A cidade de Parintins, maior cidade do interior do Amazonas, é nacionalmente conhecida como a Capital dos Bumbás, mas nos últimos dias não são as folclóricas alegorias do Garantido e Caprichoso que vêm chamando as atenções pelas ruas da cidade. Desde o início do ano letivo são as passeatas e buzinaços promovidos pelos professores estaduais e demais servidores da SEDUC-AM (Secretaria de Estado da Educação do Amazonas) que vêm despertando os olhares da população local para a situação da categoria, não só na cidade, mas em todo o estado. Vamos aos fatos! Não bastasse a “beleza” de salário que os profissionais da educação básica pública recebem em todo país, situação conhecida por todos, aqui no Amazonas a categoria sofre com três anos sem reajustes. Isso mesmo, o último reajuste salarial da categoria foi em 2014, de lá pra cá o reajuste foi 0%. Fora as mais variadas desculpas do governo no período, nós professores ainda sofremos com a total inércia do sindicato, o SINTEAM (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Amazonas). Ano passado, por exemplo, tivemos que ouvir que a negociação com o governo havia sido vitoriosa, pois apesar do reajuste zero, o sindicato conseguiu a promessa da liberação de um plano de saúde para a categoria, há muito prometido pelo governo. “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem” (Bertolt Brecht). Pois bem, que nos cortem as primeiras flores, mas não ficaremos calados até que nos retirem toda a primavera. A indignação foi só aumentando e já no final do ano passado começaram os questionamentos sobre a data-base de 2018. Claro que o receio era de que a recente história se repetisse, o que não iríamos permitir. Ainda no início do ano, em janeiro, alguns colegas criaram um grupo no whatsapp com o intuito de agregar os professores estaduais de Parintins para discutir nossas ações em relação ao forte arrocho salarial que enfrentamos. Assim começou um movimento que culminaria nas passeatas e buzinaços já mencionados e que traria surpresas ainda maiores.

Até aqui descrevemos apenas a questão salarial, mas é claro que, num país onde desgraça pouca é bobagem, os problemas sempre vão além do que está na superfície. Em 2017 encerramos o ano letivo sem merenda para os alunos, o que levou a SEDUC a antecipar o encerramento do ano letivo, o que não evitou o constrangimento de ter que liberar os alunos mais cedo nas duas últimas semanas de aula por falta da merenda. Resolveu? Não, pois iniciamos 2018 na mesma situação, alunos sendo liberados antes do horário para não passarem fome na escola (infelizmente muitos saem delas para passar fome em casa…). Aulas modernas, como pede o séc. XXI? Não temos data show. Cópias para provas ou outras atividades? Temos que cotizar com os alunos, sempre tendo que inteirar do próprio bolso, pois muitos não tem como contribuir. Enfim, quem é professor ou está familiarizado com a educação pública no Brasil sabe bem do que estamos falando. Mas o que esperar quando o desprezo pela qualidade da educação é claramente demonstrado no total desrespeito aos profissionais da área? Mas não devemos nem podemos ficar esperando de braços cruzados, como diz a velha canção, quem sabe faz a hora não espera acontecer.

E é aí que voltamos ao grupo do Whatsapp, pois a partir dali que começamos a delinear algumas ações e articular nossa revolta. Começamos com a elaboração de um documento para encaminhar ao ministério público questionando o descumprimento da data-base nos últimos três anos, depois organizando paralisações pontuais. A primeira, dia 16 de fevereiro, já chamou a atenção pela forte adesão. A segunda, dia 08 de março, foi marcada por uma forte chuva, o que não impediu inclusive a marcante presença de um grande número de estudantes em apoio ao movimento. Nesse momento já estávamos no aguardo do anúncio da proposta do governo. Novamente paralisamos, com forte adesão, dia 13 de março, véspera do anúncio da proposta do governo. Dia 14 de março veio o tão esperado anúncio do reajuste salarial: 4,57%. Uma afronta à categoria! Os cálculos do sindicato contabilizavam uma perda de 30% do salário, mais 5% de aumento real e o pedido da categoria era de 35%. Pedido 35%, oferta do governo 4,57%. Chamou para briga. E fomos! Combinamos uma nova paralisação no dia 16 de março, com uma assembleia local pela tarde, onde, com toda a indignação ainda entalada na garganta, todos gritavam pela greve. Aprovamos então, por unanimidade, uma greve local, pela base e à revelia do sindicato. O início da história.

A semana começou diferente em Parintins, a Capital dos Bumbás, com quase 100% das escolas paradas, vazias, pois os professores não estavam lá, estavam nas ruas, ensinando a lutar, ensinando a construir dignidade e respeito. E os estudantes estavam lá também, e não pra aprender, mas pra ajudar a ensinar. Pais estavam lá também, mostrando que a luta e a construção da dignidade e respeito merece o apoio da sociedade. A semana começava melhor em Parintins. Em Manaus os colegas da ASPROM (Sindicato dos Professores e Pedagogos de Manaus) também paralisaram, convocando uma greve para esta quinta-feira, 22 de março. A semana começou diferente no Amazonas: segundo o jornal A Crítica, cerca de dez mil professores paralisaram as aulas em Manaus e cerca de dois mil no restante do estado, mais ou menos 46% da categoria. O SINTEAM seguia observando o movimento e realizando assembleias setoriais para a análise da proposta do governo. A SEDUC tentando pressionar os professores a retornar às salas, mas sem saber exatamente com quem negociar. E nós seguíamos nossa luta, caminhando, cantando e buzinando. Ainda na segunda, 19 de março, os professores da UEA (Universidade do Estado do Amazonas), campus Parintins, aprovaram em assembleia uma moção de apoio ao movimento dos trabalhadores da SEDUC. A cada dia da semana a adesão aumentava e outras cidades do interior anunciavam paralisação dos professores. Um movimento espontâneo que contaminava e crescia, um movimento em nome do respeito e da dignidade de toda uma categoria, assim construímos uma greve pela base, que culminou com a grande vitória, histórica vitória: no dia de hoje (22/03) a deflagração oficial do SINTEAM da greve dos trabalhadores da educação do estado do Amazonas, o que não acontecia desde 2005. Quando os trabalhadores estão unidos, organizados e determinados em mudar sua própria história, não há quem impeça a sua luta, assim ensinamos, assim aprendemos, nesses quentes dias pelas ruas da Capital dos Bumbás.

A primeira foto que ilustra o artigo é de Marcondes Maciel, as demais são de Carlos Magno de Camargo.

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