Não há portanto a menor possibilidade, por vontade política, da presidente vetar o PL 4330. Só com o uso de todo repertório de táticas aprendidos e criados pelos trabalhadores e sua juventude será possível manter os direitos. Por Leo Vinícius
Há momentos em que parece que a história anda mais rápido. Anos, meses, semanas. Essa e as próximas semanas são dessas. Esse texto é escrito na e para a urgência do momento.
O Projeto de Lei 4330/04, já votado e aprovado pela Câmara dos Deputados, é certamente o maior ataque aos direitos trabalhistas da história do Brasil, e será a maior derrota da classe trabalhadora desde o Golpe Militar de 1964, como bem salientou Ruy Braga. Não vale a pena aqui entrar no mérito de todo o impacto dessa lei na vida dos trabalhadores. Certamente quem está lendo este texto já deve ter ao menos uma noção: ela universaliza a perversidade da terceirização e torna ainda menos efetivo os direitos dos já terceirizados. [1]
As Centrais Sindicais
Dia 7 último, quando foi votado o regime de urgência da matéria na Câmara, centrais sindicais (CUT, CSP-Conlutas, Intersindical, CTB e Nova Central) levaram dirigentes sindicais a Brasília (a segunda maior central do país, totalmente amarela, Força Sindical, não é contra o PL 4330). Houve protesto na frente do Congresso e tentativa de entrar, no que houve repressão da polícia. Além disso a CSP-Conlutas se engajou em paralisações, que atingiram alguns setores em algumas cidades, mas sem impacto significativo. O fato de em geral terem se engajado mais em levar dirigentes sindicais para manifestação em Brasília do que em paralisações, mesmo que de poucas horas nos locais de trabalho, parece dizer muito sobre o nível de burocratização, de distanciamento da base ou até mesmo de vontade política de fomentar a ação dos trabalhadores. Ora, o maior poder do trabalhador enquanto trabalhador, em geral, não está em manifestações de rua, mas no seu papel na produção e sua capacidade de paralisação. Mesmo levando em conta a dificuldade de levar a cabo mobilizações e paralisações, o fato é que, há pelo menos setenta anos, os sindicatos no mundo tem a função ambígua de defender os trabalhadores e conter e limitar suas lutas. E é normal que as direções sindicais procurem parecer que estão fazendo algo de modo a desviar os trabalhadores para que não haja de fato as lutas que fazem a diferença. E isso ocorre principalmente quando essas direções sindicais são atreladas ao governo, como é o caso da CUT e da CTB, afinal é preciso evitar perturbações sociais ao governo [2]. Mas há um ingrediente diverso dessa vez: o PL 4330 significa na prática o esfacelamento final do poder dos sindicatos e das Centrais Sindicais. É basicamente uma questão de vida ou morte para a própria burocracia sindical. Depois de anos como instrumento de governabilidade do PT, de desmobilização e apassivamento da classe trabalhadora, a maior central, a CUT, se vê diante do precipício que ajudou a construir.
A situação nesse momento é que essas centrais sindicais estão convocando uma paralisação para o dia 15 de abril. Por incrível que pareça, o nome “greve geral” parece ser evitado, ao menos pelas centrais governistas. Mas ela circula nas mídias sociais, indicando a possibilidade de apropriação e relativa ressignificação do chamado. Colocar essa greve geral em prática é outros quinhentos…
Em pronunciamento realizado na última quinta-feira, dia 9 de abril [3], a presidente Dilma Rousseff deixou claro para bom entendedor que a única coisa que a preocupa na PL 4330 é o fim da responsabilidade solidária dos encargos trabalhistas pela empresa contratante. O que o governo teme é diminuição da arrecadação de encargos, pois as empresas subcontratadas com muita frequência são inadimplentes. Mas no discurso, obviamente, a presidente diz que a preocupação é com o direito dos trabalhadores. Aliás, enquanto era votado o regime de urgência do PL, o governo negociava através do Ministro da Fazenda essas alterações na proposta. E essas alterações foram acatadas. [4] O exemplo das MPs 664 e 665, que retiram direitos trabalhistas para diminuir custos do Estado, mostra bem a preocupação do governo com direitos trabalhistas.
Não há portanto a menor possibilidade, por vontade política, da presidente vetar o PL 4330. Suas declarações visam a opinião pública e desmobilizar os trabalhadores. Mesmo se hipoteticamente vetasse, seu veto seria derrubado facilmente pelo Congresso.
Só com muita pressão popular para reverter o quadro de iminente e inominável retrocesso em termos de condições de trabalho, vida e direitos aos trabalhadores.
Nós, os trabalhadores e seus movimentos autônomos
Diante das limitações de diferentes origens das centrais sindicais – que não cabe aqui tentar discorrer – para uma mobilização que seja efetiva, tanto qualitativamente quanto quantitativamente, de modo a fazer retroceder um Projeto de Lei já em vias de se tornar lei; e diante de uma conjuntura em que a hegemonia da direita na sociedade é clara, inclusive com manifestações massivas, resta aos trabalhadores usarem todos os instrumentos disponíveis.
