Entrevista com Mauro Rodrigues de Aguiar: “Os desafios dos bancários passam por vencer a subserviência aos ditames da burocracia sindical, para enfim fazer uma luta autônoma e vencer a intransigência dos banqueiros e do governo”.

Mauro Rodrigues de Aguiar, 46 anos, bancário e membro da Oposição Bancária Alto Tietê – São Paulo. Mauro Aguiar apresenta-se como uma importante referência para a Oposição Bancária, além de ter um longo histórico de participação em lutas comunitárias, sindicais e populares. Mauro fala da atual Greve Nacional dos Bancários, das oposições bancárias e dos desafios e dilemas do movimento.

Os bancários, principalmente de bancos públicos, sofrem há muitos anos com a reestruturação do trabalho, com o assédio moral e opressão nos locais de trabalho, achatamento salarial e perda de direitos trabalhistas, além da cooptação pelos bancos e governos da burocracia sindical, o que tem fortalecido a adesão aos movimentos nos últimos anos e a criação de um sentimento de luta entre os bancários, o oposto do que se verifica nos professores, por exemplo. A greve tem tido forte adesão, um crescimento na base, onde 90% das agências públicas foram paralisadas. Além disso, episódios de forte solidariedade de classe ocorreram em alguns locais. Por exemplo, em Fortaleza, na semana passada, os bancários resolveram fazer um piquete no prédio da Caixa Econômica Federal, quando foram truculentamente barrados por cerca de 50 seguranças que cercavam o prédio. Mas ali perto havia um acampamento de carteiros dos Correios também em greve, que ao saberem dos apuros pelo qual passavam os bancários, correram em grupo, juntaram-se aos bancários e furaram o bloqueio imposto pelos seguranças. Fica evidente que as lutas dos trabalhadores só podem vencer se estravazarem os limites da burocracia sindical e do corporativismo, transformando-se em lutas autônomas de base, de caráter classista, superando também a fragmentação de grupos políticos. É sobre isso que Mauro nos fala em entrevista concedida em 28 de Setembro de 2009.

Passa Palavra: Mauro, por que está ocorrendo a greve? Fale sobre a atual greve dos bancários.

000900Mauro Aguiar: A greve dos bancários está ocorrendo por intransigência dos banqueiros que ofereceram apenas 4,5% de reajuste, o que apenas repõe a inflação do último ano, ofereceram uma participação nos lucros menor que a do ano passado e recusam-se a valorizar o piso salarial dos bancários a R$ 2.047,00, correspondente ao piso calculado pelo DIEESE.

PP: Quais são as reivindicações dos bancários?

MA: Acho que não é possível se falar em “reivindicações dos bancários”, mas sim das entidades que disputam pela liderança dos bancários; e não há democracia na elaboração das pautas de reivindicações, os bancários de base são manipulados e levados a acreditar como suas as reivindicações formuladas pela CONTRAF/CUT, que é a maior entidade de “representação” dos bancários. Aqui vale esclarecer que existem três pautas de reivindicações distintas, a da CONTRAF/CUT, entidade pelega, ligada ao PT, reconhecida extra-oficialmente pelo governo, mas sem reconhecimento jurídico; a da CONTEC, única entidade reconhecida juridicamente, mas também pelega, que representa de fato 10% da categoria; e a do MNOB (Movimento Nacional da Oposição Bancária), ligada à Conlutas. A primeira reivindica 10% de reajuste salarial, a segunda reivindica 15% e o MNOB reivindica 30% de reajuste para reposição das perdas dos bancários privados com o Plano Real e escalonamento de reposição das perdas dos bancários de bancos públicos, que são três vezes maiores que as dos bancos privados. Outra reivindicação importante do MNOB é o fim da mesa única da FENABAN, política de negociação das campanhas salariais introduzida em 2004 que incorpora os bancos públicos na mesma mesa de negociação dos bancários privados, com o fim de “engessar” as reivindicações dos bancários de bancos públicos para blindar o governo Lula. Outras reivindicações são comuns a todas as organizações.

