Por dois militantes

Segunda-feira, primeiro de outubro. No campus centro da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, os alunos do turno da noite de Jornalismo e de Rádio e TV descobrem que seus coordenadores foram demitidos naquele dia e paralisam as aulas para realizar uma assembleia. Decidem manter a paralisação no dia seguinte, e começam a entrar nas demais salas de aula da faculdade para mobilizar os colegas.

Na terça-feira, no início do período noturno, alunos de diversos cursos se reúnem no corredor, de onde se distribuíram para percorrer a faculdade, convocando todas as turmas a deixarem a aula e se juntarem à paralisação; várias salas aderem, inclusive uma que estava prestes a começar uma prova, obrigando a professora a adiá-la.

Na quarta-feira, a mesma cena se repete, e ainda mais alunos protestam pelos corredores, fazendo jograis e cantando palavras de ordem. Jornalismo e Rádio e TV seguem completamente paralisados, e outros cursos interrompem parcialmente as atividades. A mobilização agrega uma série de reivindicações ao redor da denúncia do sucateamento da universidade. Sobressaem as questões da demissão massiva de professores e a diminuição da carga horária presencial dos cursos, com aumento de aulas EAD (educação a distância).

Na manhã da quinta-feira, estudantes de cinema param todas as aulas e se reúnem no corredor com alunos de outros cursos. À noite, uma nova assembleia é realizada com mais de cem alunos. Em mais de uma ocasião, representantes da Anhembi pedem aos estudantes para que formem uma comissão para negociar a portas fechadas. Os alunos rechaçam repetidamente essa possibilidade e exigem uma conversa aberta a todos.

* * *

Durante todo esse tempo, mal se podia notar que estávamos a três dias do primeiro turno das eleições. Nas ruas e no transporte público, é difícil não escutar alguma conversa sobre o assunto. Mas naqueles corredores quase não se falava disso.

Enquanto muitos se ocupam em procurar uma saída que não existe – como se o resultado das eleições fosse suficiente para nos salvar da desgraça em que já estamos metidos até o pescoço –, talvez a esperança resida muito mais em discussões e ações coletivas como as que se viam ali, em ato.

Ao longo das assembleias da Anhembi, as eleições apareciam mais como obstáculo do que qualquer outra coisa: “semana que vem já vão ter passado as eleições e podemos fazer um ato etc. etc.”. É bem possível que a maioria dos presentes fosse anti-Bolsonaro, mas é igualmente provável que houvesse ali mais de um partidário do capitão. E não importa.

Importa que, no meio de tudo isso, esses estudantes paralisaram as aulas imediatamente ao saber da demissão dos coordenadores de seus cursos. O desligamento deles é parte de um conjunto de cortes que, desde 2017, levou a centenas de demissões de professores da universidade. Em meio a uma forte concentração de capital, o ensino superior privado atravessa um processo de reestruturação, ligado ao aumento dos cursos a distância e a uma redução significativa das aulas presenciais dos cursos já existentes. Controlada desde 2005 pela gigante Laureate, que passou a deter 100% das ações da faculdade em 2013 – mesmo ano em que comprou a FMU –, a Anhembi Morumbi vem reduzindo seu quadro docente, assim como diversas outras faculdades particulares, com um impacto direto no cotidiano dos estudantes.

* * *

Boa parte dos alunos do noturno trabalha, por vezes em áreas distintas da que estudam, onde a rotatividade no emprego é alta, como escolas de inglês, empresas de TI e telemarketing. A cultura política do movimento remete às ocupações de escolas de 2015 e 2016, do qual ao menos um aluno participou: a todo momento alguém puxa um jogral, no qual muitas vezes se reafirma a distância do movimento em relação à “política partidária”; há uma desconfiança acerca da representação e dos mecanismos institucionais de negociação, que os leva a recusar reuniões a portas fechadas e a reafirmar entre si que só o “barulho” dos alunos poderia fazer com que fossem ouvidos. Ao mesmo tempo, há um apreço pela legalidade e um apego às formalidades a cada passo da mobilização.

Não é de agora que os estudantes protestam na Anhembi Morumbi. Desde 2017, ocorrem pequenas mobilizações contra a demissão de professores e a piora das condições de ensino na faculdade. Do contato com lutas de alunos de outras universidades particulares, nasceu o MEIP (Movimento Estudantil Insurreição Popular), que organizou assembleias no campus centro no fim do semestre passado.

Passando nas salas durante a paralisação, descobriu-se que recentemente o estudantes de fisioterapia também se mobilizaram contra a demissão do coordenador do curso. Quando ameaçaram boicotar o ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) e detonar a faculdade na avaliação interna do ISED (Índice de Satisfação do Estudante e Docente), a empresa se dispôs a readmitir o professor. Ao mesmo tempo em que os alunos de fisioterapia se ressentem da falta de apoio dos colegas de outras áreas naquele momento, os demais nem se lembravam do que ocorreu, o que demonstra a necessidade de superar o isolamento entre os diferentes cursos e construir uma memória destas pequenas disputas.

O ensino privado empurra os estudantes para a posição de clientes; contudo, ao protestar contra a demissão de professores, eles se colocam para além desse papel e estabelecem uma relação de solidariedade, enxergando os docentes como trabalhadores. Ao mencionar um professor, cujas aulas consideravam ruins, recordaram: “depois descobrimos que ele estava dando um montão de cursos, tava muito sobrecarregado. Aí a gente entendeu.”

* * *

A grande insatisfação com as condições de ensino e o preço das mensalidades, que se manifesta na maior parte dos alunos de diversas faculdades privadas, encontra uma disposição para a luta neste caso da Anhembi Morumbi. Entretanto, não são poucos os desafios para que esta efervescência se espalhe e não se perca completamente em algumas semanas, engolida pelo cotidiano.

A recontratação dos coordenadores de Jornalismo e Rádio e TV seria uma conquista importante, que poderia impulsionar o movimento e se tornar um exemplo. Por outro lado, conforme alunos de outros cursos se somam ao movimento, se faz importante encontrar uma pauta mais ampla, que possa agregá-los numa posição que não seja apenas de apoiadores. Caso contrário, corre-se o risco de que a luta se restrinja a dois ou três cursos mais mobilizados e acabe perdendo o fôlego. O desafio é concretizar tanta insatisfação em uma questão simples, capaz de impulsionar a continuidade do movimento. Centrar-se na demissão em massa de professores pode esbarrar nos limites de um apoio aos docentes. Já a reivindicação do retorno da carga horária presencial pode congregar muitos estudantes, porém parece estar para além das forças do movimento neste momento.

Os estudantes que iniciaram a mobilização precisam traçar os próximos passos de olho nestes desafios, pensando em como aumentar a pressão sobre a faculdade para além da paralisação das aulas. Ao mesmo tempo em que se tenta intensificar os protestos, há que se permanecer atento às tentativas da universidade de dividir os estudantes e colocá-los uns contra os outros.

Nestes tempos sem perspectiva, anima saber da luta dos alunos da Anhembi Morumbi. Tomara que, ao longo desse processo, os laços entre eles se fortaleçam para que a organização dos estudantes continue depois das paralisações.

1 COMENTÁRIO

  1. Há alguma atualização a respeito do movimento dos estudantes da Anhembi?

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here