“Você está cansado de viajar como gado na 60? Hoje não pague a passagem”. Por Primo Jonas
Desde o dia 25 de junho os trabalhadores da linha 60 de ônibus da cidade de Buenos Aires estiveram levando adiante uma operação de “tarifa zero” como medida de luta contra a patronal. O conflito se iniciou com a demissão de um trabalhador da linha que foi abertamente reconhecida pelos trabalhadores como perseguição gremial contra a organização dos mesmos. Levado o caso à justiça, o Estado ditou uma conciliação obrigatória na qual a empresa estava obrigada a reincorporar o trabalhador demitido. Não apenas a empresa não acatou a conciliação obrigatória como decidiu então demitir 47 outros trabalhadores. Começa o lockout patronal, num primeiro momento retirando o pessoal administrativo das cabeceiras (pontos finais e terminais) e depois voltando a ocupá-lo e impedindo os motoristas de saírem sem antes assinar um acordo no qual se comprometiam a cobrar a passagem.
A empresa responsável pela linha é o grupo DOTA, por meio da empresa Monsa, que comprou a linha 5 anos atrás. O histórico de conflitos é antigo. Gustavo, motorista da linha há 10 anos, diz que uma das estratégias da empresa para cortar gastos é a suspensão sistemática de trabalhadores. Por motivos arbitrários os superiores arranjam suspensões que vão dilapidando o salário final dos trabalhadores. Além disso, o Estado subsidia as empresas de ônibus com um valor por mês por carro. A empresa então compra novos carros mas não coloca todos na rua: de 340, Gustavo diz que por volta de 130 nunca saem, enquanto a empresa continua recebendo por eles. Os valores atuais são de AR$100.000 por carro por mês (aproximadamente R$25.000). Além disso, a compra de novas unidades mostra que a empresa deveria estar contratando mais ao invés de demitir. São atualmente por volta de 1.150 trabalhadores, com um corpo de delegados com 11 integrantes, 1 para cada 100 trabalhadores, segundo as leis argentinas, eleitos proporcionalmente com relação a cada local de trabalho (são 3 cabeceiras: Constitución, Ingeniero Maschwitz e Rincón).
Os trabalhadores da linha 60 são uma das atuais referências da organização gremial antiburocrática na Argentina. Suas lutas à margem do sindicato de transporte, UTA, uma das principais expressões da burocracia sindical argentina, e sua organização de base têm um lugar de destaque nos atuais conflitos da classe, ganhando apoio não apenas dos diversos partidos e organizações da extrema-esquerda argentina mas também de diversos outros setores em luta no campo sindical. Na quarta-feira, 08 de julho, foi convocada uma mobilização no centro de Buenos Aires para pressionar o Ministério do Transporte. A mobilização chegou a um expressivo número de mil pessoas, considerando que não foi feita por nenhum aparato partidário nem por centrais sindicais. Calcula-se 700 trabalhadores da empresa e 300 apoiadores diversos, entre os quais: trabalhadores das fábricas de hamburguer “Paty”, trabalhadores do Hospital Garraham, da fábrica FATE, das linhas de ônibus 540 e 553, das linhas 112 e 165, da gráfica recuperada pelos trabalhadores “Madygraf”, da linha 317, da FORA-AIT (anarcossindicalistas), esposas dos trabalhadores da 60, minorias sindicais de trabalhadores do metrô, da educação, o sindicato dos azeiteros (recentemente protagonistas de uma grande greve), e correntes sindicais associadas a partidos de esquerda. Entre as 7 e as 8 da manhã os trabalhadores de algumas linhas do metrô desabilitaram as catracas em solidariedade, com panfletagem de motoristas da 60 nas catracas.
