A relação entre história e memória reconfigurou-se como uma tensão dinâmica. Por Tatiane Karine Matos da Silva

Traverso

TRAVERSO, Enzo. O passado, modos de usar. História, memória e politica. Titulo original: Le passé, modes d’emploi: histoire, mémoire, politique. Autor: Enzo Traverso. Tradução: Tiago Avó. Revisão: Unipop. Capa: Ana Mary Bilbao. Paginação: Unipop. Impressão: SpeedMedia. La fabrique 2005, Unipop para a presente edição. 1ª Edição fevereiro de 2012.

Enzo Traverso, em seu trabalho O passado, modos de usar. História, memória e politica, se propõe a explorar as relações entre história e memória, analisando alguns aspectos do uso público do passado. Traverso indica que são raras as palavras tão banalizadas como memória. Além desta banalização, a difusão tardia no campo das ciências sociais é ainda mais impressionante, sendo que durante os anos de 1960 e 1970 ela esteve praticamente ausente dos debates intelectuais.

Schuiten 4De acordo com o autor, a memória é recorrentemente utilizada como sinônimo de história e tem uma particular tendência para absorvê-la, tornando-se ela própria uma espécie de categoria meta-histórica. Ou seja, tornando-se uma categoria explicativa. Diante disso a memória transforma-se em ”obsessão comemorativa” e a valorização, por vezes mesmo a sacralização, dos ”lugares de memória” engendra uma verdadeira ”topolatria”. Esta memória superabundante e saturada sinaliza o espaço. Tudo doravante contribui para ”fazer” memória. Assim, o passado transforma-se em memória coletiva de acordo com as sensibilidades culturais, as interrogações éticas e as conveniências políticas do presente.

Nesse sentido a utilização da memória como sinônimo de história e sua utilização do passado com o objetivo de ”fazer a memória” no tempo presente, forma o que Traverso denominou o ”turismo da memória”, que é construído a partir das transformações sociais e da utilização dos espaços sociais em lugares históricos como, por exemplo, os museus. Como nos diz Traverso, essas dinâmicas são promovidas junto ao poder publico através de estratégias publicitárias dirigidas.

Por um lado, este processo decorre da reificação do passado, ou seja, de sua transformação em objeto de consumo. Os historiadores são por vezes chamados a participar desta dinâmica como ”profissionais”, ”especialistas”, trabalhando em instituições privadas que se guiam pela lógica do lucro.

Por outro lado, Traverso indica que este fenômeno está também ligado ao que Eric Hobsbawm chamou ”a invenção da tradição”. Nesta, um passado real ou mítico é utilizado e ritualizado para reforçar a coesão de grupos/comunidades, para legitimar instituições e inculcar valores na sociedade.

Frente a essas reflexões Enzo Traverso nos questiona: De onde vem esta obsessão memorial? Para o autor essa proveniência é múltipla, mas deve-se sobretudo a uma crise de transmissão no seio da sociedade. Para melhor explorar esta questão Traverso dialoga com Walter Benjamim. Benjamim propõe a distinção entre a ”experiência vivida”, que se perpetua de uma geração para outra forjando as identidades dos grupos/sociedades em um longo tempo, e a ”experiência transmitida”, uma experiência individual, frágil, volátil e efêmera.

Diante disso, para Benjamim a modernidade caracteriza-se pelo declínio da ”experiência transmitida”, um declínio marcado simbolicamente pelo início da primeira Guerra Mundial. Este momento “arrancou” muitas pessoas, dentre elas os jovens que tinham aprendido a viver com seus antepassados os ritmos da natureza, no interior dos códigos do mundo rural, de seu universo social e mental.

No entanto, Enzo Traverso aponta que, apesar de ser significativa, a guerra não fez mais do que complementar um processo já conclusivo, cujas origens são estudadas por Edward Palmer Thompson, em um ensaio sobre o advento do tempo mecânico, produtivo e disciplinar da sociedade industrial. Diante dessas discussões, Enzo Traverso nos indica: A obsessão memorial dos nossos dias é um produto do declínio da experiência transmitida num mundo que perdeu as suas referências, desfigurado pela violência e atomizado por um sistema social que apaga as tradições e fragmenta as existências.

