passa por mais este artigo.

  11. Muito oportuno! Esse é o buraco, mas a razão dele, o porque essa porcaria de buraco ta ai, é mais embaixo. Quando falamos que a burocracia mantém um processo alienador… chego a char engraçado. Engraçado porque muitas vezes o militante que outra hora compreendia-se que expandia consciências através de seu verbo iluminador agora potencializa alienações através de suas atitudes muitas vezes individualistas… Chego a me perguntar se o que está errado nisso tudo não é própria compreensão do processo de consciência e de alienação!!!
    O que entendo do artigo é o obvio: sindicatos e instituições ditas de esquerda funcionando como empresa privada!!! Acho que poderiamos ao menos ter de forma mais clara quem são os acionistas delas, assim poderiamos lutar pela revolução na bolsa de valores!!!
    Não me entendam mal, talvez esteja usando com sentido dúbio a ironia (que por si só já seria dúbia), o que penso apenas é que quando optamos por alguma forma institucional de lutar pela mudança do sistema não compreendemos a priori os riscos dos desejos que nos eram postos, desejos estes que a lógica cultural do capitalismo já havia nos vendido a mais tempo, e que apenas estavam jogados num fundo de bolso esperando, enquanto nós, altivos, subiamos as trincheiras e bradavmos alto: Proletários do Mundo, Univos!!!
    Claro que tudo isso é pura especulação… Eu mesmo nunca subi numa trincheira!!!

    Abraços

  12. Segue uma tentativa de contribuição, a partir de uma comparação grosseira…

    “Em pouco tempo, as burocracias sindicais e partidárias começam a dirigir as bases trabalhadoras com os mesmos métodos e a mesma mentalidade que são empregues pelos patrões tradicionais.”(retirado do texto)

    Tenho acompanhado um debate sobre Estado que, grosseiramente, me lembra algumas das coisas escritas no texto: Boa parte da esquerda, principalmente da parte que ocupou os espaços institucionais no Estado, acredita que podem usar dessa ferramenta herdada(Estado capitalista) para implantar um processo de trasformação da sociedade. Não levam em conta que o Estado no formato atual é fruto das relações sociais estabelecidas no capitalismo e que portanto seus mecanismo de gestão, seus instrmentos de formulçao e implementação de politicas não são neutros. Não basta mudar o ator que conduz o processo é preciso mudar o modelo de Estado, para um construido em conjunto com os movimentos da classe trabalhadora (não só com os dirigentes destes), ou mesmo caminhar conjuntamente para sua extinção, se for o caso…

    Essa percepção é reflexo, e me remete as discussões sobre os processos de ocupação de fábricas: Para que estas se concretizem num processo emancipatório é preciso superar o modelo de produção e de gestão radicalmente, não basta que o trabalhador se aproprie daquele espaço da maneira que ela está formatado. A tecnologia incorporada ao processo de trabalho é fruto das ações do capitalista para exploração do trabalhador.

    No caso da organização dos movimentos sociais, me parece que há tambem um processo similar que está na incorporação dos modelos de gestão, nas praticas e ações importados dos capitalistas, estas que tem em si uma intencionalidade.

  13. O texto reflete sabiamente o processo histórico que estamos vivendo quanto ao enfrentamento ao Capitalismo tendo os movimentos sociais como instrumentos importantes nessa luta.

    Nos faz desejar retomar criticamente antigos debates que aparentemente estariam superados, como a necessidade de organização dos trabalhadores na superação desse sistema, a relação lideranças e base e a passividade das massas que delegam todo o poder a um representante, seja, na organização que for.

    Em um contexto de uma ilusória igualdade e ascensão da classe trabalhadora como estamos vendo no Brasil é extremamente importante aprofundar o aspecto da burocratização dos movimentos, essa camisa de força que além de projetar a fragmentação das lutas impõe um sentimento que nada mais tem a se fazer na superação deste sistema.

    Parabéns, um excelente texto.

  14. Quanto ao termo de exército militante de reserva, Acho ele plenamente valido, ele se refere a prática de listas de espera e cadastros de militantes, que coloca a lógica de se você não quiser desempenhar esta atividade em troca dos ganhos do movimento muitos outros gostariam de estar no seu lugar.
    A grande questão é que esta pratica intelectual e teórica tem que ser feita dentro deste movimentos e o texto é uma tentativa disto. Muitas vezes nossas organizações, por diversos motivos, reproduzem os elementos de dominação capitalista que nos levam a nossa própria derrota. De fato a base faz parte deste processo de burocratização, não se trata de dirigentes enganando-as mas de estruturas de poder
    consolidadas. O exercício da crítica destas estruturas não se confunde com a criação de uma nova vanguarda, mas sim é fruto da necessidade de reflexão constante dentro de nossa própria prática militante.

  15. Além de a burocratização ser causa forte de desmobilização, há um outro problema sério que advém como sua consequência: sofrimento mental nas ditas “vanguardas”.

    Não cito nomes (afinal, trata-se de assunto bastante delicado), mas situações gravíssimas surgem daí. A “vida militante” típica das “vanguardas” de certos movimentos implica em frequentar trocentas reuniões por semana; resolver problemas cotidianos da vida alheia como se fossem “síndicos”; sobreviver sem trabalho e sem ajuda de custo (nem todos têm a sorte de serem “liberados”); abandonar desapiedadamente a “vida social normal” que levavam.

    Isto exige gigantesco espírito de sacrifício, e esta é qualidade de todo militante. Mas a continuidade dos sacrifícios, quando comparada com a enormidade dos desafios, cobra seu preço. Falo apenas de casos que já vi, sem contar outros que conheço por terceiros.

    São incontáveis os militantes mais aguerridos dentre a “vanguarda” que entraram em depressão depois de certo tempo sem conquistas imediatas, e hoje seguem em suas atividades à base de remédios controlados. Conheço alguns dentre estes que tentaram suicídar-se, alguns alcançando este duvidoso sucesso. Uma vastidão deles afoga as mágoas nos botecos, quase única e mais frequente fonte de alegria, e alguns deles o fazem tão a fundo que afogam-se eles mesmos no mais irreversível alcoolismo. Tem ainda os que buscam os paraísos artificiais outros, dos piores que há.

    Muitos dentre estes lerão este artigo com desconfiança. Mas não há um só deles que não conheça alguma história semelhante, quando não são eles mesmos a vivê-las. Não percebem que o arrojo, a coragem e a desenvoltura política que exibem, enquanto “vanguardas” cristalizadas e inamovíveis (muito bem descritas no artigo), é causa da destruição de si mesmos e dos movimentos que pretendem impulsionar?

    Que outras derrotas precisarão sofrer, em nível pessoal e político, aqueles que ainda não estão suficientemente amarrados às práticas burocráticas antes de tentarem qualquer esforço de mudança?

  16. Dificil contestar, discordar do que esta posto.
    E não é necessário é o que todos nós que construímos movimentos revolucionários queremos dizer.

    Porém não vejo como fazer escolhas do que tratar primeiro: A baixa estima, fruto do processo constante de convencimento de que a burocratização é o tapete estendido até Deus pelo qual ele envia seus mensageiros da lei, das normas e dos marcos, ou tratar da própria burocratização como se ela fosse em si mesma o mal a ser combatido e esteja fora de nós. Como afirma-se no texto já estamos mergulhados nela até a alma, mas não é ela em si que devemos atacar, creio, e sim seus motivos, diretamente e não temos como fazer isto lutando no campo da política, do bom senso crítico, Temos que meter a mão, os pés, a cabeça, na massa de signos e símbolos que subtraem nossa autonomia, temos que mergulhar, como fazem os criadores destes simbolos de poder – os principes psicanalisados – no nosso inconsiente histórico, coletivo e fazer a nossa transição psico-social de intelectuias e lideranças subalternas e conformadas ao um bom e perverso senso crítico, para a condição de trabalhadores e trabalhadoras livres e associados, nos colocando assim de frente, no dia a dia com a contradição, principalmente os liberados, os bem assalariados, os doutorandos, mestrandos, que agora se produz aos montes. mas parabens pela perícia, perpicacia,riqueza de detalhes na análise do que ocorre na superfície, na leitura dos sintomas, que passam a ser cultura.
    Nunca li nada tão completo e tão perfeito na descrição de uma catastrofe psicosocial esta, neo-liberal. O que o Neo-liberalismo pode, eim!? Caramba!

  17. O título deveria ser: vida de Sísifo na esquerda. Conheço um monte de gente que cansou e parou com tudo depois de muito tempo lutando sozinhas e carregando o piano nas costas. Como alguém postou ai, as pessoas terceirizaram as lutas e estamos agora na curiosa situação de se pensar uma minoria militante lutando para que a maioria venha a participar. Com o tempo, quem é lutador sincero cansa e vai cuidar da vida, que as contas devem ser pagas.

