Por Kim Moody*

Recentemente, um incêndio em uma fábrica mostrou quão vulneráveis são as cadeias de suprimentos no coração da economia global. O incêndio foi em um único fornecedor, ainda assim ele forçou a Ford a parar temporariamente a produção de uma das caminhonetes mais vendidas no país [EUA], a F – 150.

Pensem em quanto poder os trabalhadores teriam se agissem como o incêndio.

Foi exatamente assim que os trabalhadores se organizaram em larga escala na indústria automotiva. No final de 1936, membros da recentemente organizada UAW (United Auto Workers) pararam várias plantas da General Motors para ganhar o reconhecimento do seu sindicato. Um mês depois a GM ainda não tinha se movido.

Mas em fevereiro de 1937 trabalhadores em Flint, no Michigan, ocuparam a Fábrica 4 da GM. Em menos de duas semanas uma das mais poderosas corporações do mundo capitulou.

O que fez a ocupação da empresa em Flint tão mais poderosa do que as greves anteriores? Foi a posição estratégica da Fábrica 4: esta fazia todos os motores para os modelos Chevrolet, sua ocupação fez com que fábricas da GM em todo o país parassem a produção. A vitória em Flint desencadeou uma onda de greves de ocupação e vitórias do sindicato pelo país.

A introdução da entrega de peças no modelo just-in-time nas cadeias de suprimentos de hoje as tornaram ainda mais vulneráveis. Considerem a greve de 1998 em duas empresas pela UAW em Flint. Ela fechou 25 plantas de montagem, que logo ficaram sem peças importantes; e centenas de fabricantes de peças do Canadá ao México, que não tinham para onde mandarem suas peças e nenhum espaço para guardá-las.

Na verdade, um estudo cuidadoso do modo como os produtos são transportados no século 21 revela promissoras oportunidades para organizar os trabalhadores em larga escala.

Grandes volumes, ritmo ágil

O ritmo e o volume das mercadorias transportadas nos Estados Unidos aumentaram dramaticamente nos últimos 20 anos:

  • Quando mensurado em dólares, o total de fretes dobrou entre 1998 e 2017.
  • Durante estes anos o número de armazéns e centros de distribuição aumentou duas vezes e meia, alcançando 17.000.
  • O tamanho dos armazéns e centros de distribuição aumentou dramaticamente quando eles se tornaram o local de movimentação de produtos ao invés de apenas armazenamento. O número de trabalhadores mais do que dobrou entre 1990 e 2017, alcançando 840.000.
  • O transporte intermodal por caminhões e trens quintuplicou em uma década, de 43 bilhões de toneladas em 2002 para 214 bilhões em 2012.
  • Desde os anos 1990 e acelerando com o aumento do comércio eletrônico, às velhas formas de tecnologia da informação, como código de barras e GPS, foram acrescidas novas, como intercâmbio eletrônico de dados (EDI, na sigla em inglês) e identificação por frequência de rádio (RFID, na sigla em inglês). Estas tecnologias rastreiam e guiam o movimento de mercadorias e trabalhadores mais rapidamente, permitindo uma dramática expansão dos sistemas de inventário just-in-time.

Tudo isto requer enormes investimentos em capital fixo. As estradas, ferrovias, portos, aeroportos, pátios de manobras e terminais intermodais que compõem as cadeias de suprimentos não podem ser deslocadas, uma vez que são posicionadas para atender mercados urbanos específicos. Nem os mais de 10.000 armazéns gigantes construídos desde o final dos anos 1990 podem simplesmente levantar âncora.

Onde essas redes de transporte convergem você vai encontrar enormes “aglomerações” que incluem armazéns, centros de tecnologia da informação que rastreiam as mercadorias e pátios intermodais onde mercadorias em contêineres passam de caminhões para trens e vice-versa.

Nos Estados Unidos existem 61 destas grandes aglomerações, que recebem e enviam mercadorias tanto para as grandes indústrias quanto para grandes distribuidores, como Walmart e Amazon. Com grandes custos fixos, eles são vulneráveis a interrupções dispendiosas, incluindo as ações de trabalhadores.

Esta vulnerabilidade é ampliada pela obsessão das indústrias e distribuidoras com o que os gurus da logística chamam de “competição baseada no tempo”. Isto significa não apenas entregas just-in-time visando minimizar os custos dos estoques, mas também uma corrida para fazer com que as mercadorias cheguem aos consumidores mais rápido do que a concorrência. É como o Walmart ganhou do K-Mart, e como a Amazon está ganhando do Walmart. Também é uma das formas pela qual a Toyota ganhou da GM.

