Por João

Há uma semana das eleições as manifestações do #EleNão pareciam confirmar a alta rejeição de Bolsonaro, ao mesmo tempo em que esvaziaram seu conteúdo fundamental, oculto atrás da defesa abstrata dos direitos humanos e da denúncia à misoginia do candidato. As organizações que atacam Bolsonaro e a massa de trabalhadores que o rejeita parecem não falar a mesma língua, e toda a narrativa culturalista mobilizada pelo #EleNão só aumenta essa distância.[1] A percepção de que o antipetismo é a verdadeira mola de crescimento da extrema direita já converteu-se em lugar comum (exceto para a esquerda). Mas o aumento dos votos em Bolsonaro, por outro lado, está muito longe de significar uma adesão fervorosa. Assim, a maioria da população não parece disposta a encampar uma mobilização real contra Bolsonaro, mas também não parece disposta a ir às ruas contra o petismo. Obviamente, trata-se de mostrar aqui o que há em comum entre a massa de eleitores do Bolsonaro e do PT.

Sobre eles – os “mais pobres” – devemos recuperar a imagem de vastos segmentos do proletariado brasileiro imersos na informalidade das relações de trabalho, em regime de alta rotatividade, nos longos percursos da casa para o trabalho amassados em condições desumanas de transporte, e, finalmente, em função disso tudo, a imagem de uma relativa indiferença. Aos olhos estrábicos da esquerda institucional trata-se de uma indiferença irritante, quase análoga a alguma espécie de retardamento: afinal, está em jogo a conservação do próprio regime democrático, da possibilidade de reeleger o único candidato que, um dia, deu a mão aos mais pobres (Lula, no caso, e não Bolsonaro!). E, mesmo assim, a maioria dos trabalhadores brasileiros – mesmo os eleitores de Haddad – permanece presa de inação, emitindo poucos sinais de fumaça… Permanecem como que suspensos, apartados do ritmo histórico da conjuntura.

É sabido que o eleitorado ativo tanto de Bolsonaro como também de Haddad pertence aos estratos com maior renda, que vão às ruas e fazem campanha, de modo que a vitória desse ou daquele depende da capacidade de atrair a maioria, a massa proletária eleitoralmente disforme. Como dissemos acima, a ideia de um eleitorado “mais pobre” que não chega a aderir com convicção a Bolsonaro nem tampouco ao lulismo, longe de ser apenas um setor, constitui a maioria da população. Ora, segundo dados do IBGE, o ano de 2017 se encerrou com 34 milhões de pessoas trabalhando por conta própria ou sem carteira assinada. Mais da metade da força de trabalho do país sobrevive sem proteção legal. Num cenário desse, qual o sentido em utilizar a noção de “mais pobres”? A expressão esconde a verdade de que o desinteresse em relação aos destinos da democracia é predominante na população. E talvez o reconhecimento desse fato seja a vantagem mais evidente de Bolsonaro em relação à esquerda.

Existe um esgotamento que vai além das instituições democráticas do Estado e atinge todos os aparelhos e aparatos da sociedade, sindicatos, mídia tradicional, meios de propaganda etc. Nesse cenário, a direita parece mais preocupada em levar ao extremo a forma e não só o conteúdo da propaganda. Muita gente se surpreendeu com o uso dos grupos de WhatsApp na organização da greve dos caminhoneiros. Grupos que tinham a função de organizar os bloqueios das estradas e também fazer a propaganda para ganhar o apoio da população. Havia ali centros de comando, que, aparentemente, estavam ligados aos maiores proprietários do setor, mas tudo indica que a greve foi além disso, e não teria a força que teve sem essa organização descentralizada. Do mesmo modo, trabalhadores da rede de supermercado Mundial, no Rio de Janeiro, cruzaram os braços em novembro do passado contra o corte da hora extra. Ao que tudo indica, organizaram “por conta própria”, sem o conhecimento e a intervenção do sindicato, e os grupos de WhatsApp foram fundamentais.

De forma análoga, a campanha de Bolsonaro parece ocorrer quase por si só, negando até certo ponto o aparato eleitoral comum na democracia. Não se trata da ferramenta utilizada para a comunicação, mas antes o que isso significa em termos de organização cotidiana. Ao contrário do que muitos querem crer, a liderança de Bolsonaro não resulta de uma simples adesão espontânea, como se o pouco tempo de TV do candidato fosse capaz de atingir em cheio a subjetividade dos eleitores. Há uma espécie de campanha em rede, subterrânea, fora de controle, que vai cercando o trabalhador. O espaço onde deveria se constituir a solidariedade cotidiana vai sendo preenchido, nesse momento, pela extrema direita. Porque ali os revolucionários não chegam. Era de se esperar que isso fosse acontecer. Contudo, no caso específico de Bolsonaro há claros limites.

