Por Um Outro João
Como João Bernardo escreveu em um comentário recente, o que mais preocupa não é a truculência dos apoiadores de Bolsonaro, mas “o estado de espírito de tanta gente de esquerda, assustada, incapaz de fazer frente e já a fugir antes ainda de o Bolsonaro ter ganho”. Além de preocupar, impressiona que sejamos nós os mais perplexos diante de uma vitória da extrema direita aqui no Brasil. Perplexos, em primeiro lugar, pelo crescimento tão acelerado desse movimento que elegeu Bolsonaro: “como, tão de repente, tanta gente passou a acreditar nessas ideias desumanas e antidemocráticas e votou num capitão do exército?”. A maior parte da esquerda se tranquiliza na ideia de que os trabalhadores que votaram nele o fizeram por falta de conhecimento, porque teriam sido enganados pela difusão de fake news – “das duas uma: ou você é realmente um fascista por pensar essas coisas, ou você está sendo enganado”. Outra perplexidade, tão surpreendente quanto, é em relação à capacidade das classes dominantes de exercerem seu poder: “como pode um general e um capitão do exército falarem que vão matar os esquerdistas?”. Como não poderiam, camaradas? Como disse Paulo Arantes recentemente, enquanto a esquerda só se preocupava com a gestão da sociedade, a direita voltou a fazer política de fato. De repente, eles nos recordam que vivemos numa sociedade de classes e que as coisas que aprendemos nos livros de Marx têm correspondência com a realidade.
Essas perplexidades mostram 1) a enorme distância entre a esquerda e a maior parte dos trabalhadores, e 2) como a esquerda se anestesiou e passou a acreditar nos mecanismos democráticos, de mediação dos conflitos de classe, se percebendo agora absolutamente impotente e assustada. Nesses 13 anos de governo, e no período que lhe antecedeu e lhe gestou, o Partido dos Trabalhadores foi tão bem sucedido em sua estratégia de apaziguamento dos conflitos, de transformação dos instrumentos de luta em instrumentos de gestão e conciliação de classe, que foi desaparecendo qualquer poder de fato proletário (seja no trabalho, nos bairros, nas igrejas, nos movimentos sociais). Daquele último grande ciclo de lutas dos anos 70 e 80 parece não ter sobrado muita coisa além de um grande saco de identidades, onde lê-se grafado Partido dos Trabalhadores, Democracia, ou #EleNão e onde cabe esse amontoado de identidades que nos tornamos: negros, índios, mulheres, lésbicas, transexuais, quilombolas, sem teto, sem terras, etc e seus simpatizantes.
Diante desse quadro de isolamento e impotência, o que a maior parte da esquerda tem feito é criar frentes antifascistas e frentes amplas e democráticas em vários locais e com diferentes formas, para justamente afirmar os valores da esquerda, contra o crescimento dos valores da extrema-direita – o vermelho e preto e o colorido contra o verde e amarelo da bandeira nacional, a Democracia contra a Ditadura. As posições mais recuadas se contentam em pedir somente a volta da democracia de forma abstrata, criticando Bolsonaro por ele atacar os valores democráticos. As posições mais radicais, enfatizam a necessidade de se combater o fascismo com seriedade, e levantam palavras de ordem como “fascismo não se discute, se combate”, ou “fascismo é na ponta do fuzil”, resgatando o episódio da Revoada das Galinhas Verdes, por exemplo. Também essas posições se mantêm no campo abstrato e discursivo: o que significa combater o fascismo hoje na ponta do fuzil? Quem são os fascistas, nossos colegas de trabalho que votaram no Bolsonaro? Vamos organizar um ato que “colocará os eleitores do Bolsonaro para correr” como os integralistas revoaram em 1934? Essas frases e essa memória também dizem muito pouco e se mantém como combate meramente figurativo do fascismo.
Apesar do momento atual nos induzir ao desespero, pois sabemos que com o Bolsonaro eleito as coisas vão ficar cada vez mais sinistras, não me parece possível outro caminho que não o de construir as “formas de poder própria dos trabalhadores”, que um João escreveu em um texto recente no Passa Palavra. E, para isso, o que temos que começar a pensar são enfrentamentos aos ataques concretos que já estão ocorrendo e que se intensificarão, como contra a violência policial aos trabalhadores em geral, contra os ataques a imigrantes, transexuais, gays, negros e outros grupos por bandos fascistas, comitês de apoio aos desempregados, de apoio às greves; grupos de segurança para os militantes de esquerda; grupo de apoio mútuo entre jornalistas progressistas que reportem as violências que sofreremos, dentre outras coisas, ao invés de focar sempre no combate à figura do Bolsonaro, ou em uma luta abstrata pela “Democracia”. Nessas lutas, teremos que conseguir mobilizar trabalhadores independentemente de suas ideologias, inclusive eleitores do Bolsonaro e toda essa multidão cansada, não sem razão, dessa tal democracia.