Schuiten 3O autor nos diz que a partir do século XX os monumentos comemorativos consagram os valores laicos (a pátria), defendem princípios éticos (o bem) e políticos (a liberdade) ou celebram acontecimentos fundadores (guerras, revoluções). Ele continua dizendo que no centro deste sistema de representações instala-se uma figura nova, a testemunha. A testemunha pode oferecer ao historiador elementos de conhecimento factuais inacessíveis através de outras formas, mas sobretudo pode ajudá-lo a restituir a qualidade de uma experiência histórica cuja textura se modifica depois de enriquecida pelas vivências de seus autores. Por outro lado, o aparecimento da testemunha detém muito pouco espaço na subjetividade dos homens e mulheres que fazem a história.

Traverso ressalta ainda os ”deveres da memória”, atribuição que busca indicar que a memória constitui-se em um campo de disputas, transformando-se em questão política. Através da problematização de guerras vivenciadas nos últimos anos, Traverso nos fala que estes processos tornaram-se também guerras de memória, pois se constituem como práticas que são evocadas com objetivos diversos de acordo com os interesses dos diferentes grupos que buscam construir sentidos para essas práticas.

De acordo com Enzo Traverso, História e memória nascem de uma mesma preocupação e partilham o mesmo objeto: a elaboração do passado. No entanto, mantendo diálogo com Paul Ricoeur, Traverso ressalta que a história é um relato, uma escrita do passado, segundo as modalidades e as regras de um ofício, que tenta responder a questões suscitadas pela memória. A História nasce da memória, mas liberta-se dela ao colocar o passado à distancia, fazendo da memória um dos seus domínios de investigação.

A memória é eminentemente subjetiva. Traverso nos fala a partir dessa perspectiva que a memória é qualitativa, singular, pouco preocupada com comparações ou com generalizações. O relato prestado por uma testemunha será sempre a sua verdade, ou seja, a imagem do passado em si deposto, constituindo-se em uma construção sempre filtrada por conhecimentos adquiridos posteriormente, por experiências que se sobrepõem à primeira experiência e modificam a recordação. Memória individual e coletiva são visões do passado sempre filtradas pelo presente.

Frente a isso, Enzo chama a atenção para o papel do historiador ao lidar com a memória. Para o autor o historiador não tem o direito de transformar a singularidade da memória em um prisma normativo da história. A tarefa do historiador consiste muito mais na inscrição dessa singularidade da experiência vivida num contexto histórico global, tentando responder as causas, condições, as estruturas, a dinâmica de conjunto.

Schuiten 8De acordo com o autor, história e memória passaram a formar um antinômico apenas a partir do século XX, quando os paradigmas do historicismo clássico entraram em crise, questionados simultaneamente. Até então a memória era considerada objeto subjetivo da história.

Nesse sentido Traverso indica que para Friedrich Hegel apenas os povos estatizados, dotados de uma história escrita, possuem memória, os outros — povos sem escrita — não podem superar uma memória primitiva, feita de imagem, mas incapaz de se condensar em consciência histórica, resultando em uma visão dupla da história, como prerrogativa ocidental e como dispositivo de dominação. Diante disso Traverso nos diz que esta visão não só é pertença exclusiva da Europa, como só pode existir enquanto um posicionamento apologético do poder.

Porém, com o seguimento da crise do historicismo e da crítica ao paradigma eurocentrista da descolonização, e depois com a emergência das classes subalternas como sujeitos políticos, a História e a memória dissociam-se. A História democratizou-se, rompendo as fronteiras do Ocidente e o monopólio das elites dominantes; a memória, por sua vez, emancipou-se da dependência exclusiva da escrita. A relação entre história e memória reconfigurou-se como uma tensão dinâmica.

Schuiten 7Traverso aponta que Pierre Nora reafirmou a antinomia entre história e memória. Frente a isso, para Nora memória e história estão longe de ser sinônimos. A memória é a vida, o que a expõe a dialética da recordação e da amnésia, inconsciente das suas deformações sucessivas, vulnerável a todas as utilizações e manipulações, suscetível de longas latências e de súbitas revitalizações. A memória tem uma vocação singular ligada à subjetividade dos indivíduos e dos grupos históricos, a história tem uma vocação universal. A memória é um absoluto e a história conhece apenas o relativo.

