Distorcendo os fatos para que caibam em sua tese, CartaCapital fez jornalismo ruim. Por Miguel Said Vieira

Há vários problemas no último artigo da CartaCapital sobre o MPL, intitulado “MPL mira em Haddad e alivia para Alckmin”. Quero discutir aqui aqueles que talvez sejam os mais elementares, tratando-se de um texto jornalístico: seus erros factuais; vamos a eles.

O primeiro parágrafo do artigo apresenta a seguinte afirmação como evidência central para sua tese, apresentada no título:

Três dos seis protestos começaram ou terminaram na sede do poder público municipal.

Em apenas um ato isso ocorreu de forma proposital: o 4º, em que a primeira parada foi a Prefeitura.

Outro ato (o 2º) foi atacado e interrompido pela PM em frente à Prefeitura, mas não fosse isso o ato seguiria adiante, conforme o trajeto decidido em assembleia. Se dá pra dizer que ele “terminou” ali, é certo que não foi essa a intenção dos manifestantes.

Já seria complicado dizer que dois atos, assim, começaram ou terminaram na Prefeitura; que conta o artigo faz para afirmar que isso ocorreu em três atos, então? No parágrafo seguinte, o autor “recapitula” os atos e parte de seus trajetos; mas de novo, a conta não fecha.

Recapitulando: o primeiro ato, dia 9 de janeiro, começou na Prefeitura …

Não é verdade: esse ato começou no Teatro Municipal; e sequer passou diante da Prefeitura, pois dali seguiu na direção oposta, para a Consolação.

atocontratarifa

… o quarto [ato], dia 23, foi dispersado a poucos metros da Prefeitura, onde terminaria …

É absolutamente falso que esse ato “terminaria” na Prefeitura: ele terminaria na Praça da República, e isso está documentado. Veja-se, por exemplo, o registro da assembleia em que decidiu-se o trajeto (aos 33:35 do vídeo). Ele foi “dispersado” pela PM na esquina da R. Conselheiro Crispiniano com a Av. São João; a 4 quadras (ou cerca de 500m) da Prefeitura, num local do qual nem é possível enxergá-la.

Alguém talvez conteste que, vá lá, a Prefeitura é próxima aos locais onde começaram ou terminaram esses atos (o Teatro Municipal e a esquina da R. Conselheiro Crispiniano com a Av. São João), e nesse sentido o artigo estaria correto em sua conta. Será? Bom, a União Soviética era próxima à Polônia (eram fronteiriças); mas nem por isso dizemos que a II Guerra Mundial começou com a invasão das repúblicas socialistas, e sim com a invasão da Polônia. Na cobertura dos atos, uma tal “aproximação” seria, no mínimo, imprecisa.

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Faixas de um dos atos em que, segundo CartaCapital, “o foco é só o prefeito”, e o governador é poupado. Fonte: 2º Grande Ato Contra a Tarifa.

Até aqui, o artigo tentava argumentar que os atos do MPL focam Haddad; e o parágrafo seguinte passa a sustentar que, em paralelo, eles também poupam Alckmin. E aí vem outro erro factual:

Nenhum dos 6 atos, contudo, passou por nenhuma secretaria estadual.

Mais uma vez, falso: no 4º ato, um dos pontos do trajeto foi a Secretaria Estadual de Transportes Metropolitanos, responsável pela CPTM, a EMTU e o metrô. Também nessa secretaria terminaria o 2º ato (não fosse o já mencionado ataque da PM), fato que a matéria omite. Em ambas as manifestações, a Secretaria Estadual era um ponto explícito dos trajetos escolhidos pela assembleia; na do 2º ato, em particular, o manifestante que tomou a palavra para defender a escolha desse trajeto argumentou justamente que ele passava por ambos os poderes responsáveis pelas tarifas: a Prefeitura Municipal, e a Secretaria Estadual. A assembleia deve ter concordado, pois escolheu esse trajeto dentre os três ou quatro apresentados.