Sabemos que, por mais hábil que o governo bolsonarista possa ser, não estão no horizonte grandes melhoras nas condições de vida dos trabalhadores em geral, então haverá possibilidades de envolvê-los em lutas através de elementos concretos de sua realidade. Como era esperado, no entanto, permanece uma tendência na esquerda de continuar dividindo os trabalhadores de acordo com quem eles votaram, culpabilizando os eleitores do capitão como os responsáveis pela atual situação, ao invés de tentar trazê-los para o nosso lado. Uma grande parcela dos trabalhadores que elegeram o Bolsonaro, ou que foram “coniventes com sua eleição” (se abstendo de votar), que poderiam se colocar ao nosso lado na luta contra os assassinatos em geral por parte da polícia ou grupos fascistas, por exemplo, são empurrados pela própria esquerda para o outro lado da trincheira, que já os considera de antemão coniventes com essas práticas (a máxima era a palavra de ordem “seu voto mata negros”, que não dava outra possibilidade ao trabalhador que não quisesse votar no Haddad, de ser contra o assassinato de negros).
Os tempos que virão não serão totalmente novos, pois a barbárie, o individualismo, o todos contra todos, o assédio aos trabalhadores pelos seus patrões, a militarização estão todos aí já há um tempo, sendo o atual momento muito mais a consequência do nosso esfacelamento, do que a causa. É preciso considerar, porém, que haverá um recrudescimento dessas formas já colocadas, com uma intensificação da repressão e perseguição à esquerda em geral, que não sabemos ainda a dimensão.Pensando mais especificamente na nossa segurança, também me parece interessante se distanciar das simbologias, das formas e do vocabulário de esquerda. Me lembrei de uma entrevista do Waldemar Rossi, da Oposição Sindical Metalúrgica–SP, em que ele conta que parecer um militante sindical, um “operário lutando por melhores condições de vida”, e não um militante de alguma corrente ou partido de esquerda, era uma proteção para o pessoal da OSM. Ele relata uma greve, em 1964, que ele ajudou a organizar na empresa que trabalhava, em que o pessoal do DOPS é chamado pelo dono da empresa e depois de conversar com os grevistas, dizem para o dono da empresa se resolver com os operários, porque se tratava de um problema unicamente “trabalhista”, sem relação com os “esquerdistas”. Com Bolsonaro no governo, existirá uma perseguição cada vez maior e mais declarada a essa “identidade de esquerda” e cada vez menos possibilidades de defesa por meio de instâncias democráticas e simbólicas para impedir a barbárie por parte das forças da ordem.
Por isso, ao invés de ficarmos afirmando nossos valores, penso que deveríamos fazer o movimento oposto, de se misturar com a classe, voltar a ser gente comum, a travar lutas mais silenciosas, que apareçam menos, mas que voltem a mobilizar os trabalhadores e envolvê-los de fato em um projeto próprio de classe. Nesse sentido, tornam-se ainda mais importantes as relações no dia a dia, os vínculos de amizade e solidariedade com os demais trabalhadores, seja no trabalho, na faculdade, na rua, ou onde quer que estejamos, que consigam colocar nosso poder de fato – mesmo que por enquanto ainda frágil – e evitem, por exemplo, a demissão ou perseguição de um colega, o assédio das chefias sobre algum trabalhador, que assegurem as poucas condições de trabalho que nos restam, e assim por diante. Militantes de esquerda isolados serão presa cada vez mais fácil para a repressão, ao passo que trabalhadores bem vistos em seu serviços, que tenham grupos de trabalhadores que corram por eles, categorias organizadas para lhes dar proteção, que tenham “conceito” em seus bairros, nas Igrejas que frequentam, e assim por diante, mobilizarão mais gente e tornarão suas vidas mais custosas. Historicamente, é a organização da classe que protege os trabalhadores mais empenhados na luta contra o capitalismo (os ditos militantes do movimento operário) da repressão, e não o contrário.
A única certeza é que não virão tempos fáceis, mas a luta de classes nunca foi mesmo tranquila. Teremos que continuar lutando, porque não tem outro jeito. Se há uma lição que podemos tirar dessa eleição do Bolsonaro é que a História não é um conto da Carochinha. É cabeça no lugar e pé no chão; sem desespero, e com atenção redobrada.
Fotos da capa e do texto: Guilherme Santos
Manifestantes antifascistas contra Bolsonaro: Sérgio Silva
Muito bom, essa é uma das minhas reflexões. A esquerda adormeceu com a democracia acreditando que com ela seria tudo “paz e amor”.
O tema desse texto tem sido bastante importante para pensar a conjuntura, tenho bastante acordo na critica do projeto de conciliação do petismo e da hegemonia de uma perspectiva gestorial na esquerda, mas fiquei incomodado com os desdobramentos politicos levantados no texto a partir dessa análise e com a pouca atenção que o autor dedica em analisar as movimentações reais das frentes que estão acontecendo. Como me parece ser um posicionamento próximo e debatido no meu meio resolvi escrever esse comentário, devo dizer que escrevo de uma perspectiva muito paulistana apesar de trazer elementos que são comuns ao quadro nacional.
