Tivemos que quebrar o modo de luta que aprendemos e começar outro que se adequasse à situação. Por Cauê Borges

Por que escrever sobre os últimos movimentos secundaristas?

Enquanto os movimentos e organizações que circundam o Partido dos Trabalhadores tentam, com todas as suas forças, segurá-lo no poder por ainda acreditarem no Projeto Democrático Popular, os recentes movimentos da juventude vem formulando novos modelos de organização e de luta por um mundo novo. As ocupações secundaristas de 2015 não foram só responsáveis por derrubar um projeto estatal e um secretário da educação, mas foram os mais significativos passos da esquerda para além de Junho de 2013, criando novas questões e resgatando velhos dilemas da luta de classes brasileira.

O socialismo, entendido aqui como concepções de organização e forma de transformação da sociedade, não é algo dado, que é compreendido após anos de estudo e depois pode ser passado adiante, numa concepção leninista quase messiânica em que a “a classe trabalhadora é iluminada pela minoria organizada”. Assim como o conjunto da sociedade, o socialismo está em constante mudança, causa necessária da luta de classes. Devemos estar sempre atentos aos movimentos de nosso tempo para compreendê-lo e agir sobre ele com uma ação realmente transformadora, sendo um erro tentar aplicar, no presente, programas e modelos elaborados para tempos e lugares totalmente diferentes.

Antes de tudo é bom deixar claro que eu iniciei minha militância nos atos de junho e logo depois entrei no Movimento Passe Livre. Participei das ocupações como militante do GAS (Grupo Autônomo Secundarista) [1] e que no meio do processo entrou para o coletivo O Mal Educado, no qual muitos passaram pelo MPL e saíram com críticas públicas e internas. A análise e as questões que aparecem no texto são resultado de um longo processo reflexivo feito pelos que circundam o Mal Educado, portanto não é um registro da discussão do movimento como um todo.

Histórico do Movimento

No dia 23/9/2015 o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou que realizaria um projeto na área da educação a partir do ano seguinte chamado de “Reorganização Escolar”. Esse projeto consistia basicamente em fazer com que as escolas funcionassem com apenas um ciclo, ou seja, que funcionasse Fundamental I (1º ao 5º ano) em uma escola, Fundamental II (Ginásio) em outra e Ensino Médio (Colegial) em outra. Além disso, só se poderia estudar em um colégio até 2 km de distância de sua casa, fazendo com que o direito de “passe livre” nos transportes públicos fosse extinguido. Isso, na prática, significava que centenas de escolas seriam fechadas, visto que seriam agrupados muitos alunos em uma turma e muitas turmas em uma só escola. Logo quando foi anunciado o que se comentava era que se fecharia em torno de 500 escolas, porém, sem confirmação do Estado. O argumento do governo era a falta de alunos no ensino público e “estudos científicos que provam a eficiência da escola com ciclo único”, porém, aos poucos foi ficando claro que era uma questão de corte de verbas públicas relacionadas à crise econômica no país.

Logo depois do anúncio, ocorreram manifestações puxadas principalmente pelos professores nas ruas próximas às escolas estaduais, mostrando que a pauta tinha potencial para colocar os secundaristas em movimento. Vendo isso, o coletivo O Mal Educado apostou que essa mobilização poderia ter um salto qualitativo na tática e fazer como os estudantes do Chile e Argentina fizeram, produzindo o panfleto “se fechar a gente ocupa” no primeiro ato central, 6 de outubro, chamado por estudantes no Facebook. Acreditando na forma de atos centrais massivos e contínuos, foram realizadas mais duas mobilizações centrais com 2000 e 3000 pessoas respectivamente, porém a partir desta última ocorreu um esvaziamento dos protestos centrais. O movimento estudantil evidentemente não encontrou as respostas nesses grandes atos e voltou às paralisações escolares e de seus arredores, mas evidentemente com menos força. Nós que acreditávamos na possibilidade das ocupações e que elas poderiam reacender o movimento passamos, assim, a nos dividir pelas regiões da cidade para fortalecer a luta dentro das escolas e pensar em cada região as possibilidades de ocupações.

A atuação do Mal Educado foi descentralizada, com maior foco na E.E Diadema, E.E. Fernão Dias e E.E. Salvador Allende, não sendo coincidência essas três terem sido as primeiras escolas a serem ocupadas, começando no dia 9 de novembro. Como uma explosão, a tática foi abraçada pelos estudantes e, em uma semana, pelo menos 12 escolas foram ocupadas, algumas sem interferência direta do Mal Educado. Outras organizações perceberam a possível força do movimento e iniciaram seus trabalhos nas escolas. Como já era esperado, as entidades UBES, UPES e UMES passaram a entrar nas escolas com claras intenções de dirigir de forma não democrática o movimento, encontrando uma resistência dos estudantes que não surgiu por acaso ou por simples sectarismo.

Prevendo o possível aparelhamento do movimento, nós criamos uma faixa com o mote “estudantes pelos estudantes“ impulsionando o movimento a criar seu próprio fórum por fora das entidades que serviram, nas últimas lutas, mais como instrumento de conciliação e apaziguamento do que qualquer outra coisa [2]. Assim, foi se criando o Comando das Escolas Ocupadas. Esse era o principal espaço de articulação das escolas, sendo uma organização que se propunha a ser construída pela base com representação direta decidida nas assembleias escolares. Desde o início, o Comando tinha legitimidade para deliberar as questões, mesmo que não tenha tido, em nenhum momento, a maior parte das escolas nas suas assembleias gerais. Isso se deu por conta da dificuldade econômica e de locomoção que são impostas aos estudantes do interior do estado, mas também havia locais em que ou não se sabia da existência ou tinham críticas à existência do Comando.

Após três semanas e com cerca de 200 escolas ocupadas, o movimento (ideia gestada no Mal Educado e posta em prática na E.E. Fernão Dias, depois discutida e aprovada no Comando) decidiu avançar taticamente e colocar suas pautas para fora das ocupações. Começando na segunda-feira 31, a tática de “travamento” das ruas com cadeiras escolares foi difundida entre as escolas, havendo 11 travamentos simultâneos já na quinta feira. Logo na sexta-feira, o Governador suspendeu a reorganização e o secretário da educação saiu do cargo.

O que se seguiu foi um ato com mais de 10 mil pessoas no MASP, a maioria apoiadores das ocupações, e um declínio das que permaneciam ocupadas, ocorrendo a última desocupação em meados de janeiro de 2016. O comando entrou no refluxo pós-luta e perdeu sua força, não sendo mais, hoje, um espaço amplo de discussão e organização do movimento.

No mesmo momento em que a luta em SP decaía, alguns estudantes de Goiás e universitários ocupavam escolas em plenas férias com o objetivo de ter a volta às aulas com ocupações que lutassem contra o projeto de militarização e de privatização dos colégios. A mobilização chegou a 20 escolas ocupadas e o número circulou nessa margem, por causa da impossibilidade histórica de massificação do movimento estudantil quando os estudantes estão fora da escola. Faltou comunicação entre os estudantes de SP e GO, mas essa debilidade não se estendeu aos gestores da sociedade. Claramente aprendendo com os erros do governador de São Paulo, o estado de Goiás terceirizou a repressão em cima dos estudantes, colocando a própria comunidade escolar e os estudantes que estavam indecisos contra a ocupação, gerando uma instabilidade interna e uma aparência frágil. Com isso, a ação da polícia se tornou legítima para a população, mesmo sendo com relatos de maiores agressões contra os alunos, afinal, “eram um grupo de rebeldes que impediam o estudo da maioria”.

2016 e a continuidade do movimento

O momento que seria de evitar um refluxo amargo e colher os frutos desse processo de luta é interrompido pelo aumento das passagens de ônibus, fazendo com que nós estudantes, ou a “vanguarda” formada no processo, tivesse que agir e protestar, pois afinal “somos combatentes e um combatente não foge à luta“. Com a moral levantada pela vitória, pensamos que seriamos nós quem dirigiríamos a luta contra o aumento. Esse é o efeito traiçoeiro e ambíguo das vitórias concretas, pois elas têm o caráter positivo de moralização daqueles que entraram na luta, como 2013 foi ao mostrar para todos que nós podemos ganhar lutando, mas esse sentimento vem junto com a ideia de que SÓ nós, do nosso modo e com a nossa organização, podemos ganhar. Foi nesse período pós-luta que as organizações “clássicas” criticaram a forma dos novíssimos movimentos sociais, pois atuariam “sem objetivo e no imediatismo”, já esses movimentos disseram que é só à sua maneira se venceria e que aquelas organizações estariam presas aos modelos engessados não atuando na realidade etc. Ambos esqueceram que a luta de classes é dinâmica, se modifica, está em movimento e esse movimento não significa esquecer o passado, mas que o que está em construção é o presente.

Voltando à luta da tarifa, tentou-se repetir a fórmula de junho de 2013 onde o grupo-direção planeja o descontrole e a massificação do movimento através de uma jornada de atos centrais, pressionando o governo a recuar com medo da proporção desta revolta. Um texto formulado em 2014 por Caio Martins e Leo Cordeiro, que na época eram do MPL, chamado “Revolta Popular: O Limite da Tática[3] já apontava que esta “formula de Junho” vinha sendo gestada ao longo da vida deste movimento e perdeu o seu sentido em 2013, pois foi levada ao seu limite. A luta contra o aumento de 2016, portanto, foi mais uma luta em que não se obteve nem vitórias econômicas (a redução da passagem), nem organizativas para a classe trabalhadora. Essa luta desgastou física e psicologicamente os estudantes, voltando às aulas cansados mas ainda com muito moral e “vontade de lutar” oriunda da recente tomada de consciência e de uma vitória que não saciou os anseios estudantis. Foi nesse período que mais apanhamos com o discurso “estudantes pelos estudantes”, pois reforçou um amor narcisista pela identidade “secundarista” e empoderou o discurso sectário, isolando até o próprio Mal Educado dentro do movimento. Em meio a travamentos e pequenos atos puxados pelos estudantes das escolas estaduais, o movimento começou a se desgastar em seus vícios e foi perdendo sua forma.

Junho de 2013 e o Verão Secundarista: o Espírito do Autonomismo

Após esses processos de luta, reacenderam os debates sobre o legado de junho, agora relacionado com a luta secundarista. O lugar-comum foi a culpabilização do MPL, não só pela direita nas ruas contra a Presidenta Dilma Rousseff, mas também pelos erros e vícios causados pelo “autonomismo” e sua “centralidade na tática” que limitaram o movimento secundarista. Assim, todas as questões que a realidade impôs foram jogadas fora com simples taxações e pela busca de “culpados” sem se pensar realmente sobre os dois movimentos. O importante é entender quais são as semelhanças e diferenças entre as duas lutas.