    O que eu conheci de movimento ativo na base não tinha grana e, ao contrário, pessoal tirava dinheiro do bolso pra fazer as coisas. Movimento Humanista, associação de bairro, cursinho popular e outros mais. Pessoas pegavam parte significativa do salário para financiar, faziam um monte de coisas e no final de semana ainda estava varrendo e tirando o pó dos locais de reunião. Ao que parece, não sobrou uma que não tenha cansado. O que sobrou de militante com mais de dez anos, geralmente, é cara que está levando grana: pegou cargo, bolsa, candidatura, está na televisão e etc. Imaginem agora que o governo está dando grana para quem faz muitas das atividades que o pessoal fazia tirando grana do próprio bolso?

    Ficou o enigma: vou me arriscar a me ferrar sozinho ou vou ficar parado e insatisfeito com as injustiças?

  18. Pergunto: forma engendra a ação ? ou a ação engendra a forma ?
    Acho que esta questão com um pé filosófico estranho é herdeira, como o Danilo falou, de Lukacs, mas seria um falso problema ali também ?
    Afinal, não basta ter uma forma horizontal para que as pessoas participem pressupondo que elas virão simplesmente pq, como na versão trotskista da história, as pessoas estariam apresadas pelos burocratas, explicação circular que serve para justificar derrotas a posteriori, mantendo-se imune à crítica, pois a culpa sempre será de um outro.
    Temos várias possibilidades lógicas de resposta, mas creio que a questão é saber o que de fato ocorre. Como saber disso, há um modo rigoroso de pesquisa-ação que não separe o “saber” da ação de quem age politicamente ?

  19. O artigo é bom e oportuno, e me fez voltar no tempo. Me senti voltando à década de 1960 e à revista Socialisme ou Barbarie de Lefort e Castoriadis. Ali há uma reflexão filosófico-política sobre a burocratização dos partidos de esquerda que pode ser útil para os militantes de hoje. Aliás, o problema da burocratização na esquerda parece preocupar também os militantes do velho continente. Na revista Contretemps, on-line, tem um artigo com o título: será possível uma organização política libertária? Mas gostaria que o autor do artigo pensasse nas observações do Danilo, que são pertinentes.

  20. Danilo,

    A “a saída engenhosa de Lukács: Partido de Vanguarda (destacamento e disciplina)” pode ser uma saída contra o reformismo hegemônico na social-democracia alemã, mas terá sido (e ainda o é) uma saída contra o capitalismo? Para quem entende que o que se formou na Rússia (e posterior URSS) foi um capitalismo de Estado – e que o partido bolchevique foi o principal agente desta transformação – então esta não é bem uma saída.
    A própria palavra vanguarda pode ter, grosso modo, dois sentidos: No primeiro, o sentido leninista, de direção, de guiar o processo. No segundo, o libertário, de setores com consciência da opressão e da exploração do capital, e de que não há outra saída a não ser a autogestão social, o que passa pela destruição das relações dirigentes/dirigidos.
    Se no MST há um hibridismo, é graças a base que propõe a ação direta de ocupação de terra e que em alguns casos engole a direção, mais cautelosa, com preocupações institucionais parlamentares, etc.
    No caso das ocupações urbanas o caso também de grande diversidade, há movimentos e movimentos. Alguns mais centralizados, outros menos.

    Por fim, os sindicatos vinculados ao poder não são “outra coisa”. É evidente que há um diferença entre a CUT, a Força Sindical e o PSTU. Mas como a CUT e a Força viraram o que são hoje? Como se deu esse processo? Se nos furtamos deste debate estamos abrindo brechas para a repetição. A quem interessa ocultar este debate? Justamente a Burocracia.

    PS: não entendi a sua frase que termina com : “não há razão de questionarmos quem está organizado”.

    Atenciosamente,
    Giancarlo

  21. Tenho acompanhado este debate com atenção. É curioso observar a incapacidade dos universitários para ultrapassar o plano especulativo e livresco. Ora, este artigo constitui uma reflexão prática, feita por pessoas que claramente possuem uma experiência directa daquilo que escreveram. Felizmente a maior parte dos comentários preocupou-se com essas questões práticas e serviu ainda para apresentar novas experiências.

  22. Gostei muito do artigo e acho um diagnóstico bem feito e que aqueles que estão na luta dos movimentos populares, e possuem uma perspectiva como a que é sustentada neste portal (de autonomia, combatividade, democracia direta, autogestão etc. das lutas) notam há tempos. Então creio que o diagnóstico é válido e o artigo, neste sentido, serve para auxiliar na difusão desta nossa análise, já há tanto tempo enfatizada pela “nossa corrente”.

    O que eu venho sentido dificuldades, na prática, é como fazer para que esta crítica se transforme em defesa de elementos construtivos práticos, e o mais importante, como esses elementos podem ser aplicados com sucesso na prática. Creio que é neste sentido que devemos investir. Eu, por exemplo, tenho clareza dos aspectos construtivos que defendemos (esses da Comuna, por exemplo), mas minha maior dificuldade tem sido de mobilizar de fato as bases e realizar essas novas relações sociais da forma que se fala no texto. O círculo vicioso de não participação que gera alienação, cria burocracia e asim por diante, é tão forte, que tenho tido muita dificuldade em estimular esses sentimentos emancipatórios nas bases que, de fato, delegaram a militância para a direção.

    Creio que poderíamos compartilhar casos práticos de sucesso na implementação desses princípios nas lutas (ou seja, responder como conseguimos, de fato, envolver as bases em um projeto horizontal de luta (lutas amplas claro, de massas realmente).

    No mais, concordo com o João Bernardo, que essa é uma discussão prática e lembro aquele velho dito que serve muito para a militância no movimentos populares: na prática, a teoria é outra…

  23. Mas é isso que me preocupa: como, para boa parte da esquerda libertária, é mais confortável justificar suas teses sobre as derrotas passadas do que se abrir para os novos problemas. Este texto do Passa Palavra em nenhum momento se preocupa em jogar na cara: “olha aí, vocês estão fazendo a mesma coisa de lá de trás, se afastem de tudo isto!” Esse esforço histórico é fundamental, claro, mas neste texto não é o central. O central me parece mesmo debater questões como esta que Manolo levanta, que é entender que mesmo assumindo práticas das classes dominantes, o sujeito ativo da burocracia, ou seja, aquele que assume os cargos, consegue ainda ser um indivíduo ainda mais “doente” do que aquele que ele oprime com suas práticas. E a gente não sabe como lidar com isto, até que sejamos nós os doentes – e mesmo assim continuamos sem saber como proceder. Como este sujeito, o burocrata, pode ser pobre às vezes, passar necessidades, morar em barraco, e ainda sim ser classe dominante. É exatamente isso que nos leva a confusão cotidiana quando trabalhamos junto aos movimentos. Falar que um sujeito deste é classe dominante soa como um absurdo para boa parte dos intelectuais, mas já não é nada de estranho pra quem faz trabalho de base.

    Outra: o que vamos fazer quando estivermos diante de uma situação na qual a base do movimento o qual somos próximos esteja desmobilizada, e que determinada atividade nos parece urgente e necessária de ser feita, mas que só a gente percebe isso: então diante disto, o que faremos? Faremos sozinhos e mostraremos que temos a razão mais pra frente, ou priorizaremos atividades que mobilizem mais, mesmo sendo de menor importância? São questões simples pra quem está de fora, mas que angustiam muito quem está lá no dia a dia.

    A esquerda universitária é de extrema importância, mas desde que pare de idealizar e vá viver os problemas dos Movimentos ATUAIS. Ao contrário do que colocam uns e outros, essa relação (intelectuais e trabalhadores) pode, e quase sempre vai, provocar contradições; essa aproximação vai levar uns e outros que chegam de fora a assumir papeis de gestores (burocratas), mesmo quando chegam com as melhores das intenções libertárias. É isso que a gente vê todo dia! Mas o interessante no momento não é buscar modelos ideais, muito menos provocar o afastamento entre estes setores, mas enfrentar com honestidade o problema, porque a diferença entre um simples intelectual e um militante é esta: um identifica a contradição, outro vive-a.

  24. Ao contrário do que corriqueiramente se faz – a análise do fluxo ascendente das lutas – este artigo tenta responder a uma pergunta difícil: e quanto ao refluxo das lutas? Onde e como se discute o refluxo das lutas sociais em cada momento, e o que dele resulta? O que geralmente se percebe nos espaços de atuação política coletiva (sindicatos, entidades estudantis, movimentos urbanos, movimentos rurais etc.) é mais uma lamentação pelo refluxo que um debate político. Dentre outras condições, uma boa discussão do assunto pediria, por parte da militância e de suas organizações, um grau profundo de troca de informações entre “base” e “dirigentes” que não se vê em quase lugar algum, exceto em organizações com número extremamente reduzido de militantes nas quais a distinção entre “base” e “dirigentes” geralmente não se aplica; um grau de liberdade de crítica muito amplo, dificilmente encontrado em organizações com estrutura hierarquizada e burocratizada; e, por último, um grau de confiança política mútua muito alto entre a militância da organização. Quando estas condições não são preenchidas, é difícil falar das derrotas e de suas causas sem que pareça ser somente uma questão de disputa interna de poder, de querer queimar fulano ou beltrana, ou mesmo um movimento inteiro. Na falta deste debate político intenso, o que há são lamentos, conversas de bar, chororô generalizado, DRs, picuinha, troca de acusações – qualquer coisa, menos uma discussão franca.