Acredito que o texto ao olhar as frentes que tem sido invocadas acaba atacando quase exclusivamente a “frente ampla democrática” que tem estado presente nos discursos de políticos profissionais e intelectuais invocando uma articulação superestrutural, tais frentes pouco tem saído do papel para além de articulações de cúpula, a linha majoritária do PT e seus satélites tem sido esperar o novo governo para iniciar a oposição de fato.
Me dedicarei a falar de dois outros tipos de frentes que tem acontecido um pouco mais afastadas dessas cúpulas majoritárias, que talvez não tenham sido percebidas pelo autor pela menor publicidade entorno delas, mas que ao meu ver são de maior importância pra gente nas lutas que virão, são as frentes de grupos sindicais e as frentes territoriais, essas frentes também surgiram ou ressurgiram durante a movimentação eleitoral entorno do Ele Não, mas uma boa parte delas se mantiveram no pós eleição perdendo seu caráter eleitoral.
As frentes sindicais tem sido feitas por coletivos e ativistas normalmente de “oposição” a cut em categorias profissionais de tradição sindical consolidada (bancários, servidores municipais, professores, etc). Elas tem se preocupado sobretudo com pautas de resistência como a reforma da previdência, a privatização, o escola sem partido, e a perda da estabilidade no emprego. Não se diferenciam muito de frentes supereestruturais que pipocam de tempos em tempos nessas categorias, com uma pequena diferença qualitativa que o medo do novo governo tem feito com que os diferentes grupos deem um peso um pouco maior a construção dessa frente, com a participação inclusive de setores que em outros momentos importantes (como entorno das greves gerais) desprezaram essas convocações de frente ampla mas agora tiraram a linha de fortelece-las. Só ano que vem dara pra avaliar se havera continuidade real e frutos nessas frentes.
Já as frentes territoriais tem sido de uma forma ou de outra hegemonizadas sobretudo pelos movimentos de moradia, apesar de nesse meio haver um espectro politico mais amplo de composição do que no meio das oposições sindicais, podemos dizer que o grande motivador dessas frentes também é o medo e a necessidade de resistir aos ataques no novo governo, com o agravante do medo da ofensiva de despejos e de criminalização que a nova conjuntura já começou a impor contra esses movimentos, e se dividem em sobretudo duas estratégias:
1 – A estratégia do escudo político (ou escudo de classe média/escudo burguês) que se tem traduzido na prática sobretudo na chamada para organização em bairros de “classe média” pela frente povo sem medo (pompéia sem medo, pinheiros sem medo, itaquera sem medo, etc), essa via tem apostado mais na articulação politica de cúpula e na agitação centralizada em espaços elitizados como via de se fortalecer politicamente para sobreviver aos ataques.(Ai as principais organizações a tocarem essa estratégia são o MTST e o PSOL, apesar da pratica ser semelhante a de parte da burocracia sindical petista)
2 – A estratégia da autodefesa, essa via tem insistido na auto organização enraizada em regiões periféricas (Grajau, Capão, Cidade Tiradentes, etc) para fazer frente aos ataques do novo governo, tem debatido pautas locais e lutas gerais como contra a reforma da previdência ou fortalecimento da mobilização contra o sampa prev, fortalecido o debate de autodefesa que tem se dado sobretudo entorno da repressão policial e paramiltar, a segurança pessoal e de comunicação, a execução/encarceramento massivo racista na quebrada, a violência machista e na defesa das ocupações, ao contrário do que afirma o texto falando de uma via de autodefesa restrita a palavras de ordem de um anarquismo punk de subcultura que xinga muito no facebook (e que sequer cheguei ter noticias de terem puxado frentes na prática), as consequências desse debate nessas frentes tem sido bastante concretas. Também ao contrário do que diz o texto esta sim seria a via mais radical que tem sido colocada nessas frentes na atual conjuntura. Essas frentes tem sido menos coesas ou centralizadas em relação a do primeiro grupo e são compostas pelo leque amplo de forças que vão de coletivos de cultura locais, pstu, associações/movimentos locais alinhados a pt, psol, pcdob, anarquistas, autonomos, etc.
Se destaca nas consequências práticas dessa linha de autodefesa os grupos femininos que tem iniciado a prática de artes marciais, existem algo entorno de uma dezena de grupos femininos de defesa pessoal que se formaram nessa cidade de diversas tendências politicas nos últimos meses, isso vem junto a uma retomada da referência nos panteras negras e espelha fenômeno semelhante ao que aconteceu nos Estados Unidos, onde se organizaram muitos grupos de autodefesa nos bairros negros e imigrantes com a eleição de Trump. O outro caso mais efetivo tem sido o próprio debate de resistência das ocupações ameaçadas de despejos, que já vem de uma tradição anterior desses movimentos, em que paira o espectro do caso do pinheiro em São Paulo em que a ocupação já consolidada com casas de alvenaria se preparou para a resistência, acabou que sofreu um verdadeiro massacre (com milhares de policias e tratores destruindo tudo numa desocupação em pleno domingo contra todos os protocolos convencionais) mas que pela grande repercussão de sua organização politica conseguiu posteriormente conquistar apartamentos do CDHU.
