O feminismo excludente não põe em causa a estrutura de poder, mas apenas quem ocupa o lugar dominante nessa estrutura de poder. Por Passa Palavra
Vindo na sequência de dois artigos anteriores (aqui e aqui), o artigo «Duas ou três coisas sobre o feminismo» foi considerado demasiado polêmico. Mas como não desejamos só avaliar situações e procuramos influir no seu desenvolvimento, o estilo polêmico que adotamos corresponde à combatividade necessária nas lutas sociais.
Houve ainda outra vantagem em termos adotado um estilo polêmico, pois isto fez com que opositoras e opositores à nossa posição em relação a este assunto evidenciassem em seus comentários os aspectos preocupantes para os quais justamente procurávamos chamar a atenção. Não foi à toa, então, que um número de comentários anormalmente elevado não pôde ser publicado, uma vez que os critérios de moderação do Passa Palavra não permitem a divulgação de calúnias pessoais, injúrias e obscenidades. Não nos recordamos de em qualquer outro dos grandes debates ocorridos nesse site ter havido uma tão grande percentagem de comentários excluídos, o que é por si só revelador.
1.
No artigo «Duas ou três coisas sobre o feminismo» afirmamos que o enorme conjunto de estudos acadêmicos sérios sobre as estruturas familiares não justifica a utilização do pseudoconceito de patriarcado como uma permanência supra-histórica, não só porque o lugar hierárquico ocupado pelas mulheres e as funções por elas desempenhadas variaram consoante as sociedades e as culturas, mas igualmente porque em muitas épocas é impossível saber qual o lugar atribuído às mulheres ou sequer às estruturas familiares em várias classes sociais. Uma comentadora (Maria Júlia, 24/07, 22:13) indignou-se com o que escrevemos a respeito do patriarcado. «A-histórico? Imutável? Nenhuma feminista defende isso. Muito menos que a família não muda com o decorrer da história». As mudanças são perceptíveis à mera observação empírica, seria impossível não as admitir. O problema consiste em imaginar a permanência de uma estrutura que confere a todas as mudanças uma mesma coloração, no que diz respeito à condição feminina. Outra comentadora (Espertirina, 27/07, 00:20), encerrando um conjunto de observações muito equilibrado, afirmou: «O que me preocupou é que, o artigo do Passa Palavra e alguns dos comentários desse artigo, ao tentar falar sobre o feminismo que exclui, acaba tentando colocar em xeque conceitos históricos utilizados pelxs feministas que incluem, como machismo, patriarcado e feminicídio para fazer a argumentação sobre os problemas desse feminismo que exclui». Limitando-nos aqui ao patriarcado, o único conceito que nós mesmos pusemos em xeque, o problema é saber se ele tem validade histórica e não se todas e cada uma das correntes feministas que o invocam têm ou não legitimidade. Sabemos que muitas lutas justíssimas se fazem invocando conceitos errados. Mas, se esses conceitos não forem reformulados, a longo prazo essas lutas não conseguirão desenvolver-se.
Incapaz de justificar os seus pressupostos com a vasta historiografia existente, o feminismo recorre como autoridade única precisamente às historiadoras feministas, encerrando-se assim num círculo vicioso. Um comentador (Alexandre, 28/07, 05:42) pretende que se seguíssemos as indicações dadas por Heleieth Saffioti não escreveríamos o que escrevemos acerca das estruturas familiares. Sem dúvida. E se esse comentador lesse alguma coisa da montanha de obras históricas escritas sobre o assunto por historiadores e antropólogos que não são feministas militantes, ou ainda por algumas feministas críticas, muito provavelmente não classificaria como «besteiras» aquilo que escrevemos. Um comentador (João Bernardo, 24/07, 22:22) citou um texto oriundo de um grupo feminista que afirma: «[…] vivemos em um sistema que denominamos patriarcado. Por mais que essa categoria já tenha sido criticada pelas feministas acadêmicas, ela ainda é bastante útil pois nos ajuda a ver o machismo que existiu e que existe em todas as sociedades e em todos os tempos». Curioso observar que as feministas que discordam da utilização irrefletida de um conceito são desqualificadas. Se os conceitos são escolhidos para se confirmar aquilo que de antemão se pretende, então, em vez de servirem para abrir os olhos, encerram-nos num círculo vicioso.
Ora, este círculo vicioso, que na esfera individual corresponde ao delírio, corresponde na esfera coletiva ao fanatismo. O fanatismo impede sempre de ver para além dos limites do grupo e de ouvir outra coisa senão o som do coro.
2.
Esse círculo vicioso exerceu efeitos especialmente nocivos nos comentários sobre a breve análise estatística a que procedemos, sendo generalizada a confusão quanto ao nosso objetivo. Aliás, mesmo que tivéssemos pretendido salientar apenas a redução da desigualdade salarial, a comentadora (Lili, 25/07, 00:58 e Lili, 25/07, 05:44) que considerou tal redução como uma questão irrelevante não deve saber o que significa ter a vida construída em cima de um salário. Houve até um comentador (Estudante Classista, 28/07, 20:06) que considerou «um erro crasso» a forma como o Passa Palavra utilizou as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), porque pensou que estaríamos a enaltecer o desenvolvimento econômico e social operado com os governos do presidente Lula. Ofuscado com esse receio, o referido comentador escreveu que «o próprio texto do IBGE dá a dica, dizendo: “A razão desta defasagem [salarial] deve-se possivelmente ao fato de em 2010 o salário médio feminino (R$ 1.097,93) ser inferior ao masculino (R$ 1.518,31), o que leva as mulheres, para competirem profissionalmente com os homens, a procurarem obter habilitações superiores”». A falta de atenção com que esse comentador leu o nosso artigo avalia-se ao verificar que exatamente a mesma passagem se encontra no artigo. Ou seja, o Passa Palavra escreveu aquilo que este comentador nos acusou de ignorar.
Nesse cenário de tresleitura, é gratificante que dois comentadores (Ariel, 25/07, 03:41; Ariel 25/07, 14:43; Rodericka, 25/07, 05:17) tivessem entendido o significado da análise estatística a que procedemos. Também oportuno foi um comentador (Leo Vinicius, 25/07, 13:45) que afirmou: «Me espantou ver a incapacidade de comentaristas não entenderam o motivo das estatísticas no texto. Fico me perguntando se realmente leram para acharem que elas tentam justificar uma redução da desigualdade de gênero ou coisa que o valha». O nosso objetivo, como deixamos bem claro, foi o de mostrar que a luta das mulheres pela igualdade é incentivada pelo desenvolvimento do capitalismo devido ao caráter heterogêneo desse desenvolvimento, que acelera a igualização por um lado mas, por outro, mantém certas diferenças.
Quando uma comentadora (Francine, 25/07, 02:48; ver também Francine, 25/07, 04:09) escreveu, citando o IBGE, que «os afazeres domésticos constituem um grupo de atividades predominantemente femininas», adiantando dados neste sentido, esqueceu-se de os relacionar com os dados que fornecemos para indicar o aumento do número de casos em que a mulher é a pessoa de referência na unidade familiar. É neste conjunto de condições que as diferenças são sentidas como injustiça e não como algo normal. Este tipo de análises é, aliás, corrente em tudo o que diz respeito à mobilidade social e mostra que alguns aspectos básicos do patriarcalismo são postos em causa pelo capitalismo desenvolvido.
A incompreensão da análise estatística agrava o círculo vicioso, porque fecha mais uma janela para o exterior. É certo que este auto-enclausuramento caracteriza diversos meios considerados de esquerda, mas o feminismo excludente é talvez o campo que mais longe vai no fanatismo delirante.
3.
É neste contexto de círculo vicioso e de fanatismo que a nossa evocação de Valerie Solanas foi considerada exagerada. «O uso da Valerie Solanas como referência é particularmente ridículo», acusou uma comentadora (Camila, 25/07, 00:20). Outra comentadora (Kika, 26/07, 14:09) considerou que «foi um golpe baixo». Mais duas comentadoras e dois comentadores (Maria Júlia, 24/07, 22:13; Kadj Oman, 26/07, 01:29; Marcelo Lopes de Souza, 26/07, 07:26; Espertirina, 27/07, 00:20) afirmaram aproximadamente o mesmo.
No entanto, em ciências sociais, onde não há possibilidade de construir experiências laboratoriais, recorre-se habitualmente a casos extremos para mostrar as potencialidades de desenvolvimento existentes em formas menos extremas. Este mesmo recurso metodológico se deve empregar na luta política. Quem não quiser fazê-lo corre o risco daqueles que diziam aqui isso não acontecerá, mas depois… Na verdade, os comentários vieram demonstrar que tínhamos razão em destacar o caso de Valerie Solanas — e o destacamos precisamente para suscitar os comentários. Deixamos aqui de lado uma intervenção (Feministas Excludentes, 25/07, 16:45) redigida em termos tão delirantes que talvez seja apenas uma farsa. Mas a oportunidade da nossa evocação de Valerie Solanas é confirmada, embora involuntariamente, por muitos comentários.
Um comentador (Germano, 26/07, 21:33) sintetizou o problema ao afirmar: «Me parece que considerar todo e qualquer homem um potencial agressor, considerar que falar alto para ganhar no grito e atropelar decisões é um comportamento típico dos homens; são posições que remetem a posições defendidas por Solanas. Claro que ela não aparece enquanto referência explicita, mas o pensamento é similar». Com efeito, considerar todos os homens como agressores ou potencialmente agressores, além de ser uma generalização sem fundamento, constitui uma biologização de um problema social.
Uma comentadora (Camila, 25/07, 00:20; ver também Camila, 25/07, 22:56) pretendeu responder àquele argumento escrevendo que «a grande maioria das feministas não partem do pressuposto de que homens são “naturalmente e biologicamente agressores”. Estivemos todo o tempo lutando contra a biologização e não é tão fácil assim cair nela outra vez. Se afirmamos que os homens são agressores em potencial é por conta não de sua natureza, mas da socialização em um mundo extremamente sexista». Uma resposta deste tipo ilustra involuntariamente o que escrevemos, porque quando se pretende que existe uma correspondência perfeita entre uma categoria social (machismo) e uma categoria biológica (homens) está-se a biologizar o social.