    O artigo identifica com bastante acuidade os dois lados da lamentação sobre as derrotas (“refluxo das bases” vs. “desvio das direções”), e supera a dualidade dos lamentos. Num processo de refluxo de lutas, por exemplo, não é assim tão raro que os “lados” da questão analisada neste artigo (“base” e “direções”) lancem um contra o outro, quase como acusação, a responsabilidade pelo refluxo: ora são as “direções” que “traem”, que “roubam” etc., ora são as “bases” que “não são conscientes”, que “são individualistas” etc.. É uma dicotomia quase maniqueista, na qual a militância frequentemente se fecha quando lamenta suas derrotas, sem perceber os dois “polos” do debate como integrantes de um mesmo processo. O artigo, a partir de uma compreensão dos processos de luta social que os vê inclusive dentro das organizações que os travam, tenta demonstrar, a partir de experiências concretas, a profunda vinculação entre estes dois jeitos de lamentar as derrotas; como resultam frequentemente de práticas diferentes dentro do mesmo movimento; e como, por fim, tendem a formar grupos diferentes dentro dele, com interesses próximos, mas mesmo assim diferentes. E mais: mostra como deste processo de derrotas surgem novas condições para a luta. Liga-se, então, a um processo de autocrítica necessário a qualquer luta social que se pretenda anticapitalista, que tenha como objetivo criar-se a partir de relações sociais solidárias, coletivistas e igualitárias.

    Mas há neste processo quem prefira usar óculos para ver melhor a realidade que critica; se os óculos estiverem embaçados, embaçada tenderá a ser também a crítica. Os óculos de Lukács mesmo – que, por sinal, dificilmente dava as caras de óculos – são um horroroso par de lentes fundo-de-garrafa que podem turvar a visão de quem não precisa deles, e mesmo a enxergar em dobro o que é uma coisa só. Quem usa estes óculos – não só os de Lukács, mas quaisquer outros – precisa tirá-los e dizer: você vê diante de si o que foi dito no artigo? Caso não veja, do que se trata, então? E o que fazer com os problemas que se vê nas lutas, quaisquer que sejam eles? Não basta dizer que “as dicotomias são falsas”, porque as situações descritas são tão reais que doem. É preciso depois começar a debater que conclusões políticas daí tirar – coisa que quem as viveu de perto e sentiu na carne, ao menos até agora neste rol de comentários, tem sabido fazer muito bem. E assim vamos, todos, vendo melhor o caminho que compartilhamos.

  25. O que eu levantei foi apenas uma antinomia. Se nossa aposta é na autoemancipação do proletáriado (e dos despossuídos), devemos apostar na capacidade deles fazerem a leitura dos movimentos que eles se engajam.

    MST, MTST, Terra Livre… Todos sem exceção estão marcados pela tradição da velha esquerda (leninista, trotskista). Todavia, o fato de eles estarem organizados e lutando por questões vitais (moradia e terra) já coloca a possibilidade da autoemancipação.

    Não adianta esperarmos uma organização ideal para nos engajarmos. Os movimentos, assim como os partidos estão todos no mesmo barco. Um com uma aposta maior na política representativa.

    Em nenhum momento escrevi para desmerecer o texto. Conheço quem escreveu e muitas vezes me organizo junto. Agora como se trata de uma discussão pública compartilhei minha opinião (que nada mais é que dizer que o texto cai num erro lógico).

    Novas práticas são sempre bem vindas. Assim como discussão política, acadêmica ou algo que o valha. Feita com honestidade e sem pretensão de “opinião de autoridade”.

    Se prática e teoria devem ser indistinta porque eu apontaria para as falas dos meus colegas desmerecendo-as. Nunca: tô aqui quebrando a cabeça para pensar nas ponderações dos meus colegas que me responderam: LL, Douglas e outros.

    Alguns ai acham que é especulação acadêmica. Mais ai paciência…

    Como diria um pensador especulativo muito astuto: “Lutai primeiro pela alimentação e pelo vestuário, e em seguida o reino de Deus virá por si mesmo”.

  26. A burocratização é sim um dos problemas cruciais de quem pretende superar o capitalismo, e, além disso, buscar uma autoemancipação coletiva. É muito claro que cada um(a) de nós ao entrarmos nos processos de luta que a vida nos leva tivemos todas as experiências que nos foram moldando da forma que o presente conhece; é muito claro que nos propomos à reflexão (umas pessoas menos, outras mais) e gastamos cotidianamente muita energia para atingir uma relação mais igualitária e de menor opressão com o mundo e com as pessoas ao nosso redor. De forma que buscamos estar conscientes dos conflitos existentes, das relações de poder que se entranham de forma sistemática na vida de todas e todos, de como funcionam esses mecanismos de opressão. Mas esse processso é infinito e não se acaba nunca, ou seja, por mais que se desenvolva uma cultura anti-capitalista, cada um(a) de nós carregamos algum rastro, qualquer coisa de subjetivo, qualquer coisa de luxo, qualquer coisa que não vemos, mas que levamos sem ter consciência disso (partindo do princípio de que quando tomamos consciências dessas coisas tentamos superá-las. Assim sendo, mesmo que não queiramos estamos a todo momento trazendo aos espaços de luta exatamente as formas de relação contra as quais lutamos, relações hierarquizadas e de dominação. A emancipação total disso só seria possível com a dissolução do que causa isso. Não há como fugir do fato de que militantes não são nascidas/os como tal, mas que têm uma vida que leva a tal, e essa vida passa necessariamente por um mergulho no mundo capitalista, o mundo que a gente quer destruir é exatamente o que a gente vive…
    Eis portanto que a todo momento há uma tendência de levarmos práticas opressoras aos espaços de militância. No entanto há de se ter uma atenção permanente a qualquer princípio de burocratização que esteja se emprenhando no movimento, talvez essa atenção permanente seja muito mais importante que a mobilização permanente proposta por trotski. é o processo de crítica e auto-crítica, mas uma auto-crítica sincera no seio do movimento.
    A negação de uma vanguarda dirigente absoluta é uma das formas de se pôr isso em prática.
    A construção de formas organizativas que contemplem as dificuldades das necessidades das vidas das pessoas , de forma que não se crie nunca um grupo privilegiado é outra.
    Há de ser criativo, e ousado para isso. Vamos ainda errar muito, até que consigamos criar (algum)uma(s) forma(s) de superar esses problemas. Não há fórmula.
    Ao mesmo tempo em que lutamos devemos construir as bases de um novo mundo… creio que não devemos seguir repetindo erros históricos.

  27. Li os comentários só até o primeiro do Manolo.

    Mais do que do artigo, gostei do comentário de C, que expressa uma experiência prática sobre temas que o artigo levanta. Seria interessante uma pesquisa realizada nesse snetido, levantando experiências e relatos de militantes sobre questões que o texto levanta, como a prática de ‘militantes liberados’ e de pontuação por participação, entre outras.
    Não tenho posição formada sobre as mesmas. Mas claro, delas podem se originar problemas sérios que o texto aponta.

    O Manolo no seu primeiro comentário aponta outra questão bastante oportuna: a da estafa e problemas psíquicos dos militantes. No entanto do jeito que ele colocou ficou parecendo que os militantes que se dedicam a tal ponto formam necessariamente uma burocracia ou algo do tipo (talvez ele tenha escrito pensando em algum caso específico).
    Um mal da militância “libertária” ultimamente tem sido não valorizar os que se dedicam a uma causa, honesta e sinceramente. Vêem muitas vezes os que se dedicam mais, e por isso se destacam, como se fossem “dirigentes”, burocratas”, chefes ou algo do tipo.
    Se Durruti fosse vivo hoje ele seria morto pelos próprios “anarquistas”.
    Pelo menos em meio a uam certa juventude libertária, parece que o movimento perfeito é aquele nivelado por baixo, na mediocridade, em que ninguém toma iniciativa de nada, pois assim ninguém se destaca, todos ficam iguais diante da inatividade.

    Como não estou com disposição para escrever muito. Termino com uma provocação para reflexão. O EZLN ou parte dele, imagino que são análogos a “militantes liberados” (soldados e comandantes que se dedicam 100% ao EZLN e são mantidos pelas comunidades). O EZLN é formado por burocratas? Seria o Subcomandante Marcos um burocrata?