Nisso vejo o outro grande problema do texto, que é se alinhar a visão ressentida do passa palavra de classificar as tais pautas identitárias como uma divisão da classe em si mesma problemática e prejudicial a conformação de um possível ascenso da classe trabalhadora enquanto tal, pra sustentar tal ponto de vista o único procedimento possível é o de não fazer uma análise da realidade concreta dos tais grupos “identitários” e ataca-los em bloco como se fossem uma essência abstrata o que acaba sendo o procedimento desse texto. Por exemplo, eu mesmo utilizei um cartaz que continha uma arte em que se dizia “quantos negros seu voto vai matar?” na agitação entorno de um debate na periferia na época da eleição, apesar de nós sermos um dos raros setores que não pregou voto no PT e nem puxamos campanha, identificar nesse cartaz uma negação sectária da possibilidade de dialogo é simplesmente um absurdo, ora nessa eleição vimos um show de horrores de toda sorte de coletivos negros e feministas (assim como os ditos anarquistas e bolcheviques) saindo as ruas para tentar convencer votantes do Bolsonaro a mudarem de opinião, não só tais setores “identitários” não se negarem ao dialogo como estão na vanguarda da intimidade com esses setores. Afinal na própria quebrada quantos pais de militantes negros não votarem no Bolsonaro sem que isso significasse uma total ruptura familiar? Quantos não são de famílias evangélicas?
Há um consenso em boa parte das frentes e comitês que observei nesse período (e de fato não são todos, e a critica a eles eu concordo) que avaliam que amplos setores que votarem no Bolsonaro não vão concordar com sua política econômica e que teremos que estar nas trincheiras juntos a eleitores do Bolsonaro contra os ataques, o caso mais citado é o dos caminheiros que possivelmente acabarão se mobilizando contra o Bolsonaro pois apesar de constituirem parte de sua base social sofrerão com a nova politica de preços da Petrobrás, mas essa também é a relidade do meu próprio local de trabalho.
Observo que a esquerda que o texto descreve que é mais apaixonada pela sua própria performance estética do que pela luta de classes é mais dividida pelas questões internas de classe e de centralização burocrática do que pelas “identidades”. Vejo perfomances extremamente “identitárias” nos dirigentes sindicais da minha categoria com seu discurso ultra-corporativo e petista, e mesmo já observei na pequena burguesia de esquerda que anda histérica com a eleição do Bolsonaro, ambos demonizando como fascista o votante do Bolsonaro. Já não vejo o mesmo em minhas camaradas feministas que engajam seus coletivos no apoio do comite, ou da ocupação, ou dos ambulantes e demais lutas classistas, sem temer dialogar com quem pensa diferente ideologicamente. Claro que também ha um feminismo burguês. Mas acredito que devemos encarar a realidade de frente se quisermos realmente compreender e atuar para uma nova conformação da classe trabalhadora.
Por fim, também sobre o encaminhamento prático do texto de que é o momento de “travar lutas mais silenciosas, que apareçam menos, mas que voltem a mobilizar os trabalhadores e envolvê-los de fato em um projeto próprio de classe” acredito que é um posicionamento extremamente acertado sobretudo quando se esta começando uma militância num local de trabalho, agora em determinadas situações onde o sindicalismo já é bem consolidado ou mesmo em outros movimentos sociais consolidados acredito que o momento é sim de travar lutas muito barulhentas, que de uma forma ou de outra já estão colocadas que acontecerão com a agenda econômica do novo governo, e conseguir projetar ao maximo possível essas lutas, torna-las o mais generalizadas por territórias e categorias possíveis, rompendo com o localismo e o corporativismo comum nas lutas, é o unico caminho possível para se garantir tanto alguma vitória quanto a nossa sobrevivência numa possível adversidade maior.
Gabriel,
obrigado pela tua contribuição ao texto, me interessa muito saber sobre a sobrevida ou sobremorte dos esforços surgidos nas eleições.
Sobre teus comentários, ou parte deles, em algum momento você fala de un “nós”, um setor específico, mas não chega a nomear esse “nós”.
E em segundo lugar, toda a questão do identitarismo, acho que se trata mais de uma análise de práticas do que de uma análise de nomes e formas. Se um grupo de mulheres põe em prática a solidariedade de classe, oras, não estamos falando de identitarismo. Já um grupo nomeado “Solidariedade Proletária” que reproduz interna e externamente uma política de hierarquias por identidade, assim como pautas de disputa por espaços identitários, o nome já não importa muito, não? Entendo que a crítica levada a cabo por distintos e distintas autoras neste site tem a ver com a tendência destes setores militantes, sempre entendendo que nenhum grupo social, movimento social nem partido algum é puro, isto é, sem contradições internas que vão dinamizando-se e expressando essas contradições nos rumos que vão tomando.