Perguntei ao autor da matéria onde ele checara as informações sobre os trajetos; insisti, mas recebi apenas uma resposta evasiva: “acompanhamos os atos desde sempre”.

Com tantos erros factuais, parece que algo de errado houve nesse acompanhamento. E não era necessário nem que um repórter do veículo tivesse ido aos atos para checar a maioria dos erros que apontei: o CMI-São Paulo (Centro de Mídia Independente) transmitiu a maioria deles, por exemplo, e seus vídeos continuam disponíveis na internet.

Distorcendo os fatos para que caibam em sua tese, CartaCapital fez jornalismo ruim; o artigo ainda não ouve o “outro lado”, e sequer menciona entrevistas ou relatos de participantes dos atos — é praticamente um editorial. Pior: com essa postura, a revista perdeu a oportunidade de contribuir para um debate sério e honesto sobre as estrategias do Movimento Passe Livre; debate legítimo e necessário, mas que, pelo andar da carruagem, não se dará mais em suas páginas.

13 COMENTÁRIOS

  1. Existe muitíssimos problemas de apuração e inconsistência de argumentos do frágil texto publicado na página da Carta Capital. Mas atentando apenas ao trajeto, ainda é preciso lembrar que o 3° e o 5° ato terminaram com confrontos na tentativa de catracaços nas estações Belem e Brigadeiro Faria Lima.

  2. Alckimin e Haddad prometeram passe livre para estudantes.Haddad cumpriu,Alckmin ainda não.Aonde vai ser o próximo ato do mpl?Sim na prefeitura.
    Concordo com a causa,mas não concordo em bater tanto na mais progressista prefeitura desde Erundina e aliviar tanto para um conservador como o alckmin.
    Mais do que lutar por direito,é preciso fazer isso com inteligência,infelizmente o mpl não quer olhar para suas falhas e encarar a realidade.Uma pena.

  3. O MPL-SP tem deixado claro que a luta não é pelo passe livre estudantil, indicando inclusive que tal medida visa cooptar e desmobilizar a luta contra a tarifa. O texto deixa claro que várias das manifestações ocorreram em estações do metrô, geridas pelo governo estadual do PSDB.

    Pelo jeito, quem não quer olhar para suas falhas são os defensores do capitalismo “progessista” do PT.

  4. A prefeitura não concedeu passe livre estudantil, mas um engodo que favorece uma ínfima parte, inclusive dos estudantes. E mesmo esse benefício fragmentado foi fruto das lutas de 2013 e não do progressismo do prefeito.
    Por outro lado, eu que sou professor, recebo do governo do estado o benefício de meia passagem em trens e metrôs, mas não nos ônibus (que é de responsabilidade da prefeitura). Seguindo a lógica do governismo deveria a categoria dos professores aliviar para o prefeito? Não, eles estiveram na Paulista e passaram pela casa do Haddad, bem como traziam bonecos e faixas contra a gestão tucana.
    A questão da redução da tarifa e, de modo mais amplo, do passe livre enquanto possibilidade de usufruir a cidade é o que está em pauta pelo movimento, os desdobramentos eleitoreiros é que são de responsabilidades de governos e partidos.

  5. o haddad não aprovou passe livre para estudantes, ele aprovou vale-transporte estudantil, para o estudante já saber o que é vale-transporte antes de ingressar no mercado de trabalho.

  6. Apenas para registrar: aparentemente, o Lino Bocchini, autor da matéria da CartaCapital, apagou a resposta que deu a mim pelo Twitter — por isso ela não aparece mais no link do antepenúltimo parágrafo, que direcionava a essa conversa. O texto era o que está ali entre aspas, mais algo como “…bom texto”.

  7. Não apagou apenas sua resposta. Noutro post, em que acusava o MPL de usar um “site anônimo” para postar um “texto anônimo” houveram respostas desbancando a [falta de] teoria dele, e na sequência ele apagou também. Creio que em mais essa acusação sem provas ele se referia ao texto: https://badernamidiatica.milharal.org/pt-mira-no-movimento-social-e-alivia-para-alckmin/
    mas pode ser que se referisse também ao Flagrante Delito “Mirando a estatística”(http://passapalavra.info/2015/02/102348). Em todo caso não acho que ele seja um mau jornalista e sim um jornalista comprometido. Com o PT.

