Russian revolutionaries and leaders Joseph Stalin (1879 - 1953), Vladimir Ilyich Lenin (1870 - 1924), and Mikhail Ivanovich Kalinin (1875 - 1946), at the Congress of the Russian Communist Party. (Photo by Hulton Archive/Getty Images)

Por Maurice Brinton

CONCLUSÃO

Os acontecimentos descritos neste livro mostram que, no campo da “política do trabalho”, há uma relação clara e incontroversa entre o que sucedeu sob Lenine e Trotski e a prática posterior de Staline. Sabemos que muitos elementos da esquerda revolucionária dificilmente engolirão esta afirmação. Estamos convencidos, no entanto, que qualquer leitura honesta dos factos conduzirá necessariamente a essa conclusão. Quanto mais pesquisamos este período, mais difícil se torna definir, ou sequer ver, o “abismo” que se diz separar o que sucedeu no tempo de Lenine do que sucedeu mais tarde. O conhecimento real dos factos também torna impossível aceitar, como o fez Deutscher, o curso dos acontecimentos como “historicamente inevitável” e “objectivamente determinado”. A ideologia e prática bolcheviques foram elas mesmas factores importantes, e algumas vezes decisivos, em todos os estágios críticos deste período crítico. Agora que se conhece maior número de factos deveria ser impossível continuar alguém a automistificar-se. Quem, tendo lido estas páginas, tiver ficado “confuso”, é porque o quer ficar, ou porque (como futuro beneficiário duma sociedade semelhante à sociedade russa) é do seu interesse ficá-lo. O facto de tanta gente, que passou toda a sua vida no movimento socialista, saber tão pouco sobre este período não tem nada de surpreendente. Na torrente do entusiasmo inicial pela “vitoriosa revolução socialista” de 1917 era quase inevitável que só o ponto de vista dos vencedores encontrasse audiência. Durante muitos anos, a única alternativa que se apresentava eram os lamentos hipócritas da social-democracia ou o rosnar da contra-revolução declarada. A voz da oposição revolucionária libertária ao bolchevismo foi eficazmente sufocada.

Maurice Brinton

“Vae victis” disse Irennus, o Gaulês, em 309 AC, quando atirou a sua pesada espada para a balança que pesava o resgate necessário para levantar o cerco de Roma. “Morte aos vencidos” tem sido de facto o veredicto imediato da história através dos tempos. Eis por que se sabe tão pouco acerca dos revolucionários que não esperaram por 1923 para proclamar a sua oposição, mas que viram logo em 1918 em que direcção a sociedade russa caminhava, muitas vezes à custa da própria vida. Eles, e a sua memória, viriam a ser apagados na grande onda burocrática da década seguinte, eufemisticamente descrita como “construção do socialismo”.

Só recentemente, quando os frutos da revolução “vitoriosa” começaram a ser colhidos (na Hungria, Checoslováquia, etc.) é que surgiram as dúvidas e se fizeram, finalmente, perguntas objectivas. Só agora é que se começou a trabalhar a sério na verdadeira natureza da decomposição (a atitude bolchevique para com as relações de produção) e a prestar de novo atenção aos avisos proféticos dos “vencidos”. Falta ainda restituir ao movimento revolucionário, a quem pertence de direito, uma quantidade enorme de material extremamente valioso sobre esses anos de formação.

Cinquenta anos depois da Revolução russa, percebemos melhor alguns dos problemas tão violentamente discutidos entre 1917 e 1921. Os revolucionários libertários de 1917 foram tão longe quanto podiam. Mas hoje em dia dispomos de experiências muito mais ricas. Os acontecimentos da Hungria em 1956 e da França em 1968 (e, podemos acrescentar, da Polónia em 1970 — NdT) lançaram luz sobre os problemas das modernas sociedades burocráticas capitalistas e mostraram a natureza da oposição revolucionária a que dão origem, quer no contexto ocidental quer no contexto oriental. O que era irrelevante e contingente foi varrido. Cada vez mais se considera o domínio do homem sobre o que o rodeia e das instituições que cria para resolver as tarefas com que se defronta como as questões chave da nossa época. Manterá o homem o controle das suas criações ou será dominado por elas? Nestas questões estão incluídas questões ainda mais fundamentais: a da própria “falsa consciência” do homem, a sua desmistificação em relação à “complexidade” da gestão, o restabelecimento da sua auto-confiança, a da sua capacidade de assegurar o controle sobre uma autoridade delegada, da sua reapropriação de tudo o que o capitalismo lhe tirou. Está também implícita nestas questões a de como libertar a imensa capacidade criativa que todos nós temos e de como usá-la para fins por nós escolhidos.