A fraqueza dele é justamente aquilo que aos olhos estrábicos da esquerda parece ser a sua força: o discurso inflexível, a apologia sem matiz da tortura, a imagem unívoca do torturador. Possui um dos ingredientes imprescindíveis, que é o berro. Mas, num momento como este, em que a maioria se mantém imóvel apesar das intenções de voto, o discurso, para transformar-se na selvageria que promete, necessita de nuances que a estupidez do candidato desconhece. O processo já foi iniciado, porém. E o perigo é o que pode vir à direita de Bolsonaro, no terreno que ele vai desbravando. No fundo trata-se de perceber que os eleitores do antipetismo e do lulismo estão muito mais próximos do que sugere o antagonismo ideológico da propaganda eleitoral. O fascismo é justamente a capacidade de conjugar ambas as coisas, harmonizando a dualidade, adicionando ao discurso truculento (que atrai setores do antipetismo) parte do populismo produzido pelas próprias lideranças da esquerda; essa síntese pode, sim, ser produzida por um movimento fascista. Mas por que não poderia, também, partir de uma organização social-democrata no poder?

Por parte da esquerda revolucionária a indiferença em relação às condições reais de sobrevivência e de articulação cotidiana dos trabalhadores se fez presente em relação à reforma trabalhista, por exemplo. Isto porque existe uma distância entre a denúncia da reforma, o trabalho de propaganda em linhas gerais, e, por outro lado, o interesse vivo pelas contradições concretas produzidas pelo processo de aplicação da mesma. Basta a propaganda geral de denúncia no céu da abstração, o resto pertence à realidade – isto não nos diz respeito. É como se não fossemos mais capazes de ir além da velha propaganda. A quantas anda a aplicação da reforma? Em que setores avançou mais? Por quais meios cotidianos os trabalhadores impõe resistência? Questões dessa natureza seriam imprescindíveis nesse momento, quando em breve o próximo governo aprovará também a reforma da previdência. Em tais condições, o tempo que se perde com discussões sobre linha política em relação às eleições – voto nulo? voto útil? – beira o delírio. A tática para as eleições parece adquirir uma força sobrenatural, que pode compensar tudo. Mas não pode. E aqui reside o limite intransponível para os revolucionários.

A maior clarividência possível é poeira, e de nada vale, quando não conseguimos nos mover politicamente dentro dos locais de exploração e reprodução da força de trabalho. A tarefa dos revolucionários continua sendo o esforço para erguer as formas de poder própria dos trabalhadores, irreversíveis, desde o chão das empresas. E, no limite, mais preocupante que a eleição de fulano ou sicrano é a questão de saber exatamente por que não estamos conseguindo fazer isto, pois sem isto, afinal, perderemos de qualquer jeito. Prognóstico seguro é que, o próximo governo, seja ele qual for, terá de lidar sem demora com índices altíssimos de rejeição. A revolta latente não vai sumir; resta saber onde estaremos quando ela aparecer.

Nota

[1] É como se o discurso culturalista estivesse agora no estágio terminal da Nova República desempenhando um papel central no sentido de acelerar o seu fim: “Com as camadas médias definitivamente perdidas para o antipetismo radical, o dilema do PT agora é como ir além e conquistar o que resta do eleitorado conservador fortemente ligado ao meio evangélico e sensível ao imaginário punitivista – a chamada “nova classe média” – com uma pauta “progressista” das minorias organizadas. É evidente – ou deveria ser – que se trata da quadratura do círculo. Mas a campanha de Haddad aposta precisamente nisso. Cada ponto que o candidato do PT sobe nas pesquisas, com o pouco que ainda resta da transferência dos votos lulistas, ganha 3 pontos em rejeição do eleitorado que ainda não o conhecia, mas que rejeita de antemão o programa da esquerda culturalista. Um exemplo claro dessa tendência foi o #EleNão, que conseguiu mobilizar minorias organizadas e promover atos relevantes em diversas cidades, mas apenas para que, em seguida, o voto feminino em Bolsonaro crescesse seis pontos nas pesquisas”. (À beira do abismo – Marcos Barreira).