No entanto, Enzo ressalta que devemos levar em conta a influência da história sobre a memória, já que não existe memória literal, original e não contaminada: as recordações são constantemente elaboradas por uma memória inscrita no espaço público, submetida aos modos de pensar coletivos, mas também influenciadas pelos paradigmas especializados das representações do passado. Esta situação possibilita à história construir um discurso crítico, problematizando as armadilhas da memória. Nora abriu um novo campo historiográfico extremamente ambicioso: reconstruir a história nacional em torno dos “lugares da memória”, do território às paisagens, dos símbolos aos monumentos, das comemorações aos arquivos.

Enzo nos fala que opor radicalmente história e memória é uma operação perigosa e discutível. De acordo com o autor existem, sim, diferenças entre ambas, no entanto isso não significa que história e memória sejam incompatíveis, mas que existe um campo de tensão permeando esta relação. É a partir deste campo que se escreve a história.

Nesse sentido, o historiador ao escrever a história também lida com as condições de seu contexto social, cultural e nacional, também o historiador lida com a subjetividade presente em suas recordações, escolhas e posicionamentos, o que não é necessariamente negativo, desde que ele não deixe que suas experiências se sobreponham frente à investigação histórica.

Frente aos processos fascistas, vichista [regime de colaboração com os nazis na França ocupada em 1940-1944] e ditatoriais, Traverso nos indica que o historiador contribui para a formação de uma consciência histórica e, portanto, de uma memória coletiva, não esquecendo de enfatizar que a memória coletiva é conflituosa.

Schuiten 2A história tem suas próprias temporalidades, que se cruzam, se chocam e se entretecem constantemente, sem que, no entanto, cheguem a coincidir inteiramente entre si. A memória é portadora de uma temporalidade que tende a pôr em causa o continuum da história. Esta correlação não é, todavia, linear: as temporalidades histórica e memorial podem também entrar em colisão, numa espécie de “não- contemporaneidades” ou de “discordância dos tempos”.

Traverso nos indica que existem memórias oficiais e memórias subalternas. As primeiras são alimentadas por instituições como o Estado, e as segundas são as memórias escondidas ou interditadas. Frente a isso, o autor ressalta que memória e história não estão separadas por uma barreira intransponível, mas sim em interação permanente. Existe uma relação privilegiada entre memórias “fortes” e a escrita da história. Quanto mais forte é a memória em termos de reconhecimento publico, mais o passado de que se é vector se torna susceptível de ser explorado e historicizado.

No entanto, a relação entre a escrita da história e as memórias “fortes” não se dá de forma mecânica; o que Traverso parece querer indicar é que estas merecem ser questionadas para que as memórias “fracas” possam emergir. Desse modo, Traverso trabalha ao longo deste tópico com a memória do Holocausto e os diferentes usos feitos da mesma. Com isso ele mostra a forma pela qual a memória torna-se um campo de disputas, onde por vezes é utilizada para legitimar ou deslegitimar as ações envolvidas neste processo.

A virada linguística constituída por conjuntos de correntes intelectuais nascidas nos Estados Unidos da América no final dos anos de 1960, entre o estruturalismo francês com a filosofia analítica e o pragmatismo anglo-saxônico, permitiu, diante da análise de Enzo, que se quebrasse a dicotomia entre a história social e história das ideias. Frente a isso, o autor tece uma crítica ao positivismo, problematizando a ideia da autossuficiência dos fatos históricos, pois estes não são neutros, cabe ao historiador questioná-los, o que implica que o historiador faça também sua interpretação diante dos mesmos. Traverso enfatiza que, no entanto, isso não significa que a história seja uma ficção. O historiador não pode esquivar-se do problema da passagem de sua reflexão para um texto, tão pouco esquivar-se de sua interpretação, mas nunca poderá pretender “fazer” história reduzindo processos históricos a uma base factual.

Nesse sentido, o autor trabalha com o relato memorial, no qual por vezes a memória basta para reconstruir um determinado processo. Porém, ele indica que a memória não é neutra. O esquecimento, a vivência de determinado processo e o recordar-se dele implicam na constatação e na compreensão da experiência vivida, a partir do momento em que se narra o mesmo.