O melhor — ou pior — exemplo dessa biologização do social foi dado por um comentador (Hugo Scabello, 28/07, 18:43) precisamente numa intervenção em que afirmou não o fazer. Ele escreveu que «o que faz todos os homens serem potenciais agressores machistas não tem absolutamente nenhuma relação com as condições biológicas (com os míticos cromossomos X e Y), mas sim com a construção social do gênero e com e a supervalorização dos aspectos e indivíduos socialmente construídos como homens em detrimento dos aspectos e indivíduos socialmente construídos como mulheres». Ora, metodologicamente a biologização do social é um percurso de via dupla, permitindo ir para um lado ou para o outro quando convém. No final desta circularidade a categoria social e a categoria biológica ficam identificadas, porque na prática ambas são tratadas da mesma maneira. Este mesmo comentador é a tal ponto inconsciente do problema que citou com apreço a seguinte frase: «todo homem, até mesmo o mais frágil e miserável, é sim um potencial agressor machista — incluindo aqueles que nunca cometeram uma agressão ou que nunca venham a cometer — isto pois lhe é dado socialmente o privilégio da possibilidade do exercício assimétrico de poder, devido ao fato dos espaços em geral serem machistas e masculinizados». Esta citação não é só um exemplo extremo de identificação do social com o biológico. É uma colossal asneira e uma asneira perigosa. Pelo menos Stalin, quando montou o seu regime repressivo, nunca pretendeu que todos os trabalhadores seriam potenciais trotskistas. Mas aquele tipo de feminismo pretende que «todo homem» é «um potencial agressor machista». Se não houvesse o resto, bastaria isto para avaliar o tipo de sociedade que o feminismo excludente quer instaurar. Numa intervenção posterior, o mesmo comentador (Hugo Scabello, 29/07, 00:12; ver também Hugo Scabello, 29/07, 13:36) voltou a confundir os planos social e biológico, sem aparentemente ter a noção disso: «O que te faz um potencial agressor machista (assim como a mim) não é o fato de ter um pênis […] mas sim o fato de você ter sido socialmente construído como um homem somado ao fato dos espaços sociais privilegiarem as características fomentadas/impostas aos socialmente construídos como homens. […] não é uma questão biológica, mas sim social…».
Não por acaso outro comentador (Lucas, 29/07, 16:54) denunciou o caráter totalitário deste tipo de concepções: «Me parece uma postura que não deixa espaço para contradições, uma análise completamente totalizante de como as construções sociais moldam inequivocamente e de maneira completa os sujeitos sociais». Essa circularidade entre o social e o biológico foi muito bem classificada por este comentador (Lucas, 29/07, 01:30; ver também Lucas, 28/07, 20:02): «se a sociedade impõe a todos os homens (A) o gênero “homem” (identificação subjetiva social, um processo inconsciente), e é o gênero que os torna machistas (B), o único resultado disso é que todos os homens (A), tendo necessariamente sofrido uma tal imposição de construção social, são machistas (B). Indepentende [sic] da boa vontade de uma teoria da dupla biologização, o resultado a que se chega por esta visão é de que A = B, ou seja, seres biologicamente homens são socialmente machista por determinação (“da sociedade”, não por vontade das feministas, é claro). Não vejo como ser mais biologizante do que isso, é apenas o reverso do machismo existente e que um certo feminismo estranhamente parece sustentar, a idéia de que assim como todo pecador tem que carregar sua cruz, todo homem tem de se reconhecer como machista».
A confirmação dessa circularidade entre o social e o biológico é fornecida pela postura recíproca, de que, se todos os homens são potenciais agressores machistas, é impossível existir machismo entre as mulheres. Um comentador (Leo Vinicius, 25/07, 13:45) afirmou com pertinência: «eu acho que se realmente as mulheres querem discutir seriamente mudança de relações sociais, antes de tudo devem definir claramente o que entendem por “machismo”. Pois vejo essa palavra ser dita como se fosse algo autoexplicativa (um conceito mágico que mais encobre do que revela), e sempre num sentido biologizante mesmo, como se só o homem fosse ou pudesse ser machista, e não num sentido de relação social que pressupõe homens e mulheres machistas».
Esta observação escandalizou uma comentadora (Nina Karina, 25/07, 14:52), curiosamente na mesma intervenção em que teceu considerações depreciativas sobre as mulheres pertencentes ao coletivo do Passa Palavra, chamando-lhes «mulheres que estão do seu lado carregando casacos, organizando as bibliotecas, as militantes subalternas que só abrem a boca pra concordar com vocês». Esta mesma comentadora garantiu taxativamente: «procure entender uma coisa: não existe [sic] mulheres machistas. Posso até concordar que se reproduza o machismo, mas mulheres machistas, sinceramente, você tá viajando». Porém, um comentador (Santori, 29/07, 03:43) inverteu os argumentos do feminismo excludente para responder a esta absolvição global e definitiva do machismo feminino: «o machismo, ou o heteropatriarcado, é uma realidade social que oprime tanto mulheres quanto homens. De onde decorrem duas coisas. Se assim é, ser atravessados pelo machismo não é exclusividade dos homens (seres humanos nascidos com pênis), mas também um infeliz atributo dos seres humanos nascidos com vagina. E, se ambos são objetos dessa “violenta e opressiva imposição social” (palavras do Hugo) [Hugo Scabello, 29/07, 00:12], então são ambos que devem combatê-la».
4.
A biologização do social e a negação de que possa haver machismo entre as mulheres impede uma análise séria da relação entre os sexos e a violência. Um comentador (A. F., 25/07, 17:30) lembrou que «o número de homens que matam homens é muito superior ao número de homens que assassinam mulheres» e outro comentador (Estudante Classista, 28/07, 20:06) evocou o fato de «a maior parcela de assassinatos ocorrer com homens jovens negros da periferia». Outro comentador (Marcos, 25/07, 17:25; Marcos, 26/07, 01:48; Marcos, 27/07, 03:07) relatou vários casos de violência exercida por mulheres sobre homens, e tudo o que lhe responderam foi para o ridicularizar (Camila, 25/07, 22:56; Camila, 27/07, 17:11), o que revela uma lamentável seleção das vítimas. Outra comentadora (Simone, 27/07, 16:16) analisou mais um caso de agressão de uma mulher a um homem, mostrando de novo que o feminismo excludente não põe em causa a estrutura de poder, mas apenas quem ocupa o lugar dominante nessa estrutura de poder. Aliás, um comentador (Matt, 26/07, 21:15) citou um tenebroso caso de indiferença de algumas organizações feministas por uma mulher estuprada que não fazia parte desses grupos.
Um comentador (João Bernardo, 25/07, 16:42; ver também Marcos, 31/07, 02:36) deixou uma proposta: «Um dia destes o Passa Palavra devia fazer um artigo analisando as relações de poder no interior dos grupos e espaços exclusivamente femininos. Seria interessante que no mesmo artigo analisassem também as relações de poder nos casais de lésbicas, incluindo os actos de violência». Esta proposta foi reforçada por outro comentador (A. F., 25/07, 17:30): «É curioso que se ocultem nas discussões de “grupos gênero” os casos de assédios entre mulheres — aquilo que é chamado internamente de “relações não-consensuais” —, a violência psicológica e mesmo os casos de perseguição. Um grande silêncio».
Um «grande silêncio», com efeito, e tanto mais elucidativo quanto o único comentário (Camila, 25/07, 22:56) relativo a este assunto afirmou o seguinte: «Se engana também quem diz que há um grande silêncio sobre os casos de agressão e violência entre casais de lésbicas. Sinto que cada vez mais esses casos são discutidos nos tais “grupos de gênero”. Se ainda não aparecem tanto publicamente é porque talvez não sejam tão frequentes assim. Tenho dúvidas quanto a isso..». Ora aí está um dos possíveis motivos ocultos que leva este tipo de feministas a se reunirem sozinhas, para que a discussão da violência nos casais de lésbicas se restrinja aos «grupos de gênero». Mas nem por isso a prática de autoritarismo deixou de ser ilustrada nos comentários. Quando uma comentadora (Nina Karina, 25/07, 14:52) escreveu que as mulheres do Passa Palavra são «mulheres que estão do seu lado carregando casacos, organizando as bibliotecas, as militantes subalternas que só abrem a boca pra concordar com vocês», ela recorreu exatamente ao mesmo tipo de insultos usado pelos homens machistas e mostrou como se podem apresentar «as relações de poder no interior dos grupos e espaços exclusivamente femininos». Um comentador (A. F., 25/07, 19:21) observou isto mesmo e concluiu: «Sem querer estas feministas reafirmam o machismo nosso de cada dia e também o quanto não parecem de fato interessadas na superação desta condição, mas apenas em galgar posições nos seus departamentos, grupelhos e com xs amiguinhsx numa militância que se confunde com festinhas e grupos sociais».
A questão é a estrutura global das relações de poder e não o sexo de cada qual. Como preveniu uma comentadora (Ana, 26/07, 12:48), «Não conseguiremos criar valores diferentes só invertendo os papéis, que é o que me parece que tem acontecido em boa parte do feminismo, pelo menos nos grupos que tive contato em toda minha militância».
5.
Com base na biologização do social e na negação de que possa haver machismo entre as mulheres surge a justificação dos espaços exclusivamente femininos para que as mulheres não estejam ao lado dos agressores, supondo a equivalência entre homem e agressor. A propósito do machismo existente em alguns meios de esquerda um comentador (Ciola, 27/07, 22:55) chegou ao ponto de mencionar «as sobreviventes», como se estivesse a ocorrer um assassinato maciço de militantes femininas por militantes masculinos.
Mais sensatamente, uma comentadora (Carla Arlenice, 26/07, 06:38) escreveu, em crítica à atitude que considerou demasiado taxativa do Passa Palavra: «A experiência mostra que eles [alguns espaços exclusivamente femininos] têm sido responsáveis por enormes efeitos terapêuticos sobre mulheres agredidas: efeitos não apenas psicológicos, mas políticos, capazes de articular uma tomada de posição diante da desigualdade de gênero». O problema surge quando alguns comentadores (Alexandre, 28/07, 05:42) confundem essa função terapêutica, cuja utilização foi elucidada por outra comentadora (Camila, 25/07, 00:20; ver também Lili, 25/07, 05:44), com a organização sistemática e generalizada de espaços exclusivos.
Aliás, mesmo essa função terapêutica foi posta em causa por um comentador (GM, 25/07, 15:15), através de um exemplo concreto, e concluiu: «Os espaços exclusivos não servem pras mulheres ou sequer pras feministas, até porque não existe um conjunto unificado desses grupos. Eles servem principalmente para as mulheres que querem os espaços exclusivos, as feministas excludentes. As mulheres que não concordam com esses espaços e são oprimidas nos espaços mistos continuam tendo que lutar sozinhas e de quebra isolada das outras mulheres que poderiam apoiá-las na luta. Além de isolar os homens que concordam com esse enfrentamento mas não podem nem querem falar em nome das mulheres». Uma comentadora (Ana, 25/07, 18:44) mencionou apreciativamente estas reflexões, numa perspectiva contrária à do feminismo excludente, mas é elucidativo que nenhuma feminista excludente tivesse procurado rebater aquele comentário baseado num caso concreto. Houve até uma comentadora inábil (Jéssica, 31/07, 17:44) que derrubou toda aquela eventual legitimação, escrevendo: «Espaços autorganizados são importantes e não há nada de terapêuticos neles».