Sobre junho: O transporte não é um “local” ou “atividade” que classifica ou significa o indivíduo nesta sociedade, sendo algo que o transporta ao local de trabalho, aí sim o configurando como “metalúrgico”, “faxineira”, “estudante”.. A tática usada pelo MPL em que o central eram os grandes atos de rua, chamada de “Revolta Popular”, foi planejada anteriormente e tinha como pressuposto superar a si mesma, extrapolar os limites do movimento e isso não seria possível com uma pauta diferente do transporte, visto a sua amplitude e sua abrangência. As ruas do centro são palcos onde a plateia anseia entrar e interagir com os atores, estes que ao lutarem contra o aumento não se identificam como “metalúrgico”, “estudante”, ou seja, como um “setor específico”, mas como um “Cidadão” que quer se locomover por sua cidade e reivindica um direito ao Estado. Todos se sentem convidados ao espetáculo e, como cidadãos, têm anseios que vão para além da pauta, estes aparecendo aos poucos e sendo alimentados pela mídia. Não é culpa do MPL o fascismo nas ruas após a revogação do aumento, este apenas encontrou nos atos e naquela forma de organização um lugar para se mostrar.

Já a luta secundarista aparentemente foi “salva” pela inovação tática em um momento que era dada como morta [4], mas não era porque não havia mais manifestações na rua que o movimento tinha acabado e não foi simplesmente a “radicalidade” da ocupação que motivou os estudantes. Se as manifestações implodiram e a ocupação se espalhou, isso quer dizer que os anseios e as necessidades de luta dos estudantes encontraram lugar não na primeira, mas na segunda tática. Quando falo em uma nova “tática”, portanto, não o digo no sentido que se tentou atribuir, como uma manobra militar, uma simples ação direta, um remanejamento de tropa, mas uma nova disposição dos atores políticos, uma nova relação entre direção e base, enfim, algo novo.

A luta estudantil tinha uma pauta especificamente relacionada ao local de estudo e a luta pela manutenção deste incutia imediatamente aos envolvidos a sua caracterização: estudantes. Tentar fazer da rua o palco de suas indignações era inviável e logo os universitários e mesmo os professores apareceram, tirando os secundaristas da cena. Como disse acima, a ocupação é onde os estudantes se enxergaram e se firmaram como um setor, podendo ter controle do movimento e dando a ele suas próprias características. Esse movimento, em certo sentido “setorial”, já não aposta mais na revolta popular, e sim no fortalecimento da categoria e o apoio externo a ela, semelhante ao que são (ou já foram) as lutas sindicais. Ignorar que a pauta, a tática e os resultados se relacionam intimamente é não ver uma luta como ela é de fato. Também, a tentativa de reduzir o autonomismo aos seus limites é mais uma manobra para ocultar suas críticas aos modelos “clássicos” de organização. É preciso, enfim, destrinchar esta tão mal falada “tendência” que se revelou forte em 2013 e permeou as últimas lutas não só no Brasil.

Diferente de um “autonomismo clássico” com bases teóricas talvez gestadas desde Maio de 68 em Paris, é possível entendê-lo como um “campo necessário que nosso tempo nos impõe”, nas palavras de um companheiro ao ser testemunha de diferentes lutas secundaristas. Podemos usar a formação do MPL como um exemplo: a Revolta do Buzu em Salvador (2003) foi um movimento principalmente secundarista contra o aumento das passagens na cidade. Como um motim, espontaneamente e sem uma organização, os estudantes saíram das escolas e pararam as ruas durante semanas pedindo a revogação do aumento. Sem aviso prévio, as entidades estudantis ligadas ao PC do B marcaram uma reunião fechada com os gestores e fecharam um acordo em que foram concedidas a meia passagem estudantil e algumas outras migalhas, em troca, as entidades garantiam o fim do movimento. Mesmo resistindo e criticando a ação oportunista das entidades, o movimento começou a perder sua força e acabou sem conseguir suas pautas iniciais. O MPL surgiu em uma crítica a esse modo de organização e criou princípios que teriam como base o movimento que estava na rua. Daria, portanto, um corpo àquele movimento para que ele fala-se por si. Assim, se tornou horizontal, apartidário e autônomo.

O MPL não é, portanto, o criador desse novo autonomismo, mas a sua formulação prática e organizativa. Surge a partir da crítica tanto ao maior partido da classe trabalhadora quanto às entidades que hoje são conhecidas por “pelegas” e conciliadoras. É um erro, portanto, colocar no autonomismo de Junho de 2013 a culpa sobre os limites do Verão Secundarista, já que haviam características em comum nas ocupações do CE, RS, RJ, SP e GO, ou seja, tanto nos lugarem em que o MPL não tinha atuação alguma quanto no seu centro (SP). Já está mais que claro que a tentativa de achar culpados vinha inviabilizando uma crítica construtiva sobre o movimento. Entendido o autonomismo é possível seguir adiante.

A luta dos estudantes surgiu com essas aspirações, mas aos poucos mostrou seus limites e gerou anseios para superá-los. O processo colocou questões que ultrapassavam a lógica autonomista e, assim, expôs para nós seus limites, gerando novas questões e soluções para estes. Longe de formular respostas definitivas, tivemos que, no calor do momento, quebrar com o modo de luta que aprendemos e começar a formular outro que se adequasse àquela situação.

A primeira “quebra” com o autonomismo foi entender que, para se contrapor às entidades conciliadoras e chamadas a todo momento de pelegas, era necessário criar uma organização erguida pela base e que todas as escolas estivessem “centralizadas” nela (não com essas palavras, mas o sentido era esse), criando assim o Comando das Escolas Ocupadas. A criação deste se apresentou para nós como a melhor alternativa para o movimento, possibilitou uma união e uma contraposição concreta à UBES/UMES e realmente o foi durante um período, pois havia uma organização que reivindicava o papel de “direção” do movimento e de certa forma o “comandava”. Esse movimento foi simbólico, pois tentou unir as escolas “autônomas” em um só organismo para a luta conjunta, mas sem ignorar as características de cada escola. Seria esse o nosso próximo passo?

A segunda “quebra” foi no momento que conseguimos reverter a reorganização. O movimento estava forte, tínhamos mais de duzentas escolas ocupadas, em torno de 3000 estudantes diretamente ligados na luta e muita gente mobilizada em volta, a sensação era de que podíamos mudar o mundo. A resposta do governo vem justamente quando o movimento está crescendo, atingindo outros setores e colocando a ordem em risco. Para muitos a vitória da pauta foi um banho de água fria, o movimento parecia poder mais, nós queríamos mais, porém não podíamos. Como poderíamos, por exemplo, desembocar em algo realmente maior do que a simples conquista da pauta? Seria necessário que outros setores da classe trabalhadora entrassem em movimento e para isso seria necessário uma organização que estivesse inserida em todos os locais, articulando, planejando, estudando o momento de agir. Assim, a lógica de luta por pautas únicas, seja a reorganização, seja a tarifa zero, moradia etc… perdeu sentido para nós como fim em si mesmas, vimos a necessidade de algo que articule as lutas e não as deixem fragmentadas, à própria sorte.

A terceira foi fruto de uma reflexão pós-luta, onde nos perguntamos “quais são as vitórias desse movimento e para onde ele está nos levando?”. O processo de luta muda as pessoas e, nesse sentido, a ocupação é um catalisador da mudança, pois, diferente de uma jornada de luta na rua em que a batalha está sendo travada em um certo limite de tempo e espaço, a ocupação toma todo o seu cotidiano e você é levado a experienciar novas formas de relações, sendo impossível sair deste processo da mesma forma que entrou, seja um militante experiente, seja um estudante que foi pego de surpresa. A questão é que este foi um processo em certo sentido espontâneo, onde um ou dois grupos souberam conduzi-lo, portanto não estava seguindo uma estratégia ou um projeto de transição ao socialismo. O resultado desse movimento era algo em disputa não só pela esquerda, mas também pela direita e seus aparatos (poucos meses depois a Globo deu início a uma edição da novela “Malhação” em que o tema eram as ocupações). A única certeza era de que todos ali perceberam a necessidade de “lutar para garantir”, “Mas o que construímos além dessa disposição [à luta]? Milhões saíram às ruas e, de volta à casa, ao bairro, ao local de trabalho, voltaram à rotina de sofrimentos e humilhações” [5], esse sentimento dos autores do Revolta popular era agora sentido por nós. Já havíamos percebido que movimentos de pauta única não poderiam gerar processos de transformações estruturais, simplesmente lutar contra um projeto estatal ou por uma nova reforma não nos leva necessariamente ao socialismo.

Da repulsa à construção do novo

Após essa experiência que estremeceu as bases da nossa militância, o natural era querer se firmar como algo diferente, crítico ao espírito autonomista. Tendemos ao isolamento e buscamos um lugar para ficar, algum que tinha um projeto, entendia os limites da horizontalidade, usufruía sem medo dos termos “direção/base”, “vanguarda”, enfim, queríamos um partido no sentido (enchíamos o peito pra falar) leninista. Não obstante, lançamos olhos esfomeados às organizações leninistas de extrema-esquerda que nos apresentavam uma cartilha pronta para atuar, nos colocariam em combate e nos ofereceriam manuais e formações sobre o marxismo. Mas aos poucos percebemos que faltava um capítulo naqueles livros, chamado “O Presente”.

Analisando mais atenciosamente as críticas que fizemos à lógica autonomista percebemos algo importante. Se, por um lado, o autonomismo era um obstáculo ao Comando por muitas escolas se recusarem a participar porque este teria um cunho “autoritário” que tiraria a “autonomia” de cada escola, a crítica às entidades e blindagem do comando em relação à qualquer aparelhamento por um partido vinha do autonomismo. Nos estados em que houve ocupações e que o comando foi organizado ou pelo PSTU (RJ) ou pelo PSOL e PCdoB (RS), o comando não serviu para unificar os estudantes, visto que nos dois locais se criaram “Comandos Independentes” que tentavam manter ao máximo a auto-organização estudantil. Por mais que entenda a necessidade de autoconstrução da organização e de fazer da luta concreta um caminho ao socialismo, na prática, isso tem se tornado uma limitação para os movimentos de base onde o surgimento de algo que não estava no “programa” da organização é deixado de lado e podado. Assim, mesmo que se entenda a debilidade de um movimento de pauta única, não pode, de forma alguma, ignorar que estas lutas trouxeram elementos novos e que só não são incorporados às organizações ditas revolucionárias, porque estas estão engessadas em seus velhos programas.

Longe de ter uma resposta, ficou claro para nós que as últimas grandes lutas tiveram este caráter autonomista por uma necessidade histórica de organização fora dos velhos, pelegos e engessados partidos de esquerda, mas é preciso dar o passo adiante.

Percebemos nessa luta secundarista que de fato precisamos de uma organização que atue em diferentes setores e é preciso ter um projeto de atuação, pois querendo ou não travar lutas concretas é construir um caminho, o perigo é não saber a que lugar ele nos leva. O autonomismo levou pessoas à luta e gerou coisas novas como nenhuma organização leninista havia feito a alguns anos, mas para onde essa luta está levando? Impossível saber ao certo, ainda mais quando as lutas estão fragmentadas e sem algo que as unifiquem. Esse programa, porém, não pode ser algo engessado, voltado para si, mas deve ser líquido, volátil, incorporando as lutas e se modificando com o tempo, afinal, ele deve ser construído pela classe, não para ela.