PP: Como os bancários se organizam nas bases?

MA: Não há uma organização dos bancários pela base propriamente dita. Por ser uma categoria nacional e estar submetida a entidades pelegas, a mobilização segue o script ditado pela CONTRAF/CUT, mesmo nas bases sindicais da CONTEC; e eu diria que a greve acontece não pela confiança nos dirigentes sindicais, mas sim devido aos abusos dos bancos contra os empregados e contra a população, o que leva a maioria dos bancários a sentir a necessidade de tentar arrancar o que for possível a mais dos banqueiros.

PP: Fale da evolução da greve.

MA: O que se percebe é que a greve tem forte adesão dos bancários públicos, chegando a mais de 90% de bancários parados, principalmente nas três bases organizadas por sindicatos ligados ao MNOB: Bauru, Rio Grande do Norte e Maranhão; e a tendência é que se fortaleça ainda mais. Já no segundo dia da greve, todos os 27 estados já haviam aderido.

PP: Essa força da greve de fato foi surpreendente ante a apatia dos últimos anos. Para comparar, como tem sido o histórico das lutas dos bancários nos últimos anos?

MA: Durante toda a década de 90, houve uma única greve forte dos bancários em 1991, depois disso seguiu-se um refluxo por conta da repressão, retaliação com a demissão de grevistas dos bancos públicos por ordem direta do Collor de Mello e pela degeneração da CUT, que passou a fazer a política de conciliação de classes com fins eleitoreiros. Em 1999 houve uma greve fraca que atingiu parcialmente somente os bancos públicos. Entre 2002 e 2003, houve por parte dos bancários um resgate da vontade de lutar, cujo fator principal creio que tenha sido a esperança de conquistar suas reivindicações, já que o PT chegou ao governo federal. Daí em diante, todos os anos os bancários tem feito greve para enfrentar a intransigência dos banqueiros, e a CONTRAF/CUT, que passou a ser reconhecida formalmente pelo governo para negociar em nome dos bancários, se viu obrigada a pensar estratégias de blindar o governo Lula, uma delas é a inclusão dos bancos públicos na Convenção Nacional dos Bancários através da amarração das reivindicações de todos os bancários, públicos e privados, na negociação na chamada “Mesa única da FENABAN”, com o intuito de impedir os bancários públicos de reivindicarem suas perdas salariais com o Plano Real, que beiram os 100%. Essa perda absurda se deve ao fato de que, durante o governo FHC, todos os anos os bancários privados tiveram algum reajuste enquanto os bancários dos bancos públicos não tinham nada de reajuste salarial. Esse foi um forte argumento que a CONTRAF/CUT usou e usa para manter a Mesa única da FENABAN.

PP: Pelo visto, os sindicatos estão bem integrados ao Estado e aos gestores dos bancos. Como é a relação dos bancários com a burocracia sindical?

MA: Não há uma boa relação entre os bancários e a burocracia sindical. Porém há uma relação de subserviência aos ditames das entidades burocráticas, simplesmente pela necessidade que os bancários vêem de lutar frente a tanto abuso por parte dos bancos.

PP: Então, apesar da forte adesão, a organização na base ainda é incipiente e a burocracia sindical detém controle sobre o movimento, que às vezes (e cada vez mais frequentemente) estravasa esse controle, como ocorreu ano passado. O que existe é a organização de movimentos de Oposição Bancária. Mas diga, quais são os grupos dentro do sindicalismo dos bancários?

MA: Temos a CUT e o PT, que controlam 80% dos sindicatos de bancários hoje, depois temos o PPS que controla 10% dos sindicatos de bancários e é ligado à CONTEC, e outros 10% de sindicatos ligados ao PCdoB (CTB), e parte da INTERSINDICAL. Por fora dessas organizações corre o MNOB, que é o Movimento Nacional de Oposição Bancária, ligada à CONLUTAS (Coordenação Nacional de Lutas).