A mesma fuga aos ensinamentos dados pela realidade é indicada pela completa ausência de comentários das feministas excludentes no artigo «Feminismo ou emancipação? Movimento estudantil português nos anos sessenta». É-lhes mais cômodo ignorar uma luta histórica que teve resultados apreciáveis, como salientou uma comentadora (Ana, 25/07, 02:58). Com efeito, outra comentadora (Lili, 25/07, 05:44) teve o despudor de escrever: «não li o outro texto inteiro, o dos anos 60, só fiquei sabendo dele hoje, mas sinceramente duvido muito que ele seja a grande prova que os espaços exclusivos sejam uma prática fascista». Noutra intervenção, esta comentadora (Lili, 25/07, 21:07) pretendeu retificar: «só uma correção, disse que não pude ler o texto inteiro ainda, mas pela parte que li duvido que seja a prova cabal que espaços exclusivos sejam fascistas, por que [sic] já participei de vários e sinto que isso contribui muito para a luta e para o feminismo». Uma pessoa que já sabe o que há de pensar sobre um texto que não leu, ou que não leu «inteiro», caracteriza-se a si mesma. Houve, porém, uma comentadora (Camila, 25/07, 22:56) que afirmou ter lido aquele artigo e observou: «Em relação ao artigo sobre a experiência do “feminismo inclusivo” em Portugal: muito bonito, belo relato histórico. Mas daí comparar a segregação de gênero imposta por um regime fascista aos espaços de solidariedade que nós organizamos (por opção) para politizar os problemas que temos em comum me pareceu muito forçado (pra não dizer burro mesmo)». O que nos parece «burro mesmo» é não se ter entendido que o objetivo daquele artigo foi o de mostrar como jovens de ambos os sexos arriscaram muito para construir espaços comuns, onde eles eram proibidos. Tratou-se de mostrar como a construção de espaços que incluíssem moços e moças foi uma das condições para o avanço da luta antifascista. Deixamos as feministas excludentes com a convicção de que a construção de espaços separados contribuirá para alguma coisa que não seja a sua própria promoção.
Tal como escreveu uma comentadora (Ana, 25/07, 18:44) contrária ao feminismo excludente a respeito dos espaços reservados às mulheres, «o que vejo nestes espaços é uma inversão da opressão que só serve para reforçar a perspectiva de um feminismo excludente e autoritário».
6.
Já por si grave, o «feminismo excludente e autoritário» é mais nocivo ainda na fase atual do capitalismo, em que os trabalhadores estão fragmentados e é urgente a reconstrução de uma noção de pertencimento a uma classe comum. Uma comentadora (Espertirina, 27/07, 00:20) escreveu: «A meu ver, um feminismo que se propõe libertador deve ser sim classista e evitar ao máximo segregacionismos». Como observou um comentador (Lucas, 25/07, 23:58), «O projeto igualitário seria então a construção social da igualdade, não cabendo nem admiti-la como a priori, nem insistindo nas diferenças como bases para a construção da luta social». E, referindo-se à biologização do social operada pelo feminismo excludente, o mesmo comentador (Lucas, 29/07, 16:54) ironizou: «com este horizonte talvez o único que resta é cada um no seu quadrado até que as construções sociais desapareçam».
Um comentador (Leo Vinicius, 30/07, 14:53) foi direto à questão central: «Quem lê comentários aqui provavelmente acharia que as mulheres que morreram no dia 8 de março de 1857, queimadas numa fábrica durante uma luta por melhores salários, condições de trabalho, redução da carga de trabalho, equiparação dos salários com os dos homens, eram feministas e não proletárias. E que teria sido apenas um acaso histórico que elas tenham sido queimadas vivas e não um grupo qualquer de senhoritas de origem burguesa tomando chá e discutindo maior espaço para as mulheres na sociedade. Se, ou se tem luta de classes ou luta feminista, certamente o que ocorreu em 8 de março de 1857 em Nova Iorque foi resultado de uma luta de classes».
O feminismo excludente é uma barreira ativa à reconstrução daquela cultura de classe, porque o que lhe falta em números é compensado em gritaria. Daí a tática seguida na escolha dos alvos. Uma das passagens mais deturpadas do artigo «Duas ou três coisas sobre o feminismo», se não mesmo a mais deturpada, é a que menciona a «fraca envergadura física e flacidez muscular» dos meninos de esquerda. Várias comentadoras e um comentador (Camila, 25/07, 00:20; Lili, 25/07, 05:44; Carou, 25/07, 19:14; Kadj Oman, 26/07, 01:29; Espertirina, 27/07, 00:20) responderam que a violência machista pode igualmente ser praticada por homens fisicamente débeis. A má-fé foi ao ponto de uma comentadora (Lili, 25/07, 17:33) afirmar que o artigo «diz que um homem fraco não pode ser tão agressor quando alguém forte». E no entanto o artigo está ali mostrando uma coisa muito diferente, porque nós escrevemos que as amantes de escrachos os organizam apenas contra esses meninos «e não sobre seguranças de boate ou membros de outras profissões hercúleas», o que nos levou a concluir «que há outras pautas ocultas nos argumentos das feministas excludentes». A questão não é a de que os fraquinhos não possam ser maus, mas a de que aquelas feministas só tomam os fraquinhos como alvo porque são outras as pautas que as preocupam. Um comentador (Estudante Classista, 28/07, 20:06) desvendou candidamente essas pautas ao escrever que é «verificável, infelizmente, em nossos meios feministas (ou pretensas [sic] feministas) a defesa do empoderamento nos cargos sociais de dominação de classe pelas mulheres ou mesmo a defesa de fala de mulheres fascistas só pelo fato de serem mulheres».
Um comentador (Kadj Oman, 26/07, 01:29) reconheceu que «há grupos feministas que defendem o caminho do punitivismo e reproduzem a lógica do Estado penal. Mesmo quando afirmam que o problema está na estruturam [sic] social, machista e patriarcal (sem a-historicismo nenhum nisso), acabam culpabilizando o indivíduo de uma forma que não permite nunca mais que ele deixe de ser “o agressor”». Mas logo em seguida este comentador propôs: «Não é o caminho que eu acredito nem o que defendo, mas antes de colocar como prioridade se opor a estes grupos, convém tentar compreender — de verdade e não de uma forma caricatural como no texto — porque defendem isso». Curiosa metodologia, mas será que devemos aplicá-la a todos os que «defendem o caminho do punitivismo e reproduzem a lógica do Estado penal», agentes da repressão incluídos? Na verdade, quem segue um dado caminho tem uma razão para o fazer, incluindo as P2 mulheres referidas por um comentador (Manolo, 26/07, 18:01), e não nos parece que essa postura do grande perdão seja compatível com as exigências da luta social.
Na mesma perspectiva, um comentador (Ciola, 27/07, 22:55) pretendeu que, se adotarmos a atitude defendida pelo Passa Palavra, «perdemos toda a construção histórica que levou determinados grupos à indisposição de ouvir nossa (homens) opinião». Mas é que para nós essa «construção histórica» deve não só ser perdida mas ser derrubada. Na realidade o Passa Palavra tentou compreender o motor das feministas excludentes, quando escreveu que «há outras pautas ocultas» nos argumentos que elas invocam. Mas sobre esta agenda política as feministas excludentes preferiram não comentar.
Todo o artigo «Duas ou três coisas sobre o feminismo» deve ser entendido como uma chamada de atenção para o sistema de poder promovido dissimuladamente — ou não tão dissimuladamente — pelas feministas excludentes.
As obras que ilustram este artigo são de Dorothea Tanning (1910-2012).
O tema já virou pensamento uniformizado, uma tentativa de debate sempre é válida senão voltaremos ao totalitarismo da não reflexão aberta, pois já chega de tantos juízes e juízas, já não basta o estado policialesco coxinha? Conheço muitas companheiras que não baixam a guarda sem precisa cair no ridículo…e elas são mulheres de meia idade e não pirralhas imaturas que não sabem o que é ter compromisso com todo um conjunto de coisas que rege o conjunto de uma sociedade. São alienadas ao revés por um modismo carregado de chavões que releem as receitas das primeiras feministas que por sinal eram fanáticas cristãs. Hoje o feminismo segue a cartilha do anticlericalismo porque o ateísmo é contaminado pela ideologia sionista que tem interesse no anticlericalismo. Tendências iguais que só mudam com o tempo. Qualquer pessoa mediana sabe que a mente humana e comportamento humano andam lado a lado e que todos e todas nós temos nossas limitações em relação a questão comportamental em sociedade, aconselho que tod@s e todas acompanhem as discussões primitivistas também e vocês perceberão os pontos em comum que leva ambos os temas. Mais dos mesmos. Existe um disputa de classe dentro da questão do feminismo feroz que é a questão de origem e classe, toda vez que as discussões descambam por este sentido acaba de forma estúpida com shows de intolerância e discrepâncias de linha de raciocínio etnocentrico e capitalista.
Em 2006 publiquei na revista Novos Rumos (nº 45, ano 21), do Instituto Astrojildo Pereira, o artigo «Considerações inoportunas e politicamente incorretas acerca de uma questão dos nossos dias», que agora se encontra com facilidade na internet, por exemplo aqui:
http://silenciodospoetas.wordpress.com/2010/12/31/consideracoes-inoportunas-e-politicamente-incorrectas/#more-974
Analisei nesse artigo «certo tipo de feminismo hoje em voga», «que hoje domina os meios académicos e prevalece nos órgãos de informação, propenso às abordagens “de género”». Depois de estabelecer uma contraposição entre esse tipo de feminismo e o feminismo anterior, que procurava a igualdade entre a mulher e o homem, mostrei a similaridade entre o feminismo de novo estilo e o nacional-socialismo alemão. Mostrei como a circularidade de argumentação entre o plano social e o plano biológico faz dessas feministas as herdeiras directas de Houston Stewart Chamberlain, o principal mentor do racismo hitleriano.
Quando escrevi aquele artigo, porém, eu não tinha ainda conhecimento das formas práticas de actuação desse feminismo, a violência com que reprime os adversários, além do grau de infantilidade e irracionalidade com que conduz os debates e também o corporativismo que repudia qualquer crítica externa e ameniza as internas, ou boicota e silencia as críticas quando lhe convém. O carácter nocivo deste tipo de feminismo é ainda mais grave do que eu supus no artigo de 2006.
A questão fundamental, porém, nem sequer é essa, mas a de saber como é possível que esse tipo de feminismo, em vez de ser expelido para a extrema-direita, que devia ser o seu lugar, seja considerado como uma das componentes do que hoje se chama esquerda. Nada mostra tão bem o grau de degradação a que chegou aquilo que, à falta de melhor termo, posso denominar esquerda multiculturalista.
Nesta página portuguesa há uma ilustrativa matéria sobre violência doméstica contra homens. http://expresso.sapo.pt/homens-pais-e-vitimas-de-violencia-domestica=f770120 . Como assunto é silenciado – assim como os casos de estupros de meninos – não temos estatísticas sobre o quadro.
Um aspecto que caracteriza as solanas é aquilo que denomino de estelionato político. O que temos são mulheres brancas, de classe média, universitárias, que vivem em bolhas de seguridade social e de liberdade mas que utilizam os dados e as imagens do sofrimento de mulheres populares para promoverem a si próprias. Usam o sofrimento alheio para travestirem-se de oprimidas e, nesse processo, caminharem rumo ao poder. Tornam-se donas de ONGs, delegadas, secretárias, promotoras, chefes de departamento, diretoras, ministras, prefeitas, administradoras.É claramente um projeto de poder para um grupo específico de mulheres, em detrimento das outras, que servem somente como estatística. O fato mais marcante disso é que as solanas se libertam do machismo dos pais, irmãos e maridos (os parentes nunca são denunciados) transferindo a exploração doméstica para as empregadas. As solanas escrevem muitos textos sobre libertação feminina enquanto as empregadas limpam a casa, trazem o café e passeiam com o cachorro.