A medida da tarifa zero havia sido adotada ao começo do conflito e seguiu quando a empresa tirou o pessoal administrativo das cabeceiras. Os trabalhadores começaram então a realizar na prática a autogestão do serviço público. Estavam usando menos carros que o de costume devido às limitações que tinham, como a necessidade de manter um bom número de trabalhadores concentrados nas cabeceiras para evitar intervenções lícitas e ilícitas, da polícia ou de grupos de choque da patronal e do sindicato. Contra as acusações de que estavam “ocupando” e “invadindo” a propriedade da empresa, os trabalhadores respondiam que estavam em seu local de trabalho esperando a empresa chegar para poderem trabalhar. Ao mesmo tempo em que faziam o serviço com tarifa zero, outros motoristas e apoiadores acompanhavam no ônibus para dialogar com usuários e entregar panfletos. O número de usuários da linha se calcula em aproximadamente 250.000 por dia. Ivan, delegado da cabeceira de Constituición, comenta que às vezes os usuários se irritam. “Claro”, diz ele, “muitos deles não têm a mesma possibilidade de fazer isso no seu local de trabalho, de levar adiante abertamente uma luta contra uma injustiça dos patrões. Mas não é por isso que vamos deixar de fazê-lo; ao contrário, é por isso que temos que fazê-lo, porque nós, sim, temos essa possibilidade que todos deveriam ter!” No entanto, dia 09 de julho à noite, feriado na Argentina, a empresa decidiu voltar a ocupar as cabeceiras e não permite que os trabalhadores saiam com os carros sem antes assinarem um documento que os compromete a cobrar a passagem, o que é simplesmente rejeitado pelos motoristas. Desde então o lockout está sendo aplicado de maneira integral e os trabalhadores seguem resistindo, sem poder praticar a tarifa zero.
Ivan conta que essa modalidade de medida de força (nome genérico que os argentinos dão às ações diretas), é algo novo nos conflitos do transporte. Os trabalhadores do metrô foram os primeiros a levarem adiante a modalidade. Não soube dizer exatamente quando foi a primeira vez, mas foi posterior ao 2001. No ônibus, a linha 60 foi a primeira (e até agora única) a utilizá-la, em 2013. Nem a empresa nem o Ministério do Trabalho reconhecem a tarifa zero como uma medida legítima de pressão gremial. Houve já um juiz que reconheceu a modalidade, recusando a caracterização como delito numa ação movida pela empresa. No entanto, não há segurança jurídica para além da opinião de um juiz. Gustavo argumenta que a cobrança da passagem é apenas uma das três funções do motorista: dirigir o ônibus, fazer a segurança e a organização da entrada e saída dos passageiro e, por fim, a cobrança (que hoje em dia é quase integralmente feita com um cartão magnético. Não existe catraca nos ônibus de Buenos Aires).
Enquanto os trabalhadores estavam autogestionando o trabalho, uma das principais demandas ao Ministério de Transporte era por combustível, para que pudessem seguir trabalhando sem a empresa. A outra demanda era para que alguém se fizesse responsável pela linha, fosse a empresa, fosse o Estado. Alguns oradores no carro de som pautavam a estatização da linha, mas Gustavo tinha uma outra opinião pessoal: “Não estamos aqui lutando para criar uma cooperativa ou para estatizar a linha. Nós somos trabalhadores, não guerrilheiros, o que queremos é trabalhar. Essa é a minha opinião”. Após a volta da empresa aos locais de trabalho, a luta não é nem pelo combustível nem pela estatização. Ivan, como muitos outros oradores do dia da manifestação, diz que a luta vai ser agora, mais que nada, de resistência: quem aguentar mais tempo ganha. E dependerá também da capacidade de gerar outras instâncias de luta, como a manifestação de quarta-feira e outras formas de solidariedade (ou seja, sair do roteiro…). Segundo Ivan, os principais objetivos da luta são agora contra as demissões, que se pague pelos dias parados, que o regime de trabalho dos delegados volte às condições anteriores (recentemente perderam os dias livres que tinham por sua função gremial) e que a empresa pague os atrasos de salário.
“U-ni-dad / de los trabajadores,
y al que no le gusta,
se jode! se jode!”
*Tradução da foto com cartaz:
“Você está cansado de viajar como gado na 60?
Hoje NÃO pague a passagem
Trabalhadores da Monsa linha 60″