Não se pode pedir de uma escola que ela vá formar pessoas desconectadas das demandas da sociedade em que vive — mas ela pode certamente fazê-lo de maneira que contribua para o fortalecimento de relações alternativas às atuais relações de produção. Por Grouxo Marxista

[os secundaristas]  Fizeram a tarefa que nem o sindicato e nem o quadro dos professores se atreveram a fazer: disputar o espaço escolar e suas práticas. (…) O sindicato e mesmo muitos professores desses estudantes desestimaram esses sinais. “Esta luta é da categoria”, diziam, “agradecemos a solidariedade”. Poucos viram nessas manifestações que despontavam o indício de uma energia que se gestava na profundidade. E, claro, temiam ser acusados de aliciar menores para finalidades próprias, corporativas. A luta era vista, também por eles, na opacidade da sua superfície discursiva: é luta por salário. Mas o que emergia da ação dos estudantes, com o nome “solidariedade”, que pouco contribuía a revelar a potência que os motivava, era uma disputa política: disputa pelo poder na escola. Silvia Beatriz Adoue, Ocupações de Escola II: Da Autocracia à Autogestão

Os dilemas do exercício do poder no espaço das escolas e as dificuldades de lidar com as funções dessa formação sociocultural foram também fundo oculto da disputa que se deu em Goiás na luta das ocupações contra as Organizações Sociais. Disse em outro texto, tratando das revoltas populares do transporte, que:

A normalidade operacional do sistema (…) funciona através de um frágil equilíbrio de poder entre usuários, trabalhadores e gestores. (…) As revoltas populares permitem que os usuários estendam sua porção de poder nesse equilíbrio para outros limites. Esse limite novo também implica um novo exercício desse poder, isto é, novos problemas necessitam de ser formulados, e novos conhecimentos que necessitam de ser desenvolvidos. Disponível aqui.

Por meio da tática das ocupações, o equilíbrio de poder pendeu subitamente para o lado dos secundaristas e educadores que tentaram fazer da escola algo diferente do que simples formação de força de trabalho subserviente. Isso trouxe novos problemas para os lutadores e novos problemas para o Estado, que tenta retomar sua porção de poder nessas instituições.

Essa situação de duplo poder gerou uma crise em que os sujeitos tiveram que mudar radicalmente suas formas usuais de ação para responder às novas circunstâncias. Procurarei entender aqui algumas delas e como esse poder popular que ampliava seu escopo precisou ampliar suas atividades e seu público – ou desaparecer. O Estado estimulou mobilizações pela fórmula “autônoma” – se apropriando da estética, dos símbolos, até da retórica sem líderes e “protagonismo secundarista”. A autogestão surgiu desse confronto inédito e surgiu incipiente, como uma necessidade prática para responder aos problemas da luta, não como parte de uma estratégia pré-concebida e aplicada. E no entanto era a solução mais racional e estratégica que poderia haver diante dos dilemas profundos que a luta colocava.

A) Pequena cronologia necessária

Para compreender um pouco por que o movimento das ocupações se comportou da maneira que se comportou, é importante estabelecer uma rápida cronologia que permita entender quem tomou a frente das ações mais decisivas – a massa secundarista.

Em novembro surge um movimento com o nome Contra a Terceirização com uma articulação fora das escolas, no paradigma da Frente de Luta em 2013: plenárias abertas, com direito de fala, voto e de pegar qualquer tarefa para todos os interessados, carro de som financiado por meio de vaquinha ou doação sem contrapartida, enfim, o pacote todo. Um paradigma autônomo e autogerido, sem dúvida, mas que já entrou no roteiro das lutas de juventude da cidade. Esse movimento era composto principalmente por professores estaduais e militantes universitários. Apesar de suas limitações, contribuiu para lançar o debate e causar agitação dentro de algumas escolas, especialmente entre os secundaristas da cidade. Esse setor social sempre foi fundamental nas lutas contra o aumento e já havia feito uma paralisação de escola em solidariedade à greve dos professores alguns meses antes.

escola-1Os secundaristas também começaram a se mobilizar e, inspirados na luta de São Paulo e confluindo com professores e universitários críticos às formas tradicionais de luta, criam um espaço próprio de organização nos moldes também paradigmáticos da cidade: aberto, horizontal, autofinanciado, plural etc. Mas havia algumas diferenças importantes desse espaço secundarista com o Contra a Terceirização: articulava estudantes a partir das suas escolas, tinha como objetivo uma radicalização que de fato garantisse a vitória da pauta e ocorria em horários, locais e com uma dinâmica mais propícia à participação secundarista.