PP: E as oposições bancárias? Quais são os grupos da oposição bancária? Como se organizam?

MA: A oposição bancária é hegemonizada pelo MNOB (Movimento Nacional de Oposição Bancária) que por sua vez é hegemonizado pelo PSTU, e há bastante divisão interna e o isolamento de diversos agrupamentos independentes. Temos um agrupamento independente formado em Osasco denominado “Bancários de Base”; temos um agrupamento ligado ao Espaço Socialista baseado em São Paulo e ABC; em Salvador temos um agrupamento ligado à Oposição Operária; e ainda no Ceará e em São Paulo temos ativistas ligados à LBI (Liga Bolchevique Internacionalista). No início deste ano tivemos também a criação do grupo GAS (Grupo de Ação Sindical), formado por ex-militantes do PSTU, recentemente expulsos do partido. Na INTERSINDICAL existe forte divisão também, tendo o ENLACE, mais próximo e conciliada ao PT/CUT, e a ASS (Alternativa Sindical Socialista), de independentes, que se opõe à CUT.

PP: Qual a relação da oposição bancária com os sindicatos oficiais?

grevebancariosMA: Enquanto oposição bancária, como um todo, a relação é de oposição sistemática à blindagem feita pela CONTRAF/CUT ao governo Lula; e nos agrupamentos menores dentro da oposição é feita também uma oposição sistemática à CONTRAF, CTB e CONTEC à perda completa da autonomia sindical por conta do atrelamento dos seus sindicatos ao governo federal e à institucionalidade eleitoral, conflito que se verifica também no interior da Oposição Bancária em relação à hegemonia do PSTU no MNOB.

PP: Qual a reação dos banqueiros à greve?

MA: Como sempre, a reação dos banqueiros é de intransigência em ceder às reivindicações. Não há muito que dizer.

PP: Como é a relação dos banqueiros com os sindicatos oficiais?

MA: Existe uma relação de cumplicidade velada entre os bancos, privados e públicos, com os sindicatos, sabendo que o que os sindicatos estão reivindicando é muito aquém do que realmente deveriam reivindicar em nome dos bancários.

PP: Tem uma relação entre a luta dos bancários e outras lutas?

MA: Infelizmente não há relação em nível nacional em termos de mobilização conjunta. Salvo algumas situações pontuais, como aconteceu no primeiro dia da greve dos bancários em Fortaleza (CE), quando os trabalhadores dos Correios em greve ajudaram a vencer a truculência da Caixa Econômica Federal, que colocou cerca de cinquenta seguranças na porta para impedir o acesso dos sindicalistas e bancários em greve ao estabelecimento.

PP: Como é a luta nos bancos públicos? E nos privados? Quais as diferenças?

MA: A luta dos empregados de bancos públicos é bem participativa em termos de participação nas assembléias e na adesão à greve, apesar de estar sendo bastante prejudicada nos últimos anos pela política pelega da CONTRAF/CUT, de atrelamento das suas reivindicações à mesa única dos bancos privados. O pelego sindical não enfrenta gerente de banco, porque está se olhando no espelho. No caso dos bancos públicos, o embate deveria se dar direto com o governo federal, que é o seu patrão direto e o atendimento de qualquer reivindicação depende de autorização do governo federal. Já nos bancos privados, a luta é menos participativa, e muitos sindicatos fazem acordo com gerentes para manter os bancos fechados, sem que os bancários realmente tenham aderido à greve, ou seja, uma “greve” que prejudica somente a população que não pode ser atendida, enquanto os empregados trabalham internamente, recebendo malotes de empresas, etc…

PP: Ocorrem perseguições? Cite casos.