Concordando com o Gabriel, acredito que o texto carrega em si uma perspectiva de “vamos recomeçar de novo”, e isso o leva a não observar processos de construção que vieram do subterrâneo, construindo verdadeiras alternativas de luta em diversos campos em que nossa classe combate. Um exemplo disso é o da luta indígena, que vem de um histórico de enfrentamentos com o capital e o Estado desde a Ditadura, momento esse da histórica em que o Guaranis conseguiram diversas demarcações de terra, e foi no governo FHC e não nos governos petistas, em que a luta dos nossos camaradas indígenas conquistou mais demarcações, que a custo do sangue de muitos, tem se preservado com embates armados que se escancararam nos últimos anos do governo Dilma.
Então não somente os trabalhadores da cidade saíram as ruas para enfrentar o Estado, e derrubar o já podre projeto de conciliação da burocracia petista, mas a parte da nossa classe esquecida pela esquerda também fez os mesmo, os indígenas e quilombolas. Nas ocupações também há grandes oposições ao esquema empresarial do MTST e do MST com os projetos de financiamento do governo federal. O Luta Popular e o MRP (setor do MTST de Brasília que durante as manifestações da copa rachou com o MTST, que foi comprado para ficar em silêncio durante os jogos) são hoje importantes movimentos de combate a questão da reforma urbana, que se organização nacionalmente construindo com o povo outra forma de entender o problema da habitação e do direito a cidade. São desses movimentos, de coletivos de cultura (com forte engajamento do hip-hop e do rap), de campos da esquerda como independentes, coletivos antifascistas (skinhead, punks e agrupamentos anarquistas), autônomos e trotskystas, que estão surgindo verdadeiras frentes que não estão esperando “o governo começar” pra levantar a bandeira de oposição lá nas alturas da superestrutura, é no dia a dia que tenho visto esses camaradas. Inclusive fizemos boas panfletagens nos bairros contra os cortes de linha, vimos de fato trabalhadores que tem boas perspectivas com o governo Bolsonaro, mas desconhecem os projetos políticos dele, inclusive um rodoviário não acreditou em mim quando falei qual era proposta de reforma da previdência dele.
Há 5 anos o combate da nossa classe se intensificou, e quem mais soube canalizar isso pra sua construção foi a direita, na verdade a extrema-direita. Mas é do aprofundamento da precarização da vida dos trabalhadores, que a dialética dessa vida os levará a combater o próprio governo que elegeram com “confiança”, assim como fizeram com o PT.
Que os camaradas sinceros que estão no enfrentamento do dia a dia, aprendam cada vez mais sobre desgaste do corporativismo das organizações sindicais e movimentos sociais. O povo já está saturado de aparelhos que entravam sua possibilidade de lutar, por isso devemos aprender com Junho de 2013, o recente levante do Haiti, Costa Rica, Nicarágua, os Coletes Amarelos da França que já se internacionalizaram pela Europa. Todos esses movimentos com direções descentralizadas, isso porque foi a única forma de escaparem da podridão do corporativismo que dirige suas categorias, os trabalhadores respondem com desindicalização em massa e revolta popular. Responder organizativamente a esses movimentos é fundamental, isso claramente se faz com enraizamento cotidiano, antes, depois e durante os processos, o que por exemplo na Luta das Escolas de 2015-2016 o Mal Educado não alcançou.
Em relação ao “identitarismo”, fico me perguntando qual o sentido de usar essa palavra como vocês usam, pra mim se trata claramente de algo simples com um conteúdo que é outro, os trabalhadores são em si classe trabalhadora, mas não deixam de ter identidade, se tratam de mulheres, lgbts, negros e indígenas. Quando você fala que as mulheres devem ter solidariedade de classe é fato, até porque é assim que se supera sua condição de mulher no capitalismo, organizando sua classe pra superar essa barbárie que vivemos. Agora a solidariedade entre mulheres trabalhadoras é hierárquico? Essas solidariedade serve para conseguir falar em muitos casos, superar a condição que passa em casa, a necessidade material de abortar, coisas que nem passam por nossas cabeças, e a incorporação dessas pautas no cotidiano é outro elemento fundamental da luta de classes, auxílio creche, salários iguais, direito de usar a roupa que quiser no trabalho e por aí vai, que a solidariedade de classe se construa apoiando as mulheres nos seus enfrentamentos. Em relação a questão racial muito disso também se aplica, inclusive assim como o machismo o capitalista utiliza da desigualdade racial construindo uma divisão racial do trabalho, ou vai dizer que não tenho dados pra comprovar que faxineiro, gari, segurança e as categorias mais precárias são em maioria negra? Isso sem falar que o nosso grande exército de reserva sustentado pelo racismo é o que condiciona salários baixos no conjunto da classe, e formas das mais precárias de subemprego e degradação do povo preto. Isso é evidente até em casos de imigração, nunca vi Europeu vendendo coisa na rua, a não ser playboy hippie, agora africano e haitiano até fiz amizade com uns de tanto vê-los no meu dia a dia. Como diz um camarada, pra vocês o preto já tem que sair da favela com os fuzil tudo na mão se não é identitário, se dependesse dessa esquerda burocrática e de outras esquerdas aí que conheci na minha vida, gente da minha cor estaria condenada ao esquecimento, assim como a burguesia gosta, de apagar nossa história, matar, encarcerar e depois dizer que está tudo bem aqui existe “democracia racial”, e vocês apenas ajudam a construir esse mito da democracia racial negando com palavras bonitas a organização do povo preto.
me faz pensar. Vivemos uma época de muita “correção política” à esquerda, e o último que a crítica ao identitarismo deveria tornar-se é uma forma desta, que é uma das principais armas das políticas identitárias.