Depois de três manifestações do roteiro ir-até-o-orgão-público-sem-resultado, que foram reduzindo em número de participantes, esse espaço secundarista que decidiu se nomear Secundaristas em Luta – GO decide tomar a frente e ocupa uma escola levando a reboque o movimento “mais amplo”. Essa ocupação incita a Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) de Goiás a também se movimentar, assim como a Secretaria de Educação e o Governo do Estado – precipitando a multiplicação das ocupações que chegam a 24 em duas semanas. Não se tratou, portanto, de um movimento “espontâneo” – apesar de ter estourado além das expectativas iniciais de forma não planejada.

A partir daí os acontecimentos se multiplicam e demandariam um texto à parte. Interessa aqui estabelecer que alguns elementos foram fundamentais para que as ocupações ocorressem: 1) a forma autônoma e horizontal de organização, incipientemente (mas apenas no momento em que esteve) ligada aos locais de estudo; 2) a decisão pela ação direta que partiu do setor mais combativo do movimento, os secundaristas, enquanto os professores vacilavam; 3) o apreço pela pluralidade política que permitiu a criação de espaços comuns de ação e debate – que só foram operacionais a partir da forma de organização e de um interesse comum.

B) O Estado na ação direta contra as ocupações
Depois de repetidas derrotas judiciais e políticas e vendo que a tática do cansaço não iria surtir efeito, o governo fugiu do roteiro. Inspirado também no exemplo de São Paulo, em que o governo estimulou o “movimento” Devolve Minha Escola, surgiu o movimento Pais Pela Educação – GO. Esse movimento não só emulou o nome (COISA-GO) como também a estratégia de capilarização das ocupações: grupos de whatsapp locais e páginas foram criadas para mobilizar em cada escola: Desocupa Castelo Branco, Desocupa Anápolis, Desocupe Ismael entre inúmeras outras páginas.

escolanossaO objetivo desse movimento era inicialmente criar um clima no qual as comunidades desaprovassem as ocupações — o que facilitaria uma reintegração judicial — e que aprovassem as Organizações Sociais (OSs) — dificultando resistências posteriores. Eles começaram a realizar manifestações nas portas das escolas, com o auxílio da estrutura oficial de comunicação dos grupos gestores e dos professores contrários às ocupações.

Pouco antes, e durante esse processo, a Secretaria de Educação começou a realizar reuniões com os grupos gestores de todas as escolas ocupadas e depois com os trabalhadores, especialmente o professorado, dessas escolas. Essas reuniões serviam para difundir boatos sobre o iminente fechamento e militarização, caso as escolas continuassem ocupadas, e para garantir a lealdade dos poucos diretores que tinham posição mais ambígua frente ao movimento. Além de ameaçar com corte de ponto e do bônus que era dado aos professores por assiduidade.

Feita essa articulação prévia, começou a pressão nas ocupações uma semana antes do início das aulas. Começava assim o aprendizado mais doloroso desse ensaio de poder popular nas escolas. O Colégio Ismael Silva de Jesus, onde ocorreu a desocupação mais violenta, acabou sendo a primeira tentativa bem sucedida e o paradigma da mobilização realizada pelo Estado.

Quem encampava a mobilização de maneira mais incisiva, quem foram as peças-chave para a desocupação?