  28. O artigo é realmente muito pertinente e feliz nas colocações. A abordagem do assunto de forma clara e direta coloca em pauta uma dificuldade também enfrentada no âmbito do movimento dos sem-teto aqui no Rio de Janeiro. Justamente no sentido da construção de alternativas práticas ao risco (sempre presente) da burocratização, algumas experiências têm sido particularmente estimulantes. Apesar de todas as dificuldades, algumas delas têm construído conquistas cotidianas nos últimos anos. Penso principalmente em ganhos no sentido dos desafios que o texto coloca (como “a generalização e a consolidação das relações solidárias e coletivas estabelecidas diretamente na base dos movimentos” e “a superação das formas de controle exercidas pela hierarquia burocrática”), claro que sem solucioná-los por completo ou definitivamente. Mas também são pequenas vitórias no que envolve questões como a criação de mecanismos próprios de proteção contra a burocratização (e o oportunismo a ela geralmente acoplado) ou mesmo no que diz respeito à elaboração de táticas coletivas que potencializam a horizontalidade dos processos coletivos de debate e deliberação internos.

    Parabéns pelo texto e pelo debate!

  29. Oi Leo,

    só para esclarecer o equívoco: não tenho nada contra quem se dedica de corpo e alma a alguma causa, correndo os riscos que descrevi — ou, do contrário, teria que ser coerente e suicidar-me. Quis me referir a um outro lado deste processo de burocratização — que não está dado de uma vez por todas, nem se aplica a toda e qualquer pessoa que milita em movimentos sociais — às vezes tão silenciado quanto os próprios mecanismos da burocratização: não é incomum que o apassivamento progressivo das “bases” vá em paralelo com o recrudescimento das duras condições de vida do militante, e que isto leve às situações que descrevi.

    Concordo que esta “igualdade na mediocridade” a que você se refere tende a matar movimentos que poderiam ser muito interessantes, mas vejo a questão por outra perspectiva. O problema, ao menos para mim, não está tanto em que pessoas tomem iniciativas práticas (o contrário significaria a inércia total), mas em saber se são sempre as mesmas pessoas que o fazem, que respaldo têm para isto, por que as outras com quem militam não se integram às atividades em curso e, por último, se de tanto tomarem a iniciativa não terminaram criando nos outros a expectativa de que “fulano vai resolver isso”. Pode parecer que isso são coisas que não são questionadas na prática, mas são exatamente as mesmas questões que ouvi, em situações diferentes, de uma trabalhadora rural e de um sem-teto — nenhum dos dois “liderança”, “coordenador” ou equivalentes.

  30. Bom saber que todas as falas apontam para a complexidade da temática. Afinal de contas se fosse fácil a revolução já teria sido feita! A análise dos movimentos sociais, e de sua relação com a burocracia, também é complexa. É necessário analisar uma série de questões: direção, militantes liberados, “base” sem iniciativa, refluxo do movimento, etc. Bem como de como estas questões se influenciam: a existência de um direção burocrática incentiva a não iniciativa das bases, etc.
    Venho, assim como o João Bernardo, acompanhando este debate com atenção. E o que me chamou a atenção, positivamente, foi justamente o fato dele não ter ficado numa perspectiva praticista. Os relatos de experiências (positivas e negativas) são importantes, mas sem uma teoria e uma interpretação para as mesmas só empobrece a análise e os movimentos.
    Que o debate continue…

  31. Olá Léo,
    Tomando a sua provacação com o zapatismo como ponto de partida, imagino que outro problema de certa militância libertária (e não só dela) é a idealização de alguns movimentos, o que ocorre muito com o EZLN.
    Este movimento é para mim paradigmático em muitos sentidos, até por expor de forma aberta o debate colocado por este artigo e, ainda mais impressionante na esquerda, na forma de autocrítica.
    De fato, podemos considerar que no zapatismo há um certo análogo de “militantes liberados”, ou melhor, “militares liberados”, um corpo em armas que em dada medida se distingue da comunidade (já uma das não-coincidências com a Comuna), o que coloca particularidades que necessariamente têm que ser levadas em conta. Mas este fato tem sido, reiteradamente, problematizado pelos próprios insurgentes e, sobretudo, na figura de seu chefe militar e porta-voz.
    Não se trata apenas de retórica poética quando Marcos afirma que os zapatistas são um exército que sonha em desaparecer. Diversas ações, como a criação dos Caracóis e a retirada da comandância militar das questões de governança civil são medidas para tentar fazer com que não se gere uma influência demasiada forte do militar sobre as comunidades (com todo o teor hierárquico e autoritário próprio de uma instituição militar).
    O problema, para mim, não é o fato de terem protagonistas que levem adiante diversas propostas, ações, reflexões, mas como isso pode gerar (ou impedir) um acúmulo político nas comunidades e gerar (ou impedir) uma prática de autogestão democrática. Dito de outro modo, como esse protagonismo mobilizador não se converter em desmobilizador, que é exatamente uma das formas de recuperação das lutas pelo capitalismo.
    Em entrevista recente o próprio SubMarcos aborda estes temas, ressaltando retrospectivamente um certo problema na centralização de sua figura e, mais importante ainda, que medidas são tomadas nas comunidades zapatistas para se evitar esse burocratismo aqui tratado. Uma de suas saídas é a rotatividade constante de cargos, inclusive de comando, nas comunidades (e não no exército). Isto traz um problema, sublinhado por ele, de que dificulta um acúmulo pessoal e de projetos mais duradouro, pois as pessoas nas instâncias decisórias, nos distintos níveis, são trocadas constantemente, mas também significa uma escola de autogoverno, impedindo, em dada medida, a cristalização de certos quadros em dadas funções de autoridade.
    Tentando impedir, assim, a repetição de experiências já conhecidas anteriormente sobretudo na América Latina.
    E esse problema talvez se imponha com mais força quando transposto para movimentos que tenham uma negociação contínua com o Estado, pois interfere decisivamente no grau de sua autonomia política.

  32. Faço mais um comentário no sentido do que falou o Leo Vinícius e outros:
    Como apontar para a militância um sentido de trabalho de base que não vê imediatamente ou a médio prazo um resultado no sentido da construção do socialismo ou de uma conquista objetiva de fato, e não aquela que se cria no final para manter a militância com o sentido de vitória, ou ao menos, no contexto da luta sindical, não regredir, como no caso do corte de ponto dos funcionários da USP na última greve ?
    Como colocar uma disposição de militar ou a vontade criada por um vínculo intersubjetivo que não seja o carisma de determinadas pessoas ? Reporemos a necessidade de lidar coma fé, como nas Eclesiais de base para conseguirmos lidar com um futuro possível socialista não visível no horizonte ?
    Se cada um tem uma disposição individual que não anulará num coletivo (que pode ser uma falsa coletividade), como manter de si a si, isto é, com referências individuais apenas, um trabalho de grupo que crie a alegria de militar o entusiasmo do sacrifício por uma causa comum e a realização de atividades concretas que, em si, criam, ao menos momentâneamente uma separação e, a partir daí, dão a possibilidade de sua especialização, mesmo que voluntária e em prol do grupo e, mesmo ligada ao sentido da própria comunidade, uma função especializada pode, num contexto, especializar-se. Pode-se prescindir-se de uma dada função que responde a uma função especializada do Estado numa situação de conflito ?
    A resposta de uma superação necessária das contradições das ações políticas libertárias é um partido leninista ?

  33. E as cadeiras… como elas expressam de forma tão artística e poética as hierarquias sociais, ou sua ausência. É certo que a forma como as cadeiras são organizadas não determinam nada, mas quão mais bonito são as cadeiras quando estão em círculo, sem um centro focado em uma pessoa.

  34. Alex, o que li sobre os zapatistas vai ao encontro do seu comentário. A contradição está ali também, como em todos os movimentos. É importante apontar as contradições, que acho que é o valor do texto.
    Porém, tendo a achar que o perigo da burocratização hoje em dia (ao menos no Brasil) é até secundário perto da dificuldade de mobilização e de criação de movimento. Como alguns comentários já apontaram (inclusive do Manolo), as duas coisas não estão separadas, mas a dificuldade de mobilização nao vem só da burocratização, que até me parece um fator também secundário.
    Interessante o relato do Manolo, sobre pessoas que se sentiam inibidas de participar porque havia sempre as que resolviam tudo e coisas do tipo. É esse tipo de relato que havia falado antes que seria precioso, mostrando os vários ângulos e experiências, e que daria uma pesquisa muito oportuna em termos de apreender os resultados de certas práticas,e em diferentes contextos e movimentos.
    Porém, o que eu mais ouço são experiências de militantes que adorariam não serem tão importantes ao movimento, adorariam não ter que ‘resolver tudo’, mas cuja responsabilidade que lhe recai é como se fosse delegada pela própria ‘base’. Acho que o Ricardo que falou acima em ‘terceirização da luta’…

    Certamente o passado serve como aprendizado, e repetir erros históricos deveria ser inadmissível. Porém, o que levo como aprendizado político – na relativamente pouca prática até que tive – é que não se deve estar fechado em fórmulas. É preciso estar aberto ao novo, a combinações que aparentam ser heterodoxas… Para ficar novamente no exemplo zapatista e num objetivo libertáio Malatesta já bem dizia que que tem a espada tende a comandar e escravizar quem tem a enxada. Um exército separado do povo (formado até mesmo inicialmente fora da comunidade como o EZLN), seria absolutamente contrário aos princípios libertários, solidificados historicamente. Mas estão aí, os zapatistas e o EZLN, com todas as suas contradições, inspirando os libertários. E talvez a experiência neozapatista de hoje – no que ela tem também de libertário e auitonomista – não existisse se os primeiros do EZLN, que subiram as montanhas de Chiapas nos anos 1980 não fossem leninistas à época (ou seja, se não tivessem formado um exército)… (evidentemente não existiria se não fossem outros fatores também).

