A “fábrica de cidadãos” nada mais é do que a fábrica de trabalhadores, ou, em outros termos, de uma mercadoria absolutamente essencial para o funcionamento do capitalismo: a força de trabalho. Por Ana Elisa Corrêa e Leonardo Cordeiro [*]

Inovação, métrica e engajamento

ensinomediaficaOs argumentos do governo em defesa da reorganização escolar denotam o que muitos, de ambos os lados da trincheira, já sabiam, ou ao menos já perceberam: a tentativa de uma gestão escolar dirigida por um modelo de organização empresarial. Redução de gastos, eficiência, produtividade, rankings e índices. Palavras que não param de sair da boca dos governantes e que aparentemente parecem convencer a opinião pública de que são medidas absolutamente necessárias para alavancar a nação. Desenvolvimento e modernização rumo ao país do futuro. Velhos argumentos que parecem ainda ter algum efeito de controle social. No caso da luta dos secundaristas do estado de São Paulo, a população desse país “em (eterno) desenvolvimento” parece tão inconformada com a precariedade da educação pública se arrastando há décadas a fio que essa argumentação não tem conseguido mais se sustentar e a revolta estudantil pareceu mais que justa, ainda que suas táticas de luta sejam repetidamente travestidas pela mídia como expressões de vandalismo e depredação. “A mulecada tá na razão dela” e parece estar fazendo o que já deveria ter sido feito: uma ampla e contundente manifestação concreta em defesa da educação pública. Esse é o sentimento que parece prevalecer e tem se expressado nas inúmeras ações de solidariedade, desde selfies com cartazes de apoio nas redes sociais até grandes estoques de doações (de alimentos a roupa de cama), principalmente de moradores das proximidades das escolas ocupadas.

As consequências da reorganização estão na ponta da língua dos secundaristas: fechamento de escolas, realocações arbitrárias de alunos e professores, demissão de professores temporários, superlotação de salas já superlotadas. Porém, é necessário que avaliemos com mais cuidado os argumentos do governo do Estado. O principal deles é que a separação de ciclos e a consequente constituição de escolas de ciclo único aumentariam o rendimento dos alunos. No site da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo está explícita a defesa:

Uma escola mais preparada para as demandas de cada etapa escolar e atenta à nova realidade de cada faixa etária. Essa é a proposta da nova organização da rede estadual de ensino paulista. O processo amplia o número de escolas com um único ciclo, o que favorece a gestão das unidades e possibilita a adoção de estratégias pedagógicas focadas na idade e fase de aprendizado dos alunos (…) Segundo o resultado do Idesp em 2014, as escolas de segmento único dos Anos Iniciais tiveram um rendimento 14,8% superior às demais; as escolas de segmento único dos Anos Finais, 15,2%; e as escolas de segmento único do Ensino Médio, 28,4% superior.

É claro que todos esses números e dados podem ser amplamente contestados. A começar por um fato óbvio, as escolas de maior “rendimento” e qualidade são as escolas privadas, e a imensa maioria delas tem mais de um ciclo escolar [1].

silenciadopeloestado

Mas ensaiemos dar ainda um passo atrás em nossas assertivas conclusões de rechaço à reorganização. O governo afirma que quer melhorar o ensino, ou melhor dizendo, a gestão do ensino. Será esta uma mentira deslavada de ardilosos e maquiavélicos burocratas que desejam destruir o futuro de milhões de crianças e adolescentes impondo autoritariamente uma reorganização que não passa de precarização?

Primeiramente, vale lembrar que a proposta de reorganização não brotou da cabeça de tucanos da direita truculenta e conservadora. Ela é uma consequência de uma orientação do governo federal para municipalização do ensino. Reorganização que, aliás, poderia ter sido realizada paulatinamente e com “participação de conselhos não deliberativos”, como há muito tempo o PT tem feito em seus governos das múltiplas instâncias. A falta de diálogo é sem dúvida uma marca do modo de governar do PSDB. Nesse sentido, o Partido dos Trabalhadores se mostrou (ao menos até junho de 2013) muito mais habilidoso no controle fundamentado no consenso ao implementar políticas muitas vezes impopulares e obviamente limitadas para a solução dos problemas estruturais da sociedade brasileira, garantindo, porém, processos “participativos”. A esquerda já conquistou inúmeras “vitórias” na dança das cadeiras legislativas e executivas, o que não impediu a educação, que sempre foi um ponto de pauta primordial, seguisse seu caminho de precariedade em todo o país.