Em alguns comentários neste site, já faz algum tempo, vejo um tipo de comentário defensivo quando o tema é a crítica ao identitarismo, um tipo de defensiva “bem intencionada” que também vejo (e já experimentei) em muitos companheiros homens quando se está falando sobre patriarcado e práticas machistas.
Criticar o identitarismo é necessário, sem que com isso seja necessário negar a importância e as ferramentas desenvolvidas pela classe para promover a organização em setores específicos. Também é necessário criticar o corporativismo próprio da estrutura sindical contemporânea, mas isso quer dizer abandonar este terreno de luta e de disputa? Não.
Oras, se entendemos que a luta contra a burocratização é cotidiana, e muitas vezes é uma luta interna em nossas próprias organizações, o identitarismo também pode ser entendido assim. Essa luta não serve como “correção política”, só pode servir como uma forma de análise (e auto-análise) das práticas, que nos sirva para verificar se nos aproximamos dos nossos ideias coletivistas ou se nos distanciamos dele.
Me parece que o debate sobre os identitarismos cresce da mesma forma que cresce a repercussão dos grupos e movimentos identitários na mídia e, claro, de suas articulações e movimentos reais.
Eu compartilho dessa crítica. Mas também sou um desses que tento fazer uma ”defesa bem intencionada” quanto aos identitarismos. Me parece que o problema consiste, muitas vezes, em fazer uma crítica de forma que pareça invalidar a causa defendida. Quando não é bem esse o caso, também parece que o debate gira em torno da centralidade. A verdade é que nem todos pensam na centralidade do trabalho e das relações materiais de produção como tal, transferindo o eixo central para as relações culturais ou mesmo colocando ambas em igualdade, e aí talvez se torne uma briga teórica de egos, visão de mundo..enfim.. essas situações parecem afastar e fragmentar ainda mais a esquerda…
A sua fala já traz uma formulação que no fim tenta ser sútil ao definir que a crítica ao identitarismo é uma forma de combater um problema político que rompe a relação “coletiva” da classe. Mas na realidade essa coletividade não existe, ela se forja na luta, e se partirmos de que todos são iguais porque são classe vamos apenas reforçar isso. Organizar a classe partindo também da organização contra suas opressões é um duro golpe ao capital, porque quando organizamos os trabalhadores negros a elaborar políticas contra a opressão, podemos fazer que o conjunto dos trabalhadores se politizem em relação ao racismo. Isso falo em uma categoria onde há presença negra, mas em muitas ela é pequena, não digo que não há negros, mas a maioria ocupam empregos menos qualificados ou formas de subemprego, ou são terceirizados em setores de limpeza e serviço (setores que o sindicalismo não faz absolutamente nada). Então, tendo a olhar do lugar onde os militantes estão falando também, pra agrupamentos de funcionários públicos e setores da classe média é muito mais fácil ter uma crítica sútil do tipo (temos a crítica, mas não a resposta), porque na realidade a crítica já traz uma resposta, vamos criticar, essa é a elaboração, não é como se ela ainda vai ser feita, na verdade ela não será feita porque a política é não ter política. Eu acho super importante organizar sindicatos, inclusive o Sintrajud e alguns camaradas da ConLutas tem sido um apoio importante para fazer algumas coisas no território, mover essas máquinas para fortalecer os territórios onde nossa classe reproduz sua vida é parte do combate contra essa divisão de “organizar o espaço de trabalho ou o movimento popular?”, pra alguns a resposta é foda-se o sindicato vamos fazer luta popular, pra outros é foda-se a luta popular vamos pra fábrica (isso considerando que sempre vejo no funcionalismo público mais que na fábrica esses camaradas). Pra mim organizar a classe é organizar todas as esferas da sua vida produção, reprodução (que também interfere na produção de valor), e contra as opressões que esse povo sofre, todos são territórios.
Gostaria de que esses camaradas fossem mais sinceros ao falar sobre isso, até porque sei que estão do meu lado do jogo, já da pequena burguesia não espero muito, faz sentido pra eles usar o “identitarismo” como escudo pra não abalar suas reproduções de direção e controle da luta da nossa classe.
Seixas, justamente, como você diz, importante trazer esses conflitos de identidade para dentro da luta de classes, pois mesmo dentro da ”esquerda” essas relações de opressão ocorrem e devem ser escancaradas pra que se possa realmente criar um ambiente coletivo. É fácil ser anticapitalista, branco, com emprego bom, tendo feito faculdade boa.. Mas é inegável que os identitarismos também contribuem pra diluir a classe trabalhadora quando assumem o formato exclusivista, especificista, onde o ”seu lugar” é um grupo cada vez mais estrito; ou mesmo quando assume a forma radical que exclui e determina subjetivamente quem é ou não é, quem merece ou não merece falar, etc. Eu acho que a ”esquerda” hoje precisa recobrar a união.. o sentimento de coletivo, a capacidade de cooperação. É difícil criticar os identitarismos no sentido de que, se esse tipo de movimento tem conquistado visibilidade que leva mais acesso aos negros e às mulheres, uma tendência à melhorias nos salários. O problema é que se isso é feito através de medidas que reforçam o caráter de diferença, que resultados trará? Se você melhora a condição de vida através do reforço a diferença como esperar que se crie uma ”consciência emancipatória” dentro dos movimentos identitários..