  35. Este comentário do Leo Vinícius leva-me a intervir de novo no debate. Em última instância, a burocratização não se deve aos burocratas, deve-se à passividade da base. Em qualquer movimento há vanguardas, há uns que avançam antes dos demais. Mas quanto maiores forem as dificuldades de mobilização, tanto mais as vanguardas ficam isoladas. É a tal «terceirização das lutas». E quanto mais se isolam, mais tendem a converter em privilégios o que começara por resultar de uma divisão de funções. E mesmo que não o queiram fazer, os privilégios ali estão. É aí que as vanguardas começam a transformar-se em elites. E se as classes dominantes precisarem, integrarão essas elites para renovar o capitalismo. O Brasil dos últimos oito anos ilustra este processo.
    O artigo Entre o fogo e a panela, se o leio correctamente, procura detectar alguns pontos nevrálgicos do isolamento das vanguardas e da conversão das vanguardas em elites. Não se trata de questões psicológicas, mas de questões práticas de organização. E estas questões práticas começaram a ser abordadas no movimento revolucionário há muito tempo e foram discutidas nos jornais e panfletos do movimento revolucionário muito antes de chegarem aos livros lidos pelos universitários.
    Trata-se de questões práticas de organização.

  36. Olá,

    Numa tentativa de contribuir para a continuidade das discussões e comentários aqui destacados, gostaria de ressaltar que a importância que o Leo confere às experiências práticas (e relatos) de organização converge justamente com o objetivo principal deste artigo.

    Além disso, uma questão (dentre várias) que fica em aberto: o quanto todas essas questões e ações de estruturas burocratizadas e cristalizadas interferem (e muito – como já está ressaltado pelo Manolo e pelo João Bernardo) na mobilização e no trabalho de base?

    E, desse ponto e sem querer abusar no jogo de palavras, o quanto essa burocratização não interfere justamente no trabalho “da base” (e não só “de base”)? Ou seja, e afinal, os movimentos sociais caminham hoje para a constituição de relações solidárias e pessoas críticas e reflexivas em relação ao mundo em que vivem?

    Que fique claro, desde já, que – como o artigo já ressalta – não se trata de jogar na lata do lixo as construções possíveis que a esquerda tentou no decorrer da história. Mas sim de colocar em público, em aberto (e não nas intermináveis “conversas de corredor”), alguns debates e questões práticas e organizativas fundamentais para nossos movimentos sociais.

    Eu, por exemplo, que participo diretamente de um movimento social e de iniciativas autônomas (coletivos) fico extremamente feliz e instigado pelo texto e comentários apresentados. Acho que essa seria uma forma interessante de encarar o que, até aqui, foi levantado.

    No mais, continuemos o debate.

    Abraços.

  37. Olá!
    A respeito de uma questão colocado pelo Leo Vinícius logo acima, a de saber se qualquer militante remunerado pelo seu movimento se enquadra como burocrata, eu diria que esta assimilação não pode ser tão automática, ainda que o fato de haver relação monetária mediando a relação dos militantes entre si e a de cada um deles com a organização seja indício de quanto trabalho ainda há para ser feito.

    Entendo que a qualidade de burocrata não resulte diretamente do fato de o militante ser ou não liberado, sendo preciso que este fator seja analisado à luz das relações de poder que se estabelecem no interior de uma dada organização, e se nesta organização já se completou o processo de cristalização das diferenças.

    Na maioria dos casos, os militantes “liberados” não dispõem de qualquer poder decisório, prestígio, nem se beneficiam de regalias. Ao contrário, como demonstrou o comentário de um certo C., “comem o pão que o diabo amaçou”, ficam a mercê e agem sob a pressão de seus superiores, que lhes fixam metas e procedimentos de trabalho. Neste caso, ele estaria muito mais para um “executante subalterno”, um assalariado, cujo rendimento derivaria da “venda de sua força de trabalho”.

    Diferente é a situação dos quadros dirigentes, que, por concentrarem em suas mãos os processos de tomada de decisão, seja quanto às questões internas ou externas do movimento, têm o controle sobre o conjunto da organização, inclusive, e sobretudo, no que diz respeito a distribuição dos financiamentos). Neste caso, eu diria que ele se apropria de trabalho alheio, ou seja, do esforço daquelas dezenas de “C.s” que batalham diariamente para manter o movimento de pé.

    Aplicando isso ao caso dos Zapatistas, ou a qualquer outro, a questão central residiria em saber se, de fato, o Subcomandante Marcos “manda obedecendo”. Mas aí eu passo a bola pra quem entende mais do assunto.

    Abraços,
    Taiguara

  38. Seguindo a linha colocada pelo João Bernardo, e retornando aos princípios da Comuna, me parece que a questão poderia ser colocada a partir de dois pontos: no âmbito das vanguardas, sua iniciativa deve caminhar no sentido de uma socialização dos seus avanços na luta; no âmbito das bases estas tem que ter interesse constante em tomarem para si a gestão das lutas garantindo a socialização de todo o acúmulo.

    O que eu me pergunto é: de que forma virá a tona essa atitude das bases?

  39. Bastante claro o comentário do Taiguara, e concordo.
    Também acho que boa parte dos ‘militantes liberados’ acabam mais próximo de subempregados do que formando uma burocracia. Pelo menos é o que ouço. Conheço gente que já largou movimento social pq ele tomava todo seu tempo e impossibilitava projetos de vida outros (como estudar por exemplo), uma vez que se estava na condição de ‘militante liberado’, que tinha que viajar pra lá e pra cá, fazer isso e aquilo outro etc.

  40. Para mim o artigo “Entre o fogo e a panela” atinge os seus objectivos se fizer as pessoas envolvidas nos movimentos sociais questionar os problemas de organização. O principal é que a utensilagem teórica do artigo sirva para discutir as questões internas concretas. Porquê que deixámos que fulano se tornasse o nosso chefe? Porquê que as relações de vida continuam a ser iguais às vividas no sistema capitalista? etc.
    O que me intriga é verificar que há sempre gente que tem a ousadia de fazer frente ao sistema capitalista, de enfrentar a repressão e de tentar criar algo de novo. Mas o que se avança efectivamente é muito pouco e logo vem mais um passo atrás. Tem que haver coisas muito básicas, muito claras na cabeça dos mais esclarecidos para que os aspectos organizacionais importantes fiquem bem marcados, bem estabelecidos logo no começo de um movimento social.
    Ando sempre à volta desta questão: como conseguir essa educação de todos durante o movimento social? É do envolvimento directo das pessoas por tempo maior em tarefas diversificadas que irão surgir os processos novos e as transformações pessoais.
    Em 1968 em França deram-se passos importantes, depois houve Portugal em 1974, agora há Brasil, México e muitos mais. Mas as relações novas continuam a não perdurar. Porquê, quem me responde? A culpa não é de quem se transforma em chefe, ele foi a vítima mais evidente de uma engrenagem que começou mal em algum ponto…
    Para mim a busca destas respostas é a questão principal. Quero perceber porque falham os movimentos sociais, tendo no entanto tantos aspectos interessantes e militantes tão convictos.

  41. Eu gostaria de responder aos comentários mais recentes do Douglas, um pouco mais acima, mas tenho a impressão de que foram escritos com certa pressa e terminaram bastante confusos. Ou pode ser também que seja meu sono. :) Douglas, você poderia reformular as questões de maneira mais clara?

  42. Bom dia! Chegando tarde (ontem a noite me avisaram que “tá massa a discussão…”). Foi difícil ler tudo, mas tentei e vou dar minha contribuição e costurar mais uns nesta colcha de retalhos.