PROTESTO DE ESTUDANTES DA ESCOLA PÚBLICAEm segundo lugar, a ideia do aumento do rendimento tem lógica: com a separação de ciclos seria facilitada a administração das escolas, pois possibilitaria garantir uma maior especialização de coordenadores e desenvolver atividades e implementar instalações específicas para o aprendizado de uma faixa etária bem delimitada. Podemos de fato ver aí uma boa economia de gastos e uma gestão tão eficiente quanto a de uma empresa de ponta. Afinal, especialização na fabricação de um produto e alocação planejada de recursos é condição para eficiência e produtividade. A lógica da reorganização é a lógica empresarial – uma administração da escola semelhante à da fábrica – e não é à toa que tanto tem se falado em “gestão” (de recursos, conteúdos e pessoas). Não à toa, recentemente, ao criticar as faculdades de educação da USP [Universidade de São Paulo], Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] e Unifesp [Universidade Federal de São Paulo], que se posicionaram contra a reorganização, o secretário de educação afirmou “que se as manifestações viessem das faculdades de economia ele se preocuparia[2].

As avaliações externas, como o SARESP [Sistema de Avaliação do Ensino do Estado de São Paulo], os rankings e as métricas escolares não são mais do que uma expressão dessa lógica empresarial. “A métrica tem que ser o aprendizado do aluno. Este é o foco.” [3] Eis a concepção de educação da diretora global de educação do Banco Mundial, Claudia Costin, ex-secretária de educação do estado do Rio de Janeiro, e agora recém-nomeada secretária de educação do estado de São Paulo, após a queda de Herman Voorwald. Algo que soaria extremamente familiar aos CEOs de grandes empresas. “Hoje, vigora no mundo uma convicção de que só se engaja em aquilo que se mede. Na DuPont, medimos tudo, como a redução da emissão de gases de efeito estufa e o consumo de água e energia”, afirmou há não muito tempo o presidente da Dupont, Eduardo Wanick [4].

Como os mais diversos âmbitos da vida, a educação funciona hoje cada vez mais “a partir de um sistema de normas que tem como matriz a forma-empresa”, como analisa a fundo um artigo recentemente publicado aqui no Passa Palavra [5]. “Da mesma forma como se procura medir o nível de produtividade do trabalhador de uma fábrica de um produto qualquer”, escrevem as autoras, “hoje, no capitalismo, tenta-se medir também a eficácia do ensino (…) através das avaliações, que estabelecem metas, rankeiam e geram índices”.sobrevivente

Além disso, a possibilidade de que a escola pública se torne uma empresa privada de fato parece uma probabilidade iminente: o governo do estado de Goiás já anunciou um projeto piloto, a ser implementado a partir de 2016, em que a gestão de algumas escolas será transferida para a Polícia Militar e a de outras, para Organizações Sociais privadas, com direito a terceirização completa de serviços escolares “não-pedagógicos” por meio de PPPs. A secretária de educação do estado comentou detalhes do projeto durante o seminário internacional “Caminho para a qualidade da educação pública: gestão escolar”, promovido pelo Instituto Unibanco e correalizado pela Folha em setembro deste ano em São Paulo [6].

Toda a ampla esquerda progressista sabe de cor e salteado a resposta contundente contra a lógica produtivista e empresarial da reorganização imposta pelo Governo de São Paulo: Educação não é mercadoria! Escola não é empresa!

Será que não é mesmo?

A escola-fábrica e suas preciosas mercadorias

Qual a real função da escola pública?

investimentonaogastoQuantas vezes já não ouvimos respostas de impacto como: “A função da escola é formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres”? O absurdo é que uma afirmação como essa pode servir às forças políticas, da esquerda à direita, mas pouco ou nada diz sobre a realidade objetiva e cotidiana dos cerca de 38 milhões de estudantes da rede pública de ensino, que correspondem a 85% do total de estudantes do país.