Na luta por estes objectivos o bolchevismo será eventualmente encarado como uma aberração monstruosa, a última roupagem envergada pela ideologia burguesa que começava a ser atacada nas suas próprias raízes. A ênfase dada pelos bolcheviques à incapacidade das massas para atingirem a consciência socialista através da sua própria experiência da vida sob o capitalismo, a sua preocupação com um “partido de vanguarda” hierarquicamente estruturado e com a “centralização para lutar contra o poder estatal centralizado da burguesia”, a sua proclamação dos “direitos históricos” dos que aceitaram uma determinada visão da sociedade (e do seu futuro) e portanto o direito de impor essa visão aos outros, apontando-lhes uma arma se necessário, tudo isto será reconhecido pelo que de facto é: a última tentativa da sociedade burguesa para restabelecer a sua divisão estrita entre dirigentes e dirigidos, e para manter relações sociais autoritárias em todos os aspectos da vida humana.

Para que a revolução do futuro seja significativa terá de ser profundamente libertária. Terá que basear-se numa assimilação real da experiência russa. Recusará a substituição de um tipo de dirigentes por outro, de uma camada de exploradores por outra, de uns padres por outros, de um autoritarismo por outro, ou de uma ortodoxia asfixiante por outra. Deverá eliminar radicalmente todas as falsas soluções que não passam de novas manifestações da alienação contínua do homem. Uma autêntica compreensão do bolchevismo será um ingrediente necessário em qualquer revolução que pretenda transcender todas as formas de alienação e auto-mistificação. A medida que a sociedade antiga se desmorona, quer a burguesia quer a burocracia terão que ser enterradas sob as suas ruínas. Haverá que compreender quais as suas verdadeiras raízes. Nessa tarefa gigantesca, a futura revolução extrairá a sua força e inspiração da experiência real de milhões de pessoas, do Leste e do Oeste. Este pequeno livro pretende contribuir, ainda que minimamente, para essa tarefa.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

Além da documentação abundante citada no estudo do grupo Solidarity, mencionam-se a seguir alguns textos publicados ou reeditados após 1970, data da edição inglesa de The Bolcheviks and Workers’ Control.

ANWEILER (Oskar), Les Soviets en Russie, 1905-1921 (Die Rätebewegung in Russland 1905-1921). Tradução francesa de Serge Bricianer, prefácio de Pierre Broué, Paris, Gallimard, 1972, 355 p. (Edição original 1958).

Na sua introdução, Anweiler define com muita precisão o que pretendeu fazer, com estas palavras: “A constituição da Rússia actual, a União das Repúblicas socialistas soviéticas, tem por base formal o sistema dos conselhos (ou sovietes), é por isso que se liga vulgarmente a noção de “soviete” à de bolchevismo; seja ou não exacta do ponto de vista político, essa assimilação é, seja como for, indefensável do ponto de vista histórico. Basta com efeito estudar o período de formação do Estado bolchevique para perceber que os conselhos tiveram uma origem autónoma, e que só em determinada etapa do seu desenvolvimento se fundiram num sistema novo, o sistema bolchevique dos conselhos, ligado à teoria leninista do Estado e da Revolução, tanto como à prática do Estado e do Partido Bolcheviques. A presente obra tem por objecto reconstituir a história dos conselhos russos, desde o seu nascimento à sua incorporação ao Estado bolchevique…”.

Ora, na perspectiva marxista da auto-emancipação do proletariado, quem não vê a importância decisiva desse facto histórico: a independência original dos conselhos em relação ao partido de Lenine?

SOCIALISME OU BARBARIE (reedições de artigos):

Reconhece-se hoje de comum acordo a importância da função subterrânea desempenhada pelo grupo Socialisme ou Barbarie durante 17 anos, de 1949 a 1965. Ora, os 40 números dessa revista são hoje impossíveis de encontrar e as colecções das raras bibliotecas públicas que os conservaram são muitas vezes incompletas. Devemos portanto aplaudir as recentes reedições dos artigos de Lefort e de Castoriadis:

LEFORT (Claude), Élements d’une critique de la bureaucratie, Paris, Genève, 1971, 369 p. Merecem reler-se, particularmente, os textos da primeira parte, intitulada: “O partido revolucionário como órgão burocrático” e o Posfácio. A revista Autogestion (12, av. du Maine, Paris 15ème) publicou sobre o livro de Lefort uma análise de Lourau (n.º 16-17, pp. 217-219).

