Se junho deu novo fôlego às lutas anticapitalistas era de se esperar a ascensão simultânea da extrema-direita, pelo simples motivo de que é sempre em contexto de ascensão de um que o outro aparece. Por Diego Polese
Em um artigo publicado muito recentemente aqui no Passa Palavra sob o título ”A culpa é do PT?”, um companheiro de lutas anticapitalistas afirmou, ‘com todo o respeito às diversas formas de lutas progressistas’, sua discordância no que diz respeito à responsabilidade histórica do PT pelos atos realizados no último dia 15, uma vez que estaríamos desconsiderando toda a capacidade de agir da direita, isto é, ‘desse grande campo conservador que vemos atuar hoje, dos moderados aos radicais’.
Há alguns pontos que me levam a discordar da análise do camarada, e como estamos todos interessados em debater a conjuntura, deixo aqui minha opinião.
Historicamente, os movimentos sociais de massa de Direita estão ligados diretamente à forma e temporalidade de ação que a esquerda escolhe para travar suas lutas na estrutura social capitalista, ou seja, costumam agir “a reboque” e “em resposta a” (como exemplos poderíamos lembrar o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha). No caso do Partido dos Trabalhadores no Brasil, me parece que sua escolha, ainda nos anos 1990, pela ação exclusivamente institucionalizada e com intenções eleitorais, ou seja, aquela completamente passiva em face dos ditames do capital, conformando-se às estruturas jurídico-políticas cunhadas pelo capital e pelo Estado-Nação justamente com o intuito de fornecer o arcabouço formal para a assimilação das lutas sociais e sua manutenção em patamares inerentemente ‘reformistas’, tem relação direta com o movimento de massa que a Direita acabou de realizar.
Em outra linguagem, manter a luta do trabalho contra o capital no âmbito exclusivo do ‘Estado Restrito’ ao invés de manejar-se pela contestação do poder dos capitalistas sobre os trabalhadores no principal lugar de seu domínio, o ‘Estado Amplo’, além de ter consequências nefastas para as lutas anticapitalistas, também acaba por despertar a ira tardia da Direita, que se julga senhora não apenas das estruturas econômicas, mas também da estrutura política e, portanto, do controle do aparato estatal tanto quanto das empresas. No presente caso, tardou 13 (ironia?) anos para que a paciência da direita se esgotasse, e esse lapso foi longo justamente porque o PT manteve-se nesse tempo todo atuante em conformidade com os interesses do capital. Não obstante, a derrota eleitoral por tão pouco despertou na extrema-direita (se pensarmos que o PT é “direita”…) novamente sua sede pelo poder político estrito senso, e nem mesmo a sinalização do governo ainda mais à direita, com o “pacote de maldades”, foi suficiente para conter os ânimos belicosos dessa direita, que conta ainda com a insatisfação popular com o governo, elevada à enésima potência com o boom de denúncias de corrupção etc. por parte da grande mídia, em conluio e em posse justamente dessa extrema-direita.
Entender que 15 de março não foi culpa do PT ou que sua culpa é relativamente reduzida em razão dos vários mecanismos de agir que a direita dispõe e que ela sabe como ninguém utilizar, portanto, seria também afirmar que o PT (assim como a estagnação de todas as outras organizações de esquerda) não teve influência decisiva na manifestação de mais ou menos 1 milhão de pessoas insatisfeitas com suas práticas reiteradas de conciliação entre capital e trabalho (irreconciliáveis e manifestamente explosivas a longo prazo). Portanto, deve-se colocar o ‘fator PT’ de apassivamento da classe trabalhadora no mesmo nível dos outros elementos constituintes dos fatos recentes, já que ele ajudou – e muito – a cunhá-los.
O término do artigo de Carlos Gonçalves é cabuloso, senão trágico sob o aspecto teórico e prático. Ao mesmo tempo em que se critica o PT e as esquerdas por sua ‘ótica setorial’, palpita pelo fortalecimento mútuo dos movimentos de extrema-esquerda através do compartilhamento de um conjunto de pautas, o que deve regenerar a confiança – recíproca – em um projeto político democrático simultaneamente sob vários pontos de vista. Contraditório, não? O que fez o PT durante todos os seus anos como gestor do capitalismo brasileiro, senão manter seu projeto político democrático conciliando e mantendo sob sua égide os vários pontos de vistas? A esquerda crítica, então, deveria seguir o mesmo caminho tomado pela ‘esquerda conformada’ para superá-la, requentando, de certa forma, a mesma ladainha do “acúmulo de forças” à la PT? Ou será que mesmo sob o conteúdo de pautas diferentes e seu compartilhamento pelas mais diversas esquerdas manter-nos-íamos sobre as ‘regras do jogo’? Quais pautas são conciliáveis e quais são irreconciliáveis para as esquerdas poderem compartilhar entre si e ampliando seu leque político? Afinal, não é esse problema de conjugação de objetivos e formas de luta que afeta as esquerdas em todas as partes do mundo? Não são as picuinhas internas e divergências substantivas que historicamente tem inviabilizado o diálogo e acúmulo de forças entre muitas de suas franjas, em virtude não de demandas, mas de modos de luta distintos (movimento social vs partido etc)? E trata-se mesmo se somar com essas forças ou de seguir disputando mentes e corações de uma mesma base social, a classe trabalhadora?
Os desafios são gigantescos, mesmo do ponto de vista estritamente político, e se junho deu novo fôlego às lutas anticapitalistas era de se esperar a ascensão simultânea da extrema-direita, pelo simples motivo de que é sempre em contexto de ascensão de um que o outro aparece. No nosso caso o que é preciso ter em mente é que se a extrema-esquerda está hoje desarmada e fragmentada parte da “culpa” é justamente do PT, no sentido de que ele era o principal órgão de luta da classe trabalhadora, na saída da ditadura brasileira, mas ao invés de radicalizar sua prática política acabou não só inclinando-se totalmente à direita e à lógica eleitoral como ainda teve competência suficiente para levar consigo nada mais nada menos que a principal central sindical do país e, não bastasse, os principais movimentos sociais. Claro que falar em “culpa” talvez não seja o termo mais adequado, afinal no limite a “culpa” sempre será da classe, que permite que seus órgãos mais combativos degenerem e se tornem controladores e apassivadores dos conflitos sociais, mas que não se venha dizer que a ascensão da extrema-direita é mérito exclusivo dela, pois a mãozinha dada pelo PT na desarticulação da extrema-esquerda (o que, aliás, é o que mantém ele no governo) não foi e não é nada desprezível, como vimos, por exemplo, na recente articulação da frente de esquerda.
Diego Polese é bacharel em Direito.
Acrescentaria ainda, mais pontualmente,a repressão que de 2013 para cá a militância governista (pró PT) e os governos incluindo o federal se engajaram contra militantes e movimentos de esquerda. Acho que não precisa aqui citar os exemplos e declarações do governo, e os fatos.
Reprimindo os movimentos de esquerda que até então tinham hegemonia em canalizar insatisfações às ruas, o que o governo do PT fez, junto com os do PSDB e demais partidos dos governos estaduais, foi abrir espaço para a direita ganhar essa hegemonia.
pela primeira vez tenho que concordar com Leo Vinícius