A organização Scientist for Global Responsability  tem publicado vários documentos de denúncia dos financiamentos militares na pesquisa científica, cujos títulos falam por si: “Soldados no Laboratório: envolvimento militar na ciência e na tecnologia − algumas alternativas”.

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A organização Scientist for Global Responsability (SGR) [Cientista pela Responsabilidade Global] foi criada em 1992 pela junção de várias pequenas organizações de cientistas, na altura preocupados com a ameaça e a proliferação de armas nucleares e a procura de uma ciência e tecnologia mais responsáveis. A SGR tem publicado vários documentos de denúncia dos financiamentos militares na pesquisa científica, cujos títulos falam por si: “Soldiers in the Laboratory: Militar involvement in science and tecnology − and some alternatives” [Soldados no Laboratório: envolvimento militar na ciência e na tecnologia − algumas alternativas] (2005); “Scientists or Soldiers?” [Cientistas ou Soldados?] (2006), “More Soldiers in the Laboratory: the militarisation of science and technology − an update” [Mais Soldados no Laboratório: a militarização da ciência e da tecnologia − uma actualização] (2007), “Behind Closed Doors − Military influence, commercial pressures and the compromised university” [Por detrás de Portas Fechadas − Influência militar, pressões comerciais e a universidade comprometida] (2008), que estão acessíveis na forma de documentos pdf no sítio.

Estes documentos analisam a situação do Reino Unido com mais detalhe, mas dão também dados gerais, como os que se seguem: as despesas em armamento baixaram logo a seguir ao fim da Guerra Fria, depois foram crescendo lentamente até que, logo a seguir ao 11 de Setembro de 2001, subiram em flecha, principalmente nos EUA, mas também na Europa e no Japão. Em 2006 as despesas totais para fins militares foram de 2,2 triliões de dólares, dos quais 45% foram dos EUA, seguindo-se o Reino Unido com cerca de 33 biliões de libras (e há dúvidas de que este número inclua as despesas do Reino Unido no Iraque e no Afeganistão). No documento “Behind Closed Doors…” afirma-se que, com base nas próprias investigações do SGR, os números oficiais do governo das chamadas despesas em investigação e desenvolvimento (I&D) da defesa no sector universitário do Reino Unido estão subestimados em um factor de cinco. Ou seja, estas despesas situam-se à volta de 2 milhões de libras em cada universidade do Reino Unido e não em 400.000 libras por instituição conforme indicação do governo. Cerca de 30−35% do total dos montantes do governo do Reino Unido para I&D destinam-se a fins militares.

univ-3Ao argumento vulgarmente utilizado de que a investigação militar acaba por reverter em benefícios civis, o SGR contrapõe: “Colocar triliões de libras num orçamento militar para obter artigos de utilidade geral é um caminho muito, muito, dispendioso. Seria muito mais sensato planear directamente as necessidades civis usando fundos e companhias civis”. Refere ainda que, quando se pedem exemplos concretos dessa teoria aos seus defensores, o radar e os ecrãs [telas] de plasma são os únicos benefícios apontados.

Chris Langley, doutorado pela Universidade de Cambridge em neurobiologia, e que desde 1999 é um consultor independente para o sector não lucrativo de ciência, engenharia e tecnologia e actualmente é Research Officer do SGR, tem feito críticas à ciência e medicina e à influência militar na ciência e engenharia, e tem contribuído activamente na produção dos textos do SGR. Langley foi entrevistado pela revista Lab Times [revista europeia em língua inglesa distribuída gratuitamente às instituições de pesquisa], de 7 de Abril de 2009, sobre muitos aspectos da militarização da investigação científica nas universidades, de onde extraímos as partes seguintes:

Lab Times: Vocês apresentam nos vossos documentos uma interessante equação, em que mostram que a comercialização das universidades do Reino Unido teve como resultado a sua militarização. Isto parece bastante dramático, como se as universidades se estivessem a prostituir ao mais alto preço de licitação?