Só há uma chance de reverter essa iminente derrota sem precedentes da classe trabalhadora: recorrer a todos os instrumentos e táticas constituídos pela experiência recente dos trabalhadores. As revoltas que revogaram aumentos de tarifa de transporte nos últimos 11 anos no Brasil são um aprendizado que parece apontar o caminho para uma situação análoga, já que praticamente consumada.
Só com a apropriação dessa bandeira de luta contra o PL 4330 (e por tabela as MPs 664 e 665) por parte de uma ampla camada para além do campo direto de influência dos sindicatos, e a entrada em ação desses setores será possível impedir que esse PL se torne lei. Só com uma luta que saia do controle e dos limites das centrais sindicais os trabalhadores poderão sair vitoriosos. Só com o uso de todo repertório de táticas aprendidos e criados pelos trabalhadores e sua juventude nas suas experiências de luta, usados em diferentes graus de espontaneidade, será possível manter os direitos. Só uma luta que saia dos scripts, que ganhe ares de revolta popular, poderá barrar esse PL.
Só quem tem demonstrado essa capacidade, de tempos em tempos, de desencadear um processo de desobediência civil relativamente generalizado, capaz de reverter fatos aparentemente consumados na última década, é uma juventude autônoma através de movimentos constituídos por ela. Só esses movimentos parecem ser capaz de, na esquerda, gerarem o contágio afetivo necessário para uma expansão das lutas para além dos limites e controle das organizações sindicais e demais organizações. Só esses movimentos conseguem identificação com uma camada importante da juventude, que por sua vez podem desenvolver formas de luta por fora e para além dos sindicatos. Mas para isso é preciso que esses movimentos se apropriarem da bandeira contra a PL 4330 e chamem suas mobilizações, convoquem a juventude e a população a manifestações, desobediência civil, greve etc. E para tanto é preciso que decidam fazê-lo.
Se sempre pareceu acertado esses movimentos não saírem do foco de suas bandeiras, por diversas razões e até por impossibilidade prática, como por exemplo a bandeira do transporte gratuito, no entanto agora parece ser o momento de agir diferente. O que está em jogo é um retrocesso inominável para o conjunto dos trabalhadores. E trata-se de uma causa, que, assim como o transporte, atinge a imensa maioria, e portanto com capacidade de ampla difusão. Não há nada a perder, mas muito a perder se não se tentar de todas as formas revogar essa quase-lei. O momento é de necessária unidade dos trabalhadores, de colocar todos os instrumentos a seu dispor. E de fazê-lo já. Tempo de todos depositarem suas paixões e energia nessa luta. Esse é o bom e mais que necessário combate a ser feito.
A história prepara situações inusitadas. A juventude e seus movimentos, perseguidos, criminalizados, reprimidos, difamados nos últimos dois anos pelo Estado com auxílio de uma tropa governista supostamente de esquerda, se encontram na posição de serem atores fundamentais para que o conjunto dos trabalhadores mantenham seus direitos históricos. Mais do que isso, se encontram na posição de serem indispensáveis para salvarem a burocracia sindical governista do seu funesto destino histórico, que ela própria ajudou a construir.
Notas
[1] Recomendo esta reportagem em entrevista com Ruy Braga, por exemplo, para se ter uma ideia do impacto: http://www.viomundo.com.br/denuncias/ruy-braga-e-o-pl-3-440-elite-quer-colocar-trabalhador-brasileiro-em-padrao-de-direitos-menor-que-o-do-chines.html
[2] Era essa relação entre reivindicações nacionais e o comportamento das direções sindicais que Castoriadis apontava com muita lucidez numa análise de luta na França em 1957. Ver o texto “Como Luta?”, em “A Experiência do Movimento Operário, vol.1”, publicado em Portugal mas sem edição brasileira.