8 COMENTÁRIOS

  1. Vejam como a social-democracia republicana e democrática não muda – ou melhor, muda o jeito, mudam as ferramentas, mas o conteúdo de classe…

    “Da mesma forma por que os democratas tinham, em estilo revolucionário, agitado os espíritos e feito demonstrações de violência durante a campanha eleitoral constitucional, agora, quando se tornava necessário provar o caráter sério dessa vitória de armas na mão, em estilo constitucional pregavam a ordem, “majestosa serenidade”, a atuação legal, ou seja, a submissão cega à vontade da contra-revolução, que se impunha como lei. Durante os debates, a Montanha cobriu de vergonha o partido da ordem, afirmando, contra a paixão revolucionária do último, a atitude desapaixonada do filisteu que se mantém dentro da lei, e fulminando aquele partido com a censura terrível de que procedera de maneira revolucionária. Mesmo os deputados recém-eleitos se esmeravam em provar, com sua atitude correta e discreta, o absurdo que era atacá-los como anarquistas e atribuir sua eleição a uma vitória da revolução. A 31 de maio foi aprovada a nova lei eleitoral. A Montanha contentou-se em enfiar sorrateiramente um protesto no bolso do presidente da assembléia. À lei eleitoral seguiu-se uma nova lei de imprensa, pela qual a imprensa revolucionária foi totalmente suprimida. Merecera essa sorte. O National e La Presse, dois órgãos burgueses, ficaram depois desse dilúvio como a guarda mais avançada da revolução.

    Vimos como durante os meses de março e abril os dirigentes democráticos haviam feito tudo para envolver o povo de Paris em uma luta falsa e como, depois de 8 de maio, fizeram tudo para desviá-lo da luta efetiva. Além disso, não devemos esquecer que o ano de 1850 foi um dos anos mais esplêndidos de prosperidade industrial e comercial, e o proletariado de Paris atravessa, assim, uma fase de pleno emprego. A lei eleitoral de 31 de maio de 1850, porém, o excluiu de qualquer participação no poder político. Isolou-o da própria arena. Atirou novamente os operários à condição de párias que haviam ocupado antes da Revolução de Fevereiro. Deixando-se dirigir pelos democratas diante de um tal acontecimento e esquecendo os interesses revolucionários de sua classe por um bem-estar momentâneo, os operários renunciaram à honra de se tomarem uma força vencedora, submeteram-se a sua sorte, provaram que a derrota de junho de 1848 os pusera fora de combate por muitos anos e que o processo histórico teria por enquanto que passar por cima de suas cabeças. No que concerne à pequena burguesia — que a 13 de junho gritara: “Mas se ousarem investir contra o sufrágio universal, bem, então lhes mostraremos de que somos capazes!” — contentava-se agora em discutir que o golpe contra-revolucionário que a atingira não era golpe e que a lei de 31 de maio não era lei. No segundo domingo de maio de 1852 todos os franceses compareceriam às urnas empunhando em uma das mãos a cédula eleitoral e na outra a espada. Satisfez-se com essa profecia. Finalmente, o exército foi punido por seus oficiais superiores em vista das eleições de março e abril de 1850, como o tinha sido a 28 de maio de 1849. Desta vez, porém, declarou com decisão: “A revolução não nos enganará uma terceira vez.”

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/brumario.html

  2. Não só isso, não só aquilo… É isso, e é também aquilo… É Nova (e também a velha…) Califórnia… É Tubiacanga (Washington, Moscou, Lisboa, Paris, São Paulo…)…:

    “(…) Mas, qual não foi a surpresa dos seus habitantes quando se veio a verificar nela um dos
    repugnantes crimes de que se tem memória! Não se tratava de um esquartejamento ou parricídio; não
    era o assassinato de uma família inteira ou um assalto à coletoria; era cousa pior, sacrílega aos olhos de
    todas as religiões e consciências: violavam-se as sepulturas do “Sossego”, do seu cemitério, do seu
    campo-santo.
    (…) Às necessidades de cada um, aqueles ossos que eram ouro viriam atender, satisfazer e
    felicitá-los; e aqueles dous ou três milhares de pessoas, homens, crianças, mulheres, moços e velhos,
    como se fossem uma só pessoa, correram à casa do farmacêutico.
    (…) A desinteligência não tardou a surgir; os mortos eram poucos e não bastavam para satisfazer a
    fome dos vivos. Houve facadas, tiros, cachações. Pelino esfaqueou o turco por causa de um fêmur e
    mesmo entre as famílias questões surgiram. Unicamente, o carteiro e o filho não brigaram. Andaram
    juntos e de acordo e houve uma vez que o pequeno, uma esperta criança de onze anos, até aconselhou
    ao pai: “Papai vamos aonde está mamãe; ela era tão gorda…”
    De manhã, o cemitério tinha mais mortos do que aqueles que recebera em trinta anos de
    existencia. Uma única pessoa lá não estivera, não matara nem profanara sepulturas: fora o bêbedo
    Belmiro. (…)”