    Primeiro, nada cai do céu sem motivo e assim esta discussão (ou melhor: o artigo) também não. O pessoal do PP faz parte de um conjunto de “novas” iniciativas (o PP em si já é uma das frentes!) de organização e nada melhor que questionar certas coisas antes de (re)cair em vícios antigos (de comportamento, que seja). Aliás, Manolo, no seu primeiro comentário, foi ensurdecedor: me senti contemplado, até demais. Agora, porque colocar em pauta a “burocratização” e não p.e. 1. a forma da institucionalização (ou seja, a “ong”ização, sua manutenção difusa, neste novo mundo pós-néo-liberal) dos movimentos; 2. a hierarquização, pura e simples, que vem desde a invenção da roda, da utilização do fogo e, para quem preferir, vem daquela macã colocada na mão de Eva, da divisão “original” do trabalho (e outras divisões consequentes), que nós coloca no papel de lutar e reinventar o mundo, e para complicar, contra a vontade divina! Nada de novo, já que foi o que nossos panfletários, seja de cunho marxista, seja anarquista, fizeram nos tempos primordiais do movimento “anti-capitalista”, com muito gosto, muito ironia e muito bom humor. (Eu, pelo menos, aprendi muito e ainda caí de rir em ler Engels, Marx, Proudhon, Bakunin, na minha juventude.) Que nos leva a questão de botar mão na massa e a formação “das bases” que – para quem se lembra, já que faz uns bons 4 anos – teve um breve surto de interesse, que logo se perdeu e foi desvirtuada na promoção de seminários e “atos” de mais alto teor acadêmico, com mesa, platéia e um microfone solto; voltando ao Manolo, e citando Ermínia Maricato: “nunca fomos tão participativos”. Seja pelo caminho 1. ou 2. acho que daria para fazer uma análise mais classista, já que pra mim “burocracia”* me diz pouca coisa. Fora, claro, o que o igual velho Lenin disse a respeito (que com um fuzil encostado nas costas ela funciona melhor, algo assim).

    Sem tempo pra falar que em segundo, queria dizer que em falar em organização popular não tem como generalizar. Cada lugar e cada assunto seu jeito, sua cultura. Rio não é São Paulo, não é Salvador, como também não tem como generalizar a periferia, favela ou seja que lugar for. Aí não sei se entraria aqui a subjetividade e a força da personalidade das pessoas que se colocam na frente da luta.

    Terceiro, sem dúvida a parte mais interessante, seria falar algo sobre minhas próprias experiencias nestes tantos anos.

    Fico devendo.

    * Houaiss: fr. bureaucratie, hibr. criado por Jean-Claude Marie Vincent, Seigneur de Gournay (1712-1759, economista francês ), a partir do fr. bureau acp. (sXVIII) ‘local de trabalho de quem desenvolve atividade profissional em mesas, escritório, administração’ + gr. -kratía ‘poder, autoridade, lei’ < gr. krátos ‘força, domínio, poderio’; adotado orign. nas demais línguas, ing. (c1848) bureaucracy, it. (sXIX) burocrazia, esp. (c1832-1836) burocracia, para indicar a influência crescente dos escritórios e da administração na atividade humana; ver buro- e -cracia

  43. Estes vícios são muito presentes em academia, partidos, sindicatos e até movimentos. Nas universidades públicas brasileiras está cheio de professores marxistas e até anarquistas acostumados a explorar trabalho gratuíto de alunos, na base das clientelas que se criam nas universidades. Professores colocam alunos para transcreverem entrevistas, organizarem atividades, carregarem coisas.. há enveto marxista todo ele feito na base do trabalho gratuíto.

    Tempos atrás eu lecionei gratuitamente por uma ano num cursinho da Educafro mas depois me desliguei porque começaram a me tratar como simples funconária. De início, havia reunião, debates e discutíamos as coisas em conjunto, posteriormente já não era mais avisado e não havia mais reuniões e as mudanças eram todas tomadas pela direção da entidade local. Eu que enfrentei professores que queriam explorar minha força de trabalho gratuitamente tive depois que me esquivar de ser transformada em funcionária em cursinho teoricamente comunitário/popular.

    Nas escolas, dirigentes da APEOSP aparecem como verdadeiros comandantes determinando que acatemos suas ordens sem que tenha havido nenhum debate, nenhuma discussão, nenhuma assembleia. Eu que enfrentei o professor explorador, desliguei-me da ONG patrão tive que ir lá enfrentar o sindicalista mandão que trata professorado como gado e vive às custas de nossas contribuições.

    Peguei depois trabalho numa escola em que há uma direção ditatorial. Do tipo que canta hino nacional e quer obrigar as pessoas a fazer coisas que a lei não pede. Uma direção que pôe medo em todos os professores. Eu que tinha enfrentado os professores da universidade, os patrões da ONG, os sindicalistas mandões enfrentei certo dia a direção terror da escola, numa discussão calorosa, na sala dos professores, com todo mundo. O fiz em solidariedade a uma colega que tinha iniciado o combate. O mais triste no processo é ver que os demais professores se mantiveram calados, embora a maioria se veja descontente, e depois, em voz baixa, vieram vários me parabenizar pela coragem e adcionar tantas reclamações e observações. O que é mais triste é esta ultima situação, ver colegas aceitando as coisas e terceirizando as lutas, depositando na gente a esperança de que resolva o problema que é de todos. Isto me traz sempre a indagação sobre se compensa lutar num contexto deste. Fico na dúvida se devo lutar para mostrar aos colegas o caminho da dignidade ou ficar na minha já que não compensa arrumar encrenca se for pra ficar na mesma ou me tornar objeto de terceirização de lutas.

  44. O texto me parece bastante claro e pertinente em relação às questões concretas que levanta. Partindo de situações e reflexões bem fincadas nas lutas cotidianas, ao que tudo indica escrito por militantes engajados nestas lutas, ele busca romper alguns tabus (tomados como naturais ou intransponíveis). Rompe-os com o objetivo explícito de fortalecer os Movimentos Sociais – dialogando, assim, com a cultura interna predominante em muitos deles (geralmente estimulada por suas direções), cuja conduta tem procurado abafar uma série de problemas ao invés de encará-los de frente para superá-los.

    A própria quantidade e qualidade de comentários é um sinal inegável deste represamento de dúvidas, angústias, situações revoltantes, críticas e impasses que precisam ser melhor elaborados coletivamente. E precisam ser enfrentados pela base… Afinal R. D. tem razão quando comenta que o texto só atingirá “os seus objectivos se fizer as pessoas envolvidas nos movimentos sociais questionar os problemas de organização. O principal é que a utensilagem teórica do artigo sirva para discutir as questões internas concretas.”

    Cito algumas passagens rápidas do texto, resumindo aquilo que acho fundamental dele: “Não se trata aqui de culpar os burocratas por terem se transformado em tal, mas de analisar o que ocorre nas lutas que torna as massas passivas e, portanto, converte os dirigentes em burocratas. (…) Como age o vírus da burocratização, neutralizando o fervor revolucionário de velhos e novos militantes, criando o ceticismo na base do movimento e promovendo sua desmoralização? (…) Este perigo [da separação] surge quando a base se torna passiva e, portanto, os dirigentes se tornam independentes da base, se burocratizam, se distanciam do convívio cotidiano dos trabalhadores que dizem representar e se transformam nos novos chefes das organizações que controlam. (…) O grande desafio interno à classe trabalhadora atualmente é a generalização e a consolidação das relações solidárias e coletivas estabelecidas diretamente na base dos movimentos. Há cozinhas comuns? Há creches comuns? Há outros espaços formativos horizontais? Como estão organizados? Trabalhador que é afastado deste processo vai tender a afastar-se e a delegar. Isto não são detalhes, são o próprio motor do movimento. (…) Ora, a maior parte dos movimentos sociais continua a constituir um campo onde a luta contra a burocratização pode ser travada com condições de êxito. Parece-nos que esse campo não deve ser abandonado. Pela sua dinâmica interna e pela sua capacidade de superar os limites do corporativismo, lutando por bandeiras mais amplas que unificam diversos setores da classe trabalhadora, os movimentos sociais podem prosseguir um novo ciclo marcado pelo fortalecimento da luta anticapitalista. Os movimentos sociais devem ser defendidos, vale a pena defendê-los e a melhor forma de o fazer é impedir o avanço da burocratização”.

    Tendo em vista estas questões, que me parecem acertadas e fundamentais (ainda mais se pensarmos nas diversas situações e processos concretos descritos pelo texto – sem personalizar nem apontar qualquer movimento específico -, e que tb apareceram nos comentários), creio que um dos desafios posteriores neste debate é aprofundar a análise sobre as razões e os mecanismos que conformam este “refluxo dos movimentos de massa”. É óbvio que não se trata de ficar culpabilizando nem estigmatizando fulano ou beltrano, nem reduzindo importantes experiências da classe trabalhadora brasileira a este ou aquele rótulo (no mais das vezes, rótulos abstratos, politicistas ou acadêmicos). Tampouco idealizá-las, do alto das oportunas torres de marfim, ajuda qualquer coisa…

    Concordo com o quê Manolo comentou aqui linhas atrás: no cotidiano dos movimentos e das lutas, muitas vezes, simplesmente se repete o diagnóstico abstrato de que há um “refluxo dos movimentos de massa” (gerado pelo Neoliberalismo, este Outro), sem nos debruçarmos numa Auto-Crítica profunda sobre os processos internos aos movimentos. Se aprofundarmos, como este texto propõe, talvez vejamos que o tal “refluxo” pode ganhar novas e fundamentais dimensões. Para tanto é preciso refletir sobre “processos internos” que, segundo o texto, podem ser ao mesmo tempo “sintomas da internalização” de uma série de estratégias de dominação próprias deste período histórico de capitalismo turbinado. Tais processos internos (de burocratização renovada) podem ser frutos deste refluxo, mas também ajudaram a produzí-lo e o retro-alimentam.