A escola tem a função concreta e cotidiana de educar para o trabalho. Pode este ser um trabalho mais qualificado, que demanda a simultaneidade de um ensino técnico ou mais anos de estudo no ensino superior, ou um tipo de trabalho menos qualificado, como no caso dos estudantes que deixam o ensino médio regular e ingressam diretamente no mercado sem qualificação profissional específica.

Enquanto as ETECs [Escolas Técnicas Estaduais] têm servido aparentemente para “separar o joio do trigo”, selecionando via vestibulinhos os alunos supostamente mais aptos à qualificação profissional técnica, a escola pública “normal” forma cada vez mais alunos para trabalhar nas funções mais genéricas e simples, que não exigem grandes habilidades intelectuais, bloqueando as possibilidades dessa enorme massa de jovens de cursar uma universidade pública. Nesse sentido, a escola pública forma de fato cidadãos, mas um tipo de cidadão específico, apto a trabalhar, ou melhor, preparado para aguentar o trabalho que lhe for destinado (ou, ainda, o ainda pior destino do desemprego) e se contentar com isso. Não é pouco, como alguns poderiam sugerir, o ensinamento que essa escola proporciona a milhões de brasileiros. A escola ensina: a acordar muito cedo, saindo de casa com o céu ainda escuro, ou a chegar muito tarde, enfrentando por vezes nos dois casos a humilhação coletiva do transporte público superlotado; a entrar no prédio, começar os estudos, parar para comer, parar de comer, e ir para casa apenas quando soa um sinal; a ter uma postura correta, sentar “direito” e respeitar filas; a fazer sem questionar o que lhe for ordenado por um superior; a ouvir e a falar nos momentos corretos; a cumprir metas impostas por avaliações constantes; a produzir trabalhos, textos e realizar exercícios periodicamente; a sofrer punições ou ganhar bonificações dependendo de seu comportamento e rendimento; a competir com os colegas; a respeitar hierarquias; e, até mesmo, a viver entre grades e ter limitada sua circulação nos corredores, salas e pátios; em suma, a passar grande parte do dia fazendo atividades indesejadas em um ambiente desagradável. fechaescolasabreprisoes Não seriam estas, justamente, as condições de trabalho que são enfrentadas pela maior parte destes alunos logo após se formarem? Condições que também não estão muito distantes daquelas de uma prisão, ambiente que guarda muitas semelhanças com o da escola, e para o qual é melhor que os jovens estudantes do ensino público estejam também preparados num sistema que produz uma enorme massa de desempregados que possivelmente nunca serão “incluídos” no mercado de trabalho formal.

A “fábrica de cidadãos” nada mais é do que a fábrica de trabalhadores, ou, em outros termos, de uma mercadoria absolutamente essencial para o funcionamento do capitalismo: a força de trabalho. Uma mercadoria muito especial pois é a única capaz de produzir todas as outras mercadorias, a única capaz de produzir valor e, claro, mais-valor. Quais seriam as características socialmente determinadas que essa mercadoria precisa ter para vender-se no mercado ou, mais sinteticamente, o que a maioria dos trabalhadores precisa saber? Poderíamos listar, entre as características de um “bom trabalhador”, que executa trabalhos de simples complexidade: ser dócil, obediente, esforçado, conformado e eficiente. Além de ser disciplinado e saber obedecer sem pensar demais, é de fato em geral importante saber um conteúdo mínimo que permita cumprir as funções básicas do trabalho como: conseguir ler informações simples, fazer contas básicas, ou até mesmo fazer ligações, mexer em máquinas e computadores. Enquanto alguns desses conteúdos são, ainda que aos trancos e barrancos, garantidos pela escola, grande parte desse “treinamento” é viabilizado pela prática comum entre crianças e adolescentes cada vez mais jovens do uso da internet e de smartphones, tablets, videogames e afins. O fato de, por exemplo, 20% da população brasileira adulta ser de analfabetos funcionais parece estar de acordo com as necessidades apresentadas pelo próprio mercado de trabalho brasileiro, formal ou informal. Ler, entender e refletir pode de fato ser um problema quando se tem uma massa de trabalhadores insatisfeitos e com grande potencial de revolta social.