Enfim
É uma análise que ainda me divide muito. Manter a centralidade do trabalho e a consciência de classe ao mesmo tempo que se inclui as lutas contra o machismo, racismo e etc é o objetivo que parece estarmos ficando longe de deixar claro como pauta dentro da generalidade do que se considera ”esquerda”
Pra mim o “identitarismo” que tendo a chamar de pós modernismo, é um problema tao grande assim porque os “comunistas” não elaboram sobre a questao racial ou de gênero, e indígena, aí vaco nao existe na política né, quem ocupa esse espaço é o capital com o fortalecimento da divão.
Lucas,
infelizmente as estratégias de frentes territórias que descrevo são dadas antes da eleição, se colocaram em 2016 e com o novo governo se revitalizam e devem ter vida longa – mesmo que apenas como linhas das organizações que as puxam e sentem desde o impechment essa abertura popular, nesse sentido uma sub-vida mesmo. Eu sou um tanto amargurado com essas frentes pois vejo elas como sintoma do nosso fracasso como campo combativo para além do lulo-petismo, mas na merda que estamos é o que há. No meu comentário com “nós” eu me refiro a um grupo ativista na sul, que fez um debate e divulgou esse cartaz a que me refiro nas eleições e depois reviveu um comitê do Grajaú: https://www.facebook.com/LutaZonaShow/photos/a.275979812749063/757527831260923/?type=3&theater
Sobre o identitarismo, lucas e gabriel:
O ponto é justamente que normalmente esse conceito faz uma análise não classista, revivendo a tese stalinista do PCB (não que essa fosse a unica tese bolche, é interessante ver posição de lenin sobre esse assunto: https://www.marxists.org/portugues/cannon/1959/05/08.htm) de que a pauta feminina ou de raça em si mesma, por sua essência, provocaria uma divisão nociva para as lutas no seio da classe trabalhadora – tese que normalmente é um passo pano muitíssimo conveniente em ser defendida invariavelmente por cúpulas brancas e masculinas contra demandas desagradáveis de uma base negra e feminina.
Justamente, se formos olhar para o movimento real hoje ou na história veremos que existe sim um movimento negro e feminista intimamente ligada aos movimentos classistas com horizonte de ruptura com o capital. Ainda assim da para dizer que a maioria dos movimentos negros ou femininos hoje são pós-modernos ou pan-africanistas, e portanto, dirigidos de uma forma ou de outra pelas classes dominantes. Acontece que isso também é válido para o mundo do trabalho ou para os movimentos sociais, a maioria dos sindicatos são patronais assim como a maioria dos movimentos sociais também não são dirigidos com independência de classe – e ainda assim ninguém seria louco de dizer por isso que não se deve organizar trabalhadores por locais de trabalho por melhores condições por isso ser anti-revolucionário como dizem que não se deve organizar negros contra o racismo. O espaço exclusivo é, em alguns momentos, uma demanda real necessária para a ação e resistência desses movimentos e não é isso que distingue a perspectiva classista ou não desses movimentos, o que distinguiria é o seu horizonte concreto de luta e suas práticas. Inclusive a maioria dos espaços desses movimentos são abertos e muito raramente comparece alguém que não é diretamente afetada pela pauta (ou seja, negros, mulheres ou lgbts) o que diz muito sobre a critica ao “exclusivismo” como mero pretexto para uma desclassificação formal e o real desinteresse/desprezo que a maioria sente por esses movimentos por motivos bem menos nobres – afinal é muito mais fácil desclassifica-los do que realmente conseguir formular conjuntamente e avançar nessas pautas o que seria invariavelmente custoso quando a questão real é, por exemplo, defender que não é um problema ser machista e ser revolucionário, e se teoriza politica longamente sobre problemas que na realidade são de base muito intima, pessoal e etc sem se dizer uma única palavra mesmo que abstrata sobre tais questões das relações pessoais ou seja sem se avançar uma linha em lidar com a causa real do problema.
Dai que o conceito de “identitarismo” com essa acepção essencialista que usa o passa palavra costuma ser utilizado normalmente sobretudo contra os “identitários classistas” e não tanto contra o feminismo burguês, pós-modernos e pan-africanista, que merecem de fato uma crítica mais pesada mas que seria melhor realizada por quem se preocupa em entender suas pautas. Essa utilização do conceito de “identitarismo” como uma condenação sumária das pautas da identidade, é usada para desclassificar um setor do movimento social combativo, é usada para conter militantes sindicais que pautam a questão negra ou feminista no meio sindical, é usado quase sempre em disputas de direção de movimentos classistas contra que seja tratada a questão de gênero ou de raça trazidas pela base. O entrincheiramento entre as diferentes posições que pouco dialogam de fato entre si agrava a baixíssima qualidade que vem tido esse debate por aqui. Ainda assim a nova força desses movimentos torna provável que o debate melhore com o tempo, que se passe a dialogar com a tradição revolucionário que já existe entorno desses temas (o que pouco se faz hoje), se envolvendo cada vez mais inevitavelmente nas lutas reais entorno desses temas e etc.
