Por Passa Palavra

 

Depois de quase duas semanas de intensa mobilização, as tarifas do transporte público das duas maiores capitais brasileiras foram revogadas. Ônibus, metrô e trem de São Paulo voltam a custar R$3,00; e no Rio a tarifa retorna ao valor de R$2,75.

Em São Paulo, fortemente pressionados por 6 grandes ações de massa que tomaram as ruas da cidade desde o dia 6 deste mês, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad foram constrangidos a vir a público anunciar o recuo frente à mobilização conduzida pelo Movimento Passe Livre. A decisão foi tomada após negociação entre os dois e conversas feitas com o governo federal.

Se do ponto de vista econômico a conquista pode parecer ninharia, no que tange ao seu significado político ela é enorme. Os dois maiores partidos que comandam a política institucional do país foram simultaneamente derrotados pela luta direta encampada por um jovem movimento social; uma luta que transcorreu nas ruas, longe dos gabinetes e das mesas de negociação. Trata-se de uma experiência inédita para uma geração de militantes que, há pelo menos 15 anos, vem sendo forçada a acreditar que a aceitação dos espaços pré-estabelecidos pelas instituições de poder é o único caminho a seguir, que vem sendo educada a admitir que a única política realizável é a política do possível, da redução das expectativas, do burocratismo.

E o que se dirá então de seu potencial de irradiação? Já são centenas de municípios do país a se organizar em torno da pauta que aflige milhões e milhões de trabalhadores na sua lida cotidiana sem o poder de rebelar-se, padecendo numa conjuntura aparentemente congelada e sem fim.

Como já fora dito em outros momentos por este site, era preciso sair do roteiro, uma certa dose de irresponsabilidade política nos fez bem; carecíamos de impulso de rebeldia, espírito de recusa – em uma palavra: ousadia.

Decisivo também talvez tenha sido o fato de essa disposição para a ação coletiva de enfrentamento, sempre tida como exclusividade de uma parcela mais abastada e “privilegiada” da classe trabalhadora, ter alcançado alguns pontos da periferia da cidade e região metropolitana. Desde quarta-feira, ações localizadas de protestos como os que ocorreram na M’Boi Mirim, em Taboão da Serra, Franco da Rocha, São Bernardo, Grajaú e outros sinalizam a possibilidade – explosiva – destes dois mundos se combinarem, ainda que nenhum projeto ou organização política esteja em condições de despontar como catalisador de um programa político definido – o que deve ter feito muito agente da ordem coçar a cabeça ainda mais e apressar prefeito e governador a selarem um pacto de divisão de prejuízos e tomarem medidas que buscam estancar a revolta social em tempo hábil.

A guerra travada pela redução das tarifas parece ter devolvido às ruas embates e contradições que, desde a solidificação dos mecanismos de conciliação inaugurados pela era PT, eram canalizadas para o interior dos palácios e, por isso, tendiam para a anulação. Uma fissura? Ocorre que, nesse processo, não são apenas as forças de esquerda as únicas a serem liberadas. Quais serão os verdadeiros frutos dessa curta jornada, não sabemos. Mas teremos de começar a pensar em colhê-los desde agora, ou melhor, amanhã, porque hoje é dia de comemorar!

Os leitores portugueses que não percebam certos termos usados no Brasil
e os leitores brasileiros que não entendam outros termos usados em Portugal
encontrarão aqui um glossário de gíria e de expressões idiomáticas.

