CARTA OFICIAL DO ATO #FergusonÉAqui

“Desde o início,
Por ouro e prata,
Olha quem morre,
Então, veja você quem mata,
Recebe o mérito,
A farda que pratica o mal,
Me ver, pobre, preso ou morto,
Já é cultural”
Racionais MC’s

À Procuradoria Geral do Estado e São Paulo
À Secretaria de Estado da Segurança Pública
À Secretaria de Estado da Justiça
Ao Governador do Estado de São Paulo

São Paulo, 18 de Dezembro de 2014

Não é possível conviver com a violência civil e principalmente com a violência do Estado – através de sua política de segurança pública – dirigida especialmente à população e à juventude negra.

Vivenciamos em nossas comunidades o extermínio que se dá através de sistemáticos assassinatos, já traduzidos em números que se assemelham a até superam guerras. Isso somado às precárias condições de vida e à negação de direitos básicos tais como saúde, educação, segurança, moradia, transporte, acesso à universidades, à cultura e ao lazer – que atingem sobremaneira a população negra – configura na visão dos movimentos sociais e do movimento negro, um verdadeiro genocídio contra a juventude e o povo negro.

Nossos gritos de dor e de revolta não são novidade em SP e no Brasil. Não é novidade a tentativa dos movimentos sociais e do movimento negro em reclamar ao estado brasileiro e especialmente ao Estado de São Paulo, que cessem os assassinatos em grande escala, promovidos por agentes do Estado dentro e fora de serviço. Já promovemos incontáveis marchas, protestos de rua, campanhas de sensibilização, audiências públicas e reuniões com representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Estado de São Paulo. Nada disso, infelizmente, foi suficiente para fazer deter os assassinatos promovidos por policiais no Estado. Mas insistimos.

Nas últimas semanas o planeta voltou seu olhar pra as grandes mobilizações da população negra em Ferguson e outras cidades Norte-Americanas, que protestam contra o assassinato de dois jovens, em decorrência da ação policial. A grande mídia brasileira, ao mesmo tempo em que noticia parcialmente o levante das massas negras nos EUA, omite-se em repercutir as atrocidades promovidas pelas polícias brasileiras. Entre 2008 e 2012, a PM paulista matou 9,5 vezes mais do que todas as polícias dos Estados Unidos juntas. Segundo o próprio Setor de Inteligência e da Corregedoria da Polícia Militar, órgãos oficiais da PM, policiais militares mataram 10.152 pessoas no estado de São Paulo nos últimos 19 anos (julho de 1995 a abril 2014) – o equivalente à população de uma cidade como São Luiz do Paraitinga, interior do estado de SP; O total de mortos por PMs no estado de SP subiu de 269 (primeiro semestre de 2013) para 434 (primeiro semestre de 2014). (Fonte: Ponte)

Casos emblemáticos se multiplicam. São muitos e todos os dias:

Na última semana, Thiago Vieira da Silva, 22 anos, enquanto gritava por socorro, foi assassinado a tiros pela polícia. 10 tiros! Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de SP chegou a justificar uma troca de tiros. Moradores e vídeo que registrou o momento do crime comprovam que não.

Esta é mais uma apenas, mas simboliza as tantas ações ilegais e mortes promovidas pelas polícias em São Paulo. Sempre nos mesmos lugares: bairros pobres. Quase sempre contra a mesma população: negros.

A gravidade da situação exige ações imediatas, sob a pena de o Estado, seus governantes e todos os demais espaços institucionais se caracterizar não só como coniventes, mas como promotores da ação violenta. Não faltam relatos. Não faltam provas. O Estado mata e estimula a violência civil que vitima a sociedade como um todo.

Chegamos ao ponto de exigir e lembrar o óbvio às instituições de poderes: por mais que cidadãos/ãs infrinjam leis, não é permitido ao policial o poder de prender, julgar, condenar e executar. Ainda que fosse, não há pena de morte no Brasil. O agente público não pode matar. Mas o faz! E de maneira deliberada, sistemática, quase como uma atribuição de sua função.