[3] http://blog.planalto.gov.br/terceirizacao-dilma-defende-direitos-dos-trabalhadores/
[4] http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/04/apos-apelo-do-governo-relator-muda-regra-de-tributos-nas-terceirizacoes.html?fb_ref=Default
A PL 4330 apenas aponta formalmente o corrente processo de exploração da força de trabalho por meio dos mecanismos da mais-valia absoluta, evidenciando que a relação trabalhista (terceirização) possui uma tendência globalizante (clamando, assim, por regulação e generalização legal). Acontece que, concomitantemente, o sistema auto-circulante de conformação dos conflitos sociais conclama aos trabalhadores que salvaguardem o processo de exploração por meio da mais-valia relativa contra a “contrarrevolução” permanente da mais-valia absoluta. O que isso quer dizer? Do ponto de vista do trabalhador, o óbvio: que a promulgação da lei seria um desastre para a classe como um todo e não somente a um dos seus fragmentos, pois generalizaria uma forma de relação de trabalho que tem como ‘forma de ser’ a precariedade e ausência de garantias imediatas. Mas quer dizer também que, como classe, podemos ir além e nos posicionar diferentemente dos lados que nos são dados pelas regras do jogo: “Aprovação da Lei ou sua rejeição”. É hora de fugirmos dessa pegadinha e ‘terceirizar’ a pauta momentânea: fim da “forma-terceirização”. Ora, Qual seria a conquista imediata (além das organizacionais – incomensuravelmente importantes) se a não-aprovação somente acarretaria na não formalização de um processo que já acontece na vida real e que tende a crescer? Estaríamos somente atrasando-o (o que é ótimo, claro). Assim, se até a extrema-esquerda prepara seus movimentos para seguirem os rumos das circunstâncias (pois delas surgem), em que nos diferenciamos das “outras esquerdas”? (não devemos seguir para sempre o arcaico processo de ‘períodos de lutas’: devemos primeiro nos ater a isso para somente depois podermos fazer aquilo – sem etapismos!). E outra: a hegemonia de direita na sociedade é clara? Sim. E quando não é? A questão é somente o grau de sua ‘aparição’. Acontece que a esquerda possui a tendência objetiva de suplantá-la, mas isso somente se radicalizar toda e qualquer circunstância que lhe for dada pela sistema inexoravelmente conservador do capital. Ora, agora que há o receio de alastramento de uma relação que já afronta milhões de trabalhadores e a solidariedade enfim mostra sua cara no seio da classe, porque não lutarmos para que o processo possa se radicalizar? (evitando momentaneamente que os sindicatos assimilem-recuperem as lutas sociais – lembrando também que os sindicatos têm totais condições de constituírem-se futuramente em empresas de terceirização). Digo isso, ainda, porque ao pôr em questão a ‘terceirização como um todo’ explicitaríamos uma das contradições básicas da relação capital-trabalho e a consciência da classe sob as condições fragmentadas de toda a classe teria outro ganho efetivo em seu processo incessante de formação-deformação. Assim, se assim nos posicionarmos: “Abaixo toda terceirização!” ao invés de “PL 3440: não!” não iriamos estar nos distanciando do objetivo imediato (a rejeição da PL). Óbvio que não, já que a “nova pauta” pressupõe a dada pelas circunstâncias e a aprofunda ideologicamente em favor da classe trabalhadora. Portanto, já que o aprofundamento da terceirização é iminente sendo legalizada agora ou não, acho que o momento é propício para contestá-la integralmente.
Diego,
acho que uma luta defensiva pode se tornar ofensiva. A luta contra esse projeto de terceirização não deixa de ser um bom momento para se levanta contra toda terceirização.
Uma bandeira oportuna é “contra a terceirização”, pois atinge diretamente o PL 4330 e vai além dele.
Pelo que tenho visto nos últimos dias na mídia governista e posições de primeiro escalão do governo, já está em andamento uma operação para dizer que o PL 4330, que universaliza a terceirização, da forma como será aprovado, é um projeto “equilibrado” que não traz prejuízo aos trabalhadores.
Essa operação tem dois intuitos:
1) proteger a presidente Dilma Rousseff da insatisfação dos trabalhadores uma vez que ela não vetará o projeto (e esse não veto já é dito abertamente pelo governo);
2) Quebrar a resistência dos trabalhadores.
Por isso é bom ficar atento às ações das centrais sindicais governistas. Estão ganhando alguma legitimidade na defesa dos trabalhadores com a ação feita semana passada e a prevista para dia 15. E essa legitimidade poderá ser usada a qualquer momento para tentar esvaziar a luta, adotando o discurso “conciliador” do governo.
Para quem quer ver com seus olhos o que estou falando, veja nos links abaixo a entrevista do Ministro do Trabalho no Estadão de hoje, e o discurso de um técnico do DIEESE num debate na TV Brasil de ontem, mediado pelo Luis Nassif.
http://economia.estadao.com.br/…/geral,a-terceirizacao-e-um…
jornalggn.com.br/…/exorcizando-os-fantasmas-da-terceirizacao
Na moral, tô achando tudo muuito parado ainda, pelo tamanho da gravidade que é esse projeto. Os únicos que vejo fazendo uma oposição ferrenha ao projeto – inclusive nas ruas -, são aqueles que sempre foram considerados pelegos do governo federal, no caso a CUT e o MST. Não vejo mais ninguém. Não vejo movimentos independentes, nem nada. Dá um certo desânimo! Se continuar assim, pode ter certeza que até outubro esse projeto já foi sancionado.
Acho que agora é hora de toda a esquerda se juntar, e se mobilizar firmemente nas ruas, não somente nas redes sociais. O próprio Eduardo Cunha já soltou que ‘a PL 4330/04 será aprovada de qualquer maneira’. Isso é ridículo. É tirano!A única oposição viável e que pode funcionar agora, é a RUA.