4 COMENTÁRIOS

  1. Acabo de voltar do Ato no Rio de Janeiro.

    Hoje vivi a seguinte situação: embora não seja de nenhum partido, fiquei próximo às bandeiras porque vinha acompanhando a atuação autoritária da direita, em outras cidades e também aqui, nos atos anteriores. Na passeata estávamos o tempo todo pressionados pela direita, que vinha atrás tocando o terror. Estávamos defendendo as bandeiras erguidas, contra os fascistas, autoritários e nacionalistas-imbecis-politicamente-inexperientes-com-raiva-social-direcionada-pro-alvo-errado quando um dos nossos acabou apanhando e caindo, antes que conseguissemos restabelecer a posição. Mas eis que quando chegamos o fascistinha “abaixa a bandeira” estava a chutar nosso camarada enquanto simultaneamente gritava: “liberdade de expressão porra!”. Seria de rir se não fosse de chorar. E não acho que seja sarcasmo do fascistinha, e sim imbecilidade mesmo. Estou em pânico. Vivi o terror hoje, e tive que ir embora porque depois de mais de uma hora dessa luta física anti-fascista, de pau comendo e povo burro ao lado apoiando o fascismo, e caminhão de som totalmente descolado do chão, e de ao fim perdermos a luta (sim, passaram!) acabei não conseguindo ficar no ato, porque todo grupo de que me aproximava me dava medo de ser os fascistas, me reconhecerem e me espancarem. Antes de ir pro ato até comentei nas redes sociais que hoje a batalha seria intrafileiras, mas hoje a coisa foi tão feia que depois de dias enfrentando a repressão policial pra construir nossa luta, quando fui embora eu procurava os focos de policiais e passava perto deles, de tanto medo da direita organizada e violenta.

    Temos urgentemente que mudar o grito de “amanhã vai ser maior” pra “amanhã será organizado”. A desorganização só favorece a direita. Praticamente todas as contradições do movimento, que em outros contextos fazem o próprio movimento avançar e se auto-superar, no contexto atual jogam a favor da direita. O apartidarismo, especialmente quando confundido com o anti-partidarismo, joga a favor da direita. A inexperiência política da massa, joga a favor da direita. O ufanismo protofascista, que sempre esteve latente e há décadas vem sendo alimentado por Galvão Bueno etc., joga a favor da direita. As divergências e picuinhas internas à esquerda, jogam a favor da direita. As merdas históricas dos órgãos clássicos da classe trabalhadora, causam a ojeriza aos partidos e sindicatos também entre os que não são tão principiantes politicamente, e isso joga a favor da direita. A crise capitalista aprofundada, e sua gestão por um partido pretensamente “de esquerda”, joga a favor da direita. A raiva acumulada por séculos de superexploração, e seu resultante, um ódio mal-direcionado, joga a favor da direita. Enfim, quase tudo joga a favor da direita. A organização da esquerda é pra ontem. O fascismo está aí, comendo pelas beiradas e se aproveitando de todas essas contradições, que jogam a favor da direita.

  2. A realidade foi escancarada: a extrema-esquerda é uma minoria completamente impotente frente aos arroubos populares. Acabou-se a inocência romântica do “povo nas ruas”, da violência revolucionária destrutiva: aqui no Brasil, hoje, a direita é muito melhor nesse jogo que a esquerda.

    Qualquer motivo para sectarismo hoje deve ser colocado de lado e há uma urgência para o amadurecimento das esquerdas brasileiras no sentido de análise de conjuntura (a conjuntura hoje está esbofeteando qualquer veleidade intelectual). Quem ontem estava preocupado em garantir que os protestos não tenham comissões de segurança, preocupados com “polícias” internas à esquerda, tem que começar a pensar que a “polícia” da esquerda talvez deva existir para protegê-la de outras forças sociais hostis à democracia, nostálgicas de um tempo sem partidos nem organizações populares.

  3. Bom, o que dizer agora? Barramos de fato alguma coisa? Ou só promovemos a nós mesmos e aos samangos da direita? Mesmo que zerasse o valor das tarifas, o que é ilusório (sempre se paga de algum modo, ou se obtém mais desconforto ainda), mudaria as relações de propriedade no Brasil?

    E o custo inflacionário desse movimento e da instabilidade por ele semeada, não são as classes baixas que pagarão? O que estamos comemorando mesmo, então? Era evidente que quanto mais desestabilizarmos o centro, a direita ganharia!

  4. A posição de Marcela – que lembra muito a de Aurismar em outro post – não é outra senão a exata linha política que deve ser adotada pela cúpula governista e que deve ser transmitida aos movimentos sociais pelos seus moleques de recado.

    Se pusermos em prática o raciocínio de Marcela, a esquerda nunca poderá se mover pelo simples fato de existir a direita. Assim, a esquerda só poderá fazer alguma coisa quando a direita deixar de existir. Mas como direita e esquerda são demarcações políticas relativas, uma existe em oposição à outra, isso significa que, quando a direita deixar de existir a esquerda também não mais existirá.

    Logo: a esquerda só poderá agir quando ela já não mais existir. Brilhante!

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