Por Passa Palavra

Alguns dias antes, no telefone da empresa…

Trabalhador X: Meu nome é X, eu trabalhava na FNAC Paulista. Eu gostaria de saber por que que a gente não recebeu ainda.

Livraria Cultura: Então, nós tivemos uma posição da diretoria que o pagamento tá atrasado mesmo… E que eles vão repassar a data de pagamento…

X: É, eles informaram isso semana passada. E aí, como é que a gente vai receber? Como é que fica eu? Como é que ficam todos?

Cultura: Então, eles pediram pra aguardar, infelizmente eu não tenho outra posição pra te passar…

X: Não, cara, aguardar não tem como ficar aguardando não. Eu não consigo aguardar mais não, não tá dando certo isso aí não. Conversei com você, conversei com outra pessoa já… Já tive paciência pra esperar, mas não tô tendo paciência mais não. Você não tá me ajudando em nada. Nem eu nem os outros. Então faz o seguinte. Me passa o número da Juliana Brandão que faz o pagamento pra eu falar diretamente com ela então.

Cultura:  Eu não tenho autorização pra te passar, infelizmente.

X:  Mas como assim? Eu ainda tô ligado à empresa e não posso falar com ela? Vamos lá, seja camarada… você vai estar na mesma situação que eu, me passa o telefone!

Cultura: Não posso… Eu sou que nem você, tenho que cumprir ordens, não posso passar o telefone.

***

Não podia. Depois de várias ligações dessas, uma articulação entre vários ex-trabalhadores da FNAC organizou na terça-feira (16/10) um protesto dentro da Livraria Cultura do Conjunto Nacional em São Paulo pelo pagamento das verbas indenizatórias atrasadas. O protesto em “outra empresa” se explica pela relação entre as duas: Livraria Cultura adquiriu a Operação FNAC Brasil há um ano e, portanto, é responsável pelos pagamentos. 

O protesto contou com a solidariedade e empatia de funcionários e ex-funcionários da Livraria Cultura, que também denunciam não terem recebido suas verbas rescisórias corretamente e um atraso de pelo menos 3 meses no depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Eles dizem que a empresa enfrenta mais de 30 processos trabalhistas só da filial do Conjunto Nacional, que vão desde cálculos errados até assédio moral. Além disso, a Cultura também está devendo vários fornecedores.

Cerca de 30 ex-funcionários se manifestaram com cartazes dentro da empresa. Depois de um tempo de protesto, finalmente conseguiram falar com a Juliana da ligação. Juliana Brandão era antiga diretora de Recursos Humanos da Livraria Cultura e hoje substitui o CEO Sérgio Herz. Para fazer a reunião, no entanto, tiveram que entregar seus celulares e entrar em uma sala fechada, sendo proibida qualquer gravação ou filmagem do que fosse conversado. A chefe falou que iam chamar entre essa semana e a próxima para fazer um acordo com as pessoas que estavam reclamando. Mas, ao que parece, Ricardo Patah do sindicato dos comerciários articulou com a empresária um acordo que, pelo que a própria fala do sindicato indica, foi feito sem consultar os manifestantes, de parcelar o pagamento dos atrasados em 12 meses. Sem multa por ter atrasado ou outra compensação. Eles ainda não decidiram se aceitam o acordo e o representante da empresa disse que “tudo vai ser tratado individualmente”.

Os empregados da Livraria Cultura, que nos confidenciaram tudo sob condição de anonimato, afirmam apoiar o protesto: “todos, sem exceção”. “Não podemos nos pronunciar abertamente”, afirma um funcionário, “pois as lideranças da empresa punem qualquer coisa com justa causa. Mas no fundo estamos com medo de termos o mesmo fim: desempregados e sem rescisão”. O momento do protesto contou com a solidariedade de boa parte dos clientes também, que tiraram fotos, filmaram e postaram nas redes sociais – enquanto outra parte dos frequentadores da livraria fingia que nada estava acontecendo.

Ao fim da reunião, os trabalhadores não parecem ter se conformado e demonstram ter consciência dos interesses antagônicos em jogo. Um diálogo entre uma das ex-funcionárias e Juliana (a CEO atuante) ao fim da reunião “clandestina” é esclarecedor nesse sentido:

– Olha, o seu “salário” tá em dia né?
– Tá, tá em dia.
– Então você não sabe o que a gente tá passando.

Resta saber se conseguirão fazer com que entendam pela força da sua mobilização coletiva, já que as ações individuais demonstram não ter resultado. E saber com que solidariedade poderão contar.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here