O diretor tinha se mostrado simpático ao movimento no início, conhecia os alunos mais mobilizados, sabia quem eram os apoiadores e de onde vinham e foi o principal articulador não-oficial da pressão pela desocupação. O grupo gestor (coordenadores, professores e administrativos puxa-saco) também encampava essa articulação. O diretor chegou a fazer um vídeo pedindo pela desocupação e ameaçando os pais com perda de matrícula e dos diplomas e convocando uma manifestação.

Um pretendente a conselheiro tutelar e “lideranças do bairro”, ou burocratas do bairro, um deles vizinho da escola, todos vinculados ao PSDB, foram importantes na pressão na porta da escola e na articulação do bairro contra a ocupação. Eles mobilizavam três noções básicas: 1) “essa ocupação é coisa de gente da universidade, nem é dessa escola ou desse bairro”; 2) “dentro dessa escola só ficam os alunos vagabundos praticando imoralidades e atrapalhando os vizinhos”; 3) “a escola deveria estar funcionando, mas está trancada”. Eles também conseguiram cooptar uma aluna que participou do início da ocupação e depois passou a entregar informações internas para o movimento desocupa, fazer depoimentos que confirmavam as acusações dessas lideranças, além de criar intrigas e boatos dentro da escola ocupada para desestabilizá-la.

Esse grupo não era tão grande — mas tinha o Estado a seu favor e algumas fragilidades do movimento também.

Como apontado por Fagner Enrique aqui, as ocupações tinham muita dificuldade em envolver um número grande de secundaristas e o público proletário das escolas. Não foi por falta de vontade: várias panfletagens foram realizadas, algumas atividades abertas, protestos locais também. A comunidade, salvo raras exceções, simplesmente não comparecia e mantinha a costumeira passividade.

O cuidado com o prédio e a vigilância tinham um custo em termos de tempo e energia enormes para os secundaristas. Havia momentos em que mal se conseguia realizar atividades internas, quanto mais as voltadas para a comunidade. Para aguentar o processo de ocupação também era comum som alto e barulho na madrugada, o que gerava insatisfação grande dos vizinhos. Dessa maneira, a escola ficava de fato fechada e sua utilidade social para a comunidade ficava abstratamente colocada no sucesso (possível e futuro) da luta contra as Organizações Sociais.

imageEssa situação colocava o movimento em uma situação paradoxal. Enquanto, no início da luta, o governador justificava a imposição do seu projeto das Organizações Sociais nas escolas pela competência técnica e legal do seu plano de governo, o movimento desocupa, de caráter para-estatal, argumentava que as medidas judiciais que proibiam a desocupação valiam menos que a vontade popular da comunidade de que as aulas fossem retomadas e, assim, que as questões técnicas do projeto das OS eram menos importantes que a escola funcionando. Já o movimento que gerou as ocupações, na posição de fragilidade em que se encontrava, ficava obrigado a reverter seu apelo inicial à ação direta e chamar advogados para explicar à comunidade que o Estado, na figura do judiciário, garantia a legalidade das ocupações e que a comunidade era ignorante quanto ao caráter das mudanças propostas pelo governo.

Um momento emblemático que expressou essa situação foi uma manifestação contra a ocupação do Ismael Silva de Jesus. Interpelada quanto à ilegalidade da desocupação, uma “liderança comunitária” respondeu: “Esse juíz aí não sabe nada da minha escola. E olha: assim como vocês pularam para ocupar, a gente também consegue pular pra tirar vocês”. Depois disso, a ocupação chamou uma advogada e, assim que ela começou a falar, a manifestação se esvaziou “porque esse negócio não vai dar em nada”.

Dias depois, esses pais se organizaram em forma de milícia com a Polícia Militar e expulsaram os ocupantes da escola ilegalmente e na base da porrada. Nem os pais desses secundaristas nem nenhum vizinho se mobilizaram para defendê-los, apesar de alguns terem comparecido a algumas atividades da ocupação. Depois disso seguiu-se uma cascata de desocupações violentas ou negociadas sob a ameaça de violência iminente. Muita delas com roteiros semelhantes — muitas violentas. Três escolas, no entanto, escaparam do roteiro. Ao fazê-lo colocaram em prática — por pouco tempo que seja, mas a eficácia foi atestada — algo muito maior em potência do que um piquete para pressionar o governo a desistir de mais um projeto.