CASTORIADIS (Comelius), La société bureaucratique I, Les rapports de production en Russie, II, La révolution contre la bureaucratie, Paris, 10/18, 2 vol., 1973.

Trata-se dos dois primeiros tomos de uma série[*] (foram anunciados doze volumes) que reunirá os artigos publicados na revista Socialisme ou Barbarie sob os pseudónimos de Pierre Chaulieu e de Paul Cardan. Esta reimpressão é acompanhada de inéditos e de textos complementares (advertências, posfácios, rectificações diversas) dos dois primeiros tomos. O primeiro volume distingue-se particularmente por uma longa introdução na qual Castoriadis descreve o seu itinerário intelectual em ligação com a evolução política deste último quarto de século. Entre os textos reeditados, o mais célebre tem por título: “As relações de produção na Rússia”, que desenvolve uma critica radical de esquerda do regime soviético, estabelecida de um ponto de vista marxista.

ROCKER (Rudolf), Les soviets trahis par les bolchéviks (La faillité du communisme d’État), Paris, Spartacus, 1973, 108 p., 12 F. [Tradução de Die Bankrotte des russischen Staatskommunismus (Berlim, 1921), do anarco-sindicalista alemão R. Rocker. Lembremos que os Cahiers Spartacus tinham já publicado um texto de Arthur Lehring (do qual se conhece em França o contributo para a publicação dos Archives Bakounine) escrito em 1929 e publicado em 1929-31 em Ière Internationale: Anarchisme et marxisme dans la révolution russe. Paris, 1971, 112 p., 7 F].

SCHWARZ (Salomon), Lénine et le mouvement syndical, Paris, Spartecus, 1972, 85 p., 6 F. [Pelo autor de Les Ouvriers en Union-Soviátique (Paris, Rivière, 11956). Este estudo do dirigente menchevique foi publicado pela primeira vez em França em 1935. “No decorrer da presente obra, o autor esforçou-se por mostrar, segundo as fontes, a evolução da doutrina sindical de Lénine e as modificações que teve que sofrer sob influência das experiências feitas. O exame critico desta evolução só em segundo plano podia contar, e apenas lhe concedemos um lugar restrito. Importava-nos sobretudo dar ao leitor uma documentação autêntica tão completa quanto possível para facilitar o seu próprio exame da doutrina sindical de Lénine” (p. 10)].

Die Russische Arbeitopposition. Die Gewerkschaften in der Revolution. Herausgegeben und eigeleitet von G. Mergner, Hambourg, Rowohlt, 1972. [Conjunto de documentos sobre a “questão sindical” na Rússia. Encontramos aí um texto de Varga de 1921, “Socialismo e capitalismo na Rússia soviética”; o estudo de G. Maximoff sobre “o movimento sindicalista revolucionário na Rússia” (1926); um artigo do socialista-revolucionário de esquerda Kamkov (B.) sobre as relações entre a cidade e o campo publicado em 1920 na revista Die Aktion de Pfemfert; outro de Lozovski sobre “o desenvolvimento dos Comités de fábrica na Rússia” (1929); o discurso de Trotsqui no IX Congresso do P.C.R. (1920) sobre a “militarização do trabalho”, e três textos da “discussão sindical” do X Congresso de 1921: “As tarefas dos sindicatos (Teses da Oposição Operária), “A Oposição Operária” de Koüontai, e a resolução “leninista” sobre “A função e as tarefas dos sindicatos”. Como em todas as outras antologias desta colecção, os textos são abundantemente anotados. Lembremos que, na mesma colecção., G. Hillman tinha já pubücado uma antologia em 2 volumes sobre o movimento dos Conselhos: Die Rätebewegung, vol. I (1971), vol. 2 (1972). Se o primeiro era exclusivamente consagrado aos conselhos da revolução alemã, o segundo continha vários textos sobre a revolução russa: alguns bem conhecidos, como os de A. Berkman (sobre Kronstadt), de P. Archinoff (sobre Makhno) e de I. Steinberg (sobre o terror), mas outro igualmente de A. Souchy. sobre “o movimento socialista na Ucrânia” (1920), que o é muito menos].