Langley: Essas são palavras suas! Eu subscrevo-as em grande parte, mas para ser absolutamente objectivo devo dizer que a comercialização da universidade se desenvolveu em sucessivos governos essencialmente para ajudar a investigação e o desenvolvimento do sector empresarial e por razões governamentais. Pode-se dizer que eles estão a vender as suas mercadorias (pesquisa, prática e ensino) numa economia do conhecimento. Situação esta muito diferente do papel das universidades, mesmo de há dez ou quinze anos. Eu concordo consigo, mas tenho de ser muito cuidadoso na minha escolha das palavras porque sou algumas vezes acusado de ser político, quando tudo o que estou a fazer é relatar as coisas tal como elas são.”

[…]

Lab Times: Quais são as principais áreas da investigação em biociências cobertas por interesses militares?

Langley: Bem, obviamente, a maior parte do orçamento I&D militar vai para as ciências físicas e engenharia, mas há duas áreas ou três, dependendo de como se define biociências, incluindo ou não a psicologia, que estão incluídas nas ciências da vida. Contudo, há muita Chemical Warfareactividade de pesquisa no mundo empresarial ou em áreas classificadas onde nós pura e simplesmente não sabemos o que está envolvido. Tanto o Home Office (Ministério do Interior) como o MoD (Ministério da Defesa) têm financiado projectos de investigação em segurança nas biociências. Há também alguma coisa, se os psicólogos forem incluídos, num chamado consórcio Haldane-Spearman, constituído por pequenas empresas mais investigadores das universidades, que estudam a maneira como preparar as pessoas nos serviços do exército para o conflito. QinetiQ − a maior companhia militar − trabalha com o Consórcio.

Há um Centro Tecnológico de Defesa, que se ocupa da pesquisa dos recursos humanos, e que estuda como adaptar pessoas às máquinas em situações de conflito, é um pouco como o programa da DARPA [US Defense Advanced Research Projects Agency (Agência de Projectos de Investigação Avançados de Defesa dos EUA)] que estuda os humanos em situações de conflito e para a melhor forma de interagirem com as máquinas. Eu não tenho números para estas áreas porque eles vão e vêm, mas foram cerca de 1,3 milhões de libras em 2005/6 para o Defence Technology Centre for Human Factors Integration [Centro Tecnológico de Defesa para a Integração de Factores Humanos], que envolve três universidades. Mas as biociências estão também cobertas pela Joint Grant Scheme [Esquema de Bolsas Conjuntas], que se dirige a pesquisas com possíveis objectivos militares. … Estas são basicamente as áreas principais onde as biociências nas universidades recebem apoio financeiro dos militares.”

[…]

Lab Times: Você pensa que existem muitas pessoas no mundo universitário a trabalhar em projectos similares relacionados com essa área [armas químicas e biológicas]?

Langley: Sim. Temos informações, provenientes do Imperial College de Londres, de que havia projectos das biociências apoiados por financiamentos militares, os quais tinham o potencial de produzir informação para modificar bactérias e vírus que poderão vir a ter interesse univ-5para a comunidade científica e também intenções sinistras. Mas tal pesquisa não é só apoiada pelos militares − conselhos de pesquisa e empresas também apoiam idênticas formas de pesquisa. Por isso, nas biociências nós temos um número de problemas potenciais de segurança exigindo urgentemente atenção.”

Esta entrevista mostra ainda como tanto as universidades como as forças armadas se misturam hoje com o mundo empresarial em financiamentos e objectivos conjuntos. Como dizia acima Chris Langley, as universidades já não são hoje o que eram há alguns anos atrás. O que significa que nestas universidades a investigação independente, de ciência básica ou fundamental, deixou de se poder fazer. As empresas põem o seu dinheiro naquilo que obviamente lhes interessa, com critérios de lucro misturados com objectivos imediatos. Mas isto já nos levaria a outro tema.

Seria interessante analisar aqui a influência do militar nas universidades portuguesas e brasileiras, que tem vindo a aumentar, mas desconhecemos números concretos. Passa Palavra

1 COMENTÁRIO

  1. Em particular sobre o caso brasileiro, havia escrito um textinho sobre isto num site de alunos da USP:
    http://universidadeparaquem.wordpress.com/2009/08/11/pesquisa-mercado-e-industria-belica/

    A coisa reverte-se entre indústria bélica e civil com certa facilidade e encontra equivalência nos centros de pesquisa, progressivamente deslocados da universidade para as agências de fomento, onde o controle é ainda mais centralizado que na universidade, por incrível que pareça.

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