C) Para além do piquete — a autogestão como autodefesa social
Os secundaristas ensaiaram uma nova escola que atendesse de fato as demandas do público dessas escolas, a partir do trabalho voluntário de seus participantes, mantidos a partir da contribuição voluntária social pelo relevância social das suas atividades.

No Colégio Cecília Meirelles, em Aparecida de Goiânia, o Movimento Desocupa chegou a arrebentar o portão e invadir o colégio na tentativa de “persuadir” os ocupantes a permitir um retorno à normalidade. Essa mobilização foi direcionada por professores, mas com forte apoio e participação de secundaristas e pais da escola. Com a presença de vários apoiadores externos da escola, uma proposta que surgiu desse embate entre ocupantes e desocupas conseguiu apaziguar os ânimos e impediu uma retirada violenta extra-legal da ocupação. Essa foi a proposta dos aulões do ENEM.

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Como disse anteriormente, havia três “eixos discursivos” que justificavam a ação violenta do Desocupa. Um certo conservadorismo moral, uma irritação com os transtornos de um processo permanente de ocupação e a demanda de que a escola estivesse aberta, ou seja, cumprisse uma função social. Enquanto as pretensões moralistas e a irritação dos vizinhos fossem incontornáveis, a questão da função social da escola acabou sendo o caminho que essa ocupação foi obrigada a enfrentar. Essa preocupação era especialmente premente para os alunos do 3º ano, que estavam preocupados com o ENEM daquele ano. Mal ou bem, essa função era cumprida pelo Estado e não estava sendo cumprida pelas ocupações. Tornou-se preciso abrir as escolas, fazê-las funcionar de algum modo — seja abrindo mão das ocupações ou criando novos modos de resolver o problema.

Assim, secundaristas e apoiadores formularam um projeto de aulões preparatórios para a prova, utilizando da ampla legitimidade de que gozavam na cidade para obter voluntários para dar as aulas. Esses aulões funcionaram para apaziguar as principais tensões, mesmo depois do decreto de reintegração de posse. E funcionavam de uma forma interessante: sem presença obrigatória, em formatos não tradicionais, conteúdos definidos de forma coletiva, rompendo com todos os padrões repressivos e “disciplinantes” de uma escola, apesar de manter uma de suas funções.

Essa escola, que funcionava de acordo com as determinações de uma, digamos, lei dos índices, com o cumprimento de metas estabelecidas para formação de uma força de trabalho subserviente, se utilizando da organização hierárquica do trabalho e para atender interesses da gestão da Secretaria de Educação, mudou sua lei de funcionamento. Passou a funcionar de acordo com a lei do social, ou seja, realizar suas atividades formativas-educativas para se legitimar socialmente junto ao público consumidor da escola, ter utilidade frente a ele para conseguir se contrapor ao poder estatal. Apesar de atender a uma demanda externa — que era o ENEM — os critérios para atender essa demanda mudaram completamente. Não se pode pedir de uma escola que ela vá formar pessoas desconectadas das demandas da sociedade em que vive — mas ela pode certamente fazê-lo de maneira que contribua para o fortalecimento de relações alternativas às atuais relações de produção. Uma escola a serviço dos trabalhadores — não os que projetamos ou idealizamos, mas os atuais trabalhadores que aprendem a conquistar o que precisam a partir da sua própria força.

Aí se consumaram algumas rupturas decisivas: o protagonismo secundarista já não estava mais em questão, e sim o protagonismo dos sujeitos da escola, a defesa da propriedade do prédio deixou de ser exclusivamente pela segurança interna e passou a apostar na legitimidade popular da sua gestão. O significativo é que se conseguiu fazer com que essas atividades orientadas por esses critérios fossem a principal de uma grande escola, e não um cursinho acessório de alguma faculdade, por exemplo. Essa diferença é significativa e diferencia essa experiência da tradição dos “cursinhos populares”. Apesar de ter durado pouco mais de uma semana, foi uma experiência que comprova sua importância pelo fato do Estado precisar ter mudado sua estratégia e retomar a utilização da polícia e do judiciário para destruir essas relações incipientes — não foi mais possível mobilizar secundaristas e professores contra seus colegas.