    … Será que é por isso que eu bebo?

  3. Belmiro? Benjamim!

    (…) O velho Benjamim, o burro, nada mudara, após a Revolução. Executava sua tarefa
    da mesma forma obstinadamente lenta com que o fazia nos tempos de Jones.
    Não se esquivava ao trabalho normal, mas nunca era voluntário para
    extraordinários. Sobre a Revolução e seus resultados, não emitia opinião.
    Quando lhe perguntavam se não era mais feliz, agora que Jones se havia ido,
    respondia apenas “Os burros vivem muito tempo. Nenhum de vocês jamais viu um
    burro morto”, e os outros tinham que contentar-se com essa obscura resposta.
    (…) O
    velho Benjamim, o burro, nada mudara, após a Revolução. Executava sua tarefa
    da mesma forma obstinadamente lenta com que o fazia nos tempos de Jones.
    Não se esquivava ao trabalho normal, mas nunca era voluntário para
    extraordinários. Sobre a Revolução e seus resultados, não emitia opinião.
    Quando lhe perguntavam se não era mais feliz, agora que Jones se havia ido,
    respondia apenas “Os burros vivem muito tempo. Nenhum de vocês jamais viu um
    burro morto”, e os outros tinham que contentar-se com essa obscura resposta O
    velho Benjamim, o burro, nada mudara, após a Revolução. Executava sua tarefa
    da mesma forma obstinadamente lenta com que o fazia nos tempos de Jones.
    Não se esquivava ao trabalho normal, mas nunca era voluntário para
    extraordinários. Sobre a Revolução e seus resultados, não emitia opinião.
    Quando lhe perguntavam se não era mais feliz, agora que Jones se havia ido,
    respondia apenas “Os burros vivem muito tempo. Nenhum de vocês jamais viu um
    burro morrer”
    (…) Mais ou menos nessa época, aconteceu um incidente que
    nenhum dos bichos pôde compreender. Certa noite, à meia-noite mais ou menos,
    ouviu-se um ruído de queda no pátio e os animais correram de suas baias para
    ver o que sucedera. Era uma noite de lua. Ao pé da parede do fundo do grande
    celeiro, na qual estavam escritos os Sete Mandamentos, encontraram uma
    escada quebrada em dois pedaços. Garganta, momentaneamente aturdido, jazia
    estatelado junto a ela, tendo ao lado uma lanterna, uma brocha e uma lata de tinta
    branca, entornada. Os cachorros fizeram imediatamente um círculo em torno de
    Garganta e escoltaram-no de volta à casa-grande, tão logo ele pôde caminhar.
    Os bichos não conseguiam fazer sequer idéia do que significava aquilo, exceto
    Benjamim, que torceu o focinho com um ar de compreensão e pareceu entender
    o que se passara, mas nada disse. (Disponível em http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/animaisf.pdf)

    Bêbados e burros… mudam os personagens, as geografias, mas o trabalho (e as relações dele oriundas) continuam o mesmo, independentemente de as revoluções serem em preto e branco ou coloridas…

  4. Para ficar só no estado de São Paulo: os cinco deputados federais mais votados: PSL 8,74 % 1.843.715 votos EDUARDO BOLSONARO , PSL 5,11 % 1.078.659 votos JOICE HASSELMANN; PRB 2,47 % 521.724 votos CELSO RUSSOMANNO; KIM KATAGUIRI DEM 2,21% 465.303 votos; TIRIRICA PR 2,15% 453.849 votos, representando 20,68% do total de votos deste estado… Os cinco deputados estaduais mais votados: PSL 9,88 % 2.060.770 votos JANAINA PASCHOAL; DEM 2,29 % 478.273 votos, ARTHUR MAMÃE FALEI; PSOL 1,05 % 218.705 votos CARLOS GIANNAZI; CORONEL TELHADA PP 1,03% 214.443 votos; GIL DINIZ PSL 1,03% 214.036 votos, sendo que a primeira colacada obteve quase 10% dos votos do estado de São Paulo, ou quase 10 vezes mais do que o único candidato entre os cinco primeiros considerado de esquerda…

