Por Passa Palavra

Como era de se esperar num processo marcado por provas frágeis e diversas arbitrariedades cometidas “em nome da lei”, o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, condenou à prisão da forma mais absurda e injusta 23 pessoas detidas em meio às manifestações multitudinárias de 2013 e 2014.

Todas as provas no processo foram colhidas ora por interceptações telefônicas, ora por buscas ilegais nas casas dos acusados, além do depoimento de delatores e de agentes infiltrados nas organizações políticas de que os acusados faziam parte. Outras parecem ter sido literalmente plantadas para justificar as acusações.

Não se pode negligenciar o papel que a imprensa corporativa desempenhou neste processo, pressionando de fora dos autos pela condenação e criando personagens monstruosos sobre a imagem daqueles que se pretendia incriminar.

Uma sentença e um recado

A condenação destas 23 pessoas não é por qualquer crime. É um recado do Estado aos que ousam lutar.

Os protestos de 2013 e 2014, noticiados e analisados no Passa Palavra, foram o maior movimento de massas no Brasil desde as Diretas Já, em 1984.

Ao tocar no transporte público urbano, questão que afeta diretamente a vida dos trabalhadores, os protestos iniciais puxados em Goiânia, Porto Alegre e outras cidades, mas com maior destaque para São Paulo com o protagonismo do Movimento Passe Livre (MPL), desencadearam uma onda de manifestações por todo o país, que alargaram o mote inicial dos transportes ao reivindicar a ampliação e melhoria na qualidade de uma vasta gama de serviços públicos.

Demonstrada a fragilidade dos governantes ao lidar com um movimento que se recusava a negociar qualquer outra coisa senão o único ponto de pauta em questão (o aumento tarifário), entrou em cena o controle social midiático, tentando primeiro deslegitimar as manifestações; não tendo sucesso, passaram a tentar pautá-las, trazendo para as ruas setores conservadores e reacionários para disputar os atos por dentro.

Repressão e crise de governabilidade

O Passa Palavra se solidariza com os 23, agora como antes. Qualquer ataque à liberdade de associação e manifestação públicas deve ser combatido com todas as forças. Se a vida dos trabalhadores com tais liberdades já é infernal, sem elas a vida não passa de pura sobrevivência animal.

O recado passado pela sentença e pelo desenrolar dos fatos que a antecederam é simples: quem ousar protestar será monitorado, perseguido, escorraçado, incriminado, condenado e preso. Tudo isto precedido por um longo e torturante assassinato de reputação feito por meio da imprensa corporativa, verdadeira condenação à morte civil.

Em meio à crise política inaugurada em 2013, acirrada em 2014 e multiplicada em 2016, num contexto de crise recessiva que se arrastou de 2014 até finais de 2017, a repressão é a saída encontrada pelos capitalistas no Brasil para conter a insatisfação social e o protesto político.

Não será admitida, em plena crise de governabilidade, que qualquer coisa “saia do roteiro” construído pelos acordos políticos entre burguesia e gestores; não será admitida qualquer solução para a crise senão a que eles próprios impuserem aos trabalhadores.

Este é o recado mais fácil de entender. Mas há outro, nas entrelinhas da sentença condenatória.

Vigilância voluntária: as redes sociais corporativas mostram seu papel

Boa parte das provas recolhidas, além das interceptações telefônicas, veio de postagens em redes sociais. São várias as referências na sentença ao Facebook, a comunicações entre acusados por meio das redes, a chamados para atos cujo conteúdo é esmiuçado em busca de elementos incriminatórios, a postagens individuais ou em grupos…

Assim como tantos outros sites e iniciativas alertam para o monitoramento via redes sociais desde há muitos anos, foram também publicados no Passa Palavra diversos artigos denunciando este novo regime massivo de controle e disciplinamento (como este, este e este).

Cabe lembrar que as redes sociais também foram importantíssimas fontes para sustentar o processo da Operação 2,80 contra os ativistas da Frente de Luta pelo Transporte de Goiânia, de que também tratamos neste site.

O uso de publicações em redes sociais corporativas como prova criminal para condenar os 23 demonstra, sem qualquer possibilidade de contra-argumentação, o regime de liberdade vigiada existente nestes espaços.

Se o problema da servidão voluntária persiste há séculos, agora soma-se a ele o da vigilância voluntária, ainda mais grave quando a ação política é por muitos confundida com o “lacre” nas redes, quando a organização é confundida com os “eventos” e quando o mercado de “subcelebridades de rede” parece a muitos ser mais atrativo que a construção coletiva no mundo real.

#EuApoioOs23

Para a burguesia e os gestores, lutar sempre será crime. Mesmo nas democracias, as liberdades de associação e manifestação públicas servem também para que a inteligência policial reconheça os mais ativos e os apanhe, sob qualquer acusação.

É de qualquer militante político o dever simultâneo de solidarizar-se com os que são capturados, lutando por sua liberdade, e de lutar para não ser, também, apanhado.

Por isto, o Passa Palavra engrossa o coro: #EuApoioOs23!

1 COMENTÁRIO

  1. “(…) a repressão é a saída encontrada pelos capitalistas no Brasil para conter a insatisfação social e o protesto político”

    A repressão é a saída encontrada pelos capitalistas do Brasil e do MUNDO para conter a insatisfação social e o protesto político, como bem demonstra Israel ao aprovar uma “Carta Magna” digna de um Quarto Reich….

    https://www.cartacapital.com.br/internacional/israel-aprova-controversa-lei-que-o-define-como-estado-do-povo-judeu

    Portanto, “Não será admitida, em plena crise de governabilidade, que qualquer coisa “saia do roteiro” construído pelos acordos políticos entre burguesia e gestores” em qualquer lugar do mundo, pois a luta, é de CLASSES… e não de IDENTIDADES ou o que quer que o valha… exceto se nós, trabalhadores, defenderemos, por exemplo, a “identidade judaica de Israel, denominada de “lar nacional” do povo judeu” (Carta Capital)…

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