Por Grouxo

Consigo ver dois movimentos que foram publicizados e fizeram a diferença nessa virada do Bolsonaro para além do teto. Vejam que na medida em que esses fatos foram noticiados Bolsonaro ignorou solenemente o teto e foi pra cima.

De um lado, o abuso reiterado, sistemático e generalizado do poder econômico pelos grandes, médios e pequenos empresários contra seus empregados contra o voto de esquerda. Eles não fazem o voto mudar diretamente, mas criam uma situação de “espiral do silêncio”. Os que discordam do extremismo de direita se sentem isolados, deslegitimados, sozinhos. Os colegas de trabalho tão tudo de verde. O patrão humilha a petista do trampo todo dia e todo mundo fica quieto.

Isso inviabiliza o debate sobre o projeto, as propostas, o programa de governo do Bolsonaro. É onde a gente poderia ganhar um espaço.

Do outro, a declaração de apoio e a agitação hard das igrejas evangélicas. Os pastores, referências morais e materiais de diversas comunidades, jogaram todo o peso das suas reputações e da rede de solidariedades das igrejas no apoio a essa candidatura… de forma acentuada depois da declaração apoio do Edir Macedo. Questionar Bolsonaro era ser um esquerdista pecaminoso (coisa confirmada pelas fake news a respeito de um #EleNão que supostamente desrespeitava religiosos os bons costumes). Em suma, virou coisa de petista corrupto. Repete-se o efeito que falei acima: os incomodados, os dissidentes, calaram-se, ficaram sem espaço pra conversar, no final das contas muitos anularam ou se abstiveram por se sentirem errados, por culpa, etc. Saem do debate também.

São esses os dois mecanismos que a gente precisa romper se queremos realizar a derrota eleitoral do Bolsonaro e começar um movimento de resistência ao movimento fascista que ele expressa. E sabe quem tem mais condições de romper esses mecanismos? Justamente os não alinhados. Os que não são conhecidos por serem petistas fanáticos. Os que ficaram por anos fazendo a crítica aos governos petistas, aos seus compromissos, tocaram lutas de forma independente, séria.

Essas pessoas têm condições de tocarem um diálogo sobre o programa do Bolsonaro, atiçar as dúvidas sobre o que o pastor pretende com esse apoio súbito e intenso, fazer vazar uma denúncia de assédio moral da empresa. O petista da empresa, o “corruptralha” do bairro não tem.

A maior capacidade de intervenção e reserva moral pra fazer o diálogo e de fato barrar o fascismo reside, feliz ou infelizmente, nesses “antipetistas” de esquerda teimosos que fizeram a oposição por anos e anos ao governo e não abriram mão da sua independência.

Então, me façam o favor de não jogarem suas reputações no lixo por medo do que pode vir. Usem sua história, sua trajetória, a capacidade que nós temos de construir coisas independente do hegemonismo petista para convencer as pessoas que o projeto do Bolsonaro não é o que queremos.

Acabou essa coisa do mal menor, gente. Acabou o pacto democrático de 1988. Não vai ter nenhum salvador ou pai que nos garanta. Vamos parar de viajar na maionese.

Publicado originalmente dia 07/10/2018

5 COMENTÁRIOS

  1. Esse é um bom texto para massagear o ego desses incríveis anarquistas e autonomistas que, durante todo esse tempo, ficaram imunes ao petismo, fazendo (ou não – sim, porque há muita conversa) trabalho social no local de trabalho, estudo ou moradia.

    Considerando que o mundo é indiferente ao ego desses revolucionários, o texto é uma contradição ambulante. Ora argumenta que a salvação da esquerda são esses arautos da Revolução, que devem permanecer imunes ao petismo e não pedir votos em Haddad, ora nos diz que se deve convencer o povo de que o Bolsonaro não é o que se quer e logo devem… (votar em quem?).

    A extrema-esquerda vem assumindo algumas posições:
    – Adesão ao voto no Haddad;
    – Fiscalização e Denuncia da militancia que declarou voto no Haddad, agora chamada de social-democrata (independente do que tenha feito nos úlitmos 10 anos).
    – Auto-proclamação por meio de bandeiras definidas em seus comitês e gabinetes e que, portanto, deve ser a bandeira a ser seguida pelo povo, visto que são os comitês e gabinetes dos revolucionários e eles obviamente estão certos.

    E por aí vai….

  2. Interessante seu diálogo com fantasmas, Johnnie.

    Mas a culpa não é minha se o seu debate político se restringe a pedir voto ou deixar de pedir voto. O bolsonarismo não é um movimento apenas eleitoral, como a turma do PT nunca cansa de salientar e eu demonstrei ali na análise das igrejas e empresas. É apenas a expressão eleitoral de um movimento fascista que está crescendo.

    Eu acho que aderir ao petismo, botar filtro do Haddad na foto, virar lulista da estrela vermelha de uma hora pra outra sem nenhuma interlocução crítica, por medo… não vai adiantar de nada para combater esse projeto. Usar da nossa independência e da nossa capacidade de fazer coisas fora do PT e de seus satélites pra combater o terrorismo dos patrões e das igrejas pode adiantar. Votar ou pedir voto é o de menos. Isso não começou nem vai acabar na urna.

    Nada disso veio de nenhum comitê, infelizmente. Vem apenas da experiência de militar num local de trabalho e imaginar meu patrão me botando num vídeo pra apoiar o Bolsonaro ou no Lula. O pastor pegando meu único local de sociabilidade mais tranquila e falando que as pessoas da minha opinião são o demônio. Vai muito além de influenciar nas eleições, isso. Quem acredita que vai resolver isso com voto ou declaração de voto, se ilude.

  3. Ao contrário. Aderir ao petismo neste momento só vai ajudar a eleger Bolsonaro. A população tem que entender que não é uma disputa entre o PT (odiado por quase a metade deste país) e um fascista (termo e conjunto de práticas que a maioria sequer sabe o que significam). A população tem que ver essa disputa por outra lente, a da civilização contra a barbárie, a dos direitos contra a da precarização, a da solidariedade contra a violência. E ela só verá através de uma nova lente se ficar claro que quem defende um dos lados dessa disputa não são somente os petistas, somos muito maiores do que eles. Aceitar a polarização do jeito que ela se desenha hoje é o maior tiro no pé.

  4. Sabe o que é um excelente fantasma, Grouxo?

    Vir me dizer que não se derrota o fascismo com voto. Isso é tão óbvio que somente os briosos revolucionários do campo autonomo perceberam; ninguém mais sabe disso a não ser vcs…

    Dê o primeiro passo, meu caro; talvez o próximo texto que escreva seja uma experiência CONCRETA de luta e de auto-organização dos trabalhadores para barrar o Bolsonaro e tudo que vem com ele. O resto é mais do mesmo.

    Abraço!

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