D) Algumas conclusões provisórias
As ocupações seguiram de certa maneira uma dinâmica de revolta popular do transporte — um grupo pequeno planejou uma ação sem a pretensão de controlar os seus resultados além da sua possível expansão para além do controle, de maneira a tentar forçar os governantes a recuarem com uma medida. O fato de se tratarem de locais de trabalho, meios de produção concretos que eram tomados por meses, e principalmente o conflito instigado entre comunidades e Estado permitiram que se fosse para além de vislumbrar o possível e começar a construí-lo. Dificilmente os estudantes esgotados, em número pequeno diante do público das escolas, poderiam planejar e aplicar isso sem uma necessidade imperiosa imposta pelos acontecimentos.

Onde não se tentou construir algo possível, o que ocorreu foi uma derrota mais ou menos negociada — não apenas diante da força da polícia, mas diante de um reforço da legitimidade do Estado por meio da mobilização dentro da ordem. Foi o caso de colégios como o Pedro Gomes, hegemonizado pela União da Juventude Socialista (UJS), e outros colégios que tinham participação de partidos que abriram mão da ocupação em troca da promessa das diretorias de que poderiam criar grêmios estudantis — e, veja bem, muitos até hoje não conseguiram apesar dessa promessa. Mesmo onde houve resistência forte, intimidando possíveis violências, mas não havia disposição para superar uma concepção do piquete em que nada funciona, a coisa ficou insustentável em pouco tempo.

ApoioescolasspEsse texto pode ser útil para as ocupações que hoje pipocam no Ceará, no Rio de Janeiro e novamente em São Paulo — onde vemos florescerem movimentos de desocupação usando de uma fórmula muito similar à que foi bem sucedida em Goiás. A tática da escola fechada é uma que eles aprenderam a enquadrar — é preciso fazer da escola algo útil para a comunidade que a utiliza, por mais que isso implique em diversos riscos. Não abrir a escola também implicou em riscos — muito graves, por sinal.

Por outro lado, também pode ser útil para o movimento que ressurge contra as Organizações Sociais em Goiás. Que alternativa temos para enfrentar esse projeto — para além dos questionamentos legais, da incorporação da luta pelo Ministério Público, dos questionamentos morais? A alternativa, penso eu, vai na mesma direção que esse vislumbre apontado no Cecília Meirelles — práticas formativas, autônomas, desvinculadas do Estado e criadas em oposição, em confronto com as direções e professores autoritários — seja com a tática da ocupação ou por meio das lutas que ocorrem no cotidiano da escola, nos corredores, nos conflitos das salas de aula, nos conflitos que ocorrem por conta da escola fechada nos fins de semana para a comunidade, entre vários exemplos.

Sem essa base de práticas alternativas, reais, é muito difícil que consigamos uma mudança radical na educação diante de uma situação de austeridade — o que significa que a incorporação do movimento em apenas tornar o projeto das Organizações Sociais mais eficiente, melhor construído legal e tecnicamente, será inevitável.

9 COMENTÁRIOS

  1. Por mim, este texto já é um clássico em termos de análise de conjuntura. Analisa os fatos a quente, não desmerece as iniciativas “possíveis”, aponta caminhos “necessários” e não perde o rumo.

    Há, evidentemente, quem venha dizer, contra o autor, que “so é revolucionário se for autogerido”. Nada mais falso, e os próprios termos do artigo o demonstram.

    Toda luta social tem seus limites, dados pela correlação de forças existentes entre os adversários. Dentro do que é possível, as formas de luta, mesmo as mais radicais, podem manter-se dentro de certos limites, ou podem superá-los, integrando-se a outras lutas e superando seus particularismos. O que achei genial no texto é que não se trata de um debate teórico, mas de lutas concretas que mostram até onde podem ir, e o que pode ocorrer quando fogem do roteiro e ultrapassam os limites previstos.