Notas

[1] Coletivo formado no meio de 2015 por nove secundaristas (incluindo eu) que visava criar grêmios estudantis independentes das entidades, seguindo o mesmo modelo de organização do MPL.

[2] Ver “Teses sobre a Revolta do Buzu” onde o militante Manolo analisa a atuação das entidades na luta contra o aumento em Salvador, 2003. Da mesma forma, as mesmas entidades (UBES e UNE) tentaram desarticular, em conjunto com a Prefeitura de São Paulo (PT), a luta contra o aumento das passagens em 2015, a partir de um acordo em que foi concedido o passe livre estudantil, tirando os secundaristas que estavam na luta naquele momento.

[3] MARTINS, Caio; CORDEIRO, Leonardo. Revolta popular: o limite da tática. 2014. Acesso em: 7 agosto 2016.

[4] Um coletivo, principalmente universitário, fez uma análise sobre as ocupações onde essa idéia aparece, em que o Mal Educado realizou uma ação de grupo “jacobino-blanquista” que reacendeu o movimento. Balanço geral da luta secundarista. Acesso em: 7 agosto 2016.

[5] Trecho de ”Revolta popular: o limite da tática”.

 

  • Todas as imagens foram retiradas da página do Mal Educado no Facebook.

 

15 COMENTÁRIOS

  1. O autonomismo foi um passo à frente porque era preciso se livrar da velha esquerda autoritária. O passo à frente deve, nome de “algo que unifique”, voltar a incorporar elementoa autoritários…? Isso soa mais como um passo pra trás. Uma teimosia em aprender com a história baseada num (admitido, no próprio texto) medo e incerteza sobre o futuro.

    É natural, I guess. Mas ceder ao medo não é resposta.

    E chamar o tal “autonomismo” por seu nome próprio, que tem força e história pra ensinar ainda mais em termos de tática e sentido ético na construção de uma nova sociedade, me parece imperativo: é ANARQUISMO.

  2. A conclusão do texto me parece essencial. Para mim o que enfraqueceu o movimento pós ocupações foi a dificuldade dos estudantes de se verem como pertencentes a uma classe explorada, trabalhadora. Se apegaram demais ao seu “protagonismo” a ponto de criarem uma pauta única, individual e individualista… faltou a unificação de classe!
    Mas não acho que faltou força ao “comando” ou uma vanguarda que direcione o movimento à qualquer outra pauta. Creio que a velocidade dos acontecimentos e a necessidade de blindá-lo contra o oportunismo das entidades vinculadas a interesses eleitoreiros (ao PSTU, PSOL, PCdoB etc) influenciou negativamente nesse desfecho.
    Porém acho que foi um passo importante e o curso da história sempre segue e deixa suas sementes. Tenho percebido que o poder de cooptação dos ditos “pelegos” diminuiu bastante e creio que frutos virão disso.
    Também é a hora dos estudantes saírem da bolha e entenderem seu papel e local dentro da sociedade. Não se resolve o problema da educação com reformas no sistema educacional sem que haja uma mudança política/social como um todo. Derrubar uma PEC, uma reforma, uma OS ou conseguir eleições para direção (ex. do Rio de Janeiro) etc. estão longe de serem suficientes para uma educação emancipadora. Mas é a organização popular “debaixo e à esquerda”, pautada na solidariedade de classe, acima de tudo que pode levar à essa revolução social.
    O melhor das ocupações não foi a luta por suas pautas, mas a própria ocupação em si! Ela produziu jovens que agora possuem uma experiência real com a autonomia, com a luta contra o real inimigo que é o estado, falta entender que essa luta é não é apenas estudantil mas de todo trabalhador.
    Agora é o momento do retorno ao trabalho de base, às reuniões que (re)discutem pautas e à unificação das lutas.

  3. Análise interessante sobre a luta secundarista, os militantes que participaram aprenderam muita coisa e cometeram muitos erros, fomos apresentados com os limites do autonomismo e ao mesmo tempo do projeto democrático popular e do leninismo, não há dúvidas como o autonomismo consegue dialogar com as bases e apresentar na prática suas convicções e intenções, apesar disso a falta de organização e saldo organizativo que tivemos no final tornou-se um grande problema, e a cada luta que travamos dentro do autonomismo parece que matamos o terreno para futuras lutas naquele setor, pois ao final a base acaba sempre voltando pra casa, não sabendo o que fazer e o Estado aproveita a desorganização para perseguir e reprimir o que restou do espírito dos militantes e a “vanguarda” parte para outros setores, para novas lutas e a base fica devastada, com o sentimento de derrota, independente do resultado do embate, e muitas vezes perdem mais do que ganharam. É necessário a criação de uma nova forma de organização que consigo trazer consigo o dinamismo da luta de classes e os aprendizados que tivemos tanto na nossa própria prática quanto na história das lutas até hoje. Bom texto!

  4. Compa Cauê, por acaso você conhece o especifismo e a proposta de organização da FAU? Se sim, o que pensa sobre essa proposta. Me parece que dialoga um pouco com algumas das suas questões.

  5. Tenho enormes críticas com o autor do texto e com o autonomismo no geral. Tentarei aqui expressar minha opinião apenas sobre dois elementos centrais, que me parecem bem marcantes no texto, mas que podem se aplicados ao autonomismo de comum…

    Se não negamos que ainda existe a necessidade do socialismo para a classe, e essa necessidade se expressa nas necessidades mais imediatas e cotidianas da classe, então poderíamos pensar que de forma espontânea a classe irá se levantar e fazer a revolução socialista. Isso não acontece. Um dos motivos mais importantes para que isso se dê está no fato da estratificação objetiva (fragmentação nos setores de produção e distribuição) em que se encontra a própria classe. Isso inicialmente é um obstáculo para que a classe consiga se ver enquanto classe. Em suas lutas cotidianas, que não são só toleradas como mesmo incentivadas pelo capital, em seu limite a classe consegue se ver enquanto trabalhadores de uma categoria específica de trabalho. Sendo a consciência posterior à experiência (premissa básica do marxismo), é muito difícil que uma consciência classista surja espontaneamente das lutas da classe…

    Nesse sentido, as lutas corporativistas são fatais para a construção do socialismo. Os trabalhadores lutam por melhores condições em seu local de trabalho. Por aumento salarial seu e de seus colegas (de toda a categoria, quando muito)… Em suma, esgotam a classe trabalhadora com lutas que não vão levar a uma formação de consciência classista, que é essencial para o enfrentamento da classe trabalhadora com a burguesia, até seu limite, a revolução.

    E assim, me surpreende que um balanço que pretende ser sério sobre a luta que reacendeu e mudou o cenário do movimento secundarista no país diga claramente, como que comemorando, que o mote de “estudantes por estudantes” foi elaborado e disseminado pelo próprio ME (Mal Educado)… O balanço ainda aponta alguns parágrafos depois que isso fez com que os secundas “apanhassem”, sem fazer qualquer análise crítica sobre o significado profundo de uma política como essa, e as consequências práticas que ela acarretou no movimento e mesmo após ele.

    O corporativismo é uma tendência espontânea da classe. Combatê-la é uma tarefa de qualquer um que queria construir a revolução socialista. Isso por si só justifica a construção de uma organização de vanguarda. Ainda assim, o ME demorou muito em sequer se apresentar enquanto tal. Se num primeiro momento, após a ocupação do Fernão Dias, eram oportunistas ao dizer que eram estudantes daquela mesma escola, e justificavam esse oportunismo dizendo que era uma medida de segurança (só tendo admitido abertamente que eram uma organização de vanguarda separada das massas muito tempo depois, quando a luta já estava encaminhando pro seu final, inclusive levando a choque com as bases, diga-se de passagem), sob essa mesma justificativa de segurança, de prevenir o movimento contra organizações oportunistas de esquerda, que surgiu o mote do “estudantes por estudantes”. E, sob essa mesma justificativa de segurança, de necessidade de se construir a luta a qualquer custo, da dificuldade em “explicar as coisas para as bases”, foi que no próximo processo de lutas, nas ocupações das etecs, se contentou em ocupar as escolas com assembleias exclusivamente dos alunos secundaristas, sem incorporar os estudantes dos técnicos, sob a justificativa de que era “muito difícil” garantir a ocupação se se tivesse que convencê-los também. Corporativismo e oportunismo. Foi essa a principal arma usada pelo Estado para desarticular as ocupações nesse segundo movimento…

    Marx, no Manifesto Comunista, diz que as únicas diferenças entre os comunistas e o resto do proletariado é que os comunistas são 1) internacionalistas e 2) anti-corporativistas, classistas. Essa diferença que o Marx faz é extremamente deficiente sob a perspectiva dos acontecimentos posteriores da luta de classes. Ainda assim, ele já apontava dois elementos centrais. O autonomismo não é nem um nem o outro… Os dois critérios apontam na verdade para a mesma questão, de se ter uma visão totalizadora de classe, a nível internacional, e se é essa a intenção, a única alternativa é construir uma organização com os mesmos critérios, que tenha inserção na classe em sua totalidade, para poder elaborar para ela de conjunto. Cai assim a tese do autor de que organizações de pauta única podem sequer se apresentar enquanto alternativa.

    Enfim, se antes estava tentando focar um pouco mais na questão do corporativismo, agora vou tentar esclarecer mais a segunda questão fundamental, que é uma baita confusão que se expressa pelo texto inteiro, e que se liga à questão, antes apenas citada de passagem, da organização que finge que não é organização. Pois o autor afirma, de maneira triunfal, que as únicas lutas que levaram à radicalização foram as “lutas autonomistas”. Tirando uma bizarra (e identitária) arrogância do autor, afirmando uma completa falsificação (mesmo no campo da Educação, foram inúmeras lutas radicalizadas que aconteceram no último período, e além delas teve desde ocupações de fábricas, até greves nacionais, de vários setores e inclusive de setores centrais do processo produtivo), a questão é que o autor faz uma completa confusão entre o processo de luta, que envolve a classe, a organização (de vanguarda), que intervém e pode vir a dirigir a classe, e mais à frente inclusive iguala tudo isso ao programa, jogando mais um elemento nessa salada de frutas. As lutas não são “autonomistas” de jeito nenhum. Você pode dizer que elas são autônomas, embora isso signifique pouco, no sentido de que é a própria classe que se mobiliza. Certo, isso sim, e não conheço nenhum revolucionário sério que negue a necessidade da autonomia da classe. Mas autonomismo que é de fato é o ME, organização que dirigiu em boa parte o processo de luta. Outro fator a ser analisado é o rechaço às organizações da classe, que no final acabou atingindo até o ME, e que de fato está presente na classe, e que também deveria ser combatido (e não incentivado) pelos revolucionários. Mas de duas, uma: ou foram as massas que se mobilizaram, ou foram os autonomistas, sendo que na verdade estes se restringiam à um pequeno grupo que hoje mal existe.

    E mais pro final do texto, em sua conclusão, vem um parágrafo que eu acho essencial para sintetizar as ideias do texto:

    “O autonomismo levou pessoas à luta e gerou coisas novas como nenhuma organização leninista havia feito a alguns anos, mas para onde essa luta está levando? Impossível saber ao certo, ainda mais quando as lutas estão fragmentadas e sem algo que as unifiquem. Esse programa, porém, não pode ser algo engessado, voltado para si, mas deve ser líquido, volátil, incorporando as lutas e se modificando com o tempo, afinal, ele deve ser construído pela classe, não para ela.”

