Por apoiadores da Ocupação Tupã

Lutar por moradia digna, essa é a condição de milhares de pessoas nos grandes centros urbanos, como ocorre às centenas na cidade de São Paulo. Contudo, também se constitui como modelo de negócio para diversos oportunistas que exploram as carências e misérias de setores da população. Se até no lixão nasce flor, não é menos verdade que há exploração até na miséria.

Pouco menos de 70 famílias padeceram de tal situação no coração antigo de São Paulo, em que o lobo se vestiu em pele de cordeiro. Elas pagavam uma “taxa” para entrarem no prédio ocupado – valor que variava conforme a arbitrariedade das “direções” que diziam Lutar por Moradia Digna. Contudo, no momento da primeira notificação de reintegração de posse (dois meses após a entrada) a direção se esfumaçou sem sequer avisar a situação para as famílias ocupantes.

A ocupação do prédio Tupã 187, situada nas esquinas da Praça Marechal Deodoro e São Vicente de Paulo, ocorreu em 26 de outubro de 2013, sendo que a primeira tentativa de reintegração veio em 14 de janeiro de 2014. Já sem o “movimento” original e suas direções, as famílias conseguiram reverter essa reintegração. No entanto, nesse processo algumas famílias abandonaram o prédio – por medo da reintegração – enquanto outras permaneceram e mais famílias se somaram à nova comunidade de cinco andares.

A segunda tentativa de reintegração foi marcada para o dia 27 de fevereiro (véspera de Carnaval). Mais uma vitória das famílias conseguiu protelar o despejo que, contraditoriamente, faria com que novas famílias passassem a habitar os viadutos e ruas da cidade. Como nos disse uma senhora: “Mas o que eles [os governantes] querem? Por um lado criam programas para retirar os moradores da rua, mas de outro lado fazem com que novas famílias virem sem teto” — ao não terem uma política consistente de resolução desse problema social, não obstante a abundância de prédios abandonados, como o Tupã 187, que por sete anos não tinha vida pulsando em seu interior. Na verdade, como nos disse um morador, havia vida sim, de ratos, baratas e demais insetos.

Situação inversa a que existe hoje, em que cerca de 200 pessoas preenchem de vida e histórias as veias de concreto.

Histórias como a de Cláudio e Simone com seus três filhos, que haviam acabado de se mudar quando os entrevistamos. Nessa prosa, Cláudio nos explicou que trabalhava para uma empresa terceirizada de reciclagem com um contrato que, em suas palavras, era “de exploração do trabalhador”, pois não possuía a garantia de nenhum direito para receber os pouco menos de R$ 700,00 reais para sustentar sua família e mais o novo filho – que não sabiam ao certo quanto tempo Simone estava a esperar, pois ela não havia passado por atendimentos médicos especializados. Essa realidade não é apenas de Simone, mas a de muitos moradores que precisam de atendimentos a uma série de serviços.

Curiosamente, ao lado da ocupação fica o hospital Santa Cecília, que ao que parece é o maior interessado na saída das famílias, pois se cogita que o pedido de reintegração foi feito por um grupo de empresários ligados ao hospital. Além disso, o hospital estaria usando as salas comerciais do prédio para guardar maquinário antigo, o que tem causado danos ao prédio, à rua e principalmente às pessoas pelo líquido insalubre que vaza pelo prédio para a rua constantemente e pela proliferação de mosquitos.

Vidas como da Dona Railda, que mantinha uma jornada de trabalho das 6h às 21h30 em “casa de família” e que agora, com a garantia (mesmo que provisória) de um teto, afirmou que intimaria os patrões por uma jornada menor de trabalho e teria “voz ativa”. Ela nos explicou que agora poderia falar diante da exploração que antes sofria calada.

Entre outras tantas histórias que forjam uma consciência de sua situação de classe e também laços de solidariedade no cuidar e ajudar o outro. No olhar-levar-cuidar das crianças do vizinho, no dividir o alimento, no cozinhar para o outro, no puxar uma fiação, arrumar um encanamento, pintar uma parede. Nessa argamassa da vida cotidiana as pessoas – muitas das quais passam pela primeira experiência de ocupação – vão construindo sua luta com braços e abraços de um micromundo (com tudo e todas as coisas, boas e más, que envolvem o mundo humano) e, através de suas lutas cotidianas, vão reencontrando uma dignidade que, por vezes, pensava-se apagada, mas percebe-se que jamais perdida.

Qual a sensação?
De estar sem lar?
Como uma completa desconhecida?
Como uma pedra rolando?

Bob Dylan, “Like a Rolling Stone”

Fotos: apoiadores da Ocupação Tupã

Atualização 13/03:

Veja abaixo pequeno vídeo sobre a Ocupação Tupã, realizado pela Ação Direta de Vídeo Popular:

5 COMENTÁRIOS

  1. Belo texto. Lindas fotos. Força a todas as famílias e apoiadores nessa luta ingrata. E a secretaria de saúde não tem nada a declarar sobre o papelão do hospital?

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