Sem entrar em pormenores relativos aos textos, um breve ponto de vista que me faz tender a rechaçá-los, não é pelo que está escrito em miudos, mas, pelo fato de que, atualmente, parece estar em voga uma ânsia ao retorno dos comportamentos machistas e conservadores. E, estes tipos de textos, ressaltam todo o preconceito da sociedade a respeito do feminismo (singular). Já que, a maioria das pessoas veem o feminismo, em si, como vilão, bicho-papão, e não como modos de vida possíveis, de cotidiano e, que, hoje, comporta inúmeras variações.
Tendo dito isso, a teoria crítica feminista escreve sobre os problemas dos feminismos há décadas, desde o seu aparecimento. Os textos do PP tentam fazer o mesmo, mas, num momento inoportuno, sem, também, autocrítica, o que tem gerado sentimentos raivosos e desesperançosos em quem lê. A ponto de não querer voltar ao PP.
“Não nos recordamos de em qualquer outro dos grandes debates ocorridos nesse site ter havido uma tão grande percentagem de comentários excluídos, o que é por si só revelador.” Concordo que seja revelador, mas ao que parece por outros motivos que não os alegados/elencados aqui.
No entanto, assumir uma postura ou estilo polêmico (conforme o PP) não parece agregar (no sentido de somar mesmo) honestamente ou honestidade à discussão e/ou construção de um feminismo não excludente – esse que não é apontado as claras e do qual muitas dúvidas emergem. me junto ao coro: “em entrar em pormenores relativos aos textos, um breve ponto de vista que me faz tender a rechaçá-los, não é pelo que está escrito em miudos, mas, pelo fato de que, atualmente, parece estar em voga uma ânsia ao retorno dos comportamentos machistas e conservadores. E, estes tipos de textos, ressaltam todo o preconceito da sociedade a respeito do feminismo (singular). Já que, a maioria das pessoas veem o feminismo, em si, como vilão, bicho-papão, e não como modos de vida possíveis, de cotidiano e, que, hoje, comporta inúmeras variações.
Tendo dito isso, a teoria crítica feminista escreve sobre os problemas dos feminismos há décadas, desde o seu aparecimento. Os textos do PP tentam fazer o mesmo, mas, num momento inoportuno, sem, também, autocrítica, o que tem gerado sentimentos raivosos e desesperançosos em quem lê. A ponto de não querer voltar ao PP.” de _I pessoa em 5 de agosto de 2013 04:15
Os comentários de | Pessoa e da Gehenna parecem jogar a toalha, os argumentos já não são mais a respeito deste ou daquele ponto do texto, e sim um problema de “timing” do tema.
Sinceramente, o texto “ressalta todo tipo de preconceito”? Deixaremos de fazer a crítica às práticas equivocadas de qualquer luta social por medo de que dessa crítica “ressaltem preconceitos”?
Lucas, não falei para deixarem de fazer críticas. Apenas disse o que esse tipo de crítica promove. A pergunta demonstra não só a falta de autocrítica [da sua parte], mas, também, que você não aceita a crítica aos textos.
Ora, escrevi: essas críticas vem sendo feita há anos pelos próprios movimentos e teóricas feministas, é preciso ter cuidado. Um exemplo, é um texto muito conhecido entre grupos autonomos:http://www.nodo50.org/insurgentes/textos/autonomia/21tirania.htm [A tirania das organizações sem estrutura]
Sinceramente, está faltando maturidade para lidar com comentários das leitoras.
O receio que alguns nutrem de que a crítica do PassaPalavra vem em mal momento, pois “ressaltam o preconceito da sociedade a respeito do feminismo” não exerga que o que reforça esse preconceito não é a crítica que faz aqui, mas ao contrário as próprias práticas criticadas aqui.
Se a maioria das pessoas não vê o feminismo como “modos de vida possíveis” é exatamente porque o feminismo excludente prega o impossível – um mundo sem homens.
Sendo assim, ao contrário do que foi dito, é pela crítica a essas concepções (polêmica, porque não?) que se pode “depurar” o feminismo de todo elemento que o impeça de se “agregar” às lutas pela emancipação.
À princípio acreditei que independente de qualquer discordância seria possível manter um diálogo. mas o rebate a quem discorda é sempre amarguinho, ressentido e cheio de pompas, arrogância…
quem sabe excludente seja uma recorrência por aqui, afinal.
Se houve tantas críticas negativas, comentários censurados etc não vale uma reflexão? se não sobre o posicionamento, sobre a maneira como ele foi escrito?
pode parecer jogar a toalha. falar com as paredes não produz muito resultado mesmo.
I Pessoa, qual é “esse tipo de crítica”? Não acho que você deixe isso claro. Por que se é o mesmo tipo de crítica apontado no texto por você indicado, me parece uma ótima crítica que deve sempre ser feita quando aparecem as pessoas que defendem posições opostas à esta crítica, como foi o caso de tantas e tantos comentaristas no outro artigo publicado.
Gehenna,
O diálogo está mantido e está tranquilo, não sei porque é que você acha que há ressentimento ou arrogância.
Sobre a maneira como o artigo foi escrito, cito o próprio começo deste novo artigo:
“Vindo na sequência de dois artigos anteriores (aqui e aqui), o artigo «Duas ou três coisas sobre o feminismo» foi considerado demasiado polêmico. Mas como não desejamos só avaliar situações e procuramos influir no seu desenvolvimento, o estilo polêmico que adotamos corresponde à combatividade necessária nas lutas sociais.
Houve ainda outra vantagem em termos adotado um estilo polêmico, pois isto fez com que opositoras e opositores à nossa posição em relação a este assunto evidenciassem em seus comentários os aspectos preocupantes para os quais justamente procurávamos chamar a atenção.”
Se a polêmica afasta aquelxs que defendem uma visão “exclusionista”, o ganho está em deixar às claras quais são os cortes ideológicos que há dentro desta luta, para que as agrupações e coletivos possam melhor se posicionar diante destas opções ideológicas, ao invés de trabalharem numa suposta unidade ideológica, que devido a sua falsidade eventualmente se tranforma em um problema muito maior.
Marcos: a violência doméstica e sexual contra homens é sim um assunto sério, mas nunca foi omitido pelo feminismo. Pelo contrário, o feminismo teve um papel muito importante para a divulgação de casos de pedofilia e estupro, tanto de meninas quanto de meninos. Talvez não seja dada uma ênfase tão grande
a violência sofrida por homens, tanto porque ocorrem em menor frequência, quanto porque grande parte das pessoas envolvidas nessa divulgação são mulheres e meninas. Acho bem cômodo apontar lacunas na luta feminista enquanto não se faz nada para mudar a situação de violência. É como deslegitimar a luta indígena em nome das crianças famintas na África. Uma luta pode abarcar todos os grupos oprimidos? Com certeza não. Daí a importância da pluralidade dentro do feminismo.
(Também é importante lembrar que essa não é uma competição para decidir quem é mais oprimido)
Sobre a auto-promoção, não é assim que a política tradicional funciona? A maioria dos políticos que conhecemos hoje usa da imagem de pessoas oprimidas para se promover. É triste que isso aconteça com o feminismo. Entretanto, não penso que esse seja um problema próprio da luta anti-sexista, mas sim da democracia-institucional-representativa.
Esse texto me pareceu um grande ornamento, um amontoado de termos acadêmicos que busca eleger o “feminismo certo” e deslegitimar todo o resto. Me desculpe, mas essa é uma atitude um tanto excludente.
https://www.youtube.com/watch?v=xZYbMOn1ZTI
Paulo, o nome disto é tomada de posição. Entre a diversidade, escolhe-se que lado se quer apoiar. Afinal, omnis determinatio est negatio.
E o curioso é que quando o PP desce a lenha na burocratização de movimentos sociais, no imperialismo brasileiro, no PT, no MST, etc., fazendo isto pela esquerda, uma silenciosa maioria acha ótimo, elogia o site, etc. Quando a tomada de posição afeta o que se gosta, não pode. É machismo. É fascismo. É excludente. Etc.
De fato para mim o maior mérito indiscutivelmente dos artigos lançados foi o de levantar a polêmica. E claro este estado de ânimos elevados também traz limites a discussão.
Mas sem elencar qual lado está certo no debate, o que acho desnecessário e de fato impossível uma vez que este não é um julgamento ou execução do PP ou do movimento feminista apenas um debate, vejo com bons olhos a repercussão do mesmo por um motivo fundamental: existindo ou não um setor excludente nos movimentos feministas, e ouso citar também outras lutas de supostas “minorias” simbólicas como o movimento gay ou de defesa dos animais/vegano entre outros, há uma forte coerção moral rondando os meio libertarios/autonomos/de esquerda, fortemente influenciado pelo politicamente correto.
E ai tá para mim a grande chave do problema, o habito que instalou-se na esquerda de se analisar as pessoas militantes e ou seus coletivos ( quase que exclusivamente), por méritos morfológicos, linguísticos etc, sem se recordar as trajetórias dos mesmos, as lutas que levam, das relações sociais que estabelecem.
Isto obviamente não se aplica as violências (strictu sensu) exercidas ou sofridas pelos indivíduos ( de ambos sexos).Mas sim a esse sentimento generalizado que só não vê quem não quer ou quem se beneficia do mesmo.
Refletir as vezes não é um exercício fácil, indolor ou rápido e espero que tal debate acalorado se mostre útil ao crescimento
(qualitativo) das lutas.
I Pessoa citou a Jo Freeman como exemplo de crítica dentro do feminismo, acho que convém ler este outro artigo dela: http://www.jofreeman.com/joreen/trashing.htm para ver que a prática produzida em reação ao artigo do PP não é também uma novidade.
Não me parece que Passa Palavra levou a sério alguma crítica que foi feita a construção do texto anterior. Ao contrário, a resposta foi construir um campo de posições binárias em que quem não concordou com a posição do coletivo foi automaticamente deslocado para o lado das “feministas excludentes” – povoado por essas mulheres histéricas que usam o feminismo para se autopromover e dominar o mundo.
Numa postura arrogante, quem discordou de vocês é porque “não entendeu o texto direito”. Só não digo que os comentários foram usados de forma completamente desonesta porque está feita a referência e quem tiver paciência pode visita-los em seu contexto primeiro. Entretanto, a forma como eles aparecem e são interpretados é no mínimo manobrada e em alguns casos mentirosa.
Eu, particularmente, em nenhum momento ridicularizei o Marcos quando ele falou sobre violência contra homens, pelo contrário, afirmei que era algo que merecia atenção e que me parecia bizarro um feminismo que apoiasse tais práticas. Se isso foi entendido por ele como “ridicularizar” afirmo que em nenhum momento foi a minha intenção e peço desculpa se lhe pareceu assim (internet tem desses mal entendidos). Agora, nessa lógica binária tosca que o Passa Palavra adotou é óbvio que meu comentário só poderia ser entendido nesse sentido.