    Como têm sido concretamente as nossas maneiras e formas de organização no combate contra o capital em nossos locais de moradia, de trabalho e em outros espaços? Qual a efetividade destas formas a curto, médio e longo prazo – pensando em nossos processos de formação coletiva e individual? Estamos nos fortalecendo e, consequentemente, fortalecendo a luta anti-capitalista? Quantos novos militantes e, sobretudo, novos seres humanos (críticos, combativos e bem-dispostos) têm sido formados nestes processos? Quantos espaços verdadeiramente autônomos e independentes – inclusive auto-sustentáveis, se possível – estamos conseguindo construir? E, em negativo: quanto de atrelamento, de deformação e de novas patologias (coletivas e individuais) têm decorrido das variadas experiências de resistência levadas adiante por nós e todos nossos valorosos companheiros?

    Nós vivemos no dia-dia as infinitas estratégias de controle e de repressão para que as pessoas como nós sequer consigamos despertar e se engajar em qualquer espaço/processo coletivo… Entretanto, tem se somado a isto também toda uma série de hábitos repetitivos e de mecanismos de controle internalizados nas organizações da classe trabalhadora, gerando reprodução de ilusões, mais-cansaço, colapso físico e mental, acomodação, arrefecimento da crítica e da combatividade dos trabalhadores (e é sobre estes perigos que o texto procura levantar uma série de questões relevantes…).

    Acredito que há inúmeras outras dimensões importantes de serem aprofundadas nos próximos comentários e em outros textos aqui no Passa Palavra (ou alhures). Vou ficar em apenas duas novas questões que deixo para este debate:

    1 – Conforme o Eric adiantou acima: me pergunto se o conceito de “burocratização”, com todos os mecanismos e categorias descritos sobretudo na primeira parte do texto, é mesmo suficiente para dar conta de toda a complexidade dessas novas formas de arrefecimento e recuperação do espírito crítico, do sentimento de revolta e de amor, e das próprias experiências de luta anti-capitalista? Afinal, me parece que há novos tipos mais requintados de recuperação, criados de maneira ativa pela própria reestruturação da sociedade capitalista atual, e, por conseguinte, na vida desestruturada da classe trabalhadora nessas últimas décadas.

    Em resumo: estamos a falar do mesmo tipo de “burocratização dos movimentos sociais” lá dos tempos da social-democracia, cuja crítica aqui no Brasil fora feita já na década de 1980 em relação aos rumos tomados pelos movimentos sindicais e urbanos mais autônomos surgidos nos anos 1970? Ou aconteceu uma ruptura muito mais profunda e mais sofisticada nestes últimos 25 anos (sobretudo dos anos 1990 para cá), com a criação de inúmeras novas formas de gerenciamento da revolta e do engajamento (as tais ONGs, Terceiro Setor, Projetos Sócio-Culturais, Fundações Cidadãs, Convenções Nacionais, Conselhos Temáticos, Fóruns Sociais, Observatórios de Misérias, Portais de Blogs, Twitters etc etc). Podemos e devemos colocar tudo isso sob a rubrica de “burocratização”?

    2 – A segunda questão que deixo aqui Leo V., Alex e Eric também ameaçaram levantar em seus comentários, embora não tenham nomeado: diz respeito às especificidades da “atuação em Territórios” (bastante presente na América Latina, como sabemos), onde as organizações dos trabalhadores enfrentamos todas as lógicas e culturas específicas das “novas formas territorialistas” que o capital adquire em cada um de nossos espaços de atuação, sejam eles Urbanos ou Rurais. Quais as especificidades e as dificuldades próprias em cada um destes lugares de atuação? Que tipo específico de “burocratização” surge em cada um destes territórios: hierarquias, separações, conflitos, representações, clientelismos, institucionalizações? Como podemos aprofundar a análise de cada uma delas, dos seus riscos e eventuais potenciais, pensando ao mesmo tempo em alternativas concretas de resistência: o mais horizontais, autônomas, qualificadas e formativas possível? Qual o papel da linguagem e da comunicação específica em cada um desses Territórios (aqui incluindo os virtuais), até mesmo como antídoto à “burocratização”? Como se situam as táticas locais e as estratégias mais gerais frente aos diversos contextos (geralmente brutais) de atuação em territórios marcados por históricos complicados e por um avanço renovado do capital, cada vez mais violento nas suas estratégias de dominação e de reprodução?

    Ficam estas questões preliminares para um eventual aprofundamento por meio de novos relatos e outras análises mais aguçadas…

  45. Minha última pergunta é : se tanta gente assim concorda, porquê não fazemos algo juntos ?

  46. Uma resposta à pergunta de Douglas: talvez muitos de nós já “façam algo”, “juntos” inclusive. Outra resposta à mesma pergunta: talvez estes que “fazem algo” estejam apenas trocando impressões para retornar ao que “fazem” sabendo que não estão sozinhos em suas críticas. Uma terceira resposta, na mesma linha: talvez nem todo mundo que comentou este artigo esteja assim tão próximo para “fazer algo juntos”. Uma quarta resposta: mesmo um excelente artigo talvez não tenha “poderes” para “juntar” gente para “fazer algo juntos”, e talvez esta sequer tenha sido a intenção de quem o escreveu. Em todo caso, é uma boa pergunta.

  47. Não digo pelos poderes do artigo, claro, estou falando do sentido das respostas, e não, não acho que esteja acontecendo esse fazer comum e articulado.
    Pq nãos e apoiam mutuamente além do sentido de propaganda já que se pressupõem ações específicas. Claro acredito que as pessoas identificadas por siglas sejam, de fato, militantes de sindicatos ou movimentos, que tem na cabeça a questão em outra forma, mas não como outros.
    Se entendemos isso, entendemos algo que responde e coloca outra questão ao artigo, a final, mesmo que seja a preparação para a resistência e a construção de um tipo de militância que sobreviva a um longo período de trevas e onde até a memória das lutas seja difícil de manter.

  48. Primeiro: gostei. O termo autogestão tem sido utilizado na prática de “cooperativas” tuteladas por prefeituras. Cooperativas compostas por trabalhadoras que não coletam o lixo da classe média,isto é, o nome certo é: trabalhadoras ambientais que coletam resíduos sólidos. Tudo mudou! São administradas pelo mercado e tuteladas por estudantes universitários, docentes, funcionários etc. Esta tem sido a prática. Cansadas de tanto catar lixo não têm tempo de catar poemas, filosofia, teatro e muito menos estudar teoria crítica do capital. Os que gerenciam não querem a tarefa para si nem para os seus filhos. Isto é barbárie hipócrita!
    Saludos y salve Abya Yala,
    Felipe Silva, São Carlos.

  49. Após uma conversa com o Rugai, algo me fez pensar. Todos concordamos com as distorções causadas pela instituição do “militante liberado”, mas, com a exceção para o caso sindical, no caso de movimentos sociais em que os militantes não tem fonte de renda garantida, como lidar com o fato de que há militantes que já são “liberados” pelos pais, pois nasceram em condições melhores que lhes permitem não precisar de salário e, logo, podendo militar em praticamente todo seu todo tempo livre.
    Esta questão colocada pelas classes de origem dos militantes é que se tenta sanar com esta medida que, por sua vez, apresenta outros problemas, mas volta a questão, como solucionar este problema por outra via ?

  50. Douglas, bom apontamento. Nem sabia que o Rugai ainda era vivo…

    Isto que você colocou eu conheci na prática. Principalmente em situações de miserabilidade social, ocorre muito de surgirem pessoas de outros cantos, de fora mesmo, até de outra cidade, e iniciarem a organização dos miseráveis para a luta. Em minha formação inicial, desfrutei do contato e apoio deste tipo de gente. Tudo muito estranho, saber que um cara branco, boa pinta, bem nutrido, me saia do seu apartamento na Liberdade para ir lá na quebrada organizar movimento. Só muito depois fui entender que era um cara de partido, que tinha objetivos de longo prazo. Esta situação se reproduziu em outros contextos e me foi muito útil o apoio e a formação dada por estas pessoas. Mas me levou a pensar como que um certo grau de miserabilidade e ínexperiência política configure uma incapacidade de as pessoas lutarem racionalmente por sí próprias, com organização, com objetivo, para além de botar fogo nos ônibus, nos trens e nas escolas, que era o que fazíamos instintivamente, para além, também, de nos matarmos uns aos outros.

    Será que só é possível uma organização autônoma a partir de um dado patamar de experiência política e de base material, ficando os miseráveis a mercê de serem dirigidos?