AVRICH (Paul), ed., The Anarchists in the Russian Revolution, London, Thames and Hudson, 1973, 179 p. L 1.35 [54 documentos traduzidos do russo, agrupados em 9 capítulos, com uma introdução geral e uma curta apresentação para cada capítulo: 1) a revolução de Fevereiro (em particular um texto de Voline in Goloss Trouda (New York) de 23 de Março de 1917; 2) aspectos do anarquismo (praticamente todas as correntes estão representadas. incluindo as correntes “individualistas”); 3) o controle operário (v. concretamente a “Declaração da Associação de propaganda anarquista de Petrograd” de Junho de 1917 publicada em Goloss Trouda de 11 de Agosto de 1917, e “Acerca dos sindicatos e dos Comités de fábrica de G. P. Maximoff em Goloss Trouda); 4) a revolução social; 5) a insurreição de Outubro; 6) a guerra civil (v. em particular um texto de 1920 no qual os “anarquistas-soviéticos” Chatov e Roshchin defendem a sue posição); 7) Makhno; 8) os anarquistas presos (Maximoff, Kropotkine — a “mensagem aos trabalhadores de Ocidente” e cartas a Lenine — etc.); 9) Kronstadt (Berkman, Goldman, panfletos anarquistas). Excelente complcmento aos últimos capítulos de The Russian Anarchists. do mesmo autor].

SKIRDA (Alexandre). Kronstadt, 1921. Prolétariat contra bolchévisme. Paris, Éditions de la Tête de Feuilles, 1972, 271 p., 32 F. [Um ponto de vista libertário, apresentado por A. Skirda. Tradução de “Kronstadt dans la révolution russe” de Efim Yartchouk (1921) e “Les causes de l’insurrection de Kronstadt” (1926) do presidente do Comité Revolucionário Provisório de Kronstadt durante a insurreição, Stéphan Pétritchenko. Excelente bibliografia. Devia-se já a A. Skirda outro conjunto de documentos, L’insurrection de Kronstadt la Rouge (brochura editada pelo Mouvement Communiste Libertaire— M.C.L., B.P. 20-37 — Tours Rives-du-Cher), que reproduz concretamente artigos de Anton Ciliga e de Victor Serge sobre Kronstadt publicados em 1938 em La Révolution prolátarienne, bem como textos publicados na revista anarco-comunista Diélo Trouda (1925-31). Acrescentemos que os textos do n.° 18-19 de Autogestion sobre os anarquistas russos acabam de ser reeditados numa brochura dos Cahiers Spartacus (Les Anarchistes russes et les Soviets. 1973, 7.50 F).

SKIRDA (Alexandre). Les anarchistes dans la révolution russe. Paris, 1973, 186 p„ [Textos de A. Skirda (“L’octobre libertaire”). de Anatole Gorélik (“Les anarchistes dans la révolution russe”, 1922); várias “Resoluções” anarco-sindicalistas (no primeiro congresso pan-russo dos sindicatos, na primeira e na segunda conferência anarco-sindicalistas de 1918, no segundo congresso pan-russo dos trabalhadores da alimentação cm Março de 1920); um artigo de A. Berkman, outro de Emma Goldman, e um longo texto de Victor Serge (1920), em que ele explica as razões da sua evolução do anarquismo para o bolchevismo].

KORSCH (Karl); MATTICK (Paul); PANNEKOEK (Anton); RUHLE (Otto); WAGNER (Helmut), La contre-révolution bureaucratique, Paris, U.G.E., col. 10/18, 1973, 307 p. 9F. [Textos extraídos das revistas International Council Correspondence e Living Marxism publicados de 1934 a 1941 por “Comunistas de conselhos” europeus emigrados nos Estados Unidos. Indispensável para compreender as posições de uma corrente que é ainda muito mal conhecida em França, apesar de algumas traduções recentes. Noticias bio-bibliográficas].

EM PORTUGUÊS

KOLLONTAI, Alexandra. A Oposição Operária. Colecção O Saco de Lacraus, AFRONTAMENTO, Porto.

METT, Ida. Cronstadt, último soviet livre. Colecção O Saco de Lacraus, AFRONTAMENTO, Porto. 

BARROT, Jean. Notas para uma análise da Revolução Russa. Lisboa.

Notas

[*] Posteriormente à organização desta bibliografia vieram já a público outros volumes da série.

A transcrição desta tradução do livro de Maurice Brinton, The bolsheviks and workers’ control: the State and counter-revolution, feita por Carlos Miranda, conta com autorização da Editora Afrontamento, que a publicou originalmente em 1975. Este artigo faz parte do esforço coletivo de traduções do centenário da Revolução Russa mobilizado pelo Passa Palavra. Veja aqui a lista de textos e o chamado para participação.

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