MA: Sim, contrariamente ao que muitos acreditam, as perseguições e retaliações devido à greve acontecem muito mais nos bancos públicos do que nos privados, pois é neles que se encontra a mola propulsora do movimento. Coincidência ou não, o fato é que as retaliações ocorrem sempre contra ativistas ligados à Oposição Bancária, como foi o caso no ano passado em que o Banco do Brasil demitiu um ativista ligado à LBI tn_620_600_greve_bancosem plena greve, o caso do Didi, que foi demitido da Nossa Caixa. E, por incrível que pareça, as perseguições não se dão só por parte dos bancos, mas também pelos sindicatos pelegos. No meu caso, em 2005 o sindicato de Mogi fez um acordo com minha gerente para que eu fosse transferido de local de trabalho em plena vigência do meu mandato de delegado sindical, para me impedir de concorrer a um novo mandato.

PP: Quais os desafios dos bancários?

MA: Os desafios dos bancários creio que sejam vencer a subserviência aos ditames da burocracia sindical, para enfim fazer uma luta autônoma e vencer a intransigência dos banqueiros e do governo.

PP: Ainda sobre sindicalismo, pode nos falar um pouco sobre os desafios das oposições sindicais e movimentos sociais no Brasil atual?

MA: Creio que os desafios das oposições sindicais sejam primeiramente reconhecer suas graves deficiências internas que causam sua fragmentação enquanto movimento. Seria necessário que os ativistas das oposições encarassem de frente a necessidade de uma unificação prática em torno dos objetivos comuns, ainda que não seja possível unificar em torno de estratégias e táticas. Isso vale também para os movimentos sociais.

PP: Mauro, onde podemos obter informações gerais sobre a greve?

MA: Para mais informações sobre a Greve, podem consultar o Blog da Oposição Bancária de Mogi, que é atualizado quase diariamente.

3 COMENTÁRIOS

  1. Para se ter uma idéia da articulação entre poderes… quando os estudantes da UBC sofreram a perseguição por parte desta universidade, fato que foi relatado aqui no Passa Palavra, e professores da oposiçao da APEOESP se posicionaram em defesa dos estudantes, o que fez a CUT? Foi correndo se reunir de portas fechadas com a empresa, manteve todos os acordos e convenios com ela, apesar da pressão de muitos trabalhadores que apoiavam estes estudantes para que a CUT rompesse convenios com a universidade (fato que uma subsede da APEOESP de Mogi fez em solidariedade aos estudantes). A CUT se compactuou com uma empresa que perseguia estudantes. Mais uma vez podemos ver que os burocratas sindicais são sistematicamente inimigos dos trabalhadores…

  2. Sindicato oficial e burocrático = Estado

    Nele não existe classe organizada… a classe fica fragmentada, e quem unifica são os dirigentes sindicais. Estes não permitem que os trabalhadores se relacionem entre si de forma direta, mas apenas de forma indireta, com seu intermedio… quase dizem “eu sou o salario, preço e lucro, e em verdade vos digo que ninguém vem ao Pai (banqueiro) senão por mim”

    É a mesma relação que professor tem com alunos… alunos não podem conversar entre si, mas apenas por intermedio do professor.

    Já é hora dos bancários deixarem de ser organizados pelo sindicato e passarem a se auto-organizar. E isso facilmente vai começar a partir do momento em que formarem um comite ou comando de greve com representantes das diversas agencias… e ainda melhor se tiver junto mais trabalhadores de outras categorias em luta. Ao fazer isso, se transformam numa força política que decide e formula suas próprias estrategias… e colocam o sindicato na parede… isso vale para todas as categorias.

  3. Os bancos privados não entram em greve, como Mauro bem lembrou – um acordo entre seus gerentes e o sindicato da CUT faz com que as portas sejam fechadas, não atendem a população, e aí os bancários privados ficam dentro do banco operando malotes de empresas. Alguém quer uma prova mais inequívoca de que a CUT e os bancos estão completamente comprometidos um com o outro e mancomunados? Isso só pode ter um nome: inimigos da classe trabalhadora!!!

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