Por Passa Palavra

acto-6Vinte e um de dezembro. O sol escaldante e o forte aparato militar que cercaram a visita do presidente Lula à inauguração da nova estação de metrô em Ipanema não foram capazes de abafar a voz dos indignados que não se sentiam representados por todo aquele espetáculo de ocasião.

A heterogeneidade dos insatisfeitos, cuja composição ia de movimentos sem-teto a aposentados de companhias aéreas, parecia ir à contramão das estatísticas que enfatizam a alta popularidade do governo Lula.

O sol quente e a quantidade de movimentos e reivindicações aqueciam o ambiente político; o entorno da estação do metrô fervia em polêmicas: um aposentado se reivindicando um nacionalista e totalmente a favor da tríade política Lula-Cabral-Paes discutia vivamente com uma senhora de meia idade. Por detrás de ambos, dois jovens condenavam a atitude do senhor. No meio do tumulto, alguns cinegrafistas, muitos curiosos e alguns moradores observavam tudo nos prédios ao redor da estação, não havia como se furtar do posicionamento, seja ele de ocasião ou não.

Nos subterrâneos o espetáculo era filmado. Nem o presidente, nem o prefeito e muito menos o governador apareceram na superfície, provavelmente entraram por baixo da estação, receosos do barulho e da crítica popular.

Perto de um sinal de trânsito uma faixa chamava atenção: “Liberdade para Cesare Battisti”. Eram os integrantes do comitê de solidariedade a Cesare Battisti, que aproveitando a visita de Lula resolveram chamar atenção para a situação do ex-militante do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), grupo de esquerda extra-parlamentar atuante na Itália nos anos 70.

Para Mariângela, militante da Assembléia Popular do Rio de Janeiro, a solidariedade dos diferentes movimentos sociais é fundamental para reverter as possíveis conseqüências do revanchismo da direita italiana que pressiona o governo Lula para a extradição de Cesare Battisti e também para informar a população.

“Esta questão do Battisti ainda não está clara para a população. É importante a participação dos movimentos sociais para impedir que Battisti seja extraditado. Assim como foi com Olivério Medina, os movimentos sociais se mobilizaram frente às pressões do governo Uribe e ele (Olivério) não foi extraditado”, encerra Mariângela.

Olivério Medina fora um outro caso exemplar; militante das FARC, o governo colombiano pediu sua extradição em 2005, com a forte mobilização dos militantes de esquerda, a extradição foi evitada e o asilo político concedido pelo governo brasileiro.

acto-5No caso de Battisti, o que chama atenção é a forte pressão dos setores da direita italiana e brasileira no processo de extradição, claramente inscrita numa lógica revanchista que procura abrir precedentes para outros processos de punição aos grupos de esquerda que optaram pela luta armada. Recordemos que a luta armada, ou a opção da mudança “violenta” não permaneceu restrita aos setores da esquerda. A América Latina, por exemplo, sofreu demasiadamente com os atos terroristas dos setores conservadores encabeçados pelos grupos da “linha-dura” militar. Institucionalizadas, estas práticas se multiplicaram paulatinamente por meio de ditaduras e regimes autoritários que mancharam todo o continente. Torturas, seqüestros, implantação de bombas, foram na esmagadora maioria dos casos fomentadas por aparatos armados controlados por governos golpistas. Em grande parte dos casos, ex-membros desta coalizão influenciam a opinião pública e são os mesmos que avidamente se apressam a fomentar a revanche contra Battisti.

É o que também acha o militante da Frente Internacionalista dos Sem-Teto (FIST), André de Paula, que considera a pressão a Battisti um “revanchismo intolerável”. Conjuntamente com a Assembléia Popular e outras organizações, a FIST integra o comitê de solidariedade a Battisti. Para André, “a perseguição a Battisti pode ser comparada à perseguição aos movimentos sociais no Rio de Janeiro.”

André, que também é advogado, acredita que as instâncias institucionais em grande parte dos casos realizam uma verdadeira contra-revolução jurídica que afeta duramente os direitos democráticos e sociais conquistados historicamente pelos trabalhadores. “O STF, no caso Battisti, atuou como um verdadeiro tribunal de exceção”, enfatiza. “Nós da FIST também estamos sendo criminalizados, vide a condenação em segunda instância que sofremos com um processo que ainda corre, fruto de nossa atuação nos movimentos sociais”, revela o advogado.

acto-7A italiana Mariuccia, de passagem pelo Rio de Janeiro, se deparou com a manifestação de apoio a Battisti e acabou conversando com os integrantes dos movimentos em apoio ao ex-guerrilheiro, revelando preocupação com a segurança de Battisti. “A prisão não é segura. Se Battisti for preso ele pode ser morto na prisão. Suicídio que não é suicídio, me entende?”, afirma a italiana sob a dificuldade de compreensão idiomática, facilmente resolvida com o refrescar da memória histórica brasileira do caso emblemático de “suicídio” do jornalista Vladimir Herzog. Também fruto de um revanchismo da “linha dura” da direita que cometeu um cruel assassinato em pleno anoitecer do regime militar nascido em 64.

O terror fala o mesmo idioma em qualquer parte do mundo, mas, os poucos, insistentes ativistas de esquerda que ali estavam presentes revelaram que a solidariedade de classe também pode falar a mesma língua, mesmo que seja, por enquanto, num volume duramente limitado pelo silêncio que nos oprime.

A inauguração com pompa e circunstância da estação de metrô, com a presença do chefe de estado brasileiro, assemelha-se muito ao espírito ufanista e do otimismo disseminado pelo regime golpista de 1964, cujas obras inauguradas eram circunstâncias à parte para promover o governo militar, prática que parece não ter se modificado com a aparência democrática dos governos eleitos. Esperamos que a atitude do governo brasileiro em relação a Battisti, apesar dos fortes indícios contrários, não volte a se identificar novamente com a raiz autoritária que mancha e envergonha a história da sociedade brasileira.

4 COMENTÁRIOS

  1. Olá,

    Gostei bastante da reportagem, das fotos e entrevistas. Também está bem pertinente a argumentação apresentada em torno do caso.

    Interessante que, assim como o Ato de Solidariedade ao Cesare que realizamos aqui em São Paulo, essa manifestação também teve como foco divulgar o caso e informar as circunstâncias atuais da condenação. Pode parecer pouco – tendo em vista a vontade que temos para avançar e articular, efetivamente, a questão de Battisti e a criminalização das lutas sociais no Brasil. Realmente, é pouco – mas é o conseguimos juntar até aqui, como força social, em torno dessa questão.

    Abraços.

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