    Novamente, se expressam várias contradições em um parágrafo tão pequeno. Primeiro vem a arrogância. Tanto histórico de lutas do movimento operário e o autor me vem dizer que a) nenhuma outra organização conseguiu dirigir lutas desse porte; e b) os elementos que saíram dessa luta são novos. Mas enfim… Segundo é a questão de que o autor afirma que quem faz a luta são os autonomistas, novamente entrando na discussão do parágrafo anterior. Não, meu caro, quem faz a luta é a classe, e a classe não é autonomista. Terceiro, ele joga a questão do programa. Engraçado, passou o texto inteiro falando de “estudantes”, e agora pela primeira vez aparece a palavra “trabalhadores”.

    Para começar, ignora o fato de que as lutas dos secundas foram totalmente corporativistas, não menos pior do que em Junho de 13. Se, então, os trabalhadores acabaram caindo na armadilha do “cidadão”, nestas lutas a juventude da classe se via enquanto “estudantes”, uma noção tão abstrata e a-classista quanto. A falta do caráter de classe em Junho de 13 não foi menor do que nas lutas dos secundas. E, se as críticas responsabilizam corretamente o MPL por isso, por ter abandonado a classe num momento de sua insurreição, e não ter tido política para fazer crescer uma consciência de classe (ou qualquer política que fosse), então o mesmo deve acontecer nas lutas dos secundas, em que o ME vergonhosamente fez o oposto do que se espera: incentivou uma identidade a-classista em todos os sentidos, sob o pretexto de necessidade…

    E, mais ironicamente, o autor passa o texto inteiro falando de elaboração voltada aos estudantes, para no final vir falar que é necessário fazer um programa junto com a classe trabalhadora. Como eu disse antes, parece piada. Primeiro porque o autor mesmo passou o texto inteiro dizendo que as políticas que o movimento tomou para si foram todas (segundo o arrogante autor) elaboradas anteriormente por uma organização destacada dos estudantes, que se reunia e planejava coletivamente elas (e admitir isso em si já é um avanço se comparado com o autonomismo no geral). Segundo porque não significa nada, o que é isso de “elaborar junto com a classe”? É deixar a classe fazer as lutas antes de propormos qualquer ação, e aí para que serve a organização no final de contas? Ou que devemos estar enraizados e extremamente atentos aos desejos e anseios da classe, e elaborar nossas políticas e programa com base nisso? Isso o próprio Programa de Transição de Trotsky já dizia, quando afirmava categoricamente que é necessário “a mais atenta atitude em todas as questões de tática, mesmo as pequenas e parciais”, para elaborar um programa de transição voltada aos interesses do momento da classe.

    Para finalizar, o autor completa fazendo novamente uma confusão total, e dessa vez jogando o programa nisso. Diz que é necessário elaborar um programa líquido, volátil, em suma, dinâmico. Pois bem, com certeza o autor também acha o mesmo sobre as próprias lutas (devem ser dinâmicas), e as organizações (devem ser dinâmicas). Porém, ninguém nunca falou de elaborar um programa fixo e permanente para a classe, no sentido que o autor evoca, nunca vi ninguém fazendo isso (novamente citando Trotsky, ele não elaborou nenhum programa em si, e sim um método para a elaboração de consignas, políticas e, bem, um programa temporário que muda com o tempo conforme as lutas da classe vão atualizando ele). O que se trata aqui é de elaborar uma teoria, é de pensar juntos qual é a melhor forma organizativa que vai conseguir unificar a classe, se inserir na realidade dinâmica da luta de classes, que vai conseguir dirigir a classe rumo a revolução socialista. Nesse sentido, o autor e o autonomismo não fazem nenhum avanço…

    Por fim, gostaria só de fazer algumas ponderações. Existe algumas falsificações no texto, mas que eu acho que não tem grande importância. Para citar alguns exemplos: a construção do Comando não foi política central do ME no primeiro momento, os trancassos não foram aprovados no Comando, etc. Enfim, não vale a pena discutir isso. Mas acho que tem alguns elementos importantes para discutir. Primeiro, vejo em vários autores autonomistas um tal determinismo histórico que se expressa aqui também. O autor diz que o autonomismo é o campo que o nosso tempo impõe. Lembro de um outro texto aqui do PP que diz algo parecido, que a fragmentação da classe é algo que o tempo impõe. Ou que o PDP é a estratégia que o tempo determina para nós. Ou, nesse texto, que a impossibilidade de construção de luta dos secundas nas férias é uma imposição histórica (como se a própria revolta do buzu não provasse o contrário). Essas argumentações carecem totalmente de dialética. Fragmentação, falta de organização revolucionária, falta de luta, nada disso é condição histórica, a menos que estejamos afirmando que as premissas para a revolução socialista deixaram de existir. De resto, tudo é determinado dialeticamente. A atual fragmentação da classe se dá devido a um processo de reorganização da classe após ela se chocar e abandonar (em um processo extremamente progressivo) as organizações governistas do campo democrático-popular. Se a reorganização ainda não aconteceu, de quem mais isso pode ser culpa se não de nós mesmos, camaradas? E aí está mais uma afirmação da necessidade de constituição de uma organização de vanguarda para dirigir a classe nesse momento.

    E, por fim, uma ponderação que não poderia deixar de estar nesse texto, sobre a caracterização dos partidos que existem na realidade. Primeiro, o autor pega todos os partidos da chamada esquerda e joga no mesmo saco, do leninismo, e diz que são todos entraves para a construção do socialismo (num comentário, outro camarada falou que são todos eleitoreiros). Isso chega a ser irônico porque nem essas próprias organizações reivindicam isso… Mas a questão é que carece quaisquer elementos para justificar tal afirmação. Sou militante do pstu, e sei que diversas vezes cometemos erros, desvios e até capitulações diretas. Mas se o cometemos fizemos balanço depois, pois essa não é a nossa teoria. Se se pensa o contrário, que essa é a regra, que se apresente os critérios para tal caracterização então!

    E, para justificar o suposto fracasso das “organizações leninistas”, o autor diz que o fato de ter surgido comandos alternativos em outros estados demonstra que os alunos não se sentiam representados pelos partidos. Uma falsificação total! Até porque, em SP surgiu um “comando” alternativo, dirigido pelo governismo. E o pior: o autor diz que o que ele chama de leninismo (que quase nunca é) só leva ao fracasso, mas onde estavam os autonomistas nas lutas do Rio (impulsionada exclusivamente por nós, aliás), de Goiás, de Paraná? E esquece de um elemento determinante, que foi um giro que o governismo deu após o impeachment, em se jogar de fato para as lutas (mesmo que seja para leva-las à derrota), algo que se tornou determinante em todas as lutas pós-SP. O pior é que essa afirmação do fracasso do leninismo, apoiada sob um elemento extremamente dúbio, apareça num balanço que parece só ter fracassos (limites) dos autonomistas, que até hoje conseguiram não consolidar sequer uma organização concreta, mesmo que pequena mas sólida, e, sob a perspectiva de que no capitalismo, e no imperialismo em especial e com maior velocidade, qualquer vitória de reforma é consequentemente revertida em derrota pela burguesia, todas as vitórias conquistadas sob direção do autonomismo foram subsequentemente perdidas e o processo de luta se passou sem deixar avanços organizativos, que é o único avanço permanente possível. Note-se: não estou querendo fazer uma disputa de balanços, mas a questão essencial é: qual é esse grande balanço do autonomismo em seu tempo de existência? Que avanços organizativos ele trouxe? Sequer em termos de vanguarda, em cristalizar os ativistas novos que surgiram das lutas, ele efetivamente fez alguma coisa (sequer para os próprios militantes que já eram do ME, que chegaram a abandonar o trabalho militante, diga-se de passagem).

    Enfim, não se trata em nada em só focar nos limites do autonomismo, sem falar de seu sucesso. Se trata em querer construir a revolução, e, para isso, olhar pros limites do que temos e pensar em como superá-los. Nesse sentido, a única superação dos limites do autonomismo levaria a sua própria superação, e à aproximação ao leninismo. Mas isso nunca vai acontecer. Ao invés disso, as organizações autonomistas vão deixar de existir, esse site vai se tornar cada vez mais de vanguarda e limitado (de forma análoga ao que o João Bernardo uma vez comentou, vai virar ocupação para militantes sem bases que não tem o que fazer), e ficará para trás na história da luta de classes….

  6. Resposta a Marcos K

    Uma das características do utopismo é fazer prognósticos do futuro sem qualquer lastro nas lutas do presente. E como bom utopista, você prognostica não apenas o fim das organizações ditas autonomistas quanto o fim deste site.

    Quanto às organizações ditas autonomistas, cabe a seus integrantes refletir sobre seus êxitos e fracassos, e decidir por publicizar ou não tais reflexões. Bem diferente do que acontece nas organizações com centralismo democrático, cujas autocríticas sempre vêm a público quando seus comitês centrais são dobrados pelos fatos e forçados a admitir derrotas de proporções épicas, em geral quando pretendem publicizar a estratégia que as conduzirão à próxima derrota.

    Quanto a este site, quem se dê ao trabalho de ler nossos documentos públicos conhece de imediato nosso posicionamento. Nos dispomos, desde sempre, a publicar as autocríticas, por considerar que os erros e acertos nas lutas sociais não são “propriedade” de qualquer organização ou corpo dirigente, mas sim patrimônio da classe trabalhadora como um todo – não aquela que se nota pela ausência ou presença de determinadas palavras em textos, mas aquela que integramos, com quem nos ombreamos nas lutas e a quem prestamos, em tais momentos, nossa modesta contribuição com este site.

    Justo por isto, publicamos tanto o texto original quanto seu comentário. Entendemos que tanto um quanto o outro, mesmo em suas limitações e mesmo naquilo em que discordamos profundamente — como certo cassandrismo e incontáveis paradoxos de sua parte — contribuem para avançarmos no debate em torno das lutas do presente e da construção do futuro.

    E a isto se limita um site. Nada mais, nada menos.

    Cordialmente,
    Passa Palavra

  7. Cauê, textos como o seu deveriam começar a ser mais comuns, acho que isso é uma parte essencial da construção dos passos seguintes. É exatamente por isso que, ainda que eu tenha alguns acordos com trechos do comentário do Marcos K, o tom deste é realmente lamentável.