Diante dessa realidade, os movimentos sociais e o movimento negro, subscritos, exigem:

• Acompanhamento específico e especial por parte da SSP/DHPP e do MP, das investigações dos dois policiais que executaram o jovem Thiago Silva, assassinado no último dia 10/12/2014 no Jd. São Luís, Srs. PMs Gilberto Dartora e Rodrigo Gimenez Coelho, que foram transferidos para o Centro de Apoio Social da Polícia Militar e estão sendo investigados pela Corregedoria da PM;

• Que se instale uma Comissão de caráter permanente, composta por um grupo de Promotores do MP, com atribuição de investigar casos de mortes em decorrência da ação das policias, independente das investigações tradicionais;

• Que a procuradoria convoque poder público estadual para o diálogo, em conjunto com os movimentos, no sentido de exigir fomento de políticas de públicas auxiliares ao combate à violência policial, ao genocídio e à criminalização de jovens pobres e negros;

• Acompanhamento específico e especial por parte da SSP/DHPP e do MPSP, das investigações do caso de BRUNO LÚCIO DA ROCHA, desaparecido no dia 20/10/2014 na região do Parque Bristol (extremo sudeste de São Paulo) [Boletim de Ocorrência 8787/2014, transferido posteriormente para o setor de Homicídios do DHPP]. Seu desaparecimento ocorreu após inúmeras denúncias de abusos policiais na região (em resposta à morte de um policial na área), e Bruno foi encontrado posteriormente morto por tiros no IML, tendo sido levado ao Hospital Saboya por policiais militares – segundo testemunhas do próprio hospital. Respostas e providências formais ao Dossiê de Denúncias de abusos policiais no Parque Bristol e região, protocolado na SSP no dia 11/11/2014 por movimentos sociais da região, redes de familiares de vítimas e organizações de DH.

• Reavaliação dos processos emblemáticos, sobre os quais contam graves violações de direitos humanos e tratados internacionais e constitucionais, que tem como vitimas mulheres encarceradas que cumprem pena na penitenciária feminina de Santana:

Alderina Felícia dos Santos, 72 anos – PROCESSO N. 0002650.56.2013.8.26.0457 (ORDEM 115/2013) no TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2 VARA DA COMARCA DE PIRASSUNUNGA DE SÃO PAULO em que figura ALDERINA FELÍCIA DOS SANTOS de 72 anos de idade, RG n. 9032642, filha de Amadeu Simplício dos Santos e Josefa Lima dos Santos, nascida em 20/01/1942. Atualmente Alderina está acometida de doença em função da idade e, consequentemente sem condições físicas para exercer atividade laboral para remissão da pena de 10 anos.

Maria Claudia dos Santos Rocha, 38 anos – PROCESSO N. 0012343.24.2013.8.26..0050 (293/2013), 29 Vara Criminal da Barra Funda. Que figura MARIA CLAUDIA DOS SANTOS ROCHA, RG 71085308, filha de Alaíde Alves dos Santos, nascida em 13/06/1976. Na ocasião da prisão foi torturada por 12 policiais militares dentro da sua residência. Na ocasião da audiência foi desconsiderada a tortura e a pena foi elevada em 08 anos de reclusão. Atualmente Claudia está sofrendo de “Otite Crônica OD, diminuição auditiva e constantes secreções no ouvido esquerdo” e sofre de agitação psíquica. A reeducanda está em vistas de cometer suicídio.

Nilza Teixeira – Uso de entorpecentes convertido em tráfico de drogas – PROCESSO DE EXECUÇÃO N. 302.532, em que figura NILZA TEIXEIRA, RG. 24856115-7. Pai Geraldo Nunes e mãe Tereza da Silva. Nilza Teixeira é usuária de drogas desde os 11 anos de idade. Passou a vida entre abrigos, FEBEM e atualmente cumpre pena com a terceira geração familiar (está atualmente com a filha e o neto, presos). Atualmente a reeducanda está em vistas de cometer suicídio ante a injustiça acarretada no processo.

• Imediata providência quanto a descumprimento, por parte do MPSP, das recomendações do Conselho Nacional do Ministério Público, no que se refere a mortes em decorrência de violência policial, com destaque para 7 pontos específicos:

I. Fortalecer o controle externo da atividade policial através da realização de visitas semestrais às repartições policiais e aos órgãos de perícia.

II. Recomendar às respectivas Secretarias de Segurança Pública no sentido de inserir um campo específico nos boletins de ocorrência para registro de incidência de mortes decorrentes de atuação policial, assegurando que o delegado de polícia instaure, imediatamente, inquérito específico para apurar esse fato, sem prejuízo de eventual prisão em flagrante, requisitando o Ministério Público a sua instauração quando a autoridade policial não tiver assim procedido.

