É isso. Na Salvador atual, se você morrer, você é o culpado. Se você sai às ruas para protestar por seus direitos, também está errado. Por Franciel Cruz
Apesar de nunca ter sido palhaço das perdidas ilusões, gosto de lembrar que já houve uma época em que o humor no Brasil não era dominado por estes canalhas travestidos de politicamente incorretos que hoje se comprazem, de forma mórbida, a somente humilhar os desvalidos.
Recordo, por exemplo, que, no final de 1988, nem mesmo o temido Exército, que invadiu a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e matou três operários, escapou da chacota. Na ocasião, o pessoal da TV Pirata lançou uma esquete demolidoramente irônica contra as forças armadas, dizendo algo mais ou menos assim. “As balas estavam na direção certa. O problema é que os trabalhadores estavam caminhando na contramão. Eles são culpados, atropelaram as balas”.
Pausa mais para reflexão do que para o riso.
Quase 30 anos depois, é tristemente desolador constatar que o humor feito aqui perdeu a força corrosiva. Porém, muito pior é perceber que o que antes era graça nos programas humorísticos, hodiernamente está no discurso oficialesco como algo sério. Os governantes perderam os limites do escárnio.
Vejam o (péssimo) exemplo de Paulo Fontana, secretário municipal de infraestrutura da capital baiana. Como se tivesse saído de um quadro de um destes programas humorísticos da década de 80, ele aparece diante dos cadáveres da tragédia que se abate sobre a cidade do Salvador para (também) culpar os mortos. Às aspas. “É grande a parcela de culpa da população que joga lixo nas ruas, que além de sujar a cidade, causa estes problemas com a chuva”.
Pois é. A falta de obras estruturantes, a nefasta inversão de prioridades pela prefeitura (milhões para orla da barra e orçamento pífio para defesa civil) ou até mesmo o fato de a atual gestão já estar no terceiro ano e nunca ter colocado uma mísera lixeira nos mais de 50km de areia das praias de Salvador não merecem ser levados em conta. Nada. Pela lógica insana do gestor, as vítimas, que jogam lixo nas ruas, é que são as responsáveis pela sua ruína. (Pensando bem, é provável que nem a TV Pirata tivesse tanta audácia).
E, como desgraça pouca é bobagem, o seu chefe ACM Neto, invés de admoestá-lo por tamanha insensibilidade diante de uma tragédia desta proporção, também tira o seu da seringa e vai adiante. O alcaide, que antes já havia fugido de suas (ir)responsabilidades culpando Embasa, Coelba e até o Índice Meteorológico, agora acusa outros habitantes pobres da cidade que protestavam por seus direitos de “atrapalharem os salvamentos”. É como se a prefeitura, que nunca teve tempo neste já longo período de mandato de ir às sofridas periferias do Barro Branco, Bom Juá e Marotinho, fosse chegar lá em um passe de mágica e construir encostas para evitar os anunciados e recorrentes desabamentos de terras.
É isso. Na Salvador atual, se você morrer, você é o culpado. Se você sai às ruas para protestar por seus direitos, também está errado. E se você tem o desplante, a ousadia, de sugerir que os soberanos (quase escrevi tiranos) da província devem ser responsabilizados por suas excludentes políticas, aí é bem pior. Você é logo jogado e soterrado na vala comum dos oportunistas que querem tirar vantagens das tragédias.
A impiedosa cultura carlista não admite dissonâncias. Quaisquer críticas aqui e agora são devidamente rebatidas com a falsa argumentação de aproveitamento político. Apontar erros da gestão é como insultar a própria cidade, pois a cidade sempre foi deles, ou eles se arvoraram a ser a própria representação da urbe, em uma emulação farsesca daquele rei francês.
Simbolicamente, está de novo instaurado na capital aquele insuportável ranço que só admite a Bahia mágica, folclórica, porreta, que interdita o debate e não aceita o contraditório. Discordar dos carlistas voltou a ser sinônimo de não gostar da terra onde você nasceu.
Eis o pior temporal que castiga esta maltratada província.
P.S. 1. O mais ironicamente patético, meus amigos da infortúnios, foi que há pouco mais de um ano, tratando de Lajedinho, Antônio Imbassahy afirmava em artigo no Correio* que “tragédias das chuvas resultam em descaso“.
Aí, cabe perguntar: vale só pra Lajedinho, criatura? Ou se aplica também ao seu correligionário?
P.S. 2. Como não há mal que sempre dure, consola saber que aqui também existirão dias em que o sol brilhará.
Excelente texto. Merece reflexão.
Como sempre vc nos brindando com um texto fantástico!!! excelente análise, Franciel!!!!
O sistema hídrico da cidade é tao velho quanto ela e o invNem li mas já respondo. O sistema hídrico da cidade é tao velho quanto ela e o investimento verdadeiro é o mínimo do mínimo desde sempre. Por outro lado somos uma população pouco educada e pouco consciente quanto a coleta seletiva, preservação, organização… E se continuar não terei fim. É isso, alaga por isso. Ha gerações nós sustentamos a vida nababesca dos vereadora, deputados, prefeitos, governadores, etc…estimento verdadeiro é o mínimo do mínimo desde sempre. Por outro lado somos uma população pouco educada e pouco consciente quanto a coleta seletiva, preservação, organização… E se continuar não terei fim. É isso, alaga por isso. Ha gerações nós sustentamos a vida nababesca dos vereadora, deputados, prefeitos, governadores, etc…