    Vamos lá. Primeiro de tudo, seguimos no caldo confuso do “autonomismo”, e ainda que seu texto não tenha o objetivo de debater isso, ao meu ver não deixa de ser impregnado deste problema que pouca gente tem vontade de abordar. Se trata de uma modalidade de luta, de uma ideologia, enfim, de que? Pois me parece ser um erro grave associar métodos de luta com correntes ideológicas, isso só pode desembocar em um sectarismo adolescente, além de ser um grande desconhecimento da história da luta proletária. Evoco aqui algo que escutei da boca de um já velho ferroviário argentino. Ele e seus jovens companheiros, em sua maioria peronistas num período em que isso era subversivo (após o golpe e a proscrição de 55) aprenderam métodos de luta com um par de companheiros ferroviários da geração de cima, anarquistas. Eram então trabalhadores peronistas que não esperavam ordem de sindicatos (mesmo porque estavam todos sob intervenção), faziam sabotagem, greves selvagens, etc. Nesse sentido, só posso concordar com o Marcos K em rejeitar a ideia de que exista um “caráter autonomista” das lutas — já que não temos mais medo, podemos dizer que foram lutas onde houve a direção mais forte de grupos que gostam de autodenominar-se autonomistas. Do contrário com facilidade cai-se no conto de que a massa mobilizada tem toda uma certa ideologia — algo frequente na retórica dos aparelhos para agrandar sua influência, seu “enraizamento” — coisa que está longe de ser um fato, muito especialmente nas lutas defensivas/econômicas.

    Me chamou muita atenção neste processo que você narra algo que parece sim ser uma repetição do que vinha sendo feito pelo MPL, que é um sectarismo “preventivo”. A forma sucinta de explicá-lo, como se fosse uma forma de “proteger a luta contra os oportunistas”, não me soa nem um pouco convincente. Me parece um passo absolutamente em falso e que resgata algo que os próprios autores do “Limite da tática…” já haviam colocado. Entendo que no seu texto você vislumbra esta questão, mas tomo o tempo para expô-la pois me parece importante para um salto político dos próprios simpatizantes, ativistas e militantes advindos da nebulosa “autonomista”. Me lembro dos tempos de movimento estudantil universitário, a quantidade de pessoas que tinha paciência extremamente curta para assembleias e discussões. Para muitas destas pessoas, o que precisava ser feito para tornar o ME melhor seria que não estivessem lá os partidos. Mas como lá estavam, o que faziam estes indivíduos? A prática mais derrotista de todas, a desmobilização. Ao invés de pensar profundamente em como atuar combatendo as práticas oportunistas, preferiam cada um ir à sua casa tocar a vida privada. Oras, o que foi que o MPL-SP conseguiu nos últimos anos? Justamente mobilizar estas pessoas! Mobilizar milhares de pessoas que não tem vontade de organizar-se, de ativar algum espaço de base, para ir uma ou duas vezes por semana fugir da polícia pelas ruas do centro, sem ter que discutir nada com ninguém, sem ter que se preocupar com partidos, sem ter que discutir o rumo da luta, apenas esperar a convocatória do MPL. Isso aparece no texto do Caio e do Leonardo (talvez com menos ironia), e me pergunto se o Comando da luta dos secundaristas não representou uma ideia adaptada à luta estudantil. Com a vantagem de ao menos convocar à organização de base nas escolas, mas tentando criar um ambiente “ideal”, “limpinho”. Tenho sérias dúvidas sobre se isso é uma boa prática para mobilizar futuros ativistas, companheiros e as de base que estejam dispostos no futuro a participar das assembleias de lugares de trabalho onde o peleguismo realmente profissionalizado domina. Isso a respeito do sectarismo “autonomista”.

    Por fim, um pouco na onda do “baixa a bola” do Marcos K, pois se devemos valorar e reconhecer o bom da luta onde houve “autonomismo”, também é necessário ter o respeito e a humildade de não ignorar completamente todas as demais lutas que ocorrem num país tão imenso como é o Brasil, como se elas não existissem ou não criassem. O circuito “autonomista” é tão limitado hoje que é impossível tomar conhecimento de todas as lutas do país e é perigoso convencer-se de que “apenas as nossas são boas” — outra prática comum dos aparelhos. [no entanto deve-se reconhecer que 2013 e a luta secundarista foram praticamente as únicas que alcançaram de fato uma relevância nacional, pela dispersão e pelo volume, sem contar, é claro, as da direita, como os caminhoneiros ou o impeachment]. O meu “baixa a bola” não é tanto criticar isso ou aquilo do texto, mas sim retomar experiências passadas de militantes que vieram de tendências ou experiências “autonomistas” e que no amor pela novíssima novidade desembocaram em coisas bem diferentes. Poderia citar um par mais, mas acho que a melhor referência é uma que quem trouxe aqui ao site foi nada menos que esse personagem particular da seção dos comentários, o ulisses: http://passapalavra.info/2009/11/14533 , comentário do dia 14 de outubro de 2013 [a bem da verdade foi o Manolo quem citou o texto, o ulisses foi o responsável por disponibilizar o texto original].
    Mas isso não para para dizer que sou contra conformar uma organização pelos riscos que entranha, não, ao contrário.
    No entanto, também não ficou claro uma coisa, pois a impressão do relato é que para vocês, ou era-se “leninista” ou não havia organização (ou esta deveria ser secreta). Não sei se isso é assim pela falta de tradições alternativas atuantes no Brasil, pelo seu sectarismo tradicional, ou devida a uma virada autêntica em direção ao leninismo. É que existe tanta desmobilização que no fundo a questão frequentemente fica na briguinha de gangues, e facilmente cai-se na tentação de pertencer a uma para poder participar dessa brincadeira. Na minha humilde opinião, isso está relacionado aos horizontes que se propõe enquanto grupo. Creio que está aí a necessidade básica de recusar a ideia da organização vanguardista e sempre começar da forma mais humilde possível, entendendo-se como parte de algum muito, mas muito maior. Entendo que o que vocês conformaram enquanto GAS era uma agrupação de base, o que em si já é um tipo de organização. A enorme dificuldade do ambiente estudantil é a grande rotatividade e pouco tempo para acumular e transmitir, algo que me lembro de já ter escutado ou lido de um integrante do Mal Educado. Não acho o debate programático menor, mas me pergunto se num momento tão fragmentário como estamos, não seria também uma tarefa prévia o contato e o estabelecimento de vínculos com agrupações de base de outros setores não afiliadas, afim de então poder eventualmente dar um debate programático mais profundo com um maior número de companheiros e com um maior repertório de experiências.

  8. Peterson Silva, o que você chama de elementos autoritários? O Comando das E scolas foi uma necessidade naquele momento e mostrou ser efetivo para conduzir uma luta em que as bases estão fragmentadas (no caso, os estudantes em suas escolas). Foi buscando nos modelos que, justamente, considerávamos autoritários, uma resposta para aquilo que o autonomismo (que tem grandesdiferenças do anarquismo) não resolvia, que precebemos o quão democrático pode ser uma organização de basecentralizada como o Comando e o quão autoritário pode ser uma organização política (um movimento, coletivo etc.) conduzindo todo um processo de luta sem ter espaço de discussão com os envolvidos.

    Lucas, conheci a FAU enquanto estavam acontecendo as ocupações através do livro “Um Partido Anarquista” do Ricardo Ramos Rugai e foi muito importante para entender naquele momento os limites do que estávamos fazendo. Por conta da minha formação, a repulsa à qualquer prática organizada com elementos “hierárquicos” não possibilitava olhar para a imensa história da classe trabalhadora e recuperar no sindicalismo, no leninismo e assim por diante, formas de luta essenciais para resolver as questões que se apresentavam no momento. O que mais me chamou atenção foi a necessidade de se ter uma organizaçãoque conseguisse atuar nos mais variados setores e lutando não por uma pauta única, mas pela revolução em si. A partir disso que surgiram os questionamentos sobre “para onde isso está nos levando? Sem um projeto, como sabemos que essa luta nos aproxima da revolução?”.

    Porém, existe uma questão em relação à FAU. Foi uma organização importante que conseguiu atuar em muitos locais, mas era composta por uma faixa pequena de militantes, algo que levou à seu enfraquecimento quando a repressão matou cerca de 50 pessoas da organização. Isso é uma grande limitação, talvez devido à um certo preciosismo anarquista deles em que não se aceitavam quaisquer analises marxistas da conjuntura, ou militantes com essas convicções. Essa é a maior limitação, uma falat de espaço para divergências internas.

    Marcos K, seu comentário mostra que não ficou claro no meu texto a intensão de se pensar as próprias práticas. Quando disse que “estudantes pelos estudantes” foi criada pelo Mal Educado, esse é um fato, e, como disse, uma resposta para blindar o movimento de uma direção oportunista. Logo para o final, quando disse que o movimento apanhou com essa política, quis colocar a contadição que isso gerou para nós e que nos levou a criticar o corporativismo e o sectarismo. O mote que criamos foi um obstáculo para qualquer continuidade de construção daquilo que buscávamos (o comando), mas que, se não tivemos agido contra a ação oportunista, o comando talvez nem existisse da forma como existiu. Digo talvez, pois não foi a nossa faixa que gerou esse sentimento nos estudantes, ela foi apenas uma materialização desse sentimento.

    Sobre a atuação do ME na ocupação do Fernão Dias, o que se promovia ali não era uma forma de enganar e controlar o movimento, mas dar força a ele. A ideia de ocupar foi gestada junto aos estudantes daquela escola, sendo do ME ou não, e a forma como ocorreu foi consentida por estudantes daquela escola que queriam a ocupação. Sobre as etec’s, essa constatação é falsa, a atuação do ME foi muito pequena e não incentivamos o combate entre os técnicos e o ensino médio, vide as postagens na época.

    “Cai assim a tese do autor de que organizações de pauta única podem sequer se apresentar enquanto alternativa.” Em nenhum momento eu disse que a formula de se tular por pautas únicas era o caminho a se seguir, a ideia do texto era dizer justamente ao contrário, mas sem negar os avanços que essas lutas trouxeram e que são inegáveis.
    Não vale aqui discutir a etimologia da palavra “autonomismo”, visto que não sou que conferi à ela o sentido que tem hoje.

    “Tanto histórico de lutas do movimento operário e o autor me vem dizer que a) nenhuma outra organização conseguiu dirigir lutas desse porte; e b) os elementos que saíram dessa luta são novos.” Novamente uma confusão sobre o que está escrito. Não disse que nenhuma outra organização conseguiu dirigir lutas desse porte, mas que as ÚLTIMAS lutas tiveram um carater “autônomo” em relação à essas organizações, sendo Junho de 2013 e a luta secundarista a maior expressão disso. Claro que houveram outras lutas significativas, como a greve dos metroviários em 2014, mas que se manteve em uma forma específica de se fazer luta. Negar que houveram elementos novos não faz sentido, visto que o autonomismo é em si uma expressão nova, trazendo novos elementos como a superação do mesmo!

    “Primeiro porque o autor mesmo passou o texto inteiro dizendo que as políticas que o movimento tomou para si foram todas (segundo o arrogante autor) elaboradas anteriormente por uma organização destacada dos estudantes.” Esse foi um fato, problemático inclusive, mas foi um fato. Essa análise é necessária e voltada aos estudantes pois são esses que se envolveram no processo. Qual é o problema de se discutir com os que se envolveram ativamente os resultados dessa luta? Deveria discutir apenas o programa e as “questões de classe”, sendo que este foi um movimento de um setor da classe e portanto importante para ela?

