Por um Bailarino
Fiquei sabendo que haveria audição do Balé da Cidade e resolvi tentar. Por que não? O que eu sabia do Balé da Cidade é que ele existia, apesar de que ao longo de meus bons anos de vida aqui na cidade, sempre envolvido com dança, penso que mais por ausência deles do que por falta de informação minha, assisti apenas a duas apresentações, naqueles festivais de competição em dança, em nome de uma certa concepção de “arte”. Enfim, fui lá, tentei e passei. Disseram sobre a quantidade de vagas, o salário, como funcionava. A audição foi no fim de semana e as aulas começavam já na segunda-feira.
Apesar de trabalhar com dança, o que muito me agrada, lá foi ficando cada vez mais difícil permanecer. Suas aulas são comuns com um certo tipo que existe aqui na região: exercícios rápidos, com sequência de movimentos que não combinam ou que fogem muitas vezes da possibilidade física ou de um desenvolvimento lógico. Exigem uma rápida capacidade de memória e de reprodução daquilo que nos é passado, seguindo um certo imaginário com relação à dança clássica: corpos magros, pernas altas, muitos giros, grandes saltos, grande capacidade de reprodução e ainda por cima a interpretação de personagens caricaturados e sem relação próxima com o viver/história de cada um e de todos nós. As aulas assim são sustentadas, diariamente, por “correções” conduzidas por gritos, pequenos tapas, humilhações verbais para com cada um dos bailarinos, em que seus “erros” (ou não) são intolerados, escancarados e motivo de deboche [ridicularização].
Essa postura, infelizmente, é bastante comum. Não são todas assim, felizmente conheço outras, porém encontramos nas escolas muitas tias dos balés que são as crianças crescidas que permaneceram – frustradas, em sua maioria – nas escolas, ao invés de dançarem em companhias pelo mundo a fora – ou na região, ou que se decepcionaram na carreira, que reproduzem toda a lógica da estereotipia da dança e o autoritarismo. Não estudaram, não tiveram experiência suficiente no corpo e sustentam suas aulas com arrogância para esconder a insegurança, a falta de conhecimento e encobrir a falta de estarem seguindo carreira de bailarina.
O tempo foi passando, e por conversas fora de sala – já que durante as aulas o que se escuta são gritos do professor, o “resto” é silêncio – entendi que o que faz com que a maioria lá esteja por anos (!) é o dinheiro. Não é amor à arte, ou sei lá, pode até ser também, mas o que predomina no interesse de estar ali, diariamente, é o salário no fim do mês. Disseram-me que o melhor que se pode fazer é dançar ignorando os gritos, já que o dinheiro era certo. E por falar nisso, o tempo que eu dancei lá nunca vi o salário em minha conta ou na de meus colegas que passaram na audição. O Balé funciona cinco vezes por semana, pelas manhãs, com as aulas seguidas pelos ensaios. A produção da Companhia é escassa, para não dizer quase nula. Raramente se apresentam aqui ou em qualquer outro lugar.
Fui procurar o que era o Balé da Cidade e infelizmente o que consegui encontrar foi apenas um texto, explicando sua época de formação e estreia, que tinha como principais objetivos “mostrar o nível técnico dos bailarinos” da região para o país e “encontrar uma sede própria”. Triste. E dos outros trabalhos, quem sabe, quem viu? Atualmente as aulas acontecem dentro da escola particular da diretora, professora e coreógrafa “exclusiva”. Hoje nem mesmo a própria cidade conhece sua Companhia, quanto mais o país, como foi proposto. Hoje quem quer que esteja interessado em coreografar não possui acesso. O Balé da Cidade hoje é ou algum dia já foi realmente do estado?
E aqui na região, será que não tem algum tipo de organização com relação a isso ou com a dança mesmo? O que eu sei é que existia um grupo de diversos diretores de escolas de dança, que alguns anos atrás se dissipou. Esses eram os que propunham diálogo, mas existem diretores que nem isso faziam ou fazem. Hoje cada escola está presa em si, reproduzindo aquilo que acha que é arte, sem diálogo, sem questionar o que se faz. O curso de dança nas universidades é recente, assim também as pós-graduações…
Temos algumas companhias conhecidas, outras novas vindas de escolas que estão buscando autonomia e os grupos independentes. Diálogo também entre elas é raro, mas parece que uma interação ativa e colaborativa entre os grupos e também com a população está começando a ser formada. Mas não vemos isso no Balé da Cidade, que fica isolado, centrado na direção, coreografia e aula de uma única pessoa, sustentando concepções arcaicas sobre a dança, e que deveriam muito bem ser questionadas e sujeitas a alterações.
Mas então, também não sei como o cenário da dança aqui pode melhorar. Talvez o Balé da Cidade continue o mesmo, assim como o que dizem a respeito das escolas e toda essa lógica… Infelizmente a dança também está relacionada e muito com “acordos” políticos – dinheiro, corrupção e muitos diretores de companhias “conversam” entre si. Cada vez mais aqui a arte vai se perdendo e sendo esquecida nisso tudo. Não sei o que será de mim, da dança ou deste texto, mas é importante sairmos do silêncio, fazer algo diferente, ter voz.