Há muito o que se criticar sobre algumas tendências feministas que emergem na esquerda, mas não acho que a série do Passa Palavra consegue avançar muito nisso. Como eu disse antes, ao tentar avançar se andou muito pra trás, voltando a argumentações que achei que já haviam sido superadas entre a esquerda.
Junto com outras companheiras, feministas autônomas de diferentes movimentos e estados, estávamos rascunhando um artigo que dialogasse com o anterior, propondo outras perspectivas sobre o mesmo tema. Mas acho que depois dessa resposta de vocês aos comentários fico bastante desanimada a tentar alguma coisa do tipo. Até porque aqui em Floripa muitas coisas legais estão acontecendo na organização popular e nesse momento prefiro dedicar meu tempo com essas movimentações (inclusive levando as discussões do feminismo).
Boa sorte aí pra vocês.. Infelizmente perdi bastante respeito por esse site.
É curioso como até agora os comentários desfavoráveis se têm esquivado a responder a uma das questões mais importantes deste artigo — a biologização do social e a circularidade entre o plano social e o plano biológico. É este mesmo o centro da questão.
A resposta anterior de Camila mostra o quanto se pode perder de diálogo saudável quando o estilo, para além de polêmico (o que – concordo sem problemas – pode ser bom ou mesmo necessário, a depender das circunstâncias), mostra-se prisioneiro de um autocentramento excessivo. Note-se que mesmo o meu comentário ao artigo anterior, que essencialmente tentava ser um chamamento a uma troca de argumentos menos emocional e mais racional, e que, afinal de contas (e a despeito das discordâncias), se posicionava CONTRA certas leituras distorcidas desferidas contra o texto assinado pelo coletivo do PP, foi posto ao lado de diversos outros comentários, como se tivesse sido apenas um dos exemplos de “crítica”. Obviamente, tentar responder quase uma centena de comentários exige classificações e simplificações, mas lamento que a forma e o conteúdo, neste terceiro artigo, revelem tão pouca disposição em dialogar com as leitoras (e os leitores) que, a exemplo de Camila, de maneira bastante evidente têm buscado não rechaçar por completo, mas antes refinar e complementar argumentações ou solicitar um pouco mais de diferenciação ou relativização. Ao se recusar o diálogo com as Camilas, o PP traz água, precisamente, para o moinho das (e dos) comentaristas menos argutos e menos ponderados – com isso reforçando a presença, justamente, do “monstro” que pretende combater.
Quanto ao fato de a biologização do social (perigo real, sem sombra de dúvida, e que se reforça em meio à disseminação de teses neurobiológicas e “sociobiológicas” em diversos meios) ter sido ignorada, não creio que o tenha propriamente sido. Em um comentário ao artigo anterior, Camila, por exemplo, observou que “a grande maioria das feministas não parte do pressuposto de que homens são ‘naturalmente e biologicamente agressores’. Estivemos todo o tempo lutando contra a biologização, e não é tão fácil assim cair nela outra vez. Se afirmamos que os homens são agressores em potencial é por conta não de sua natureza, mas da socialização em um mundo extremamente sexista” – comentário esse reproduzido aqui neste terceiro artigo pelo PP. É insuficiente esse comentário? Talvez ela tivesse tido a oportunidade de oferecer uma discussão de fôlego e mais matizada sobre o tema no artigo que, conforme ela nos relata, tinha a intenção de redigir com outras companheiras (e que, a julgar por seu estilo de intervenção até agora, provavelmente seria ponderado e reflexivo). Não saberemos jamais, porém, pois, conforme ela também nos informa, ficou compreensivelmente desanimada.
Não chego ao ponto de fazer coro com Camila e dizer que perdi bastante respeito pelo site; mas confesso o meu desapontamento. Quando teses relevantes e delicadas são brandidas não apenas com insistência (o que é uma virtude, intelectual e politicamente), mas de uma maneira pouco aberta, pouco generosa e pouco afeita a distinguir adequadamente entre vozes discordantes (em graus diferentes) e vozes ruidosa e irredutivelmente adversárias, o resultado é de utilidade duvidosa – ou, pelo menos, menor do que a que poderia ser alcançada de um outro modo. Entretanto, quem sou eu para imaginar que tenho algo a ensinar que o PP já não saiba? Portanto, só posso presumir que a colheita de tanto calor e tão pouca luz (e o afastamento de parceiros reais ou potenciais) é algo deliberado e até desejado. Bom proveito, então.
A Camila levantou um ponto que também discordo do artigo, mesmo que seja algo marginal.
A idéia de uma agenda política oculta introduz uma alta dose de teoria da conspiração, que não vejo base. Pelo menos na experiência que tive em certos meios de esquerda ou libertários. É introduzida assim uma racionalidade entre meios e fins no que parece ser, partindo da concordância com a argumentação geral do texto), uma prática equivocada, ou mesmo nociva, como aliás existem muitas outras na chamada esquerda, em relação aos fins que se pretende.
“há uma forte coerção moral rondando os meio libertarios/autonomos/de esquerda, fortemente influenciado pelo politicamente correto”
A esquerda em São Paulo agora está assim: só branco, não pode fumar, não pode beber, não pode comer carne, não pode falar palavrão, não pode usar estupefacientes, tem que malhar porque esquerda 2.0 não pode ter barriga ou gordura acumulada, tem que fazer social, não pode olhar para pernas de alguma moça, não pode jogar sinuca, não pode peidar, não pode fazer piada, nem comer doce que caiu no chão. É um vigia geral. A ditadura dos certinhos. Quando vejo alguém com a camiseta dos Ramones ja fico com medo porque sei que as testemunhas de jeová tomaram conta da esquerda.
Ao que parece, depois que acabou a Resistência Popular o campo ficou totalmente aberto para essa turma “sou de esquerda mas sou cheiroso”.
De fato, há alguns pontos a serem problematizados.
O primeiro de todos é a dificuldade de se relacionar os comentadores do site com seus visitantes. Ao publicar uma réplica aos comentários, o PP seleciona apenas uma parcela dos visitantes. Cabe pensar quem são as pessoas que se dispõe a comentar os textos, se representam estatisticamente bem os leitores de cada texto ou não. Penso isso pois de fato pode ser desgastante insistir num debate que em realidade se está travando com uma minoria que se pensam maioria (“o” feminismo).
Outro ponto problemático é que, se por um lado os comentários neste site costumam ter bom nível, ou ao menos trazer bons debates, polêmicos certamente mas não apenas, muitas vezes as pessoas aproveitam o espaço apenas para mensagens rápidas e pouco desenvolvidas.
A única resposta à altura em questão de forma, ao artigo anterior, foi um texto um tanto quanto mal escrito e com argumentos bem ruins. No entanto, para além da qualidade do texto em si, creio que uma resposta deste tipo merece muito mais atenção do que os comentários em si. Acho inclusive que o coletivo do PP poderia cogitar uma forma de dar maior espaço para respostas em forma de textos do que em forma de comentários, para estimular um debate mais profundo e menos emotivo. Não deixa de ser sintomático a falta de textos em resposta ao artigo anterior, espero que saia esse que foi comentado pela Camila. Não sintomático do feminismo, mas de um movimento mais amplo que parece não estar acostumado com o debate de idéias, fica apenas fechado dentro do grupo de pertencimento debatendo internamente. Pessoalmente sinto que falta mais polêmica, mais fervor de idéias. Especialmente num momento em que a ansiedade pela ação faz alguns sairem às ruas para “quebrar tudo”.
Olá pessoal.
Venho a um bom tempo acompanhando o PP, mas até o momento não tinha ainda participado com algum comentário, por vários motivos.
Porém, vou me atrever um pouco agora, na esperança de contribuir para o debate, mais tentando expressar minha singela opinião, e menos em dialogar diretamente com os demais comentadores, pois não consegui acompanhar por completo todos os argumentos.
Primeiro penso que as palavras tem a sua materialidade, e o termos “machismo” e “feminismo” talvez, e digo isso ciente que posso estar muito errado, não ajude muito a compreender alguns pontos.
Se a gente considerar que vivemos um tipo de sociabilidade segregadora e alienadora dos seres humanos, que impõe uma lógica de competição e de opressão, isso leva a infeliz situação na qual os mais “fortes” (no sentido mais amplo e não apenas de força física), tenham posição de dominação. O fato biológico de que os homens, em geral, tem uma estrutura muscular ou física mais forte, leva a que, dentro de uma situação histórica (secular ou milenar) de conflitos e antagonismos que beiram a barbárie, favorecer ou induzir uma maioria de homens em postos de dominação ou em situação de violência. Mas é a maioria, não significa todos, há mulheres que daria uma surra (física, moral, emocional, etc) em muitos marmanjos. De qualquer forma, isso gera um triste acúmulo histórico e cultural que temos que, nós homens, que admitir.
Claro que há contradições e inúmeras situações que o simples bom senso já ajudaria a discernir: há homens fortes que são maduros e amorosos e sensíveis, há homens franzinos que são cruéis e tirânicos, há mulheres que são sensíveis e amorosas, e há mulheres que são também cruéis e tirânicas, algumas fortes fisicamente, outras nem tanto, e assim segue inúmeras combinações de questões físicas, emocionais, culturais, etc, etc, etc…
Mas também há um fato “genético” do ser humano, que o diferencia dos demais animais ou seres vivos, ou seja, que o ser humano produz a sua própria existência, pois além de inteligência (atributo não exclusivo), ele tem ampla memória (inclusive emocional afetiva), pode se comunicar, é o maior importante talvez, pode modificar (trabalho) conscientemente o ambiente ao seu redor.
Dessa forma, se é verdade que produzimos nossa existência, ao mesmo tempo que somos auto-alienados, e como desdobramento disso, produzimos relações de dominação ou opressão (que devido a diversas combinações de variáveis e acidentes históricos, levam a uma configuração, de muitas outras possíveis, por exemplo, na qual entre os mais ricos dos mundo, me parece que mais de 90% são homens brancos, isso não significa que todos os homens brancos são capitalistas ou, pior, que o capitalismo existe por causa dos homens brancos).
Enfim, creio que a problemática central são as mediações sociais que nos colocam nessa macabra escolha (que nem sempre escolhemos a rigor), ou de ser o explorado ou o explorador, ou ser o dominando ou o dominante, e assim segue…
Mesmo uma pessoa violenta hoje, sofreu uma violação no passado, violência produz violência… mesmo que a violência seja na maioria por parte de homens, estes já foram crianças e meninos que também sofreram violências, e dado uma sociedade hierarquizada, da necessidade de se impor, de uma cultura machista já secular, que vai se reproduzindo, geração a geração, a imposição cultural “machista” é a primeira violência que sofre o homem-menino. Sei que é difícil compreender, (especialmente que já sofreu a opressão na “pele”), mas a alienação é tanto do oprimido como do opressor. Quem por inúmeras razões cometeu uma atrocidade ou violência ou opressão, também já modificou o seu próprio ser social.