    “O pior é que essa afirmação do fracasso do leninismo, apoiada sob um elemento extremamente dúbio, apareça num balanço que parece só ter fracassos (limites) dos autonomistas, que até hoje conseguiram não consolidar sequer uma organização concreta”. Tentei colocar no texto os limites do autonomismo, sendo esse que você levantou um deles. Onde está a arrogância, em criticar o campo que eu mesmo estou incluído e buscar respostas nas organizações clássicas e seus modelos, ou negar que o autonomismo trouxe conquistas (inúmeros militantes novos, discussões novas, processos massivos de luta) e dizer que a verdadeira vitória é consolidar uma organização concreta? “Nesse sentido, a única superação dos limites do autonomismo levaria a sua própria superação, e à aproximação ao leninismo”. Não Marcos, a superação é conseguir levantar as questões que os dois campos colocaram, não ignorar tudo que o autonomismo trouxe e voltar ao leninismo.

    Lucas2, concordo profundamente com essa colocação “Não acho o debate programático menor, mas me pergunto se num momento tão fragmentário como estamos, não seria também uma tarefa prévia o contato e o estabelecimento de vínculos com agrupações de base de outros setores não afiliadas, afim de então poder eventualmente dar um debate programático mais profundo com um maior número de companheiros e com um maior repertório de experiências.”

    Tenho uma discordância em dizer que o Comando seria o que foi o MPL no meio estudantil. O comando foi justamente um desenvolvimento da crítica que você mesmo colocou, visto que ele surgiu para que as decisões existissem e fossem realizadas pelos próprios combatentes em suas escolas, não sendo algo totalmente isoldado ou secreto em relação ao movimento. Aos poucos este se tronou não uma organização de base, mas de vanguarda, resultado de muitos erros na construção.

  9. E melhor ler o lenin com mais calma antes de sair escrevendo as posicoes simplistas acerca do pensamento do mesmo. Atualmente nao existe nenhuma organizacao efetivamente leninista no Brasil.

  10. Cauê, começo saudando sua iniciativa de escrever — muito se falou sobre a “importância da formação” para os militantes, como se fosse algo separado da luta propriamente, mas a tentativa de refletir e elaborar nossas próprias experiências de luta seja um dos processos formativos mais importantes. Mesmo nos textos tidos como “clássicos”, não era justamente esse movimento de reflexão que os autores estavam a fazer, em suas épocas?

    Queria abrir alguns debates. Você cita algumas vezes o artigo que escrevi com o Leo, o “Revolta popular: o limite da tática”. Mas fiquei com a impressão que na maior parte do tempo você está na verdade dialogando muito mais com um outro texto, que não aparece nas referências: o “A irresistível centralidade da tática” (Daniel Lage e Rodrigo Massatelli, http://passapalavra.info/2016/01/107317). Nesse outro, os autores fazem uma leitura específica dos problemas que levantamos no “Revolta popular”, dando ênfase a uma oposição entre tática e estratégia — a grosso modo, eles assumem que a tática seria em si limitada, então o importante é a estratégia. Essa leitura acabou pautando toda uma discussão posterior, e o seu texto inclusive, mas estou cada vez mais convencido de que os termos que ela coloca não nos levarão muito longe. Quer dizer, será que a “centralidade da estratégia” não termina condenando o debate a termos ideológicos, apartados dos problemas reais e práticos colocados pelas lutas? Ao final, parece que por “autonomismo”, “leninismo”, já não se está falando precisamente de nada, exceto para aqueles que querem fazer pequenas disputas de poder entre grupelhos. Nesse sentido, o comentário do Lucas2, o argentino, traz coisas interessantes.

    Falando no Lucas2, ele mexeu num bom vespeiro de polêmica, que foi o tal Comando das Escolas. Enquanto direção, foi totalmente diferente do MPL em 2013. Porque foi uma tentativa de se criar algo como um auto-direção, quer dizer, um espaço de centralização a partir da própria base, reunindo estudantes delegados por cada escola. Na época, muito se discutiu se o Comando era legítimo, se era democrático, etc. Na prática, a delegação era precária (em poucas escolas se discutia antes em assembleias, na maioria ia pro Comando quem podia) e o número de escolas participando foi, no auge, umas 80; mas em geral eram umas 30. (Quanto à participação das entidades ou partidos, a verdade é que a maioria deles ou boicotou o espaço, ou não tinha secundaristas em suas fileiras para poderem participar. Daí, aliás, a insistência de alguns grupelhos universitários para que o espaço fosse aberto.) O fato, porém, é que o Comando deve ser, como o nome diz, um espaço para dar o comando. E foi isso que ele fez, comandou — independentemente de ter ou não a membros da maioria das escolas em suas reuniões. Quando a decisão era bloquear avenidas com carteiras, escolas no interior e até as entidades foram atrás e fizeram igual.

    Raul, você diz que após as lutas a “cada luta que travamos dentro do autonomismo parece que matamos o terreno para futuras lutas naquele setor”, pois “base fica devastada”. Será que tem sido assim mesmo? Depois de junho de 2013, as condições para a luta nas cidades retrocederam ou avançaram? A julgar pela onda de centenas de ocupações sem-teto mais ou menos espontânea já em agosto daquele ano em São Paulo, me parece que não… E nas escolas, será que depois de 2015 tivemos menos mobilizações do que antes? Também não parece ser esse o caso.

    Cauê, para terminar, uma última polêmica, sobre junho de 2013. Você observa que naquele tipo de mobilização as pessoas “não se identificam como ‘metalúrgico’, ‘estudante’, ou seja, como um ‘setor específico'”. Será que o que temos então é mesmo uma mobilização cidadã ou uma experiência prática de unidade de classe?

    O comentário do Marcos pode ser simplesmente ingênuo, ou é de má-fé. Vou ficar com a primeira hipótese.

  11. Antes de partir para a discussão mais central, só gostaria de tirar algumas coisas do caminho: Primeiro, o Caio está certo… O MPL e o Comando são coisas completamente diferentes. O Comando foi uma organização da base que surgiu para organizar a luta, e foi assim enquanto tinha base e essa base estava se mobilizando. Depois disso virou um grande nada, uma frente sem pé nem cabeça. O GAS, o MPL, etc, são organizações diferentes: servem para organizar a vanguarda para intervir na base. Por exemplo, eu, por ser secundarista, podia participar livremente do Comando, independente de ser organizado, porém não poderia (nem posso) participar do MPL. Enfim, enquanto o Comando é uma organização de base, o MPL/GAS é uma organização de vanguarda, o que é bem diferente…

    Segundo, a questão das “lutas autonomistas” não é etimológica, Cauê. É uma compreensão sobre os diferentes elementos que interagem na luta de classes… Ou o autonomismo dirige uma luta, e aí ele é uma organização diferente, destacada, da base (que pode ser de um tipo inteiramente novo na luta de classes, embora duvido que seja), ou as próprias lutas são autonomistas, ou seja, as massas tomaram para si esse projeto. A questão da autonomia eu já debati, e, ao contrário do que você disse (e o Caio, sobre a questão dos partidos não terem participado do Comando), na luta dos secundas teve tantos partidos quanto sempre tem em qualquer luta (não foi de forma alguma independente deles)… Se eles chegaram a dirigir ou não o conjunto do movimento é outra história… Mas se o critério é a direção, que não pode ter uma direção de alguma organização, então a luta deveria ser “autônoma” até do próprio ME…

    Por último, sobre a resposta do Passapalavra, só gostaria de mencionar duas coisas: primeiro, que os erros e acertos são patrimônio da classe trabalhadora sim, mas foram políticas concretas de um grupo específico organizado, e nesse sentido é “propriedade” dele sim. Segundo, me entristece ler vocês dizendo que o passapalavra não passa de um simples site. O PP me parece ser o único acúmulo cristalizado histórico do autonomismo. Se o site sumisse de repente, seriam perdidos anos de discussões e experiências autonomistas acumuladas. E eu achava que a intenção do site era essa. Mas posso estar errado.

    Agora, sobre a discussão mais central, e a resposta do Caue, tentando relacionar um pouco com a resposta do Lucas2 e do Caio, me aprece que são três elementos em discussão…

    Veja só, a arrogância que eu digo é justamente essa que se expressa na resposta do Cauê. Achar que só existe ou São Paulo ou o que mais tiver de luta autonomista. Ele citou a greve dos metroviários de SP, mas poderia ter citado desde greve de garis organizada por fora de sindicato, até greve nacional de petroleiros, greve geral da educação no Rio, setores das forças repressivas se organizando contra o governo, paralisação nacional de metalúrgicos, ocupação de fábricas, movimento popular (como o Caio citou), greve de professores, etc etc. Faz alguns anos que a classe trabalhadora vem passando por uma intensa reorganização, com vários exemplos de lutas de extrema importância, mas o autor não vê isso. E o pico da arrogância, na minha opinião, é que justamente no setor secundarista a maior luta não foi em SP e não contou com a presença de autonomistas. Mas ainda assim o Caue insiste que os autonomistas mostraram novas “formas” de lutas… Bem, que novas formas de luta foram “descobertas”? Ocupar local de estudo/trabalho é novo desde quando? Fazer trancaço na rua é novo desde quando? Fazer ato de rua é novo desde quando?

    E isso de procurar “descobrir novas formas de se fazer luta” é justamente o problema. Existe um número finito de formas de se fazer lutas, e a maioria já foi descoberto, creio eu… Talvez a internet possibilite um dia realmente novas formas de se fazer luta, mas até lá as possibilidades táticas são bem limitadas… Embora seja evidente que é necessário pensar nas melhores táticas para uma situação concreta, não se trata de ficar pensando e tentando “descobrir” novas formas de fazer luta, mas sim de sair desse círculo de fazer luta para fazer mais luta e mais luta e mais luta. Vocês estão fazendo “mais luta” há bastante tempo, e, se alguma coisa, foi ficando cada vez mais difícil fazer mais luta… Qual é o objetivo? Ou a expectativa é que as lutas avancem (e aí a questão que fica é para onde), ou elas não vão sair do lugar…

    Sobre a questão da classe, você entendeu completamente errado o que eu quis dizer Cauê… Que se discuta os ganhos do movimento, mas se você conclue de todo esse balanço que tem-se que manter uma perspectiva de classe, então por que nenhuma outra vez no texto você fez um balanço partindo de uma pespectiva de classe?

    E as justificativas para a política corporativista não convencem… “Se não tive[sse]mos agido contra a ação oportunista, o comando talvez nem existisse da forma como existiu”. Afinal de contas, quem é a direção oportunista?! Aliás, teve Comando no RJ sem precisar isolar os estudantes do resto da classe… E pior é tentar justificar o corporativismo dizendo que era o “necessário” para o movimento. Depois me dizem que autonomismo é contra vanguardismo! Quem está tentando tutelar aqui a base? Que se faça a experiência com as direções oportunistas, que se denuncie elas, que se combata as tendências espontâneas das massas ao corporativismo e anti-organização. E a outra justificativa, no caso das etecs, sequer desmente o que eu coloquei, apenas diz que a influência do ME não foi grande. E o que isso tem a ver? Mesmo a menor organização tem uma política concreta para uma situação concreta, e devemos julgar sua política independentemente de sua influência. Na realidade, me engano: o efeito na realidade é um fator de enorme peso no balanço da política. Se é verdade que a influência do ME era pequena, e que espontaneamente (que é uma mentira, já digo de passagem) as bases estavam se organizando para excluir os técnicos, então era obrigação dos militantes do ME se jogarem ao máximo na luta para combater esse corporativismo, que no final foi a principal arma do Estado.