educacao3A reorganização escolar só expressa ainda mais claramente a função que a escola tem cumprido no conjunto da sociedade: ser uma fábrica de força de trabalho – de trabalhadores que não precisam de quase nada daquilo que, em geral, concebemos como “educação”. Em sua tentativa de “diminuição da complexidade para a gestão” [7] dessa indústria muito especial, talvez o governo Alckmin possa ter de fato um verdadeiro sucesso, produzindo de forma ainda mais eficiente corpos e mentes mais dóceis, educados para o labor; eficientemente treinados, sob todo um sistema de avaliação e métrica, para uma vida de sofrimento, na qual ao encontrar ou não emprego, devem se conformar de cabeça baixa ou ser mais uma vez punidos caso caiam na “tentação da ilegalidade” como meio de vida.

Lutar contra a reorganização escolar não é simplesmente lutar contra uma medida autoritária do governo tucano, mas lutar contra a posição que a escola e o ensino ocupam na sociedade capitalista – lutar, portanto, por uma educação que não seja funcional ao mercado, por uma educação contra o capital.

Notas

[*] Esse artigo busca desenvolver e sintetizar as discussões levantadas por uma atividade de formação que o coletivo O Mal Educado vem realizando em algumas das escolas ocupadas.

[1] Além disso, também podemos apresentar dados, objetivos e confiáveis, como por exemplo: segundo estudos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação apenas 0,6% das escolas brasileiras tem infraestrutura “ideal” para o ensino e 44% das escolas tem só a infraestruturas básica (água, banheiro, energia, esgoto e cozinha). E uma pesquisa recente feita pelo sindicato dos professores do estado de São Paulo (APEOESP) aponta que 40% dos professores afastados sofrem de depressão. Em uma escola sem estrutura educacional mínima, com professores mal pagos, sobrecarregados e deprimidos é impossível aumentar o rendimento dos alunos apenas dividindo-os por faixa etária.

[2] http://educacao.uol.com.br/noticias/2015/11/25/secretario-diz-que-reorganizacao-escolar-sera-publicada-nos-proximos-dias.htm

[3] Retirado da materia da Folha: Brasil criou bomba fiscal na educação.

[4] Frases retiradas da matéria “Ideologia, engajamento e métricas são receita de empresas-referência em sustentabilidade” do site da AMCHAM (Câmara Americana de Comércio).

[5] http://www.passapalavra.info/2015/11/106922

[6] http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/09/1677040-goias-prepara-parceria-inedita-com-setor-privado-para-escolas-publicas.shtml

[7] http://www.passapalavra.info/2015/11/106922

6 COMENTÁRIOS

  1. 1 – Se a função da escola é essa, por que defendê-la?
    2 – Por que raios o Estado iria financiar e organizar uma “educação contra o Capital”?
    3 – O texto lista as funções ensinadas pela escola, e aponta que a escola pública serve para desviar os alunos do ensino superior. Mas o ensino superior também não se encaixa na descrição feita?
    4 – Qual a proposta do texto para além do slogan de “educação contra o capital”?