Schuiten 5Traverso trabalha com a testemunha integral e com o fetichismo memorial. De forma resumida, estas noções levam a considerar que a memória basta por si própria ao se referir a um acontecimento. Desse modo, essas noções implicam também em falar/narrar um processo vivido; porém a história não deve ser reduzida a um processo linguístico, pois a memória se constitui como uma trama, o testemunho não é neutro, o sujeito que testemunha um processo vivido por ele — e por vezes por outras pessoas como no caso do Holocausto, que serve de base para a reflexão de Enzo — não é um ser sem referência; ele avalia o que viveu a partir de suas perspectivas, ressaltando e deixando de ressaltar o que para ele é significativo.

Na relação complexa entre história e memória inscreve-se o vínculo que ambas mantêm com as noções de verdade e de justiça. Cada vez mais a história tem que lidar com as noções de executores, vítimas e testemunhos. O historiador por vezes também é chamado a ser testemunha de processos históricos pela emergência da opinião pública e diante a necessidade/tentativa de consolidar uma memória coletiva, seja para satisfazer os interesses de classes dominantes, que buscam legitimar suas ações, seja na busca pela formação de reflexões críticas diante práticas vividas no passado ou no presente.

Entretanto, Enzo critica a ideia de que o historiador seja um juiz — ideia elaborada por Hegel — para ele a tarefa do historiador não é julgar, mas compreender. Em concordância com Ginzburg, Traverso entende que o historiador produz a sua verdade — através da pesquisa — mas essa não é imutável, é uma verdade parcial. O historiador assim como o juiz procura verdades, necessita de provas — fontes — mas a história é indissociável da interpretação, não se limitando a estabelecer fatos. Ela tenta colocá-los no seu contexto formulando hipóteses, procurando suas causas e questionando-os.

Podemos fazer um uso crítico da memória? O sexagésimo aniversário da libertação do campo de Auschwitz é explorado pelo autor para que esta questão possa ser respondida. Logo o autor nos fala que a comemoração dos 60 anos foi diferente da comemoração feita em alusão aos 50 anos, a qual foi mais “modesta”, ficando no “esquecimento”.

Diante disso Traverso coloca que o risco não é o de esquecer este processo, mas sim o de embalsamá-lo em museus sem explorar seu potencial crítico. Assim rememorar — não só — este processo por vezes perpassa pelo intuito/interesses de um regime político de se firmar, ou de firmar o momento presente, como melhor do que o período que comemoraram, ou seja, como se esta comemoração demonstrasse a superação do bem sobre o mal. Diferentemente disso, Enzo nos diz que atos comemorativos como este deveriam ser utilizados para fazermos uma análise crítica do presente que se vivencia.

De acordo com Enzo a palavra comunismo é portadora de diferentes significados, perpassa pela ideia de justiça, oposição à opressão e construção de uma sociedade de iguais, a noções que se remetiam ao avanço do Exército Vermelho formuladores de “cálculos maquiavélicos” contra a sociedade, aproximado-se por vezes do nazismo. Os comunistas se opunham a diversas representações sociais, como por exemplo a Igreja, originando movimentos de resistência à opressão em diferentes países. Talvez por isso subsiste como uma memória escondida, como uma contra memória, oposta às classes dominantes.

Nesse contexto o capitalismo e o liberalismo se colocavam como “redentores” do Ocidente. No entanto, Traverso ressalta, através da metáfora do eclipse, que busca indicar o desaparecimento das ações elaboradas em sociedade em prol dos projetos sociais propostos através do capitalismo e do liberalismo, que o comunismo se colocava como uma alternativa pela qual valia a pena lutar. Ainda que cercado por utopias, o projeto social proposto através do comunismo se aproximava dos anseios das classes populares, fazendo frente também ao eclipse social, colocando em pauta as relações desiguais experimentadas na sociedade.