    No final, a política concreta do ME foi oportunista e corporativista. Isso cobrou seu preço depois. Mas o autor nem reconhece os problemas, pois, aí que está, não faz um balanço sob a perspectiva de classe, apenas sob a perspectiva do próprio movimento (os erros e vitórias para o próprio movimento, e não para o conjunto da classe). Tá aí a cerne do corporativismo… No fim, o autor ainda reclama: “Deveria discutir apenas o programa e as ‘questões de classe’, sendo que este foi um movimento de um setor da classe e portanto importante para ela?”

    Passando para o tema das vitórias… Quando reivindiquei o balanço do autonomismo, esperava algo um pouco mais específico que, de novo, ouvir que foi ele que criou “novas formas de luta”, “novas experiências”, “militantes novos”, “discussões novas”. Pois bem, onde estão esses militantes novos? Me parece que o autor entende a consciência como algo que apenas avance, que não retraia… Pois todos os ativistas que eu conheci na luta contra a reorganização que não se organizaram estão de volta nas suas vidas normais; alguns pouquíssimos autonomistas continuaram com algum espírito de luta, mas são muitos poucos e, com algumas (importantes) excessões, é só um “espírito”, nada mais. E sobre as “novas discussões” que essas lutas teriam gerado, bem, você viu o Passapalavra falando que isso aqui é um site, e nada mais, certo? De alguma forma, captou bastante a questão da discussão que não é nada além disso, uma discussão, sem efeito nenhum na realidade.

    Para finalizar, toda a discussão acaba, assim como deveria, desembocando na questão do debate programático e estratégico, que eu já pincelei um pouco quando falei da ideia de “descobrir novas formas de fazer luta”. Lucas2 e Caio, se hoje vivemos em tempos fragmentários, então o debate programático se coloca com ainda maior importância. Ou a gente debate como fazer para sair desse tempo fragmentário, ou a gente espera que isso aconteça sozinho. Me parece que os autonomistas, infelizmente, escolheram pela segunda opção. Trotsky, em uma de suas últimas cartas antes de ser assassinado, disse algo muito interessante, que “a devoção revolucionária só é possível se se obtiver a certeza que sua devoção é razoável, adequada; que corresponde ao seu objetivo”. Guardado os limites da comparação, eu acho que isso se aplica bastante nesse caso; como que a gente quer tentar mover um certo número de pessoas (quem dirá a classe de conjunto) para ir para algum lugar se não temos nenhuma ideia de onde fica esse lugar? Ou sem ao menos ter um plano, que seja, que permita que obtenhamos alguma resposta, mesmo que sem grande certeza? Ou a gente pensa em como fazer para construir a revolução, e isso significa necessariamente pensar numa estratégia e programa apropriados, ou ficamos travando, como que ciclicamente, as lutas, sem nunca sair do lugar, esperando que a situação evolua por conta…

    É como fazer um balanço de uma luta importantíssima sem fazer nenhuma perspectiva, sem propôr nada para o movimento… Um balanço sem perspectivas… É olhar para a luta de classes e só ver fracassos, não tirar nenhuma lição pela positiva, não oferecer nenhuma saída pela positiva… Como vocês querem mover qualquer pessoa assim?

    Por fim, vejo aqui no Passapalavra, e me corrijam se estiver enganado, duas visões sobre essa questão: A primeira, de que o debate estratégico não é importante, e sim o tático. A segunda, de que o debate estratégico é importante, mas que se limita a falar abstratamente sobre construir um programa junto com a classe… Agora, Cauê, se você acredita que a questão não é abandonar o autonomismo em prol do leninismo, e sim fazer uma síntese dos dois, então proponho que você faça isso… Faça um balanço histórico, dos tais erros e acertos do leninsmo e do autonomismo, e proponha uma direção diferente, então. Aí sim teremos um debate estratégico real, para construir um plano de ação a longo prazo, que pode ser discutido enquanto tal.

    Fazer isso é se lançar de cabeça no debate estratégico e programático, para além de qualquer fraseologia abstrata. É um desafio, mas é necessário. E eu continuo acreditando que, se acontece um movimento desses de olhar para os erros e acertos da luta de classes, a História vai acabar sempre dando razão ao leninismo, e não ao autonomismo. Mas isso já é uma outra discussão…

  12. Marcos, fazer um programa é muito mais do que propor algo a um movimento. Talvez você tenha dificuldade de ver as coisas assim, se pensa que MPL e GAS entram na categoria de organização de vanguarda. Que sentido tem elaborar um programa a nível nacional num momento em que as práticas de solidariedade de classe são escassas, quando as organizações proletárias são quase irrelevantes e dominadas por sectarismos partidários, enfim, sem que haja mesmo um ambiente onde tal programa poderia realmente ser absorvido e tomado em consideração pela classe?
    Que uma organização tenha objetivos é muito diferente de que tenha um verdadeiro programa político. Mas para a tradição leninista da qual você faz parte, o único objetivo de uma organização é ser a vanguarda, por isso o programa político é um sine qua non, mesmo que sejam 10 barbudos num apartamento discutindo os caminhos da revolução brasileira. Pior, tomam por base textos programáticos que partem de premissas como “As forças produtivas da humanidade deixaram de crescer”, e que “A própria burguesia não encontra saída”. Bem, fazer um programa é também tentar entender o mundo atual, ao invés de defender ideias caducas por força de uma autoridade histórica. Mas elaborar um programa particular, ao meu ver, está longe de ser a prioridade neste momento. Talvez para quem milite candidatos à presidência seja algo que requeira mais atenção.

  13. Salve camaradas,
    como outros já fizeram, começo saudando o Caue pela iniciativa do texto e pelo debate que ele suscitou.

    Gostaria de tentar trazer mais algumas reflexões sobre o processo das lutas das escolas, buscando não me ater a esse debate “autonomismo” x “leninismo”, pois como colocado pelo Lucas 2 e pelo Caio, eles não parecem levar muito longe. Tenho a impressão de que quando as discussões se colocam nesses termos “o quanto a luta foi autonomista”, ou o “autonomismo não é internacionalista, nem classista” etc, passamos longe de analisar o caráter real dessa luta e o que ela realmente significou para a luta de classes no Brasil no último período.
    Acho um tremendo erro colocar que a luta secundarista foi “totalmente corporativista”, em que o “caráter de classe passosu longe”, como disse o Marcos. Apesar de compreeder os problemas da palavra de ordem “estudantes pelo estudantes”, e que ela pode indicar, como ocorreu no final da luta, para o crescimento daquela ideia de “podemos tudo sozinhos” e para uma fetichização dos “secundas”, dizer que a luta não fez avançar formas que apontassem para a solidariedade de classe e o avanço da luta do restante dos trabalhadores é um equívoco muito grande. É grande o número de estudantes que, acabada a luta das escolas, estão tentando se envolver em outras lutas, em ourtos locais, que vão para além da escola. A luta dos secundaristas distanciou esse setor do restante da classe? Não me parece em momento algum. O apoio da maior parte da população de São Paulo em relação às ocupações demonstra, ao meu ver, uma solidariedade de classe por parte dos demais trabalhadores; acredito que grande parte dos trabalhadores exergou nos estudantes os seus filhos, os filhos da mesma classe que eles, por isso o apoio.
    Além disso, cansei de ver formas dos estudantes buscarem a unificação e a aproximação da sua luta com o restante dos trabalhadores. E não me refiro apenas à “vanguarda” dos estudantes (no sentido leninista), mas a grande parte dos estudantes envolvidos nas ocupações. Me lembro de um episódio na escola Corujinha, na região de interlagos, em que os estudantes que estavam ocupando o colégio chamaram uma discussão aberta com a direção e os professores. Muitos professores se exaltaram e foi impressionante a clareza dos estudantes em compreender que os professores deveriam se unir aos estudantes, ao invés de se unir ao governo. Lembro que um rapaz falou aos professores “vocês não percebem que nosso inimigo é o governo? Vocês acabaram de fazer uma greve de 3 meses, o governo deu zero de aumento para vocês, e vocês se unem a eles para nos tirar das escolas?”. Na maioria das escolas, o que eu vi foi justamente uma consciência de classe por parte dos estudantes muito maior que a entre a maioria dos professores (mesmo depois de uma greve de 3 meses de duração). Esse exemplo é interessante porque o Corujinha, uma escola da quebrada que os alunos tinham pouco contato com militantes organizados para além do espaço do comando, não foi exceção ao meu ver.

    Além dos exemplos dentro da escola, houve muitos estudantes que foram às assembléias da APEOESP incomodar a pelegagem e buscar apoio dos professores para as ocupações. O caráter dos panfletos e dos jograis também impressionou por seu conteúdo de classe, sempre entendendo os estudantes como trabalhadores e futuros tarabalhadores. No PR, por exemplo, os professores só entraram em greve no final do ano passado por conta das ocupações. A luta, então, não caminhou no sentido de unificação da classe? Ou basta concluir que, por causa da palavra de ordem “estudantes pelos estudantes”, a luta teve um caráter “corporativista”, sectário em relação ao conjunto da classe? Há umas duas semanas estava no terminal Capão Redondo panfletando e mais de duas trabalhadoras citaram os estudantes quando falávamos de fazer uma luta contra a integração de 1,12 na estação (que agora foi barrada pela justiça). Uma tiazinha falou “a gente tinha que fazer que nem os estudantes, mas o pessoal mais velho é tudo bunda mole, não tem coragem de ir pra cima”. Uma ambulante disse palavras parecidas, dizendo que os estudantes “haviam mostrado o caminho”. Aí, por mais que existisse na fala delas uma diferenciação entre “os estudantes” e “os trabalhadores que estavam no terminal” (diferença que realmente existe entre os setores diferentes da classe, e que sabemos que não são fáceis de quebrar na hora de fazer lutas conjuntas), não é nítida a identificação com os estudantes? Longe de uma luta com identidade “a-classista”, que distanciou os estudantes do restante dos trabalhadores, muitos trabalhadores veem na luta radicalizada dos estudantes um caminho para a solução de seus problemas diários. Ao meu ver, essas grandes conclusões que o Marcos faz partem de uma visão que só analisa palavras (algumas palavras, melhor dizendo) e não o conteúdo real das lutas.

