A luta contra o aumento na tarifa de ônibus em São Paulo possibilitou uma unidade da esquerda e o avanço nas reivindicações por transporte. Por Passa Palavra

Parando a Rebouças
Parando a Rebouças

A quinta-feira, dia 24/03, foi um dia cheio. Começou com mais um ato organizado pela Poligremia Estudantil, marcado novamente pela ousadia ao paralisar com trinta estudantes as duas pistas de automóveis da Avenida Rebouças, e por sentar no cruzamento com a Avenida Brasil e manter-se lá mesmo após o uso de spray de pimenta. Completando com um catracasso de mais de 20 pessoas para ir ao décimo grande ato, agendado para a Avenida Paulista. A força desta organização autônoma cresce e já são 10 grêmios reunidos.

O décimo grande ato começou com cerca de 300 pessoas na Avenida Paulista e tomou, por alguns minutos, todas as faixas da avenida. Ao chegar na altura da Avenida Brigadeiro, cerca de cem estudantes vindos de uma manifestação na USP se incorporaram ao ato.

A manifestação começou a descer a Avenida Brigadeiro Luís Antônio, e neste momento lembrei de um camarada de Floripa que me conta que nas revoltas da catraca de 2004 e 2005 a legitimidade do movimento era tamanha que quando tomaram a Avenida Beira-Mar foram recebidos com uma chuva de papel picado; eu olhava para os prédios na esperança de encontrar algo semelhante, mas não acontecia. Quando chegamos em frente à Faculdade Paulista de Artes, muitos estudantes estavam nas janelas e acenavam em apoio; começamos a chamá-los para descer, cantando “Kassab, a culpa é sua, hoje a aula é na rua!” e cerca de sessenta estudantes desceram. Era algo fantástico, raro de acontecer.

Animados, chegamos às Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e continuamos cantando, muitos estudantes estavam nas janelas, outros tantos nas portas, e eles começaram a sair da FMU, a descer das aulas, a se incorporar à manifestação, a cantar conosco, a pedir os panfletos do MPL que distribuíamos, e quando foram fechados os portões da Faculdade forçaram sua reabertura e continuaram descendo aos montes.

Em frente a FMU
Em frente à FMU

Diversas agremiações políticas estavam perplexas, nunca tinham visto tamanha adesão de faculdades particulares em um ato de rua, embora o movimento estudantil tivesse feito tantas manifestações que passavam por elas. Podemos tentar explicar esta adesão por diversos fatores. Primeiro, o fato do protesto ser relativo a uma pauta de interesse direto das pessoas matriculadas nestas faculdades, que de uma maneira geral têm sua identificação muito mais como trabalhadores que são do que como estudantes, por isso o desinteresse marcante por causas exclusivamente estudantis. Segundo, a ausência de carros de som na manifestação, como já foi falado aqui; isto permite que a pessoa olhe para um ato como algo feito por iguais, por “gente comum” que está mobilizada e não por um grupo de especialistas em política. O carro de som reforça o distanciamento da esquerda do restante da população, pois é uma estrutura técnica que reforça o alheamento político. Terceiro, a persistência dos que estão há três meses e meio nas ruas, a presença constante de milhares de pessoas lutando contra o aumento, e a cobertura midiática de que estas ações têm, coloca em pauta para todos a possibilidade de se organizar e mobilizar.

Após isto, a manifestação seguiu com o intuito de cumprir a promessa de parar a cidade. Tomou então a 23 de Maio, paralisando-a, enquanto os manifestantes gritavam: “A 23 é nossa! Aha! Uhu!”. Durante cerca de meia-hora as pessoas continuaram paradas na avenida, deitadas, sentadas, cantando. Após isto, recomeçamos a caminhada rumo ao corredor de universidades da rua Vergueiro, mas esta opção terminou por estender o ato por muitas horas, e ao passar nestas faculdades o horário já era muito avançando e os estudantes que haviam se incorporado ao ato preferiram não continuar.

Nesta mesma quinta-feira, dia 24 – cerca de trinta dias após a justiça ser acionada sobre o aumento de tarifa – o desembargador David Haddad se pronunciou exigindo que o detalhamento da planilha de custos  fosse enviado em 10 dias para o Tribunal de Justiça; ou seja, Kassab será obrigado judicialmente a vir a público explicar este aumento.

Passe Livre na Paulista.
Passe Livre na Paulista

Aliás, o prefeito tem sido forçado constantemente a se pronunciar sobre as manifestações, uma vez que o MPL prossegue perseguindo o prefeito. Na segunda-feira, dia 21 de março, Kassab resolveu lançar seu novo  Partido Social Democrático, mas teve a festa interrompida pelo Movimento Passe Livre exigindo que o transporte seja tratado como um direito. No dia 25 de março, os militantes do MPL compareceram à coletiva de imprensa sobre a Virada Cultural, denunciando que o acesso à cultura só é possível se não tivermos que pagar a tarifa. Já no  dia 28 de março compareceram, junto à ANEL e ao Sindicato dos Metroviários, à inauguração da estação de metrô Butantã, questionando o aumento na tarifa e protestando contra a privatização do metrô. Nas três situações o movimento ficou cara a cara com o prefeito e segue afirmando: “onde o Kassab aparecer, nós estaremos.”

Nesta terça-feira, 29/03, às 18 horas, ocorrerá um ato-debate na USP para que os diferentes grupos envolvidos na luta contra o aumento apresentem suas posições sobre o transporte coletivo. Já na quarta-feira, 30/03, as pessoas se encontrarão na Praça do Ciclista, às 17h, para divulgar que a Justiça exigiu explicações sobre o aumento em até dez dias.

Parece ser claro que neste momento a luta por transporte em São Paulo se encontra em um patamar diferenciado. Não se trata de baixar ou não o aumento —  afinal, sem uma mudança da lógica do sistema de transportes os aumentos virão todos os anos. A reivindicação do transporte como um direito ganhou força e espaço na sociedade, ao ponto de se sustentar um projeto de lei de iniciativa popular pela Tarifa Zero. Também é fundamental ressaltar a aproximação de diversos setores da esquerda nas lutas por transporte, desde a articulação entre MPL, metroviários e ferroviários, passando pelo apoio de movimentos sociais como o MST, MTST e MAB, até à participação ativa de alguns vereadores do PT. Não se pode mais afirmar que esta pauta é restrita a um pequeno grupo de estudantes; é fundamental a percepção de que a partir da atuação do MPL, um movimento social autônomo, se construiu uma forte unidade na ação, apesar das inúmeras divergências existentes.

Exceto a foto de capa, todas as demais são de Beatriz Leite

4 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom o texto. Faltou mencionar um quarto escracho ao Kassab feito na semana passada: quinta-feira, na galeria Olido.

  2. parabéns pelo texto e a cobertura fidedigna dos fatos relatados acima. nessa quarta-feira a luta continua.. vem pra rua, vem!

  3. Um companheiro lembrou hoje que faz 10 anos desse ato que fechou a Avenida 23 de Maio, ação ousada e incomum para a época, um dos últimos episódios daquela jornada de lutas em 2011, mas que retornaria como primeira cena das manifestações de 2013.

    Porém passo pra registrar que a fotografia em destaque acima do título deve ter sido acrescentada pelo Passa Palavra posteriormente ao artigo. A foto é de algum ato do MPL em São Paulo posterior a junho de 2013, diria que provavelmente entre 2015 ou 2016.

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