  8. Tudo bem chamar o passe livre de estudante de engodo e tudo mais.Fato é que é um avanço. Fato é que Alckmin nem isso fez. Sim a prefeitura atual é uma das mais progressistas,basta ver as ações em outras áreas como o braços abertos e mais recentemente o plano de oferecer salário para travestis que estudem. Eu consigo apontar falhas na gestão Haddad,não sou cego, sou usuário de ônibus e não concordo com o cenário atual, mas MINHA luta vai ser na próxima licitação. Tenho consciência que a grande mídia adora bater na prefeitura, vou dar munição pra eles? Sejam espertos, agora mesmo está em destaque no Estadão um boneco do Haddad para ilustrar o protesto. Por mais que dentro dos protestos existam críticas ao gov do estado, para o eleitor final a prefeitura é o problema de tudo.
    Enfim, continuem do jeito que tá é em 2 anos veremos Russomano de prefeito.

  9. Diego, segundo Haddad a próxima licitação sai neste semestre, e o edital está sendo elaborado (http://www.antp.org.br/website/noticias/show.asp?npgCode=C0042FD5-5364-4C02-9037-C427C693FF79). Por conta disso, no âmbito municipal, os protestos do MPL são um ótimo caminho para pressionar a prefeitura a ser mais exigente com as empresas, reduzindo as taxas de lucro exorbitantes encontradas pela auditoria do ano passado — auditoria, aliás, que provavelmente nunca teria ocorrido não fossem os protestos do MPL em 2013. Já pensou? E se você acha que a pref. atual conseguiria melhorar o edital por iniciativa própria (sem pressão popular), lembre-se que o edital anterior também foi feito por gestão do PT (Marta), e ele permitiu às empresas uma taxa de lucro 2.5x maior do que a razoável.

  10. é só estranho achar que protestos do MPL tem mais chance de afetar a próxima candidatura do prefeito Haddad do que o próprio aumento da tarifa.

  11. Miguel Said

    Sim,o mpl conseguiu vitórias importantes – embora não parece reconhecer – como as faixas exclusivas,a auditoria dos contratos e o passe livre para estudantes.E essa é uma demonstração de que o Haddad está disposto a atender algumas demandas do mpl, o problema é que pro mpl ou vc aceita tudo que eles querem ou não serve de nada. Mas essa não é nem a questão, o mpl está no direito dele e deve ser respeitado, o que é questionado é pq bater tanto no Haddad que, mesmo não atendendo a demanda principal do movimento, tem mostrado avanços, e não bater na mesma proporção no gov do estado que roubou dinheiro do Metrô/Cptm, atrasa linhas de metrô e aumenta a passagem da mesma forma. Enquanto o mpl tá fazendo casamento do Haddad com catraca em frente a prefeitura pro Estadão e a Folha manchetar, o Alckmin tá de boa no bandeirantes atrasando linha de metrô e barrando lei que proíbe bala de borracha em manifestação.

  12. O comentário de Diego é bastante representativo da linha seguida pelos Petistas: apoiar o menos ruim.
    Questões como auto-gestão, autonomia, democracia na base não tem qualquer relevância; o que importa é a imagem de boa-gente do Haddad. Para os colegas do PT o que importa é atacar também o coxinha tucano do Alckmin.
    Em suma,o relevante é manter as estruturas de poder.

  13. Não sei se Diego se engana por acaso ou de propósito. Mas o movimento não saiu às ruas com o objetivo de serem criadas “faixas exclusivas,a auditoria dos contratos e o passe livre para estudantes.” O objetivo do movimento ao sair de casa nessa jornada é a imediata revogação do aumento e a construção da pauta da Tarifa Zero. O resto veio de brinde.

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