    De duas uma: ou a burguesia votou em massa em seus candidatos (supondo que 20%, ou mesmo 10%, da população do Estado de São Paulo pertença à esta classe… o que parece ser pouco provável…), ou a “massa” de trabalhadores que “rejeita (?)” Bolsonaro, não estaria, ao contrário, a confirmar a capacidade do fascismo de “conjugar dualidades”, representada justamente na figura de um Bolsonaro e um Haddad num segundo turno?

  5. Bisonho,

    Não disse que a maioria da população rejeita Bolsonaro. Disse que a rejeição dele é alta, e também a rejeição a Haddad. Ao mesmo tempo os dois foram os mais votados. A contradição aqui é aparente. Se você olhar bem vai perceber.

    O que eu disse é que, hoje, os eleitores do Bolsonaro dispostos a se mobilizar em torno dele concentram-se nos estratos de renda um pouco maior que a média. Estão aí, por enquanto, os destacamentos mais perigosos. É gente que tá militando ativamente pelo fascismo. Mas isto não quer dizer que os trabalhadores mais explorados não votarm nele. Votaram sim.

    Em todo caso, o argumento central do texto é fato de que a derrota já aconteceu, de certo modo, antes das eleições. Aconteceu quando a esquerda perdeu de vista a centralidade das relações de produção. Essa perda se manifesta na esquerda de várias formas, e tem diferentes motivos. Mas é o que dá a tônica dos descaminhos atuais.

    A revolta indeterminada com as condições de exploração tá colocada. É a matéria prima dos fascistas, que eles já começam a trabalhar e dar forma. Deveria ser a nossa também.

  6. João,

    É justamente a contradição aparente que tentei afirmar em meu comentário, por isso em minha interrogação há, na verdade, a afirmação de que o fascismo por seu caráter dualístico (especialmente a dualidade estética… e uma eleição sempre é carregada de estéticas…) é permeado por uma série de contradições sempre aparentes. Se o eixo endógeno dos fascismos é representado pelos partidos, pelas milícias e pelos sindicatos, a aparência da contradição entre Haddad e Bolsonaro, em minha opinião se desfaz. Seja no “culto” à Bolsonaro, seja no “culto” à Lula (neste caso representado por Haddad), há um caráter fortemente “messiânico” e esse messianismo é abraçado justamente por grande parcela da classe trabalhadora, senão pela grande maioria da classe trabalhadora, já que 75% (46,04 Bolsonaro; 29,27 Haddad) dos votos foram distribuídos entre estes dois candidatos com apoio, inclusive, de entidades sindicais dos dois lados (a paralisação dos caminhoneiros talvez possa ilustrar esta situação, ao menos em parte…). Não quero com isso dizer que Haddad ou o PT sejam propriamente fascistas, não. Mas que suas ações (e também as ações de outros partidos ou grupos ditos de esquerda) tiveram fundamental importância na ascensão daquilo que me parece ser um fascismo, especialmente porque o eixo exógeno está representado por centenas de parlamentares militares e religiosos legalmente eleitos, e pelas próprias igrejas a monopolizar uma parcela enorme do dinheiro em circulação e a própria classe trabalhadora… lembremos que a chegada formal de Hitler ao poder foi pelas vias legais…

    Tanto de um lado como de outro (Haddad e Bolsonoro) há partidos e sindicatos ditos de trabalhadores que os apoiam ou os apoiarão na esperança de “salvação” do “mal”… Um mal, que na verdade, é dirigido contra a classe trabalhadora, ainda que sob discursos identitários de ambos os lados… concordo plenamente contigo que a esquerda foi derrotada quando “perdeu de vista a centralidade das relações de produção” mas essa derrota aconteceu muito antes destas eleições… aconteceu, ao menos em parte, justamente quando as relações de classe foram colocadas no âmbito das relações de consumo, justamente pelo PT, com a “famosa” ascensão das classes C, D e E ao consumo… (e uma das características do fascismo não é justamente a negação da luta de classes…? Neste caso específico, além do nacionalismo, será que não poderíamos acrescentar o consumo como forma de identidade a unir uma sociedade…?)

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