    Em tese, todas as ocupações foram — ou são — autogeridas. Agora, mesmo a luta autogerida pode encontrar limites. Alguns deles foram postos muito claramente no texto: os movimentos articulados pelos governos, a falta de solidariedade dos vizinhos das escolas, os estigmas moralizantes… Uma das experiências analisada no texto tentou superar estes limites justamente no momento em que aproveitou uma das demandas de seus adversários e colocou-a para jogar em seu favor, atraindo solidariedade e justificando de modo muito forte a legitimidade do movimento. Como nas lutas sociais isto nunca está dado de uma vez por todas, e não acompanhei o desenrolar dos fatos por estar muito longe daí, é possível que os adversários tenham pensado em novas estratégias diante da reviravolta que sofreram, é possível também que a nova estratégia dos ocupantes ainda esteja em curso… Mas o que importa é que saíram do previsível, ampliaram as possibilidades de participação na luta e, com isso, legitimaram-se.

    Daí a separação, a meu ver muito correta, entre a autogestão “possível” e a autogestão “necessária”. Entre o que se pode alcançar em determinado momento a partir da iniciativa e experiência dos ocupantes, e o que se pode alcançar quando inovam, quando viram a mesa, quando chamam outros companheiros para a luta, quando saem dos limites da escola.

  2. Oportuna reflexão.

    Atualmente estou participando de um processo interessante que está ocorrendo na periferia de São Paulo e que tem haver com o processo iniciado pelas ocupações das escolas ano passado.

    Entretanto, aqui sob a ocultação dos holofotes e sob o desinteresse no gasto de tinta e papéis da extrema esquerda, a burocratização e cooptação por governistas tem sido violenta e triste.

    Uma numerosa molecada com energia, interesse e disposição para a luta está sendo submetida a interesses escusos e as formas de luta cada vez mais tradicionais e limitadas (por exemplo, limitação a pauta institucional, busca de conciliação de interesses antagônicos e letargia nos modos de ação e produção cultural, submissão ao dialogo com os gestores etc).

    O movimento é, portanto, nati-morto porque não há uma articulação de extrema esquerda nas periferias capaz de convergir com as pautas dessa moçada e radicaliza-las para além de princípios institucionais.

    Assim, o movimento se vê encurralado pelos partidos ditos de “esquerda” que para bem e para mal acabam apoiando e como parte de seu apoio, acabam levando essa rapaziada para fileira desses partidos.

    Então por onde anda a extrema esquerda? Como responder as tentativas de cooptação de alguns partidos (inclusive o governista até ontem) sendo que estes servem de base material (inclusive com advogado) para esse novo movimento estudantil?

    Definitivamente, a extrema esquerda, como organização e apoio a lutas que estejam fora das regiões centrais, é inexistente. E desse modo, oportunistas de toda espécie aproveitam para cooptar genuínos movimentos anti-capitalistas.

    E não estou aqui dizendo que a organização partidária é de todo mal. Prefiro que aja algo organizativo e orgânico na periferia do que simples vontades da lei do coração que não quer manchar as vestes na luta que condena, por esta não seguir os princípios do próprio coração.

    De certa forma o autor condena os “cursos populares” mas são estes que mais atuam nas periferias e a formação que dão, em alguns casos, está bem distante do proposto pela “grade” (grade mesmo) curricular estatal.

    aliás um cem número de professores/estudantes que já davam aulas nesses cursinhos foram os mesmos que atuaram em aulões nas ocupações ano passado (como este mesmo que escreve).

    enfim, o texto é muito bom e traz uma ótima reflexão. Compartilho estas indagações com todos leitores para ver onde podemos ir…
    Abração

  3. Agradeço os comentários dos camaradas.

    Luciano, acho que os cursinhos populares como experiências de formação pedagógica, definição de conteúdos, como uma conquista cultural, são bastante importantes. Acredito que muitas das pessoas que colaboraram com os aulões no Cecília Meirelles tem experiência ou contato esses cursinhos. Algumas das pessoas que se dispuseram a dar aulas inclusive eram professores “famosos” de cursinhos pagos.