Enquanto classe na história, o proletariado é a destruição de todas as identidades.
Gabriel
Ao falar com a propriedade que fala sobre os movimentos, imagino que deva conhecê-los. Quais são esses movimentos ”identitários classistas”, que não se enquadram na vertente pós moderna? Que não constroem ambientes exclusivos..? Onde estão e quais suas estratégias discursivas e de atuação, bem como suas reivindicações?
Pergunto honestamente.
Acredito que você capture bem a questão ao falar que o problema está quando os movimentos se colocam fora (ou sobre) o ideal de classe e que, principalmente, dentro dos próprios movimentos do mundo do trabalho, acontecem essas contradições importantes quanto a sua organização e forma de atuar. Por mais que tenha críticas ao identitarismos,precisamos de um debate mais próximo para articular essas questões já que o capital sempre se apropria da parte majoritária dos movimentos e de suas lutas. Enquanto a ”esquerda” mais radical critica as outras esquerdas e se dá esse debate, o capital continua se globalizando. Me parece que o ponto mais importante é atuar para desenvolver uma consciência de classe dentro dos integrantes de todos os movimentos. Ainda que seja um sindicado burocratizado e um movimento identitário, e tenham limitações óbvias quanto ao alcance de suas conquistas mais imediatas, se houver consciência e classe pode ser possível manter uma coesão de longo prazo e um fortalecimento dos grupos…
gabriel,
queria ter podido responder antes à este debate, mas só agora pude sentar-me com tempo.
Com relação à tese estalinista, me fez lembrar um pouco o que li alguma vez sobre a linha “classe contra classe” do PCB nos anos 30. Opor pautas específicas à emancipação geral parece ser apenas mais um capítulo de argumentos líquidos usados para justificar a manutenção no poder de um certo setor, assim como a substituição de dirigentes intelectuais por quadros proletários pode também responder a esta lógica, por mais “classista” que isso soe.
Mas me chama atenção frases como “dizem que não se deve organizar negros contra o racismo”. Isso é uma referência aos estalinistas ou às críticas que o PassaPalavra vem propondo no site?
Não entendo se tuas referências são aos textos do site ou se são a atuações e práticas de grupos de militantes identificados com o site. Pois o que primeiro me vem à memória como esforço crítico do site, quanto à questão feminina e negra, são a crítica à prática do escracho e ao feminismo exclusivista e às organizações que se propõe atuar como polícia racial negra. No caso do movimento negro, isso me parece muito pouco relacionado com o “identitarismo classista” e não sei como se vincularia com o movimento sindical. Já no caso do feminismo, a crítica à prática do escracho é compartilhada por outros setores da extrema-esquerda, e ao MEU VER, muitos dos espaços exclusivistas também não passam muito perto de um “identitarismo classista”. As experiências mais ou menos próximas de que eu tenho conhecimento não deixam de repetir as denúncias e os escrachos, em espaços lésbicos, “não-binários”, etc. Não vejo nos textos que leio aqui no site o que você diz:
–Dai que o conceito de “identitarismo” com essa acepção essencialista que usa o passa palavra costuma ser utilizado normalmente sobretudo contra os “identitários classistas” e não tanto contra o feminismo burguês, pós-modernos e pan-africanista–
A questão dos espaços exclusivistas, pelo que entendo a partir de minha experiência, não é “organizar negros contra o racismo”. Além do que, lembro que uma das primeiras traduções que o site publicou sobre a Rev. Russa foi uma sobre a organização das mulheres pos-17. Um grupo que se une por uma problemática em comum para tratá-la em âmbitos ampliados é muito diferente de um grupo identitário que se arroga o “lugar de fala” para impor a linha, as práticas e as correções políticas que um grupo maior de companheiros e companheiras deve seguir. Uma vez mais, não se trata em primeiro lugar desta ou daquela pauta, mas das formas e propostas organizativas.
Talvez você possa explicar um pouco mais como é que ocorre no movimento sindical essa forma de crítica às pautas feministas e negras, pois seria muito interessante debater abertamente sobre um tal exemplo. Pois existe esta particularidade, de que o sindicalismo não é um espaço específico para tratar estes temas mas é justamente um espaço muito interessante e potente para isso. Como são colocadas essas pautas de gênero e de raça pela base e como são resistidas pelas cúpulas? As demandas desagradáveis, negras e femininas, que obstáculos encontram na organização sindical para expressar-se como poder coletivo, como pressão frente às cúpulas? Passa pelo desinteresse dos e das companheiras de base? Passa pelo programa político das chapas?