Todas as telas que ilustram este artigo são de Edgar Degas (1834-1917).
Adorei o texto mim encontrei,eu fiz dança 8 anos em uma escola de dança pretendia fazer para faculdade de dança, mais depois de 8 anos fazendo aula que tinha mais técnica do que arte,mais status do que dança resolvi sair da escola,todo os meus amigos que também pensava assim sairão, muitos que conheço são formado na faculdade de dança outros foram para outras escolas que trabalha mais com a “ARTE”( poucas só conheço duas) ,conheço muito bailarinos perfeitos que ama o que faz( porém com dificuldade de atuar na área ) também conheço outros que faz trabalhos sociais com a dança ou dançam fora do país. Como o curso de dança na cidade tem muito e mais pedagogia do que dança propriamente dito, emfim parei de dança em companhia de dança,prefiro dança com meus amigos quando ele estão fazendo um espetáculo ou de resenha mesmo,porém uma coisa coisa que eu amo fazer que seria minha profissão virou Hobbies, por não querer fazer parte desta historia que li acima, dança só por dinheiro ou qualquer outras coisa que não seja arte nem prazer assim não amam o que faz e se torna um profissional frustado. Prefiro calça as sapatilhas e dança para um pequeno grupo na sala de casa, do que usa-la de uma maneira que represente tudo menos ARTE.
As palavras aqui são tão próximas de um momento vivido, mas que a dias não faz mais parte do meu mundo, que por vezes lendo, me vi as pronunciando como se fosse minhas. A Maneira exposta é maravilhosa, acredito nesse tipo de texto, sem ofensas ou palavras incomum para a maioria mas sim um sincero relato do vivido no dia a dia. Espero que as ultimas palavras fiquem no consciente das pessoas e que possam de alguma maneira impulsioná-las a ter a mesma atitude. Obrigado à, seja lá quem seja por me agraciar com palavras que massageiam o coração nesta tarde de sol.
Não sou dançarino, mas encontro que toda área em que se encontra o embate entre técnica e arte (ou no meu caso “prática”) rolam esses stress. Nesse caso ainda tem o agravante do estado como intermediário desses fatores, que torna tudo mais burocrático, ineficiente e, praticamente, uma tortura, pelo menos no contexto local.
É difícil pensar arte e mercado, mais ainda quando se está lutando em uma região que isso talvez não esteja tão desenvolvida para abarcar novos projetos, mas principalmente novos pensamentos. Pode ser um obstáculo ou um desafio, acho que depende muito de como se enxerga e de quais possibilidades se vislumbra dentro da área. Mas, com certeza, falando mais como público do que como artista, acredito que a coisa está beeem devagar, especialmente no sentido público de apoio artístico por aqui nas terrinhas Goianas. ;)
Um bom texto, no final das contas.
por acaso o balé da cidade é essa cia citada no artigo da revista bravo em 2010? de certo o texto vai além de uma reflexão sobre uma cia em especifico, mas, como esse texto da bravo caiu em minhas mãos hoje, fiz um paralelo de imediato.
http://bravonline.abril.com.br/materia/milagre-brasileiro
Bom, acredito que o bom bailarino não precisa ser o melhor no ballet. Ele tem que ser artista, e isso independente de linguagem de dança,ele precisa ter consciência do q é arte. Acrobacias vemos no circo (apesar de ser uma formas de arte) e na ginastica. (mas que é legal de se ver é rs) Não desmereço o ballet na minha formação em dança. Mas vejo que em uma cia, seja onde estiver, em um grande centro ou em uma cidade do interior, o respeito pelo trabalho acumulado no corpo do interprete é essencial. Eu vejo a dança como a arte que mais luta contra o novo, contra o desconhecido. Talvez pela história de aristocracia, reinados etc, mas temos que lembrar tb, que a dança foi a primeira arte do homem, e no meio da floresta ao redor da fogueira o homem dançava com sua sombra, imaginando seres mitológicos e cheios de força. Quem sabe a dança, depois desse grau de evolução (caverna p reinos) não esteja fazendo o caminho inverso? voltando aos seus primórdios, aos sentimentos básicos, aos movimentos puramente humanos? Temos antes de tudo, ser autênticos com o nosso corpo, com a nossa arte. Estar em um lugar simplesmente pq é o seu ordenado do mês, pra mim, é como rodar bolsinha na esquina! É vender o corpo, tornar-se marionete, deixar alguem ou algo te comandar. Tornar-se nulo. Lembrando que uma cia se faz com diretores, organizadores, mas tb com bailarinos ,INTERPRETES, CRIADORES. Como diria uma amiga minha professora de teatro: Fazedores de arte! E vc (geralzão), é um marionete ou uma fazedor de arte?
Olá! Puxa, fiquei contente em ver seus comentários, principalmente em relação à forma de lidar com os alunos, o que geralmente acontece nas salas de aula. Por isso prezo por uma metodologia que respeita o aluno e todos os novos professores são preparados para lidar de forma amiga, respeitosa e incentivadora do aluno, a Royal Academy of Dance. raramente vejo essa preocupação em outras escolas…raramente….
Então não suporta mais o estado dona? Parabéns, o texto tá bem escrito, mostra seu desagrado.