Por isso, o feminismo que venha a buscar a emancipação social é importantíssimo para uma luta de igualdade substantiva, igualdade plena entre os humanos via autogestão global… numa transição mais forte (ou pelo menos que coloque como central) a afetividade humana e buscando caminhos não violentos, fora disso, receio que, reiteradamente, formas constantes de opressão vão se reproduzindo, mesmo sob uma pretensa “transformação social”, fins emancipados requerem meios emancipados… Dessa forma, o machismo, ao meu ver, é o resultado infeliz de uma forma de relação social que colocar em primeiro relevou, o ampliado consideravelmente, atributos de dominação em geral.
Desculpem se não contribui muito ou se muitas coisas aqui estiverem equivocadas, foi só uma tentativa de expressar uma precária opinião, de quem está buscando entender e mudar esse mundo…
O Passa Palavra, ao criticar uma tendência específica do feminismo, que encontra terreno em certas organizações de esquerda, tem sido acusado de “passar pano pra machista”, de ser “contra o feminismo e as feministas em geral”, de usar “argumentações que já haviam sido superadas entre a esquerda”.
Leo Vinicius, em comentário ao artigo que precedeu este aqui, recordou que “querer passar crítica a essa categoria de feminismo como ‘ataque ao feminismo e às feministas’ […] lembra muito o que os sionistas, ou parte deles, fazem quando se critica o Estado de Israel ou o próprio sionismo. Tentam fazer passar essa crítica como anti-semitismo”.
Pois bem. Agora, sob o pretexto de que a forma (o estilo), o conteúdo ou o momento de escrever e publicar o texto estão equivocados, as mesmas pessoas que reconhecem existir a necessidade de crítica a certas tendências do feminismo pretendem descaracterizar a crítica feita pelo Passa Palavra.
Por que diabos é proibido criticar certas coisas?
Escrevi há alguns meses a respeito dos comentários a outro artigo publicado pelo Passa Palavra que a “reação de alguns aqui parece com a daqueles que, frente às denúncias de existência de campos de concentração na União Soviética, indignavam-se não com os campos de concentração, mas com quem divulgava sua existência”.
À época o João Bernardo complementou meu comentário com a informação de que os intelectuais de esquerda de então “sabiam muito bem o que se passava na União Soviética stalinista, mas achavam que denunciar isso era fazer o jogo dos norte-americanos”. E prosseguiu dizendo que o argumento para manter as coisas silenciadas “era sempre o mesmo, o de que essas coisas deviam discutir-se em privado e nunca publicamente”. Mas salientou que as “questões devem ser discutidas em público pela razão simples de que os dirigentes de um movimento ou de um partido não são donos das lutas. E se surgem agora pessoas que querem reproduzir aquele tipo de chantagens do stalinismo, é porque ocupam uma posição similar”.
No fim, não é que seja proibido criticar certos assuntos. Apenas é proibido criticá-los publicamente.
É então curioso que um tipo similar de chantagem se reproduza precisamente nesses meios feministas. Ante a possibilidade de perder a amizade, a namorada ou de ser taxado de machista, a maioria prefere o silêncio. Quem resolve criticar é, no mínimo, relegado ao ostracismo.
Que tosquice! Quer dizer agora que criticar a crítica é proibir? Quanta desinformação…
I Pessoa,
como está muito claro no comentário do dokonal, o que ele aponta que ocorre, em alguns ou muitos casos, não é mera crítica à crítica. Mas sim proibição (ou tentativa disso), através do uso de chantagens (mesmo que inconscientemente).
O último parágrafo do comentário dele é um fato, creio que muito claro para qualquer um, pelo menos em certos meios de esquerda. A maioria dos homens nem entra na discussão sobre feminismo (quando há oportunidade), como se fosse um assunto na prática proibido, pois a discordância tende a acarretar fim de relacionamentos pessoais.
Esse veto prático leva por outro lado a se achar que existe consenso, que existe apoio para certas posições, quando na verdade não há. Além de ser campo fértil para a hipocrisia florescer.
Mais um caso de racismo de gênero, violência de gênero.
São 4 e 20 da manhã e acabo de tomar a minha 4º geral da PM em dois anos e meio. Nos 13 anos em que vivi no meio universitário não tomei nenhuma – cidadania universitária é o que há. A gente lá tomando aquela geral, bateram em alguém que não ví porque nos obrigam a ficar com a cabeça baixa, e ai no meio disso as nossas parças da quebrada livres e soltas andando pra lá e pra cá entre os PMs e a gente na parede.
Porra, e as minas são muito mais picadilha que a gente, mas ninguém mexe com elas.
Acompanhei os dois últimos textos, e queria apenas fazer alguns comentários sobre forma, momento e conteúdo dos textos.
1- Alguns comentários sobre o texto anterior foram mais fortes como se num debate acalorado, além do mais, com a utilização de argumentos retirados e mal interpretados do próprio texto, cujos objetivos eram outros. Vejo dois motivos para isso. Acredito que o texto anterior não conseguiu ser tão explícito quanto o esperado, a ponto de vários dos argumentos (agora mais explicitados) eu mesmo não ter compreendido, dando razão a indignação apresentada, como o exemplo do dos dados do IBGE. Outro motivo é o tom geral de acusação do texto, gerando uma polaridade maior do que a de ideias, que foi potencializada nos comentários pouco tolerantes. Acredito que devemos ler todos os textos e ouvir todas as pessoas fazendo o máximo de esforço para concordar com elas, pois assim encontramos as contradições cruciais no argumento. Mesmo depois do atual texto, acho que estamos há alguns passos ainda de explicitar um argumento em que se “concorde em descordar”, mas que esteja explícito para todos os lados.
2 – Não acho que haja momento certo ou errado para discutir algo. Talvez o melhor momento seja exatamente este, já que não esperamos uma vitória tática de núcleos feministas contra núcleos machistas, esperamos uma vitória eterna contra uma cultura social. Além disso, devemos prestar atenção sempre nos argumentos e pensamentos superficiais, pois em geral demonstram muito das nossas falhas. Venho pensando nisso em relação a essa onda anti partido que acontece nas ruas. Não é nada pensado e teorizado como eu queria, mas demonstra alguma insatisfação com uma estrutura, por mais que não se entenda nada da própria insatisfação. Digo isso para pensarmos: qual motivo superficial faria parte da sociedade achar algo de ruim nas feministas? O que há de profundo nesse superficial?
3 – Achei muito interessante o debate biologização x socialização e como um se passa por outro de maneira muito fácil (recordei, na mesma hora, de alunas e alunos meus e alguns casos de agressão de todas as partes). Acho muito importante essa discussão e algumas outras que talvez precedam a própria definição de machismo. Por exemplo, a violência é algo natural? Logo, apanhar é natural? A postura “alpha”, ou seja, dominação sem agressão, é natural? Logo, a postura “beta” é natural? Se não são naturais, qual mudança se espera na relação de todos os indivíduos? Esses são pontos que vemos em mulheres e homens e vemos na relação micro e macro e são característica da nossa sociedade. Se queremos uma transformação social devemos ter explicito quais são os pontos intolerante e tolerantes. E sabermos identificar o tolerante e tolerar sem naturalizar e os intolerantes intolerar sem naturalizar.
Engrossando o caldo das críticas à polêmica do PP com o feminismo excludente, embora discorde da grande maioria das críticas por não perceber nelas argumentos contundentes, gostaria de expressar meu desapontamento por não ver em nenhum destes textos qualquer apontamento relativo ao problema que mais me incomoda nesse feminismo em voga na academia: falta de programa e de debate político e estratégico. Nunca vi qualquer discussão, ou mesmo qualquer ação destes grupos e coletivos feministas, que tenham o mínimo de maturidade estratégica e programática e digamos que eu já participei de um número razoável de atividades e espaços com esta perspectiva. Infelizmente, os texto do PP até agora não contribuíram muito com o debate nesta seara que a meu ver é central.
E o problema da falta de programa e de debate estratégico e tático no feminismo excludente não incomoda ninguém? Esperava ver alguma crítica nesse sentido nos textos, mas até agora…
Oi, Matheus.
Dê uma olhada no texto da Miriam Grossi “Masculinidade: uma revisão teórica”. É muito interessante. Ela constrói um diálogo a respeito da cultura x biológico x sociológico x violência. Acho que vc pode achar interessante: http://www.antropologia.ufsc.br/75.%20grossi.pdf
http://www.youtube.com/watch?v=9757DVEGWDo
Vídeo bem ilustrativo do modus operandi dessa corrente do feminismo nas lutas sociais. Neste caso no movimento indígena chiapaneco.
Em Agosto de 1922, em conferência sobre a emancipação da mulher sob o prisma libertário, Isabel Cerruti dizia: “Igualá-la [a mulher] aos homens, é ficar onde estamos, pois que o homem é escravo e explorado; o que devemos é lutar, ao lado e junto aos homens, para que a emancipação seja um fato, não para a mulher ou para o homem, mas sim para a humanidade […]. (A Plebe, 21 de outubro de 1922, apud RODRIGUES, 1978b , p. 89-90).” (ADDOR, 2012).
Nesta passagem Cerruti claramente dá a entender que o importante seria construir um mundo onde não existisse espaço nem para opressão entre os sexos, nem para exploração de classe e que se livrar do primeiro sem o segundo não seria nada mais do que permanecer sob as limitações da mesma sociedade. Assim me parece que precisamente a dimensão humana da questão foi perdida pelas correntes excludentes do feminismo atual, – ou melhor, de construção de um novo ser humano -, transformando os desníveis nas relações entre os sexos em oposições binárias, que no limite se expressam no quadro de disputas geopolíticas, como neste texto:
“Todo ato de penetração para a mulher é uma invasão que mina sua confiança e esgota sua força. Para um homem é um ato de poder e domínio que o torna mais forte, não somente sobre uma mulher, mas sobre todas as mulheres. Então toda mulher que se engaja na penetração reforça o opressor e reinforça o poder de classe dos homens.”
Onde
“Somente no sistema de opressão que é a supremacia masculina o opressor efetivamente invade e coloniza o interior do corpo do oprimido. Ligados a todas as formas de comportamento sexual estão significados de dominação e submissão, poder e a falta dele, conquista e humilhação.” (https://materialfeminista.milharal.org/2012/10/27/traducao-lesbianismo-politico-a-causa-contra-a-heterossexualidade-primeira-parte/).
Ocorre que a perda da noção do outro como ser humano do mesmo nível não é uma das bases fundantes de todo tipo de corrente de extrema-direita?
Mas o problema maior que esta polêmica vem tentando demonstrar nem é esta, pq posições assim devem ser combatidas por qualquer grupo que se reivindique de esquerda e isto deveria ser mais do que evidente para qualquer um que se pretende como tal (ou melhor, isto deveria ser um valor fundante da distinção entre esquerda e direita). E não adianta muito dizer que este texto citado não necessariamente representa a visão do movimento em seu conjunto, pq se não há publicização de críticas a estas posições é pq no interior do movimento feminista (de forma ampla, não só as excludentes), há alguma cumplicidade corporativista com este tipo de tese, que cresce, senão no interior, no mínimo paralelamente à ele.