    Acho, no entanto, que muitas vezes esses cursinhos são formas de intervenção externa, hetero-organizativa sobre os alunos das escolas públicas, aparelhados por partidos e universitários com boas intenções. Quando não o são, tem a deficiência de ser uma prática educativa acessória, um complemento à formação dada nas escolas públicas, não implica em mudanças radicais nas atuais escolas ou em grandes conflitos. Isso significa que não se deve participar ou fazer cursinhos? Claro que não. Mas acho importante diferenciar, pra não parecer que se faz revolução e autogestão escolar fazendo cursinho.

    Sobre a questão que você falou da ausência da extrema esquerda na periferia, concordo que é um problema sério. Em Goiás a forma com que se tentou enfrentar isso foi ampliando o contato e o debate entre os secundaristas das diversas escolas, a partir de ações comuns como manifestações, ocupações gerais e a descentralização geográfica dos espaços de decisão política como as reuniões do comitê/assembleia geral dos secundaristas. Os partidos, principalmente a turminha do PT, resistia bastante a essa iniciativa e taxava essas tentativas de união de serem “os playboys do centro querendo mandar nos pobres da quebrada”. Era perceptível também como os militantes desse partido se faziam como referência política central, que tinham que ser consultados para qualquer decisão, além de se construírem como referências afetivas, praticamente substituindo os mães/pais dos secundaristas. Observei algumas assembleias em escolas mais influenciadas por essa turma e a participação era sempre muito prejudicada por esse tipo de coisa. Sempre que vinham influências externas, no entanto, a coisa começava a desandar pro lado deles – principalmente exemplos mais participativos de luta e organização.

    A dinâmica da ocupação como “outra família”, exclusivamente como auto-formação ou experiência de cidadania, tendem a reforçar esse quadro de burocratização e integração do movimento. Cabe a quem tem entrada nessas escolas, a meu ver, fazer que a escola abra as portas para o conjunto do movimento e tenha uma função social que vai necessitar do apoio dos mais diversos atores – coisa que nenhum partido político normal vai tolerar e combater, por mais que custe inclusive a ocupação. O máximo que vi esses partidos permitirem são “reuniões de conscientização” que não serviam pra absolutamente nada além de mostrar pros pais que a ocupação estava resoluta a não permitir a escola ter utilidade social. Ao menos em Goiânia onde as escolas de periferia tem forte relação com o bairro, essa possibilidade de fazer da escola útil à comunidade era bem mais factível na periferia do que nas escolas do centro, onde essa relação é bem mais distante e abstrata. Mas também existe o problema do bairrismo na periferia, que via com maus olhos uma presença muito intensa de “universitários forasteiros”… o que inviabiliza, ao menos em um primeiro momento, que essa extrema esquerda que atua mais no centro possa ter influência efetiva, por mais que queira.

  4. PARTIDO HISTÓRICO versus PARTIDO FORMAL (autonomia X heteronomia)
    A luta de classes gera memória e imaginação, insumos e forças motrizes da consciência, que é imanente e virtual à classe.
    A luta autônoma do proletariado suprassume a diferença do em-si com o para-si na consciência, enquanto cogrediente à práxis revolucionária.
    Lênin kaput…

  5. O prolestudantariado é a vanguarda interna (revolucionária) na atual composição de classe da massa explorada.
    Devir miríade zeroworker na centralização orgânica e rizomática: imanência X gangs&rackets. Remember Otto Ruhle.
    Saúde & Alegria

  6. A ideologia da autogestão é mistificação neoproudhonista. A eufórica mitificação da trincheira pavimenta o caminho da derrota e o subsequente massacre.
    Na guerra social, vence quem combate no terreno (e com as armas de) sua classe: protagonizando a desordem sem a amar…

  7. Um dos objetivos do texto era justamente criticar uma concepção da autogestão como uma forma-fetiche, importante por si mesma, descolada de seu contexto e dos conflitos concretos em que emerge. A autogestão é um ponto de partida, não de chegada — mas para alguns, processos “livres” e “igualitários” por si só já teriam valor revolucionário, independente dos seus conteúdos sociais.

