Como organização horizontal que promove o trabalho sem patrão, tomamos as decisões em assembleia e temos um acordo coletivo de trabalho, que estabelece as linhas gerais que construímos em função de nossa prática cotidiana. Por Almacén Andante

Durante uma estadia na cidade de Mendoza conheci o espaço La Casita Colectiva por meio de uma atividade feminista – a Femilonga –, e pude conversar com uma das ativistas do local. Após contar-me um pouco sobre as diferentes atividades e sobre o grupo ao qual pertence, uma cooperativa de distribuição de produtos da economia popular, perguntei se tinham algum texto elaborado sobre a experiência para poder apresentá-la ao público lusófono. Mas antes, um pouco de contexto. Mendoza é a quarta província mais habitada da Argentina, com aproximadamente 1.800.000 habitantes – um pouco mais de sua metade radicados na Grande Mendoza (capital). É conhecida pelo boom da vinicultura, hoje responsável por 70% do vinho produzido no país e pelo enorme circuito turístico gourmet construído ao redor desta indústria. Menos conhecida é a atividade de extração de petróleo e mineração na província, que junto a uma modesta indústria de manufaturas e à agricultura para o mercado interno conforma o retrato geral de sua economia. A grande proximidade com o Chile, particularmente com a capital, Santiago, e uma forte tradição católica completam uma figura genérica de suas características culturais. O atual governador é presidente da UCR, Unión Cívica Radical, partido que é o principal aliado do PRO na coligação Cambiemos, de Maurício Macri; a gestão anterior era kirchnerista – o então governador havia sido advogado de grandes empresas mineradoras. O texto abaixo foi redigido pelos integrantes da cooperativa El Almacén Andante para explicar um pouco sobre o que fazem e o espaço que constroem.

O Almacén Andante é uma comercializadora de produtos da Economia Social e Solidária, conformada por 9 pessoas que sustentam a proposta. É parte da Cooperativa la Chipica, onde também atuam El Espejo – trabalho coletivo e sem patrão e o SIV – serviço integral para a moradia [“vivienda”].

A Casita Colectiva é compartilhada por outras organizações do campo popular que aí têm o seu lugar de trabalho, e dela hoje participam: Alondra – espaço de voo e jogo – um coletivo de mulheres que dão aulas de tela e acrobacias aéreas para crianças e adultxs; também participa a Peña de Reojo, um grupo de ex-militantes dos anos 70 que se juntam para discutir a conjuntura que atravessamos, gerando espaços de debate mais amplos e de encontro com outras organizações. Também funciona a GiraMundo TV, um canal comunitário que se propõe dar a conhecer as lutas de organizações sociais, de organizações de trabalhadorxs, de movimentos camponeses e de Direitos Humanos. Outro espaço é o Caleidoscopio, um coletivo que busca pela teoria e pelo debate político gerar ferramentas para a construção política.

Também existem outros espaços e organizações que realizam atividades na Casita, como a Femilonga, um espaço feminista criado por mulheres que visa desconstruir as práticas patriarcais que se estabelecem no tango e na sociedade em geral. Entre outros grupos que não pertencem à Casita está o SUTE (Sindicato Unido de los Trabajadores de la Educación), um sindicato que nas últimas eleições foi recuperado a partir e pelxs trabalhadorxs, que tem criado espaços de debate e encontro para repensar-nos a partir da multissetorialidade.

Voltando agora sobre o Almacén Andante, em nossa sede se armazenam produtos de grande diversidade, que são elaborados por produtores e produtoras, fábricas recuperadas pelos trabalhadores, entre outros, organizados em função de critérios de horizontalidade e transparência na conformação do preço, que apostam em outra economia, outras formas de produzir e em uma lógica não especulativa com respeito ao valor dos produtos e a qualidade dos mesmos.

Apostamos na construção de outra economia: anticapitalista, abertamente solidária e comprometida com o meio ambiente e a saúde. Em nossa proposta se sustenta o horizonte de uma economia emancipadora, que potencie a liberdade dos povos e nos permita viver dignamente daquilo que produzimos, eliminando o trabalho escravo e as relações de subordinação e hierarquia que expropriam a mais-valia submetendo os e as trabalhadoras.

O nome surgiu lá pelo fim de 2008, com a intenção de fazer chegar às famílias aqueles produtos que selecionassem de uma lista enviada pelo correio, com a oferta de cada semana. Ainda funcionamos desta forma, mas também crescemos na apropriação do território e funcionamos com postos físicos nas sedes de duas universidades nacionais, a UNCuyo e a UTN. Somados a estes estão os postos itinerantes que abrimos de forma eventual em ocasiões em que se dê a possibilidade. Também contamos com atenção ao público em um horário estável em nossa sede.

Apostamos também na organização coletiva para o consumo, fazendo descontos para os que chamamos “pedidos coletivos”, assim como para aqueles que colaboram de forma comprometida com a proposta pagando um valor mensal no começo do mês, que nos permite organizar os pedidos aos produtores e produtoras, e assim renovar o estoque.

O passar do tempo nos depara com diferentes desafios, e ainda que a conjuntura nem sempre seja favorável, o horizonte segue firme e claro: outra economia é possível e a construímos coletivamente cada dia. Neste sentido, também disputamos a cultura hegemônica, o modelo produtivo e a indústria alimentar. Organizamos noites de jogos de mesa para construir outras formas de vínculo, aproveitando a oportunidade para difundir jogos que carregam nossos sonhos e lutas; abrimos o espaço para oficinas de saúde autogestionária, reivindicando a ideia de que nossos corpos falam e podemos interpretar o que nos dizem sem entupi-los de produtos farmacêuticos; nos organizamos para produzir alimentos na busca de que sejam saudáveis, gostosos e elaborados com amor, por mãos amigas e não por mercenários/as que enchem nossas mesas de produtos envenenados.

Recentemente a Cooperativa la Chipica, está transitando para um processo de articulação com a FOL, Frente de Organizaciones en Lucha, que promove a organização em bairros e trabalho territorial.

Como organização horizontal que promove o trabalho sem patrão, tomamos as decisões em assembleia e temos um acordo coletivo de trabalho, que estabelece as linhas gerais que construímos em função de nossa prática cotidiana. Estamos organizados por áreas, que nos permite organizar o trabalho em função das necessidades coletivas que manifestamos em plenários ao princípio e ao fim do ano.

Isto é um pouco do que somos e do que fazemos, o que não é estático e se transforma em uma dialética permanente que oscila entre a utopia e a realidade.

Traduzido por Primos Jonas

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