Schuiten 1Traverso nos fala que a Alemanha constitui um laboratório interessante para estudar a interação entre a memória do nazismo e a escrita da história. Neste país, a emergência de uma consciência histórica do genocídio dos judeus coincidiu com o desparecimento da noção de “fascismo” do campo historiográfico. Enzo Traverso discute então a mutação e o “abandono” do conceito de fascismo, a partir do posicionamento político e social, e das noções “dos usos do passado” que cada historiador formula enquanto pesquisador e agente social.

A mutação da paisagem memorial da Alemanha é trabalhada a partir de quatro pontos: a limitação das teorias marxistas que por vezes limitam a explicação do nazismo segundo uma fórmula canônica dos setores mais agressivos do grande capital e do imperialismo alemão, ou mesmo em termos matizados como simples resultado das alterações de força entre classes. O segundo ponto diz respeito à amplitude das diferenças entre o fascismo italiano e o nacional-socialismo sobretudo no plano da ideologia; o autor coloca em relevo o cuidado com a homogeneização entre estes dois processos, ressaltando que as variantes nacionais presentes aí não podem ser vistas como superficiais.

O terceiro ponto de discussão é de natureza essencialmente política. A noção de fascismo era um dogma para a República Democrática Alemã [Alemanha de Leste, na órbita soviética], num contexto em que eram muito débeis as fronteiras ente investigação e ideologia, entre interpretação do passado e apologia da ordem dominante. Essa noção desapareceu aos poucos, acompanhada por questionamentos que deram sequência à rejeição radical a outra noção, a de antifascismo, que aparecia muito mais como uma ideologia de Estado do que como a herança de um movimento de resistência, a resistência comunista. O quarto elemento é o que, de acordo com o autor, mais contribui para o abandono da noção de fascismo no seio da historiografia alemã: a emergência de uma consciência histórica fecunda pela memória de Auschwitz. Esta emergência dá margem para o surgimento da noção de “totalitarismo”, que conheceu um renascimento espetacular nas últimas décadas na Alemanha como no resto da Europa.

Schuiten 6Frente isso, Traverso nos diz que não se trata de contestar o valor dessas noções que, apesar de limitadas, são em alguma medida significativas, mas de não deixar de observar/discutir as diferenças e semelhanças entre os “fascismos europeus”. Assim, a rejeição da noção de fascismo não faz mais do que colocar a eterna questão das relações entre memória e história.

A palavra revisionismo assumiu sentidos diversificados e múltiplos usos a partir do século XX. A seita internacional que nega a existência de câmeras de gás e o genocídio dos judeus da Europa em geral tentou apresentar-se como porta-voz de uma escola “revisionista”, que se opunha à escola “exterminacionista”. Vale ressaltar que nem todos os sujeitos que estavam ligados aos negacionistas compartilhavam deste posicionamento. Embora tenham impulsionado a investigação histórica, os negacionistas contribuíram para a construção de um sentido pejorativo do revisionismo.

É importante salientar que a discussão proposta por Traverso em torno do revisionismo não busca agrupar os historiadores em exterminacionistas e negacionistas, mas sim nos alertar que pensar o revisionismo implica também em pensarmos “uma viragem ético-politica” de entendermos o passado. Desse modo, abordar processos históricos fundadores, como os discutidos ao longo do trabalho de Traverso, exige que nós, historiadores, ultrapassemos as revisões de posicionamentos individuais e nos atentemos para a responsabilidade social das discussões que formulamos.

Estas questões levam Enzo Traverso a discutir algumas questões relacionadas aos métodos de investigação histórica. O uso das fontes, a descoberta de novas fontes, a mudança de interpretação — paradigma interpretativo — são abordados pelo autor. Isso leva à formulação feita por ele de que “revisões” historiográficas são legítimas e necessárias; no entanto, determinadas formas de “revisão” implicam em uma viragem ético-politica em nosso modo de olhar o passado. Este é um sentido negativo de “revisionismo”. O que é apontado a este “revisionismo negativo” é que o objetivo político está subjacente à sua releitura do passado, o que por vezes pode levar à construção de apologias históricas.

As reflexões propostas ao longo do trabalho de Enzo Traverso são significativas para pensarmos/problematizarmos os usos da memória e da história, não como campos neutros, mas sim como campos de disputas e ressignificações construídas ao longo do movimento histórico.

As ilustrações são de François Schuiten, um mestre da banda desenhada.

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