Pelo movimento Abahlali baseMjondolo, zona do Cabo Ocidental

Somos os residentes sem-abrigo de Marikana e estamos aqui porque não temos mais para onde ir. Agora também estamos desempregados, o que significa que não podemos pagar um aluguel para morar no pátio traseiro de alguém. Sempre votámos por este governo mas ele sempre nos trata como cães no nosso próprio país. O governo manda a Unidade Anti-Invasões de Terras, manda as forças da ordem e o SAPS [polícia nacional sul-africana] para demolir as nossas casas. Fizeram isso na segunda, na terça, na quarta, na quinta e de novo na sexta-feira 3 de Maio.

Zoe Zulu e o seu filho recém-nascido após terem sido expulsos de casa pela polícia, no dia 1 de Maio. Foto Jared Sacks

Agora prenderam quatro de nós por violência pública não obstante ter sido a polícia que nos agrediu, nos alvejou e nos bateu.

No dia 1 de Maio, feriado que celebra a resistência dos trabalhadores e dos pobres contra a opressão dos ricos, o município colocou-se mais uma vez do lado dos ricos e roubou os nossos materiais de construção. É um valor de milhares de rands [moeda sul-africana] de propriedade nossa que achamos que nunca mais veremos de volta porque eles não nos dizem para onde é que os levaram. Sem este material, ficamos sem sítio para onde ir pois, mesmo que tivéssemos algum dinheiro, não podemos alugar um terreno onde construir a nossa barraca.

Portanto não temos para onde ir. Desde quarta-feira temos ficado a dormir a céu aberto, à chuva. Mesmo dormindo no meio do mato, pelo menos as cobras não nos levaram a mal termos vindo para o seu território. Não nos expulsam daqui e tratam-nos com respeito. Tornaram-se como que nossas irmãs.

Mas o mesmo não se pode dizer do nosso governo que nos expulsa como se não fôssemos seus irmãos e irmãs. Como se nem sequer fôssemos seres humanos. Mas no ano que vem eles vão precisar que votemos por eles. Mas como podemos votar por alguém que nos rouba a nossa dignidade?

Kemelo Mosaku espancado e arrastado para fora de casa. Foto Jared Sacks

Ontem, sexta-feira dia 3, as forças da ordem vieram e até nos levaram as lonas impermeáveis e os plásticos que usávamos para nos abrigarmos da chuva. Porque fizeram isso? Não se pode construir uma barraca com esse material – estávamos apenas a tentar abrigar-nos da chuva e do frio porque estamos para aqui sem ter para onde ir. Mas o município da Cidade do Cabo não tem coração. Eles querem ver-nos doentes. Querem castigar-nos por tentarmos conseguir o melhor para as nossas famílias, para os nossos filhos. Todos nós, que somos cinquenta!

Mas nós não vamos sair daqui. Podem levar os materiais. Podem alvejar-nos a tiro. Até podem matar-nos. Mas não vamos sair deste lugar. Este pedaço de terra não está a ser usado para nada, nunca o foi (excepto por criminosos que aqui vêm para matar pessoas, abusar de crianças e violar mulheres), por isso aqui ficaremos a menos que nos deem um pedaço de terra a que possamos chamar nosso.

Tentámos chegar à fala com o município da Cidade do Cabo, mas fomos ignorados. Estamos a tentar participar numa reunião entre o município, as forças da ordem e a Polícia Nacional na esquadra [delegacia] de Philippi East, na

segunda-feira dia 6 de Maio. Essa reunião é para tratar de nós, mas nós não fomos convidados! Quando falámos com o comissário coronel Mdimbaza, chefe da esquadra, ele disse-nos: «Estou farto e cansado de vocês. Não vos quero ver nessa reunião. Se vir as vossas fronhas [rostos] na reunião, dou-vos um tiro».

Zoe Zulu, que tem um filho de um mês e uma filha de cinco anos, diz que não tem para onde ir depois de a Unidade Anti-Invasão de Terras lhe ter destruído a barraca. Foto Nombulelo Damba, WCN

Então, que podemos nós fazer? A polícia atira contra nós, as forças da ordem expulsam-nos, e o resto da cidade ignora-nos. Portanto vamos simplesmente permanecer em Marikana até que eles desistam ou nos matem. Isto é a repetição do Massacre de Marikana, dos ricos e do governo a oprimirem os pobres, e agora repete-se por todo o país, incluindo aqui em Philippi East.

CONTACTOS:

Sphatise +27 810591042
Rhadebe +27 836842828
Nosibusiso +27 736128044
Cindy (AbM Langa) +27 784074907

Agentes da Unidade Anti-Invasão de Terras destroem a casa de Zoe Zulu sob o olhar da polícia. Foto Jared Sacks

VIDEO DA DESOCUPAÇÃO DE MARIKANA

NOTA: O Abahlali baseMjondolo é um movimento social sul-africano, autónomo dos partidos, que tem sido referido noutros artigos traduzidos e publicados no Passa Palavra.

Artigo original (em inglês) publicado aqui. Tradução do Passa Palavra.

1 COMENTÁRIO

  1. tão incrível a distancia do brasil, mas,tão igual a politica da covardia , do abando ao cidadão.
    AFRICA do sul ou do norte, da vida ou da morte, cidades, povos famintos, crianças à míngua, fotos estarrecedoras. se todos , saímos de um útero, como há massas tão diferentes envoltas aos corpos como se fossem pele,como o humano pode ser tão diferente ao seu semelhante, ao seu irmão , ao cidadão que merece respeito, trabalho, saúde educação, e tudo o mais para sobreviver.
    já revoltada por minha vida, já se faz suficiente a me maltratar até os poros pelos quais ainda respiro, mas não da para se negar a não partilhar do descalabro mundial. da desumanidade por motivos ignóbeis, anti humanos, tratar seres vivos e racionais, ( nem aos irracionais caberia tal tratamento)que tem o dom da palavra onde podemos nos expressar para que haja diálogo.deixo aqui minha mais pura expressão de ira contra qualquer tipo de violência com o ser humano.
    como diz na reportagem, melhor as cobras a nos acompanhar, pois se formos picados, haverá salvamento se for socorrido.enquanto os homens do mal, do despudor e da ira permanente, deveriam sim, serem mordidos e não se salvarem. vingança? há que ser se necessário for.

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