    Sobre a luta das Etecs, me parece faltar conhecimento por parte do Marcos, porque a conclusão de que os estudantes “buscaram uma separação com os noturnos” é muito simplista. Concordo que houve uma tremenda dificuldade, por parte dos estudantes da manhã e tarde, para icluir os noturnos na luta. Essa foi talvez a maior deficiência dessa luta, e realmente os estudantes não foram capazes de romper as barreiras entre os estudantes da manhã e os da noite e os isolaram. Da forma com que você coloca, porém, parece que isso foi o objetivo almejado pelos estudantes da manhã e tarde. Ao meu ver isso é equivocado: as falas e abordagens buscavam aproximar os estudantes da noite: “essa luta também é de vocês, não fiquem contra a gente”. O problema é que, sem ter havido diálogo antes das ocupações e sem se preocupar com a abordagem com os noturnos, essas palavras acabaram sendo só palavras, faltando meios de unificar a luta na prática. Os noturnos acabaram se colocando contra as ocupações e, incentivados pelas direções, por vezes até invadido as ocupações.
    Concordo que as organizações influenciam no movimento real e, por isso, devem ser cobradas quanto a suas posturas nas diferentes lutas. Sobre a postura do Mal-Educado na luta das Etec’s, então, acredito que ele realmente não tenha conseguido apontar caminhos para a unificação do noturno à luta e errou ao incentivar ocupações na parte da manhã sem fazer o diálogo com os estudantes da noite. Mas, além do fato da nossa participação não ter sido tão forte nessa luta (e de a maioria das Etec’s ocuparem sem influência direta nossa), discordo que incentivamos essa separação entre os noturnos e o restante dos alunos. Mais uma vez, pego como exemplo uma escola que eu colei e presenciei essas tesões. Foi a Etec Zona Sul, que foi uma das Etecs onde mais deu treta com o noturno (além do BG e Einstein). Depois de ter acontecido uma tentativa de desocupação por parte do técnico noturno, a escola parecia um palco de guerra no dia seguinte: os ocupantes chamaram reforços de outras escolas para segurar a ocupa e alguns estudantes da noite inflamaram os demais a comparecer e arrancar os do diurno à força. O clima estava bem tenso, a briga tinha sido grande no dia anterior: os alunos do noturno quebraram os vidros para entrar e teve confronto de porrada. Eu e alguns camaradas colamos no sentido de buscar um diálogo entre os diferentes turnos e buscar a solidariedade entre eles contra a direção (que havia inflamado os estudantes do noturno a retomarem a escola com as próprias mãos, senão não poderiam se formar e pegar o diploma). No final, com muita troca de ideia entre os estudantes, alguns estudantes do noturno (os que estavam mais exaltados e não queriam ir embora) entraram na ocupação e rolou uma prosa com os ocupantes. O começo foi bem complicado, os estudantes do noturno estavam bem exaltados, com poucas ideias. Lembro que, depois de ouvir por um bom tempo as reclamações e até ofensas dos estudantes da noite, alguns ocupantes retrucaram e, diferente de qualquer sectarismo ou falta de consciência de classe, se colocaram justamente enquanto trabalhadores: “Aí Jão, nóis também trampa, nóis passa perrengue igual e muitos tem filho pra sustentar também, eu por exemplo tenho filho. Então, um pouco de humildade aê, nóis não é vagabundo não, que só quer causar. Eu não to com a minha filha porque to lutando por educação, não é frescura”. No final, saíram cantando palavras de ordem junto, mas foi difícil pra caramba. Como eu disse, o problema com os noturnos foi grande, vale analisar o porquê da dificuldade em incluí-los na luta e os erros dos estudantes, que só conseguiram fazer esse diálogo depois que os ânimos já estavam muito exaltados. Diferentemente das EE’s, onde o noturno quase sempre fez parte das ocupações, ou ao menos não se colocou contra (apesar da maioria já trapar como nos técnicos), nas Etecs eles se colocaram contra. Mas é muito simplista colocar esses conflitos como fruto do simples “sectarismo dos estudantes”, ou da “falta de consciência de classe”. Para mim, os noturnos são formados por um setor um pouco diferente da classe: mais velhos, já mais inseridos no mercado de trabalho, a maioria pais de família; além disso, é ponto fundamental o fato de eles não tocarem o foda-se para a escola (como a maioria dos estudantes dos noturnos das EE’s), mas entenderem o técnico como uma conquista e valorizar a etec (pelo menos no caso da Etec Zona Zul, em que a maioria dos estudantes era da quebrada). Apesar dessa valorização das Etec’s poder ser um ponto potencialmente positivo para a luta, os estudantes da manhã e tarde e nós do ME não fomos capazes de direcionar nesse sentido. Os estudantes viveram de perto as dificuldades de fazer luta com trabalhadores de idades e situações diferentes (que queriam simplesmente se formar e não defendiam a ocupação) e realmente não conseguiram superar esses enclaves.

    Para terminar, gostaria de colocar mais duas questões referentes a falas do Caue. Selecionei dois trechos que acredito que se realacionam e que podem trazer elementos interessantes. Um é quando ele fala do autonomismo como “campo necessário que nosso tempo nos impõe”, e o outro é quando escreve “A questão é que este foi um processo em certo sentido espontâneo, onde um ou dois gruopos souberam conduzi-lo, portanto não estava seguindo uma estratégia ou um projeto de transição socialista”. Gostaria de tentar distrinchar um pouco esses trechos. Acho que fica confuso o que esta se chamando de “autonomismo”; quais são essas “características do campo necessário nos tempos atuais”? Se consideramos como “autônomo e espontâneo” o fato dessas lutas serem fragmentadas e sem a elaboração de caminhos a longo prazo, lutas reativas que tem dificuldade de manter uma continuidade, acredito que são mesmo características de certa forma inevitáveis nos tempos atuais, mas que devemos sempre estar buscando quebrar, no sentido de avançar para formas de solidariedade e de unificação da classe para fora do campo reformista . Mas se por “autônomo e espontâneo” entedemos o fato de ter sido uma luta que fez estudantes do Brasil inteiro ocuparem suas escolas e as gerirem eles mesmos (em claro enfrentamento ao Estado) sem seguir a direção de uma organização ou partido, este é ao meu ver um caráter muito positivo dessa luta, se entendemos o comunismo como uma sociedade sem classes em que os próprios produtores (e não uma classe de gestores, mesmo que sejam do partido comunista e tenham Lenin nos seus quadros) gerem todos os níveis da sociedade.
    Seguindo, acredito que é um risco falar que “por ter sido espontânea, a luta não seguiu uma estratégia ou um projeto de transição socialista”. Nenhum grupo teria, no momento atual, tornado essa luta uma trasição para o socialismo, isso está fora de questão no momento e não se dá pela falta de uma direção clara, ou espontaneísmo da luta. Já em momentos revolucionários, as “ações espontâneas” da classe podem levar a uma ruptura (não que as ações espontâneas caminham para o socialismo, mas com o direcionamneto dessas lutas para uma perspectiva revolucionária, podem romper com os limites do capitalismo). Não foram as greves espontâneas em Berlim que quase levaram à revolução alemã? Ou as greves espontâneas na Rússia, que fizeram eclodir a revolução em 1917? Veja, se como “espontaneísmo” entendemos os trabalhadores, sem necessariamente serem organizados, tomarem a luta para si, atuando ativamente (como no caso das ocupações das escolas), acredito que a revolução será marcada por essas lutas espontâneas, greves, levantes, saques, ocupações, criação de conselhos de fábrica e de bairro.
    A questão não é, portanto, que a luta tenha sido “espontânea”, mas que apesar de ter tido uma força enorme, de ter apontado grandes possibilidades, não conseguiu sobreviver e ir pra além da pauta contra a reorganização, minguando quando o governo recuou no decreto. Mas por que isso ocorreu? Será que o movimento poderia ter ido muito além do que foi sem que o restante dos trabalhadores entrassem de cabeça e também ocupassem suas empresas, ou ao menos paralizassem-nas. Não o fizeram por ser uma luta espontânea sem um programa socialista? O limite da luta e o fato das ocupações não terem sido acompanhadas por outros movimentos da classe me parece ser muito pouco culpa dos secundaristas e de sua direção, e mais uma condição de nosso momento histórico. Mas vale analisar para que direção essa e outras lutas ditas “autônomas” (como Junho de 2013) apontaram. Ao meu ver, foi justamente no sentido de tentativas de construção, na prática, de novas formas de solidariedade de classe, possibilitando debates e enfrentamentos que caminham para o avanço da luta de classe. Ou as inúmeras ocupações de moradia e as greves (inclusive grave dos garis no RJ) não tem nada a ver com Junh ode 2013?

    Para terminar, coloco uma preocupação. Me angustia o fato desses tipos de debates (fundamentais ao meu ver) serem ainda restritos a um grupo pequeno de militantes. Não é que penso que todos os estudantes que ocuparam escola se tornarão militantes ativos, mas penso ser uma deficiência nossa não conseguir incluir alguns camaradas que fizeram parte da luta e que continuam com sede por batalhas futuras, só que não conhecem ou não se encaixam nos espaços como esse site (debates distantes da realidade de muitos). Acho que é tarefa fundamental tentar expandir espaços de debates como esse para que cada vez mais combatentes façam parte da elaboração da teoria revolucionária.

  14. Vou tentar fazer um último comentário pequeno sobre as respostas, porque ficar comentando excessivamente faz a discussão perder um pouco de sentido…

    Disse quatro coisas principais no meu primeiro comentário: que a política do ME foi corporativista e oportunista, que havia no texto uma confusão total entre programa, classe e vanguarda, que a conclusão sobre o programa não passava de fraseologia vazia, e que o autonomismo não tem nenhum grande balanço para ser reivindicado.

    Assim, me é de extremo interesse a resposta do dos Santos. Tirando algumas frases provocativas sem conteúdo, ele faz o seguinte: diz que eu falei que os secundas “buscaram uma separação com o noturno”, ou que a luta foi corporativista, que não gerou solidariedade de classe, etc. E aí escreve longos parágrafos tentando demonstrar que essas coisas não são verdadeiras. O engraçado? Eu nunca falei nada disso. Falei que a política do Mal Educado foi corporativista e oportunista, e não a luta, não os secundas. Aliás, quem falou que foram os próprios secundas que quiseram separar o noturno foi o Cauê. Mas fazer o que, se quando eu digo que existe uma confusão entre classe, programa e vanguarda me respondem que é uma discussão etimológica, ou que é richa entre correntes…

    E ele ainda termina dizendo (corretamente) que este debate está muito restrito à um pequeno número de pessoas… Mas o autonomismo não tinha levado a criação de centenas, milhares de novos militantes? Não era esse o grande balanço do autonomismo? O que será que falta para consolidar esses novos ativistas, que aliás surgem de qualquer luta (não só dos autonomistas)? Ao invés de debater de verdade perguntas como essas, vejo a galera daqui se limitando a dizer que só discute programa quem quer eleger presidente (uau!), ou que o programa tem que ser construindo com a classe (uau!!). E no melhor momento do comentário do dos Santos, que ele explica corretamente que a classe faz lutas de maneira espontânea, e que se direcionadas corretamente essas lutas levam ao socialismo (portanto dando importância vital para a direção do processo), esse grande passo a frente é revertido por dois passos atrás, quando ele vai lá e diz que o problema das lutas atuais não é a direção, e sim questões que o próprio tempo determina (como que ele pretende justificar essa afirmação dado o que ele disse sobre o espontaneismo?). Uma pena, tantos passos em falsos para evitar chegar às conclusões certas…

  15. (uma correção, antes que venham me acusar de qualquer coisa: as lutas espontâneas da classe, se direcionadas corretamente, *podem* levar ao socialismo, à ruptura com o capitalismo)

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