III. Assegurar que o Ministério Público adote medidas para que seja comunicado em até 24 (vinte e quatro) horas, pela autoridade policial quando do emprego da força policial resultar ofensa à vida, para permitir o pronto acompanhamento pelo órgão ministerial responsável.

IV. Assegurar que sejam adotadas medidas no sentido de que o delegado de polícia compareça pessoalmente ao local dos fatos, tão logo seja comunicado da ocorrência de uma morte por intervenção policial, providenciando o isolamento do local, a realização de perícia e a respectiva necrópsia, as quais devem ter a devida celeridade.

V. Assegurar que o Ministério Público recomende à Corregedoria da Polícia Civil, para que as mortes decorrentes de intervenção por policiais civis sejam por ela investigadas.

VI. Assegurar que, no caso de morte decorrente de intervenção policial, durante o exame necroscópico, seja obrigatória a realização de exame interno, documentação fotográfica e coleta de vestígios encontrados, assim como que o Inquérito Policial contenha informações sobre os registros de comunicação e movimentação das viaturas envolvidas na ocorrência.

VII. Criação e disponibilização de um banco de dados pelo CNMP acerca das mortes decorrentes de intervenção policial, por Estado da Federação, tendo como dados mínimos obrigatórios: nome da vítima, data e horário do fato, município, nome dos policiais envolvidos, local de trabalho dos policiais envolvidos, número do respectivo inquérito policial, se foi feita a comunicação imediata ao Ministério Público, se o delegado de polícia compareceu pessoalmente ao local do fato, se foi realizada a perícia no local, se foi realizada a necrópsia, situação do Inquérito Policial (em diligências, arquivado ou denunciado), com dados a partir de 2015, a ser alimentado pelos respectivos Ministérios Públicos.

O MPSP ainda tem uma famosa cartilha interna com os 13 Pontos (ainda mais detalhados) que devem ser cumpridos em casos de morte por decorrência policial. Estes são ainda menos cumpridos pelos Promotores de Justiça do Estado.

• Política de apoio psicossocial para familiares de vítimas do Estado;
• Indenização para familiares de vítimas do Estado;
• Imediato afastamento e investigação de crimes de morte em decorrência da ação policial, independente das circunstâncias;
• Imediato mutirão do Judiciário para revisão de penas dos presos;
• Chega de prisões! Pelo fim da política do encarceramento em massa;
• Fim da Polícia Militar, em consonância à orientação da ONU;
• Pelo direito democrático às manifestações livres e autônomas, sem necessidade de tutela, acordo ou aviso prévio à instituições repressivas do Estado; Pelo direito à LIVRE manifestação, sempre garantido o pressuposto da dignidade humana.

fergusonéaqui

Assinam:

Uneafro-Brasil
Circulo Palmarino
Conen-SP
Mães de Maio
Levante Popular da Juventude
OLPN
MNU
Núcleo Consciência Negra USP
Quilombação
Zumaluma
Quilombo Raça e Classe
Kilombagem
Força Ativa
Articulação Popular e Sindical de Mulheres Negras
Afrobase
Coletivo Negrada
MTST
AfroMack
Campanha Porque O Sr. Atirou em mim?
Campanha Racismo Mata
Campanha Eu Pareço Suspeito?
CSP-Conlutas
Coletivo Trans usp
Juventude Às Ruas
Movimento Mulheres em Luta
Fanfarra do Mal
INSTITUTO NAÇÃO
TREME TERRA
RUA Juventude Anticapitalista
KOFILABA
JN13
Centro Acadêmico João Mendes Jr.
Movimento Paraisópolis Exige Respeito
Movimento Mulheres em Luta
Associação Cultural Fábrica de Cinema
Associação Franciscana de Defesa de Direitos e Formação Popular
Anistia Internacional
Coletivo Dona Maria Antifacista
Comitê Regional Unificado Contra os Aumentos das Passagens de Ônibus no ABC
IBCCRIM – INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS
Centro Acadêmico XI de Agosto

1 COMENTÁRIO

  1. […] Dans une lettre officielle remise en mains propres au gouvernement de l’Etat de São Paulo, plus de 50 organisations de défense des droits de l’homme et des mouvements noirs ont listé un nombre de revendications : que les meurtres de jeunes hommes noirs par la police fassent l’objet d’enquêtes, que le bureau du procureur de l’Etat renforce sa surveillance sur les activités policières, et entre autres, que les familles des personnes tuées reçoivent des indemnités : […]

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here