Se já não bastassem as novas tecnologias da informação e a capacidade absurda de processar e cruzar dados à qual chegaram as empresas e o Estado, ainda nos expomos voluntariamente filmando as nossas próprias ações diretas, nos fantasiamos de revolucionários e postamos tudo o quanto antes no Facebook, e se possível já no caminho para casa deixamos os rastros via Twitter. Se queremos de alguma forma constranger a repressão, que seja pelo menos pondo-a para trabalhar. Passa Palavra

8 COMENTÁRIOS

  1. Numa improvável fusão de enunciados, Castoriadis e Debord diriam: “É a ascensão da insignificância na sociedade do espetáculo.”

  2. No que diz respeito a ação direta, vemos que toda a esquerda, toda a esquerda, acaba ficando para trás diante da capacidade autônoma dos precarizados de criarem formas de resposta, formas de luta contra o capital. O movimento do momento são os rolêzinhos, quando jovens se reúnem para ir ao shopping mesmo que não tenham grana pra gastar. Isso altera o caráter de templo do consumo do shopping e o transforma num espaço público de lazer.

    Quem inventou o rolêzinho? Em qual livro ou estratégia estava posto tal tipo de luta fascinante e fortemente crítica. Os analfabetos e deseducados estão lutando de forma inovadora. Aprenderam por si e estão criando.

  3. Lobeiro,
    me parece ser necessário aclarar uma coisa: o rolezinho é uma “luta”? Não estaremos banalizando a idéia do que significa uma luta, ao analisarmos o rolezinho desta forma?
    Outra coisa é o seguinte: “a esquerda” não está por todas as partes. Se já é difícil muitas vezes construir uma luta em conjunto com setores auto-organizado da classe trabalhadora, que se poderá dizer de participar de algo tão espontâneo, convocado por pessoas tão afastadas de uma militância ou mesmo de uma atuação social coletiva.
    Como abordar esse setor num evento como esse? Como fazê-lo sem parecer um alienígena entregando panfletos?
    “Aprenderam por si e estão criando”? Se por acaso falharem em sua luta, será porque sempre estiveram errados, ou será porque, segundo você, estão sempre certos?

  4. “Isso altera o caráter de templo do consumo do shopping e o transforma num espaço público de lazer.”

    Os shoppings são espaços de lazer pro rolê da galera mais pobre, que não vai lá necessariamente comprar, faz muito tempo. Não acho que seja essa a questão. O lance dos rolêzinhos é o fato de ser uma coisa desde já coletiva (e até massiva) e, pelo que parece, quebrar a disciplina da utilização “normal” do shopping, isto é, quebrar o controle que a administração exerce sobre as pessoas, em sua maioria trabalhadoras, que ali costumam passear individual e passivamente.

    O shopping não é um “templo de consumo”, pelo menos não mais que a rua ou a cidade inteira… acho que é mais um espaço de sociabilidade controlada. Basta ver a truculência extrema dos seguranças diante de qualquer coisa inesperada, seja uma manifestação, uma filmagem ou uma roupa diferente. Me lembra muito a truculência que existe contra pessoas que usam os terminais de ônibus, por exemplo, quando elas não se comportam como a administração prevê.

    Agora, a capacidade de criar novas relações a partir dessa luta atomizada, convocada por facebook, que me intriga. Talvez o recorte que está sendo dado agora, de “luta contra o apartheid” e contra a discriminação claramente de classe das medidas judiciais contra os rolêzinhos dê uma chave.

    Realmente não sei.

  5. Pessoas de uma determinada fração da classe trabalhadora, jovens precarizados no geral, se organizaram via Facebook e outras redes sociais para ocupar um certo espaço. Isto é um rolezinho. Um shopping center hoje não é nem espaço privado nem espaço público, talvez os dois, talvez nenhum, porém ainda assim é um espaço. Não se difere muito de uma praça mantida pelo poder estatal, hoje quase todas também gradeadas e cercadas por seguranças, ou as próprias vias públicas cheias de câmeras e anúncios de publicidade. A pauta é bem objetiva, só não vê quem não quer: zoar, paquerar, ofender esteticamente outra fração da classe trabalhadora (os não-precarizados, ditos classe média) e desejar mais de perto aquilo que pouco podem consumir. Todos ali sabem que há uma transgressão. E inteligentemente é uma transgressão que não transgride leis, mas a moral e os bons costumes. Isto tudo criou um baratino nas instituições e seus gestores, que não souberam achar uma solução satisfatória para manter o status quo, porém não causou o mesmo efeito na repressão, que soube agir. Algo muito parecido com o que aconteceu em junho, mas por outros motivos. Pra mim é sim uma luta, portanto.

    O que eu sei é que não é a minha luta. E não é por um elemento bem simples: não sou mais tão jovem assim nem sou mais precarizado. Agora, se é uma luta que devo apoiar diretamente ou não é outra coisa que responder imediatamente seria precipitado. Vale a pena ou não se juntar a esta rapaziada e ir dar também um rolezinho nos shoppings? O que já não me soa precipitado é dizer que devemos rapidamente denunciar as ações de repressão que vêm acontecendo.

    Já o que me delicia nisto tudo é que boa parte dos que se acham de esquerda vem agora com esse papo de ser contra o consumismo, segundo ela a base dos rolezinhos. E deve ser mesmo. Enquanto a polícia tira deles o direito de entrar neste espaço público/privado ou não, a esquerda moralista tira deles o direito de ter ou pelo menos desejar aquilo que eles acham que devem. E depois saem por aí escrevendo teses de que estamos “no refluxo das lutas”. Os mais legais querem transformar os rolezinhos numa luta contra o racismo. Outros numa questão espacial (periferia x centro). A maior parte, entretanto, vai mesmo virar às costas. E a vida segue desse jeito aí: ou negando as lutas, ou encaixando-as em gavetas, mas nunca fazendo o esforço de articular os pontos em comum.

    Agora, esse debate ser feito aqui, no Flagrante Delito que provoca os “Comunistas de hoje”, é por si só um rolezinho. Um passeio fora do lugar. E uma prova de que há muito mais em comum entre “nós” e “eles”, nem que seja a repressão e a necessidade desesperada de se exibir.

  6. “Um dos organizadores do segundo “rolezinho”, no shopping Internacional de Guarulhos, alertava para a situação desfavorável em seu perfil no Facebook: “Temos que manter a disciplina sem baderna, sem drogas, sem bebidas alcoólicas. Nós vamos pra curtir. Se quiser fazer essas coisas, não estará participando do encontro. Faça fora do shopping porque estão todos voltados a nós: a tevê e os jornais estão olhando pra nós. Se nós fizermos baderna não vamos ter moral para pedir nossos direitos e vamos ser passados como marginais”. http://www.cartacapital.com.br/sociedade/nao-e-so-pelos-bailes-funks-2178.html

  7. Muito bom esse flagrante delito. Acrescentaria também aqui a questão dos nomes. No fórum libcom, por exemplo, todo mundo (ou quase todo mundo) posta seus textos e opiniões com pseudônimos. Revelar os nomes aqui nesse site (e outros) também ajuda a repressão em seu trabalho.

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