E é aí entra a postura inaceitável, que causa asco a qualquer militante que já mais tarimbado e que justifica completamente o tom dos artigos: contra práticas de extrema-direita não deve haver concessão. Eu ousaria até dizer: não passarão!
No entanto deixo aqui minha saudação para todos os militantes sérios (mulheres e homens), lamento só por parecerem tão poucos (ou estariam todos entocados pela pressão deste corporativismo absurdo?).
Nosso estilo polêmico corresponde à combatividade que achamos necessária para a luta social – leia-se, somos arrogantes ao extremo, sabemos disso e não ligamos. Ouvimos as críticas, das mais delirantes às mais sensatas, e colocamos todas no mesmo balaio – “não nos entenderam, não leram direito”. Logo, não precisamos mudar nada, nem sequer repensar a forma com que buscamos dialogar – que mudem os leitores, que não venham mais, que vão para a casa do chapéu.
Do João Bernardo (que escreve reflexões interessantíssimas em conteúdo e extremamente deselegantes na forma), eu não esperava humildade (nem mesmo com H maiúsculo e dourado), mas é ruim que o restante do coletivo encampe esta arrogância militante sem sequer se questionar, sem entender que a comunicação é o que chega no receptor, não o que o emissor busca emitir. Sem entender também o quão ACADÊMICA ela é, no pior sentido, de relações de poder, de capital simbólico, de superioridade e hierarquização. Depois ainda falam em fragmentação e coisas do gênero. Marcelo resumiu bem, uma pena – se por um lado provoca, a arrogância por outro desestimula, afasta, e inclusive abre margem para as interpretações erradas, “fanáticas”. Mas quem somos nós para dizer algo aos donos da verdade, não é mesmo? Já é uma honra que abram espaço para comentários de nós pobres mortais, deveríamos agradecer de joelhos pela Iluminação. E pela AÇÃO CONCRETA feminista includente desse coletivo, que é referência interplanetária neste assunto por…. é…. por….
“Pelo menos Stalin, quando montou o seu regime repressivo, nunca pretendeu que todos os trabalhadores seriam potenciais trotskistas”
Fantástico… O que tem a ver com o que eu escrevi???
Bem, pelo menos vocês me divertem
=*
“o que faz todos os homens serem potenciais agressores machistas”
“Pelo menos Stalin, quando montou o seu regime repressivo, nunca pretendeu que todos os trabalhadores seriam potenciais trotskistas”
Simples, Hugo, você disse que todo homem é um potencial machista agressor.
E agora me dei conta que, sim, potencialmente, eu sou um machista agressor. Potencialmente, sou um capitalista que explora trabalho infantil nalguma cidade do interior do nordeste – quem me impediria?. E, chegado a esse ponto, potencialmente eu posso ir mais longe, por que não: me tornar um assassino de criancinhas.
Eu sou um patricida também – potencialmente. E se é assim, é possível também que eu estrangule minha mãe. Além disso, potencialmente eu posso ser um serial killer, posso explodir o quarteirão da casa onde moro. E se se juntar a tese de que posso ser um capitalista, terei meios para isso.
Potencialmente, eu sou um envenenador de caixas d’água de um creche cheia de crianças. Potencialmente, eu sou.. eu sou… Meu Deus, o que estou fazendo aqui? Chamem logo a polícia, não tenho condições de viver em sociedade. Venham rápido, porque eu posso…
Descansem seus gatilhos e leiam esse texto, pesado, triste, mas bem interessante.
http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2013/08/guest-post-como-odiar-alguem-que-eu-amo.html
O texto postado pelo Júlio é fantástico. Postei já umas três vezes sobre o fato de que as feministas tenham somente os de fora como alvo, nunca os da família, os pais, irmãos, os maridos. E justamente muito do início do ódio contra os homens se deve a algo que foi feito por alguém da família.
Por que meu sobrinho de 2 anos ou meu filho de 12 anos devem ser tidos como “potencialmente agressores” por mulheres que,na verdade, foram violentadas pelos pais, irmãos, primos? Enfim, uma feminista honesta!
Bom, tenho acompanhado toda a polêmica que os três textos do passa palavra sobre o que eles definem como feminismo excludente e tenho também algumas considerações a fazer. Peço desculpa desde já, pois tendo a ser um tanto prolixo quando o assunto me interessa.
– De cara, devo dizer que considero o primeiro texto da série (“Dois feminismos: um que inclui e outro que exclui”) o melhor de todos, por razões que discutirei na sequência. Creio que ele levanta aspectos e contradições importantes no interior não só do feminismo, mas de qualquer movimento de luta por reconhecimento, em especial a tendência e o risco muito real de essencialização da diferença (tratado pelo terceiro artigo em termos de “biologização do social”), e que precisam ser encarados de frente (e são, na verdade) por esses coletivos. Contudo, discordo da forma como as questões apontadas pelos companheirxs | Pessoa e Gehenna, com relação ao momento ruim em que surgem essas críticas, foram encaminhadas. Não que eu concorde exatamente com os termos colocados por elxs (o de não ser o melhor momento para se fazer críticas), mas não acredito que se trata também de um mero desejo semi-stalinista pela construção de um pensamento único avesso as críticas, mesmo porque, o consenso não é o único modo de triunfo da ideologia que, aliás, pode ser ainda mais forte ali mesmo onde reina a verdade, sendo este, inclusive, o modelo preferido pelo capitalismo. Pensando nesses termos, em que estar perto da “verdade” significa, ao mesmo tempo, estar mais perto do ideológico, é que podemos pensar no risco da série de artigos do passa palavra. Desse modo, creio responder diretamente a crítica feita por dokonal em 8 de agosto, de que “sob o pretexto de que a forma (o estilo), o conteúdo ou o momento de escrever e publicar o texto estão equivocados, as mesmas pessoas que reconhecem existir a necessidade de crítica a certas tendências do feminismo pretendem descaracterizar a crítica feita pelo Passa Palavra”. Na verdade, acredito que é exatamente esse um daqueles casos que Adorno adoraria, em que a ideologia se encontra mais na forma que propriamente no plano do conteúdo. E é por isso que iremos fazer uma crítica ao desenvolvimento formal dos ensaios em questão.
– Leandro Narloch, ex-Veja, escreveu no “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” que Zumbi dos Palmares tinha seus próprios escravos, e não existem a princípio razões para duvidar de que o fato possa ser “verdadeiro”. Contudo, junte-se a isso a intenção polêmica do livro expressa desde o título com a referência ao jornal em que o senhor Leandro trabalhava e pronto, está dado o salto para um livro conservador anticotas, para dizer o mínimo. Ou seja, a ideologia não está nos fatos, ou não apenas neles. Acho que faltou algo desse movimento nos artigos do passa palavra, o reconhecimento humilde da possibilidade da crítica se converter em seu oposto (cuidado que é levado mais a sério no primeiro artigo). Imaginar, por exemplo, um artigo de Reinaldo Azevedo citando o conjunto de ensaios em um artigo chamado “Nem os petralhas esquerdopatas aguentam mais as feministas peludas”. Isso é, existe um risco de desserviço com relação a necessidade de integração da esquerda presente na postura do passa palavra, risco que eles afirmam ser um dos problemas principais do feminismo excludente. Não pelo conteúdo do que é dito, mas por sua opção formal de se utilizar de um tom polêmico. E sim, é possível minimizar esses riscos – tanto, que o primeiro artigo o faz.
– O primeiro artigo minimiza esse risco da passagem para o polo oposto ao levar em consideração o aspecto complexo de seu objeto. Desde o título «Dois feminismos: um que inclui e outro que exclui», estamos diante de duas faces do feminismo, uma excludente e outra transformadora que serão consideradas em seus aspectos positivos e negativos. [Mesmo aqui, contudo, acredito que já se encontra um problema de base, pois é esse dualismo que vai tornar possível a passagem para a polarização seguinte, bem mais prejudicial, na medida em que o polo positivo será deixado de lado. Esse artigo seria mais interessante se considerasse não só a existência – acertada – dos dois polos, mas também a relação de necessidade dialética entre ambos, como partes de um mesmo feminismo. Em que medida os aspectos progressistas do feminismo, responsáveis por avanços sociais, engendram por seu próprio desenvolvimento os aspectos regressivos e (esse o movimento mais interessante que o passa palavra deixa de examinar) de que forma os traços negativos – a possibilidade de essencialização do gênero mediante as formas de segregação – podem também oferecer condições de superação de tais dicotomias].
– Ou seja, no primeiro artigo o feminismo não é encarado como adversário (o interlocutor pressuposto é mais amplo, alguém que pode “desconhecer” as vantagens do feminismo), pois o feminismo é considerado também como lugar de experiências positivas. A propósito, é por não perceber esse movimento, bastante óbvio no texto, que algumas críticas fáceis tentaram reduzir os argumentos apresentados, taxando-os de machistas e afins, o que deixou seus autores obviamente putos – com razão – deslocando o que poderia ser o início de um debate mais profundo. Não estamos, portanto, querendo culpar o coletivo passa palavra pelos rumos dos acontecimentos sem, contudo, desconsiderar também o seu maior lugar de autoridade na qualidade de produtor dos artigos e detentores da ‘marca’ passa palavra. No mais, interessa pouco aqui se o ovo ou a galinha, a questão é que desde o título do segundo artigo, «Duas ou três coisas sobre o feminismo», o feminismo será reduzido a apenas um dos seus aspectos, justamente seu polo excludente. “Assim, pudemos constatar que aqueles questionamentos ignoraram um dos objetivos expressos no artigo — o apoio ao feminismo transformador. Isso tornou pública uma dimensão que ao mesmo tempo sustenta e expressa a estrutura que busca justificar as práticas de exclusão, pois ali qualificamos como excludente aquele feminismo que procura enquadrar o homem como um criminoso potencial, e é esta noção que pretendemos agora atacar”. A estratégia desse e do terceiro texto, «O feminismo no espelho dos comentários» é concentrar o ataque nos pressupostos negativos do modelo feminista e, embora ainda afirme não se tratar de todo feminismo, ao não apresentar no texto essa positividade, o feminismo passa a ser o alvo dos ataques, forçando os que são contrários a se posicionar, em alguma medida, contrários ao texto. Ou seja, a partir do segundo artigo não se deixa espaços para se entender que o feminismo está para além daquilo que ali se condena, como ficava claro no primeiro. São palavras de alguém irritado. Ainda que seus autores não sejam antifeministas, o tom do seu texto o é, na medida em que os aspectos positivos do feminismo desaparecem do horizonte. Ao invés de dialética, passa-se ao confronto, a disputa pela “verdade”. Desse modo, é mais facilmente cooptado pelo pacto com o diabo, engrossando as fileiras antifeministas (o texto, não seus autores, é sempre bom deixar bem claro), ainda que bem articulado em suas críticas. A mudança de forma, de tom, e de interlocutor (deixa de ser o feminismo e suas contradições para se empenhar no combate ao feminismo excludentes) cobra seu preço.