  2. Duvidoso,

    A função da escola é sim educar para o mercado de trabalho: produzir força de trabalho especializada. Na verdade, a longo prazo, contestar uma educação voltada para o mercado de trabalho sem contestar o capitalismo na sua totalidade, lutar contra a lógica empresarial na educação sem lutar contra a lógica empresarial nos demais setores da economia, seria o mesmo que fazer uma apologia do desemprego. Enquanto o capitalismo existir, a educação seguirá uma lógica empresarial: as empresas precisarão de mão de obra especializada e parte dessa especialização é adquirida necessariamente na escola. E realmente, o Estado não vai financiar uma educação contra o capital, mesmo porque Estado e capital são palavras diferentes para lados diferentes de uma mesma moeda. Mas por outro lado, uma educação contra o capital é justamente o que temos visto nessas ocupações: a certa altura, os estudantes definiram o que queriam aprender e quando, o que vai totalmente na contramão da lógica empresarial. O problema é que, ao movimento de contestação da lógica empresarial nas escolas, não se seguiu um movimento de contestação da lógica empresarial nas empresas em geral, empresas que continuarão a demandar a mão de obra especializada que deverá ser fornecida pelas escolas. E essa não generalização da contestação anticapitalista, que se expressa por meio daquele discurso que saúda os estudantes como o futuro e o orgulho da nação e que exime os trabalhadores (a força de trabalho já especializada) de fazerem o mesmo, constitui justamente a limitação mais grave do movimento. E o pior é que, com o anúncio da suspensão da reorganização, parte das escolas foram desocupadas: nesses casos, a ocupação reduziu-se a um mero instrumento reivindicativo, deixando de ser uma modalidade de inauguração de novas relações sociais. Mas realmente não faz sentido conservar as ocupações se a classe trabalhadora não parte para a ocupação e a autogestão das empresas em geral. Se novas relações sociais também estivessem sendo criadas noutros tipos de empresa, essa educação contra o capital que temos testemunhado teria o seu lugar ao sol, mas o problema é que a classe trabalhadora em sua maior parte oscila entre a passividade e a função de massa de manobra da esquerda no poder ou da direita na oposição. O que precisamos no momento é que as ocupações persistam e sejam seguidas de ocupações em todas as empresas. Aliás, essa é a única alternativa à reversão da conquistas dos trabalhadores nos últimos anos mediante a imposição de novos parâmetros de produtividade.

  3. A classe trabalhadora tem uma história universal que é o movimento dos diversos particulares.
    Os estudantes de SP e agora os de outros estados estão dando um enorme passo na criação de uma nova tradição de lutas no Brasil, levando o radicalismo difuso de 2013 para dentro dos espaços de produção e reprodução econômica. Esse tremendo avanço, de peito aberto num contexto cinzento, como todo avanço, tende a ser seguido de um período de refluxo — a grande questão é se essa novidade, toda essa experiência de massas, conseguirá ser transmitida como acúmulo de forças da classe, ou se será dispersa como apenas um instrumento reivindicativo.
    Essa questão da transmissão das experiências, ou seja, da irresolvível equação entre saber e política, é de grande importância nesse momento atual da história das lutas da classe trabalhadora, quando a forma-partido vai morrendo aos poucos. Como fazer com que as novas experiências ganhem corpo e substância e tenham efetividade e durabilidade, ao invés de esfumar-se num eterno retorno do zero, da classe desmobilizada e passiva, do eterno andar no passo do mais lento? A ideia não seria conseguir que o mais lento se torne um pouco mais veloz que ontem?

    Agora, quanto ao contágio das ocupações em direção às empresas. Até hoje tenho notícias de ocupações espontâneas dos meios de produção pelos trabalhadores apenas em casos bem extremos onde as situações nacionais estavam em plena crise, especialmente envolvendo a insurgência armada, como no Chile de Allende, na Argelia recém liberada, na Russia de outubro. Seria interessante que outros leitores mencionem outros casos que eu desconheço, mas até onde posso ver, não creio que possamos esperar um tal passo titânico da classe trabalhadora no Brasil sem antes acumularmos muitas outras lutas como a dos estudantes secundaristas.

    Se os trabalhadores brasileiros hoje em tão pouca medida se identificam como classe, se organizam como classe, serão uma ínfima minoria os que teriam a convicção de tomar o controle de suas empresas, e menos ainda seriam os que teriam a convicção (e os meios) de defender-se contra a reação.
    Os estudantes persistirão sentados, se é isso que os motive.

  4. Os instrumentos da Secretaria de Educação de São Paulo

    A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e o governador Geraldo Alckmin anunciaram o adiamento da reorganização escolar do Estado. O argumento para manter a proposta é simples: 1) o IDEB avalia a qualidade das escolas; 2) as melhores escolas no IDEB são as escolas de ciclo único; portanto, 3) escolas de ciclo único são melhores.

    Parece uma lógica perfeita e incontestável e que se tal mudança acontecer ajudará na educação. Como todo silogismo, primeiro vem a proposição:
    “Os homens são mortais”.

    Depois, utilizando as regras corretas, vamos para:
    “Sócrates é homem”.

    E então, como aparentemente não podia deixar de ser:
    “Sócrates é mortal”.