    Exemplos típicos dessa teoria aplicada às escolas são alguns memes que exaltam o fato de na escola ocupada ter aula de yoga, de dança, música, agroecologia, artistas alternativos, pessoas alegres e felizes experimentando novas tecnologias pedagógicas em igualdade e fraternidade. Apesar de todas essas inovações, também tinha os guardas na porta que não deixavam ninguém diferente demais entrar e faziam da escola uma trincheira autogestionada que seria massacrada mais cedo ou mais tarde — quando não assimilada por conselhos escolares, conselhos de educação, “co-gestão”, etc.

    Não foi o caso das experiências autogestionárias aqui descritas — que serviram como de ruptura, ou vai ou racha, expande ou desaparece e surgiram de conflitos violentos entre os próprios trabalhadores e o Estado. Colocou-se o dilema do que fazer após a expropriação dos expropriadores. A autogestão aparece aqui como um instrumento na guerra social dos trabalhadores pelo controle das suas vidas… e se colocou a necessidade de se expandir, de ampliar as fissuras no controle social, de fazer os demais trabalhadores abandonarem seu corporativismo, ou desaparecer. O piquete e o grevismo se revelaram inadequados para essa tarefa.

    Como essas experiências não conseguiram se expandir, consolidar, renegar as demais acabaremos forçados a retornar à luta pela “escola pública, gratuita e de qualidade”… e quem sabe cidadã… a não ser que surjam outros instrumentos nas lutas para além das ocupações com as mesmas funcionalidades.

  8. Muito bom o texto. Ao mesmo tempo em que, empiricamente, mostra um processo de abertura de ocupações para comunidade que neutralizou a em grande parte a influência do movimento desocupa, também aponta a perspectiva de expansão das lutas em oposição ao seu entrincheiramento. Neste sentido, talvez não seja de todo impertinente compartilhar as seguintes ideias, frutos de algumas conversas:

    Enquanto não se expande para fora dos limites pré-estabelecidos (escolas, empresas, países, bairros, família etc), enquanto não dissolve esses limites, se a autogestão “tiver sucesso”, ela apenas implica o aumento do “trabalho não pago”, gerando ainda mais mais-valia para o capital. Por exemplo, se a autogestão das escolas tiver sucesso, formando autogestionariamente a mercadoria força de trabalho com um imenso trabalho voluntário “autônomo”, isso seria o sonho do governo e dos capitalistas, pois com isso eles não mais precisam pagar esses “custos”, ao mesmo tempo em que essa “experiência autônoma” força todos os demais proletários do resto do sistema educacional a trabalhar o máximo “voluntariamente”, de graça, para os empresários estatais e particulares, para não serem demitidos frente a essa nova intensificação da competição.

    Um movimento realmente autônomo só pode vencer se se expande rapidamente de modo universal, mundial. Caso contrário, é forçado a trocar com o resto da sociedade que ainda se mantém como propriedade privada (empresas, países, bairros, família etc), e para isso precisa trabalhar para a propriedade privada, gerando mais-valia e reproduzindo o capital numa escala ainda maior.

    A medida que a luta autônoma nas escolas não se generaliza para fora delas, ou seja, enquanto não estimula uma transformação que se espalha rapidamente, transformação em que, por exemplo, os trabalhadores suspendem a produção para a empresa, abolindo o emprego e tornando a produção livre por quem quiser e para quem quiser satisfazer suas necessidades, desejos etc, em que os papeis de “trabalhador” e “estudante” são abolidos por uma livre associação de indivíduos que se afirmam como classe autônoma sem fronteiras contra a classe dominante por toda parte, enquanto isso não ocorre, essa luta dos estudantes é condenada ao fracasso, condenada materialmente a se relacionar com o resto da sociedade que não se transformou, e daí a reproduzir a mesma dominação de todo o resto da sociedade.

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