Existe um projeto de universidade em vigência e em continuo aprofundamento no Brasil. São traços fundamentais deste projeto a orientação da formação discente para o mercado; o produtivismo das atividades de pesquisa, que tendem a prejudicar sua qualidade; e a aproximação entre universidade e grandes empresas a partir da qual se encomendam e moldam pesquisas bem como outras atividades acadêmicas visando a apropriação privada dos conhecimentos técnicos gerados.

Tendo em vista o panorama apresentado, um dos pilares da universidade – a extensão – se apresenta hoje cada vez mais privatizada, e com duas faces. De um lado, a extensão comunitária, que tem como diretriz a atuação junto às comunidades fora da universidade, tradicionalmente excluídas do processo de desenvolvimento. Do outro lado, a extensão paga, que é um reflexo e corrobora para o processo de mercantilização do ensino e da pesquisa, cristalizando-se como projeto de extensão hegemônico na Universidade. Isso é válido inclusive para as universidades públicas, fato nefasto que evidencia o desvirtuamento de princípios e o processo de privatização no qual estas estão imersas.

A desvalorização e a precariedade que permeiam a extensão comunitária se tornam patentes quando observamos dois elementos fundamentais do cotidiano de professores e estudantes. Nos formulários de avaliação das atividades docentes, por um lado, simplesmente não existe um campo relativo à extensão. Mesmo aqueles que atuam na extensão e fazem questão de registrar tais atividades no campo “outros”, não recebem pontuações ou benefícios de progressão de carreira com isso. Por outro lado, os currículos de graduação e pós-graduação não preveem tempo a ser dispendido nas atividades de extensão comunitária. Os discentes que decidem se envolver com tais atividades são obrigados a se desdobrar em meio à grande carga de aulas e estudos extraclasse. Em termos acadêmicos, portanto, não existe nenhum incentivo para o desenvolvimento de práticas extensionistas.

Na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) tal processo de precarização da extensão comunitária se evidencia de diversas formas, dentre elas numa análise da diminuição dos recursos destinados à essa nos últimos anos. Os dados orçamentários da Unicamp revelam que em 8 anos a quantidade de recurso destinada para a extensão comunitária subiu de 250 mil para 300 mil, um aumento de 20%. Já a inflação acumulada de janeiro 2007 a janeiro de 2014 foi de 46,7%. [1] Para que os recursos destinados à extensão comunitária continuassem com o mesmo valor real, sem perda, seu aumento no período deveria ter sido, no mínimo, equivalente à variação de preços.

Se observarmos a outra face da extensão, veremos um panorama bastante distinto. Para o segundo semestre deste ano de 2014 estão abertos 95 cursos de extensão pela EXTECAMP. A esmagadora maioria funciona mediante cobrança de taxas de inscrição[2] , contrariando o caráter de ensino público da Universidade. O dinheiro oriundo de tais cursos constitui parte importante da arrecadação de receitas próprias na Universidade que, segundo a previsão orçamentária de 2014, gira em torno dos R$ 5.850.000,00. [3] Como podemos ver a extensão paga não vive uma situação de restrição orçamentária; contribui para encher os caixas das unidades de ensino da Universidade (faculdades, institutos, etc.); e consolida mais um espaço de formação quase exclusivamente voltada para o mercado [4] . Isso fica evidente quando nos deparamos com cujos cujo caráter é claramente voltado para suprir as necessidades técnicas-científicas – de qualificação de mão de obra – de grande empresas e corporações.[5]

A ITCP-Unicamp (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares) é atualmente um dos poucos programas de extensão comunitária na Unicamp. É importante ressaltar que dentro do campo da extensão comunitária nós nos reivindicamos enquanto extensão popular, por entendermos que nosso trabalho não é pautado por uma mera extensão do conhecimento acadêmico para as comunidades com as quais trabalhamos, mas sim por uma troca de saberes que prioriza o protagonismo dos grupos populares na atuação dentro de suas comunidades, partindo de uma concepção de educação popular. Outro importante princípio na história da ITCP é o trabalho com os movimentos sociais, decorrente da nossa análise de que a economia solidária não pode resolver os problemas mais estruturais das comunidades. Logo escolhemos politicamente trabalhar com empreendimentos econômicos solidários que estão atrelados com tais movimentos. Atualmente mantemos trabalhos de educação popular com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MTD (Movimento dos trabalhadores Desempregados) e MNCR (Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis).

A ITCP é exemplo do processo de precarização e descaso da Universidade com a extensão popular. Atualmente a incubadora, apesar de ser reconhecida pela Unicamp enquanto programa que está institucionalmente localizada dentro da CAC (Coordenadoria de Assuntos Comunitários) e possuir um espaço físico para seu funcionamento, não é formalizada e não recebe nenhum repasse financeiro da Universidade para seus trabalhos. Tal programa depende e sempre dependeu da aprovação de projetos em editais destinados à extensão, como o Proext[6] e o Proninc[7]. Atualmente, devido ao atraso no repasse dos recursos de tais editais, a ITCP está em vias de interromper seus trabalhos ainda esse ano, apesar de contarmos com dois editais Proext (2013 e 2014) aprovados.

Denunciamos, então, o descaso para com a extensão popular em geral, e em especial com o trabalho da ITCP-Unicamp em um contexto de falta de recursos e previsão de desaparecimento da Incubadora frente ao processo de privatização e adequamento da Universidade aos objetivos do grande Capital. Reivindicamos apoio mais estrutural da reitoria para que nosso trabalho, que é um importante pilar na tentativa de manter o caráter público da Universidade, continue de modo mais estável, garantindo número mínimo de 4 bolsistas e gastos mínimos para o deslocamento até os locais de incubação. Também exigimos que uma parte maior do orçamento da Unicamp seja destinada à extensão comunitária e que as atividades a ela relacionadas sejam reconhecidas e valorizadas nas avaliações docentes e nos currículos de graduação e pós-graduação.

Tais reivindicações se inserem num movimento de luta por uma Universidade realmente pública e que trabalhe com as comunidades historicamente excluídas do processo de produção do conhecimento. Somente assim, nessa dialética entre conhecimento popular e conhecimento técnico-científico, podemos pensar num saber realmente transformador que possa tornar as comunidades mais autônomas e com um maior empoderamento em relação aos processos de produção e reprodução de suas vidas.

Coletivo de monitoras e monitores da ITCP (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares)

Notas
[1] Cálculos realizados a partir dos dados recolhidos do sites
<http://fundos.economia.uol.com.br/uol/calculadora-indices-inflacao/Default.aspx> acesso 09 de Julho de 2014 às 13:40.
<http://www.bcb.gov.br/Pec/metas/TabelaMetaseResultados.pdf> acesso 30 de Junho de 2014 às 13:20.
[2] Informações disponíveis no site da EXTECAMP: <http://www.extecamp.unicamp.br/extensao.asp>
[3] Informações disponíveis no site da AEPLAN: <http://www.aeplan.unicamp.br/proposta_orcamentaria/unicamp/pdo_unicamp_2014.pdf>
[4] Ver os cursos oferecidos no site da EXTECAMP (nota 2)
[5] Alguns exemplos de cursos com este caráter são “Gestão, Liderança e Desempenho de Equipes”, “Gestão de Mercado”, “Gestão de Negócios”, “Técnicas de Melhoria da Gestão dos Estoques”, etc. Fonte:<http://www.extecamp.unicamp.br/extensao.asp>
[6] Programa de Extensão Universitária do Ministério da Educação
[7] Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares da Finep

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