    A SEE utiliza-se de um modo de pensar dado por Aristóteles antes de Cristo. Convenhamos que é uma maneira de pensar. Mas não é a única e nem a melhor. Não conhecemos nada novo com o silogismo; só revelamos um conhecimento já elaborado. Nenhum conteúdo novo aparece no pensamento e, portanto, não nos tornamos capazes de compreender alguma coisa nova.

    Por exemplo: o Órgão público reconhece a necessidade de elevar a qualidade das coisas e coloca como exigência para si a melhoria da educação do seu Estado; ele se coloca, portanto, um trabalho digno e enorme. Mas, durante o trabalho, a realidade se revelou diferente daquela que imaginamos. Apesar das observações, identificações, análises, classificações, as coisas não saíram como o planejado. Obviamente que ninguém pode responsabilizar a realidade por isso. A realidade não está errada. Então, deve ter havido algum erro na lógica. Mas nada se encontra: IDEB avalia; escolas de ciclo único vão bem; portanto, escolas de ciclo único são melhores. Onde está a falha?

    A falha está em não enxergar a realidade, mas lidar com conceitos rígidos como se fossem a própria realidade. Enquanto considerarmos a “Escola” como um prédio, a “Avaliação” como indicadores de qualidade de sistemas e instituições escolares e os “Ciclos de aprendizagem” como referência para afastar as crianças e os jovens, a realidade continuará a nos surpreender. Porque “escola”, “avaliação” ou “ciclos de aprendizagem” não são coisas isoladas e independentes que podemos dispor conforme a nossa vontade. Não são peças de Lego. Nós só conseguiremos agir sobre a comunidade escolar, as avaliações e os ciclos de aprendizagem quando considerarmos as relações que os compõe e apresentarmos perspectivas mais favoráveis e convenientes aos sujeitos desta comunidade.

    O modelo escolar não é o único modelo de educação e a educação deverá ser pensada mais a partir das comunidades que serve, do que a partir da instituição, de modo a que os processos de aprendizagem tenham um papel transformador nas sociedades.

    Para uma avaliação fundamentada na aprendizagem e que contribua para a melhoria da qualidade da educação, cada criança deve ser considerada um indivíduo único e deve ser tratado como tal, não interessando as padronizações convencionais, idade, séries, gênero. O que importa são seus interesses, suas necessidades. Descobrir e encorajar suas aptidões e potencialidades, respeitando sempre sua história e sua cultura.

    Por isso, não basta adiar a reorganização escolar da rede estadual. Já é tempo de repensarmos os nossos instrumentos de conhecimento da realidade. Porque a realidade nunca está errada. Mais cedo ou mais tarde ela é vislumbrada, torna-se explícita, e acaba ocupando nossas ruas, nossa mesa de trabalho, nossas escolas. Se nos surpreendemos com ela é porque estamos utilizando um pensamento ossificado e rígido.

    Apoio uma reorganização escolar profunda:
    – Uma reorganização escolar que dê conta dos problemas reais da nossa sociedade;
    – Uma reorganização escolar que respeite as crianças e todas as diferentes formas de aprendizagem;
    – Uma reorganização escolar que não se satisfaça ou se oriente com notas medianas;
    – Uma reorganização escolar que esteja de acordo com o artigo 23º da LDB que afirma que a organização escolar deve se originar do interesse do processo de aprendizagem;
    – Uma reorganização escolar que assegure os direitos estabelecidos pelos artigos 12º e 15º da LDB e a meta 19 do PNE sobre a autonomia escolar.

  5. Sim, a função da escola é preparar alunos (futuros empregados) para o mercado de trabalho, mas a questão de economizar nessa área é futil para o governo. Escolas com professores de baixa qualidade (ou nos piores casos sem) “desprepara” estudantes para o mercado de trabalho, aumento o índice de vandalismo, desemprego e outros, tendo que investir em outras áreas para suprir os danos causados. Algo que deveria ter mais atenção são as faculdades que, tendo bom investimento, geram bons educadores. Como a inflação gerada pela corrupção é grande, devemos investir nas escolas e faculdades que geram mais empregos, rentabilidade e diminui índices de desemprego, anafalbetismo e consequentemente diminui gastos em outras áreas sem precisar tirar de um para colocar em outro.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here