– Não que o tom polêmico não possa cumprir função crítica. O filme Borat, por exemplo, usa a polêmica de modo progressista, para desvelar o pior do conservadorismo americano, e existem claras vantagens em operar assim contra uma ideologia hegemônica (polemizar com Feliciano, ao invés de debater, parece o melhor caminho em termos estratégicos). É óbvio que os americanos são bem mais complexos do que aquilo que o pseudodocumentário apresenta, mas o retrato redutor funciona perfeitamente bem na medida em que cumpre a função de confrontar certa ideologia hegemônica. Contudo, a transposição da mesma estratégia para o feminismo traz problemas, porque nem as conquistas feministas são hegemônicas e nem o feminismo excludente é a prática feminista majoritária nesses coletivos. Ou seja, é fácil imaginar uma sociedade dominada pelos valores conservadores atacados no filme, mas a imagem de uma sociedade dominada por feministas que querem acabar com os homens só existe em distopias conservadoras. O peso do ataque é, então, redimensionado. Por isso, alguns argumentos apresentados pelo texto soam como generalizações apressadas, que deveriam ser cuidadosamente matizadas, justificando-se apenas em função da polêmica: “é certo que este auto-enclausuramento caracteriza diversos meios considerados de esquerda, mas o feminismo excludente é talvez o campo que mais longe vai no fanatismo delirante”. A resposta cínica mais óbvia seria: é mesmo companheiro? Camarada Stalin, feminista convicto, que o diga… A propósito, o desmedido dessa resposta é por si revelador do movimento que um tipo de argumentação polêmica tende a provocar.
– Um dos principais recursos formais da polêmica é a generalização, a adequação do Outro à uma imagem prévia necessariamente redutora – o que não significa que seja falsa. Nos dois últimos textos, fica-se com a impressão de que o feminismo excludente é a prática hegemônica dos coletivos feministas (o que o primeiro texto demonstrou não ser totalmente verdadeiro). Os autores dos textos reclamaram que nunca tiveram que excluir tantos comentários ofensivos. O tom polêmico, contudo, espera gerar respostas apaixonadas, e cabe aqui um questionamento infantil: ué, mas não foi você quem começou? O gato ou o Quico? Afinal, polemizar é provocar, e todo mundo sabe que feministas não tem sangue de barata. Aliás, pode-se dizer que os autores dos textos contam com essa reação apaixonada, uma vez que o objetivo principal dos últimos artigos é materializar a presença perigosa das feministas excludentes. O tom polêmico, assim, funciona antes como armadilha, ou instrumento de poder: “Houve ainda outra vantagem em termos adotado um estilo polêmico, pois isto fez com que opositoras e opositores à nossa posição em relação a este assunto evidenciassem em seus comentários os aspectos preocupantes para os quais justamente procurávamos chamar a atenção”. A mudança de estilo serve para confirmar a argumentação anterior, mais do que fazer avançar o debate, confirmando a imagem “demonizada” (porque parcial e perfeitamente “fechada”) de suas “opositoras”.
– Ao final, é claro, os textos do passa palavra conseguem atingir seu objetivo: provar que estavam certos. Mas, não seria o verdadeiro avanço do pensamento o exato oposto, o esforço para conseguir abalar as próprias certezas, ou em termos mais negativos, violentar o próprio pensamento? Uma boa resposta feminista (que eu sou incapaz de realizar) aos artigos seria, por exemplo, fugir das armadilhas criadas pelo estilo polêmico e demonstrar o quanto dessa necessidade de polemizar surge das tensões estruturais entre o conceito de gênero e alguns padrões conceituais da “velha” esquerda (Spivak, Judith Butler) como classe social, trabalho, etc. Não para criar nova polêmica afirmando que tais conceitos estão superados, mas para inverter a perspectiva e pensar, por exemplo, se não seria no interior dessas novas fissuras que as velhas estruturas de poder se realizam, a partir de suas mediações identitárias (um debate que já tem bem seus 50 anos). Em suma, a polêmica acaba por tolher, infelizmente, o potencial crítico do debate, justamente por se preocupar em marcar posição mediante a construção de argumentos de autoridade e generalizações. E ainda que os últimos textos afirmem que o feminismo é mais do que aquela dimensão criticada, é óbvio que esse suplemento positivo é atonizado, só aparecendo enquanto fantasmagoria. Nesse sentido é justa a reclamação das companheiras que afirmaram que usar Valerie Solanas foi um golpe baixo. O coletivo respondeu a isso: “No entanto, em ciências sociais, onde não há possibilidade de construir experiências laboratoriais, recorre-se habitualmente a casos extremos para mostrar as potencialidades de desenvolvimento existentes em formas menos extremas. Este mesmo recurso metodológico se deve empregar na luta política. Quem não quiser fazê-lo corre o risco daqueles que diziam aqui isso não acontecerá, mas depois…”. Ou seja, a intenção principal seria crítica, revelando uma prática comum no feminismo, cuja consequência nefasta pode ser a realização da caricatura. Na verdade, eu que não sou cientista social sei que essa estratégia argumentativa é usada também com intenções, por assim dizer, menos “nobres”. Reinaldo Azevedo, por exemplo – meu malvado favorito – sempre evoca o stalinismo para apontá-lo como consequência inevitável de todo e qualquer movimento de esquerda, (até o Fora do Eixo pra ele é uma movimento de comunistinhas). A imagem faz tabula rasa das contradições presentes dos movimentos, e cria sua própria teleologia deslegitimadora. Em suma, pode até fazer algum sentido, mas a passagem nesses casos é rápida demais, e visa confundir mais do que esclarecer. Ou melhor, polemizar. E como é uma imagem rebaixada, a argumentação lógica (não, seu Reinaldo, nem todo movimento de esquerda recairá no stalinismo) fica algo deslocada, porque não parece ter nenhum lugar possível na representação. As respostas, então, são passionais, e perversamente confirmam a “intolerância” do Outro. Outra caricatura infantil cabe aqui: o passa palavra xinga as feministas de Valerie. Elas respondem com um sonoro Valerie é seu avô e o passa palavra retruca, chamado as moças de intolerantes, confirmando perversamente que elas são mesmo, Valeries em potencial… Não é esse o mesmíssimo círculo vicioso que o artigo rejeita nas feministas excludentes, de que o homem é um agressor machista em potencial?
– Quem tem culpa ou razão nesse caso? Vai saber… em todo caso, o tom com que as críticas são feitas a partir do segundo texto é bem mais problemático a meu ver que seu conteúdo, que tem muito de verdadeiro (ainda que deva ser debatido pois, assim como acontece no racismo cordial brasileiro, o machismo pode existir inclusive ali onde as diferenças de gênero são completamente desacreditadas, não sendo suficiente, portanto, reconhecer que essas diferenças não existem). Ou seja, o aspecto formal do texto produz um ruído ideológico difícil de definir (não se resolve tachando seus autores de machistas), mas cuja identificação permite entender as reações indignadas dxs moçxs que deixam de ser, assim, facilmente classificadas como feministas excludentes, na medida em que foram sendo criadas pelos próprios textos que as atacava. No máximo, dá pra dizer que elas caíram direitinho na cama que foi cuidadosamente armada, mas essa “vitória” não deixa de ser bem amarga para um site que é bastante sério. Como comenta muito sensatamente a companheira Nina Karina, em 25 de julho de 2013, “Foi o próprio passapalavra que forçou respostas nessa direção, ao mudar o tom e o formato do artigo, construindo-o como argumento de autoridade. O terceiro então, é praticamente a confirmação da própria superioridade, que recua diante da necessidade de debater para fazer a mesma coisa que acusa nas feministas excludentes: rebaixar o lugar do Outro como uma imagem que confirma meu próprio lugar de fala”. As respostas foram rebaixadas porque o tom polêmico rebaixa o debate, mesclando argumentação séria com rebaixamento do lugar de fala do outro.
Em resposta a Acauam:
1- Me causa muito estranhamento que alguém caracterize como “risco” para a construção da luta feminista que o Reinaldo Azevedo fale mal de feministas. Acaso essas militantes são leitoras deste sujeito? Como é possível que o que saia da caneta deste autor mobilize militantes de esquerda? Se há um risco nisso, seria antes o de se crer no potencial de luta de um tal perfil de militantes que se deixam pautar pela extrema direita.
2- Me parece falsa a dialética apontada no texto, entre o feminismo includente e o excludente. Pois a organização excludente, no caso do feminismo, em realidade é expressão da dialética sexista. Ou seja, reproduz o verso machista, da separação dos gêneros, da imposição de um mundo pautado pelo sexismo, não apenas em âmbito ideológico (nas suas prerrogativas socio-biológicas, onde não importa a ordem dos fatores, o resultado é sempre uma absoluta e intransponível barreira entre os gêneros), mas sexista também em âmbito prático na organização das lutas, quando o espaço exclusivo de mulheres deixa de ser encarado como um simples fato da vida para elevar-se a instrumento e paradigma político [e supostamente disputa hierárquica interna, segundo alguns comentadores e sugestões do texto, embora pessoalmente nunca tenha presenciado isso. Minha crítica fica quiçá num plano mais ideológico mesmo].
3- Por fim, me parece que tudo o que sobrou foram as críticas retóricas ao texto. Gosto de acreditar que não houve um esgotamento da opinião divergente, mas a impressão que dá é que não se pode transformar a energia que foi capaz de mobilizar fortes reações emotivas, como nos muitos comentários, em reações intelectivas, em construção de crítica e conhecimento propriamente de esquerda. Pessoalmente acho uma pena que na esquerda autônoma não se tenha em muito alta estima o exercício reflexivo e crítico em sua forma mais básica e milenar, a escrita. E não, não estou me refirindo a um saber acadêmico. Talvez seja justamente este o problema, os próprios militantes destes meios em grande parte advindos de instituições acadêmicas paracem ficar presos numa pseudo-crítica do saber acadêmico que os torna tão quadrados a ponto de não se arriscarem na produção de outro tipo de literatura e conhecimento autônomo e emancipado do saber acadêmico, que bebe de suas fontes ao mesmo tempo que de outras, e que serve menos para criar verdades e mais para impulsionar uma luta. Tudo o que é escrito e publicado é posto à crítica, posto à prova. Quem não quer ser posto à prova não publica, guarda as suas idéias dentro de seus grupinhos e torce para ninguém de dentro sair por aí pensando muito, lendo coisas por aí.
E na hora de tentar desenvolver um pensamento em oposição, ao invés de demostrar a força de suas próprias idéias, apenas se retira, ou faz a crítica da retória, deixando a entender que o mais grave hoje seria a falta de modos no momento de se escrever, e não o silêncio das idéias.
Gostei muito do comentário de Acauam, achei muito sensato. escreveu muitas coisas que eu gostaria de ter escrito, mas o tempo e o esforço não permitiram. Meu maior incômodo, de fato, foi colocar todas as feministas como excludentes – vi algum comentário, em algum destes textos, que caracterizavam as mulheres/feministas que discordavam deles como excludentes também. Deixei de levar a sério e passei a rir.
Há tantos feminismos, tantas ondas, tantos mares. Que o debate continue onde é possível.