Por Michael Roberts

Na terceira e última parte de minha resenha do simpósio Capital.150 realizado em Londres, acerca da relevância moderna do livro 1 de O Capital 150 anos depois de sua publicação original, pretendo cobrir algumas das apresentações não mencionadas até o momento. Será um compêndio rápido, e não fará justiça aos artigos apresentados ou aos debates em torno deles. Mas ao menos o leitor poderá seguir os acontecimentos ao ler os artigos a que me referirei.

Na sessão sobre o imperialismo, alguns antigos debates travados entre marxistas foram revividos. Até onde entendo o argumento apresentado por Marcelo Dias Carcanholo, da Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro, Brasil (Carcanholo PP), ele reconheceu que a “dependência” está a aprofundar-se, por força da “troca desigual” no comércio com o imperialismo e da significativa “superexploração” do trabalho nas economias periféricas. Isto torna cada vez mais difícil às forças capitalistas nacionais envolver na colaboração de classes a classe trabalhadora das economias periféricas. Tanto a “dependência” (de economias “coloniais” relativamente às imperialistas) quanto a “superexploração” do trabalho (feita no Sul pelo Norte) como principal gerador do lucro são temas controversos, e o debate sobre a natureza da moderna exploração imperialista e de suas implicações para a luta de classes continua. Raquel Varela, da Universidade Nova de Lisboa, defendeu que a teoria da acumulação primitiva exposta por Marx no livro 1 tinha novos ângulos a oferecer à análise do capitalismo moderno – vigente ainda nas áreas mais pobres das chamadas economias emergentes como a Índia, mas a teoria da exploração do trabalho pelo capital era agora dominante em nível global.

Tony Norfield, autor do best seller The City, acerca do papel de Londres no imperialismo,https://thenextrecession.wordpress.com/2016/02/24/british-imperialism-the-city-of-london-and-brexit/falou acerca de Das Kapital, finanças e imperialismo. Tony pareceu argumentar que a lei do valor de Marx havia “evoluído” no moderno mundo do imperialismo e do capitalismo financieiro, e agora “mercados financeiros mostram mais diretamente o que a economia global capitalista permite”, e portanto “os mercados de ações, os riscos ligados às obrigações e o mercado FOREX são, agora, as principais alavancas de mercado”, e não mais a lucratividade do capital nos setores não-financeiros. Isto porque as grandes corporações de tecnologia de informação são, de fato, companhias financeiras que usam seu poder financeiro para apropriar-se de mais mais-valia que a gerada em suas linhas de produção. Mas isto também significa que há menos lucro disponível para investimento produtivo.

Do meu ponto de vista, a tese de Tony sugere que o capitalismo mudou a ponto de não ser mais o capitalismo do livro 1 de O Capital. Isto me parece destruir a relevância da teoria do valor de Marx para o entendimento das leis de movimento do capitalismo. Para mim, os preços dos mercados de ações e obrigações refletem as vicissitudes do capital fictício (capital especulativo), mas porque este capital é fictício ele colapsará quando os setores produtivos da economia colapsarem sem lucros suficientes – e este é o ponto defendido por Marx (e também o ponto do artigo de Carchedi – ver a parte um desta resenha)

Deste modo, longe de termos os preços das ações como a melhor medida da saúde capitalista, certamente eles refletem bolhas especulativas em torno de bens que revelam-se como tendo pouco ou nenhum valor. Por exemplo, os atuais preços de ações registram diariamente novas altas diárias, e mesmo assim o crescimento econômico mantém-se baixo e o investimento em capital produtivo mantém-se estagnado. Não é que a lei do valor de Marx deva ceder lugar aos preços de ações, mas será o capital fictício a, eventualmente, dar lugar ao valor. Talvez Tony tenha querido dizer que os marxistas devem levar em conta os enormes incrementos no capital fictício e seu impacto sobre a lucratividade. Se é isto, então alguns autores, incluindo eu mesmo, fizeram-no ao adicionar os bens financeiros aos bens produtivos, como parte do valor líquido das coroporações (Debt matters), ou ao deduzir lucros fictícios dos lucros totais.