  51. Seguindo o último comentário do Douglas, a questão do ‘militante liberado’ eu nunca vi como uma forma de “igualdade de oportunidades”; não se irá igualar economicamente (e politicamente) as pessoas num movimento concedendo algumas “bolsas militância”.
    Como já disse, não tenho posição sobre “militantes liberados”, o que significa que, a princípio e sem uma situação concreta, eu não me oporia. O grande problema do militante liberado não viria do fato de existirem os liberados pela sua condição econômica, mas do objetivo do militante vir a ser a manutenção da sua remuneração, da sua situação, deixando a razão de transformação social em segundo plano (o que acontece em geral no sindicalismo e principalmente em partidos que entram na via institucional).

  52. Me parece que grande parte dos comentaristas entendeu que o texto critica os “militantes liberados” por serem burocratas. Não é o que está dito lá, basta ler com atenção. O que me parece bem explícito é que os “liberados” são tratados como empregados pelos dirigentes dos movimentos, tal como se apontou várias vezes nos comentários. O problema é que os “liberados”, apesar de serem tratados como empregados, estão numa posição bastante dúbia: ao mesmo tempo em que recebem ordens inquestionáveis dos dirigentes, necessitam do “trabalho social” da base para executá-las, e daí para tornarem-se “chefetes” aos olhos dela, mesmo sendo tratados como empregados pelos dirigentes, é um pulo.

    Entendo isto como um sintoma de certa leitura deste artigo: os comentários dão a entender que a crítica à burocratização que nele se faz tem como parâmetro uma “militância antiburocrática pura”, que não há nele atenção para as complicadas e variadas nuances dos processos de burocratização — o que não é o caso, ao menos como entendi o artigo.

  53. o artigo é muito bacana porque trata dos problemas efetivos que enfrentamos no desenvolvimento dos movimentos. Porque constituir um coletivo com intenção de atuar por meio da ação direta, instâncias de base, articulação prática entre o pensar-fazer é fácil, e até dura por certo tempo. Mas há alguns elementos que gostaria de tratar aqui, que são do médio prazo da luta e do movimento reivindicativo:

    *** Gerações no movimento e hierarquia – Uma questão não abordada no artigo, que ocorre recorrentemente: tanto na base como entre os militantes há uma circulação constante de pessoas. Esta circulação é maior em período de refluxos do movimento (o refluxo pode ser por demora na conquista de uma pauta ou também por divergências políticas que se extremam), de forma que por certo período há uma dispersão de base social e os/as poucos/as que sobram, na expectativa de reconstruir o movimento, usualmente recorrem à cosntituição de uma memória do mesmo (geralmente pairando entre o saudosismo e a autocrítica) e de um estudo ou novo plano de ações. O que ocorre é que a geração que acompanhou este salto de qualidade tem sobre sí uma reserva moral em um período de novo ascenso da luta. E essa geração que sobrevive a uma crise dentro do movimento conhece duas ou três gerações de luta dentro do mesmo. Daí a hierarquização ser confundida ou concretizada em forma de respeito não são poucos passos.

    *** Loucura: gostaria só de reforçar o que o manolo colocou. Que situação estranha é essa de que se no plano social com aporte institucional os movimentos de base/ação direta geram avanços materiais frente ao capítal, os impactos destes processos de luta sobre os militantes são depressão, surtos, doenças psicosomáticas, calvices, desajustes alimentares, neuroses, traumas. O manolo descreveu muito bem um dos caminhos pra se chegar a esse processo – renúncia da vida pessoal em função do movimento – mas há outros caminhos, que não podem ser esquecidos: o do impacto da repressão polícial e política (tanto dura como morna); a dificuldade em realizar processos de crítica/autocrítica que não sejam paredões psicológicos aliada à facilidade de se adquirir caprichos; o itinerário das lutas e a dimensão total que ela envolve (burocrática, política, de base, de ação). Agir em movimento social é enfrentar os amplos setores do capital, e em certa medida conhecê-los. O curioso é que a saúda debilita-se gradualmente e recorrentemente entre diversos militantes. Qual o caminho pra tratar disso? É partir pra uma forma de atuação tão mais leve quanto descompromissada e efetiva? É partir para as autoajudas/análises constituidas pelos roberto-freireanos (que, a despeito das intenções, desenvolveram-se mais entre classes médias que espaços populares)? Enfim…

    *** Bem, por fim, há que se medir um pouco o trato com o tal “burocrata”. Pois, balanceando a discussão entre leo e manolo alguns comentários acima, vemos que há uma questão de foco a ser trabalhada: se a dinâmica geral do movimento ou da luta gera “personalidades” que sempre tornam-se o alvo fácil da crítica, seguiremos esse processo cíclico de construir e decapitar líderes? O curioso dessa questão é que todos os movimentos buscam, como primeiro e mais claro objetivo, emancipar pessoas, comunidades, grupos. Mas se o processo da emancipação inclui, invariavelmente o do desenvolvimento e trato da vaidade, arrogância, autopiedade e tudo mais, como podemos equacionar isso? Esse processo ocorre entre estudantes, desempregados, sem tetos que militam em movimentos de base. (Para esclarecer, nem o artigo nem os comentários vão nessa direção a que sou contrário, pois não tratam de “culpar” os burocratas). A questão central é: se os movimentos buscam emancipar as pessoas mas nao tem como lidar com uma parte presente nesta emancipação, trata-se de um processo sádico de eternamente gerar o judas?

    Enfim, só pra contribuir um pouco com o debate. O artigo é fenomenal…
    Saudações

  54. Olás!

    O interessante neste tipo de discussão, mais do que o fornecimento de respostas, é a capacidade de gerar questões concretas, que partem de necessidades concretas. Após os últimos comentários, vejo que a questão da “liberação” emerge como uma dessas. Como assegurar a existência material do militante sem, para isso, reproduzir mecanismos burocráticos que tanto criticamos? Está aí um desafio concreto, real, para o qual temos de urgentemente procurar respostas, também a partir de iniciativas concretas.

    Parece-me que hoje não há movimento que saiba lidar com esta nova condição da classe trabalhadora, que inclui desemprego ou precarização total. Até momentos anteriores, quando vigia a relativa estabilidade ocupacional do modelo fordista, o militante e a sua organização, sindical ou não, tinham claramente a distinção entre o que era o momento da vida dedicado ao capital e o que era o momento da vida dedicado à negação do capital, a militância. É claro que no ínterim do processo de trabalho buscava-se introduzir brechas de negação, mas a maior parte dela ocorria durante os tempos livres: bate-papos na hora do almoço, assembleias nas trocas de turnos, encontros ao final do expediente, confraternizações aos finais de semana, nas férias, etc. Mas e hoje? A “flexibilização da jornada de trabalho”, a “vantagem” de se trabalhar em casa, ou, se preferirem, a precarização do trabalho e a ameaça sempre constante do desemprego, simplemente aniquilou essa forma de equilíbrio, e distinção, entre a vida militante e a garantia das condições materiais de existência. Quem atua no terreno concreto das lutas sabe como tem sido sacrificante para os militantes conseguirem dosar a sua dedicação ao ativismo e ao mesmo tempo assegurar suas condições mínimas – e dignas – de existência. Sobre isso, há reclamações vindas de todo lado: “Cara, tá foda, não tô conseguindo dar conta; É muita responsa; Não tô conseguindo conciliar as coisas; Tenho uns trampos pra fazer em casa, mas tenho que participar de uma reunião; Meu semestre na Facu já era, bombei em tudo; Mano, peguei um puta trânsito e perdi quase o dia inteiro; Cara, eu saio de uma reunião pra entrar em outra”, e por aí vai. A verdade é que essa “flexibilização” fez com que as pessoas passassem a trabalhar o tempo todo, estando ou não empregadas,e restringiu ao máximo os espaços para a negação dessa vida. E nós, por enquanto, não reinventamos formas para lidar sobriamente com esta nova condição.

    Enfim, como já disse, não é o caso de aqui fornecemos respostas prontas, mas percebo com um avanço termos conseguido chegar à clareza desta formulação, que é, para mim, uma questão real e mais do que urgente.

    Abraços,
    Taiguara

  55. Muito bom o texto, estou fazendo um TCC sobre o movimento anarquista em São Paulo no início do século XX e achei-o interessante.

  56. Olá achei o texto maravilhoso!!! De muito bom tom e esclarecedor para quem não entende, ou não aceita ou não percebe a cilada na qual estão caindo. Eu sou estudante de Ciências Sociais e gostaria muito de saber se esse trabalho é de equipe ou de algum escritor, e gostaria de saber de quem é. Vcs poderiam me informar pelo meu email por favor.

    Estão de parabéns!!!!

    Abraço a toda a equipe de produção

  57. Cara Ryra e demais leitores,

    O artigo tem a assinatura de seu autor, o coletivo do Passa Palavra. É a ele que deve ser creditado, portanto.

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