Os mesmos gurus admitem que o ritmo rápido torna o sistema vulnerável quando acontece algum problema, como normalmente ocorre. Um furacão, um atraso no porto ou uma greve em um fornecedor criam uma custosa onda em toda a cadeia logística.

Detroits de hoje

Cadeias de suprimentos não são apenas a infraestrutura física de fábricas, estradas, ferrovias, armazéns, portos e os equipamentos que transportam as coisas. Elas também são aglomerações de trabalhadores.

Mesmo com toda a tecnologia, sem a mão e a mente dos trabalhadores, as coisas param. Até o famoso robô Kiva, da Amazon, que eletronicamente identifica e mecanicamente coleta os produtos de prateleiras gigantes, é inútil quando o trabalhador que deveria pegar o produto ao final não está lá.

Mesmo pondo de lado os milhões de trabalhadores industriais e do comércio que também são parte das cadeias de logística, o número de trabalhadores estadunidenses diretamente envolvidos em logística, como trabalhadores em armazéns, motoristas de caminhões e portuários, foi estimado em 3,2 milhões, a maioria chão de fábrica. E isto não inclui os aproximadamente 160.000 ferroviários, o meio milhão de trabalhadores nos correios, os números flutuantes de trabalhadores na construção e nos serviços, ou o número desconhecido de trabalhadores de TI [tecnologia da informação].

Além disso, 85% destes trabalhadores de logística estão concentrados em grandes áreas metropolitanas:

  • Metro Chicago emprega 160.000 trabalhadores de logística.
  • A “aerotropolis” da FedEx em Memphis tem 220.000.
  • Os armazéns do “Império Interior” têm 100.000, sem incluir os trabalhadores portuários.
  • O Logistics Park, ao norte de Fort Worth, Texas, emprega 93.000 trabalhadores direta ou indiretamente.
  • O hub da UPS em Louisville tem 55.000.

Nos anos de 1970 e 1980, as grandes indústrias moveram suas plantas para fora de cidades como Detroit e enviaram partes da produção para plantas mais distantes para escapar destas concentrações de trabalhadores chão de fábrica e sindicatos. Agora eles tiveram que concentrar milhares de trabalhadores em encruzilhadas de transportadoras e aglomerações de armazéns. Estas são as Detroit de hoje.

Organizar?

Existem, sem dúvida, muitas barreiras para se organizar os trabalhadores. A maioria dos caminhoneiros dos portos ainda está classificada como “trabalhadores independentes”, enquanto cerca de 60% dos trabalhadores em armazéns nas maiores aglomerações como Chicago e Los Angeles são contratados por agências temporárias.

Por outro lado, muitos dos caminhoneiros de trajetos locais ou de longa distância, que perfazem cerca de 40% dos trabalhadores de logística, são membros dos sindicatos. Assim como os trabalhadores da UPS, ferroviários e trabalhadores nos correios, que movem as coisas para dentro e para fora dessas aglomerações e pelas cadeias de suprimentos.

Dentro de algumas das maiores aglomerações já existem esforços organizativos. Na área de Chicago, por exemplo, o centro de trabalhadores Warehouse Workers for Justice (Trabalhadores em Armazéns pela Justiça) já ganhou várias causas a respeito de pagamento, do fim das formas brutais de trabalho por peças, onde equipes eram pagas pela carga dos caminhões, e puxaram uma série de greves nos armazéns gigantes da Walmart em 2013.

Organizações similares existem nas aglomerações de Los Angeles e New Jersey. Com 15 greves em 4 anos, alguns caminhoneiros do porto de L.A. organizados pelos Teamsters ganharam o status de empregados e até o reconhecimento sindical. Mas claramente será necessário muito mais para uma vitória em larga escala.


Uma das maiores fontes de poder pode ser encontrada entre as centenas de milhares de membros de base dos sindicatos que não trabalham em logística, mas sim nas mesmas áreas metropolitanas perto destas aglomerações. Mobilize apenas um pequeno percentual destes trabalhadores para apoiar os trabalhadores desorganizados nos armazéns, transportes e TI e pode ser que surja a mobilização que desatará uma nova onda de organização dos trabalhadores.

*Kim Moody é um dos fundadores de Labor Notes e autor de Em novo terreno: Remodelando o Campo de Batalha da Guerra de Classes (Haymarket Books, 2017). Ele mora em Londres e é um membro do Sindicato Nacional dos Jornalistas.

Traduzido por Marco Túlio Vieira a partir do original em inglês.

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