As sessões finais do simpósio cobriram o futuro do capital e o futuro do trabalho no capitalismo do século XXI. Alex Callinicos, autor de Deciphering Capital: Marx’s Capital and Its Destiny, lembrou-nos de que o debate corrente em torno da relevância da lei da tendência de queda da taxa de lucro, de Marx, teve início entre marxistas logo em seguida à publicação do livro 3 de O Capital. Por exemplo, houve debate sobre sua relevância entre Benedetto Croce e Antonio Gramsci, com o último defendendo a lei. Hannah Holleman, em sua contribuição, chamou nossa atenção para a nova e grande contradição na acumulação capitalista, que Marx observara apenas em O Capital: a destruição e poluição do planeta pelo impulso rapace pelo lucro, que agora culminou no aquecimento global e na mudança climática, possivelmente de modo irreversível.

Eduardo Motta Albuquerque, da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil, mostrou que no livro 1 Marx também prestou bastante atenção ao desenvolvimento tecnológico do século XIX como um guia para novas ondas de desenvolvimento (Albuquerque Marx Technology Divide). As máquinas na Inglaterra levaram à destruição da indústria indiana; com as indústrias no centro do imperialismo e a agricultura na periferia. A expansão do transporte ferroviário foi acompanhada pela expansão global do capital e pelos tentáculos do imperialismo. “Em suma: cada revolução tecnológica pode redesenhar a divisão internacional do trabalho”. Quais serão, então, os novos “pontos de partida” para o século XXI?

E Fred Moseley, um economista marxista de longa data e autor do recente livro Money and Totality, atualizou seu ponto de vista acerca da relevância da taxa de lucro para o futuro do capitalismo estadunidense. Fred argumentou que um elemento chave para o crescimento da lucratividade é a relação entre trabalho produtivo e improdutivo, o último sendo parte do trabalho que não gera valor nem mais-valia, mas somente apropria-se de parte dela. Estes setores são as finanças, o governo e outras indústrias não produtivas, mas também os trabalhadores envolvidos em atividades de gestão e supervisão em setores produtivos.

A crescente apropriação de mais-valia por estes setores soa o dobre de finados para a ressurreição econômica dos Estados Unidos, pois restringe a lucratividade dos investimentos produtivos. Somente uma destruição de capital nestes setores poderia liberar mais valor para investimentos produtivos (Moseley PP). Para mais sobre o mesmo assunto, ver o excelente artigo novo de Lefteris Tsoulfidis e Dimitris Paitaridis (MPRA_paper_81542).

A sessão final do simpósio Capital.150 em Londres, na tarde de quarta-feira, considerou o que poderia acontecer ao trabalho no capitalismo moderno, e como Marx vislumbrava as mudanças na sociedade e no trabalho sob o comunismo. Tithi Bhattacharya perscrutou a natureza do trabalho moderno em “Social reproduction theory: conceiving capital as social relation”. Este artigo resultou num vigoroso debate em torno da teoria da reprodução social (TRS), em especial em torno de saber se a questão da exploração das mulheres em seus lares e as pressões capitalistas sobre as famílias trabalhadoras é ou não um adendo útil à teoria da força de trabalho de Marx exposta no livro 1.

Lucia Pradella, do King’s College, voltou os olhos para o impacto do imperialismo e da migração sobre o poder do trabalho e sobre as lutas de trabalhadores. O imperialismo criou novos desastres sobre o mundo do trabalho, e um aumento massivo da migração das áreas mais pobres às mais ricas. Mas assim como o sucedido no século XIX com a migração de irlandeses para trabalhar nas cidades inglesas, cujo resultado foram preconceitos e divisões perigosos, viu-se aí também oportunidades positivas para a solidariedade global – algo que Marx lutou, em seus dias, para que ocorresse entre trabalhadores ingleses e migrantes irlandeses. Beverly Silver, da John Hopkins University, considerou a lei geral da acumulação capitalista de Marx e o fazer-se e refazer-se do exército global de reserva do trabalho.

Por fim, o respeitado erudito marxista, Michael Heinrich, analisou a natureza do comunismo tal como exposta n’O Capital e em outros trabalhos de Marx. Fez um poderoso relato da base fundamental de uma sociedade comunista “de cada um de acordo com suas possibilidades, a cada um de acordo com suas necessidades”. Pode isto ser alcançado no século XIX? Michael relembrou-nos da história de um visitante à casa de Marx em seus últimos anos. Ele teria perguntado a Marx, com efeito: “o que a gente pode fazer?” Marx teria feito uma pausa antes de responder, e respondeu numa só palavra: “Lutar!

Traduzido pelo Passa Palavra a partir do original disponível no blog do autor.

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