A nossa reivindicação é pela vida e por um país mais justo e igualitário. Não somos tratadas com respeito, igualdade, dignidade e justiça. Ser pobre e negro não é defeito para termos que pagar com nossas próprias vidas ou com humilhações.
No próximo dia 10/12, quando se celebra o Dia Internacional dos Direitos Humanos, uma série de movimentos sociais brasileiros, comunidades pobres e, principalmente, redes de familiares de vítimas do Estado brasileiro irá realizar pela primeira vez uma série de atos simultâneos na frente de representações do Poder Judiciário em todo o país. Com uma pauta unificada, o título do documento comum anuncia “Lutamos por justiça, reparação e liberdade!” e é assinado, entre outros movimentos, pela Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência (RJ), pela Campanha Reaja ou será Mort@ (BA), pelo Fórum da Juventude Negra (ES) e pelas Mães de Maio (SP). (LEIA AQUI A CONVOCATÓRIA)
Em cada um destes quatro estados haverá manifestações semelhantes: vigílias na frente de Tribunais de Justiça, caminhadas e debates. Camisetas com as fotos das vítimas, usadas por mães, familiares e amigos, bem como velas, cruzes e faixas também têm marcado nos últimos tempos uma estética comum destas manifestações, organizadas prioritariamente por negras e negros pobres, moradores de favelas e de bairros periféricos urbanos. Vítimas diretas ou indiretas do terror de Estado, que prolifera no Brasil democrático.
Para entender um pouco melhor a história e as razões destas mobilizações, que têm crescido na mesma medida em que se multiplicam as prisões e assassinatos de jovens pobres e negros pelo país, o Passa Palavra publicará a partir de hoje uma série de entrevistas com alguns destes familiares de vítimas que têm participado ativamente destas articulações.
A primeira entrevistada é Débora Maria Silva, uma das Mães de Maio da Baixada Santista, que teve o seu filho, Édson Rogério, assassinado durante os chamados “Crimes de Maio de 2006” – episódio sangrento levado a cabo por agentes policiais do estado de São Paulo e grupos paramilitares de extermínio ligados a eles, que acabou resultando na morte de no mínimo 493 pessoas durante aquele mês terrível. Aliás, as Mães de Maio iniciaram também, nesta semana, a coleta de assinaturas de uma petição que exige o desarquivamento e a federalização das investigações (LEIA AQUI A PETIÇÃO).
A seguir, Débora conta um pouco de sua trajetória, traça suas principais análises e bandeiras, bem como aborda o significado específico das mobilizações em torno do dia 10/12.
Passa Palavra: Quando e como toda sua luta começou, Débora?
Débora Silva: Quando mataram meu filho, saí ao encontro de mães que tinham sofrido a perda de seus filhos da mesma forma que perdi o meu. Na semana do Dia das Mães, quando completava um mês do assassinato deles, na missa do 30º dia, procurei uma a uma até que comecei a chegar a um número incalculável. Até agora não se tem um número exato de mortes, porque vários mortos estavam sendo enterrados em covas coletivas. Porque foram alguns dos dias mais sangrentos da história de nosso país, provocados por uma guerra entre bandidos e os agentes do estado de São Paulo. Os policiais saíram matando todos que eles cruzavam no caminho, ordenados pelo então secretário de Segurança Pública, Saulo Abreu de Castro, que ordenou para todos os policiais saírem “à caça dos suspeitos”. Mas não foram suspeitos, foram todos que estivessem nas ruas naquelas noites.
Saímos, eu e as outras mães, numa verdadeira peregrinação, que hoje já dura três anos e sete meses sem resposta das nossas autoridades. Acharam um meio de maquiar a resposta que nós Mães tanto procuramos, arquivando os processos para nos calar; mas não conseguiram e nem vão conseguir jamais!
Lutaremos até o fim por estas respostas que queremos, com o desarquivamento e a federalização dos processos; temos o direito à Memória e à Verdade, pois se trata de uma ditadura continuada em nosso Brasil! O Estado não pode ter direito sobre a vida de nossos filhos. Que democracia é esta?
PP: Qual o principal significado destes atos simultâneos convocados por Familiares de Vítimas do Estado para o dia 10/12, Dia Internacional dos Direitos Humanos? O fato de ocorrerem em vários estados e terem uma pauta unificada revela que há uma rede nacional se formando? Ou seria exagero dizer isto?
DS: Estes atos simultâneos significam um marco em nossas vidas, pois só uma grande união irá fazer com que nossas vozes sejam ouvidas e não mais silenciadas. Como todos que têm como obrigação de dar uma resposta não dão… Ao contrário: continuam a violar os direitos humanos, perpetuando um verdadeiro genocídio em nosso país, decretando a pena de morte descaradamente. Estamos com uma grande rede já unificada em vários estados, pois as execuções sumárias acontecem em todos lugares de nosso país, atingindo a todos os pobres, negros, indígenas, quilombolas, sem-terra, a massa mais vulnerável de nossa sociedade, que está condenada só pelo fato de ser pobre e negra, sem direito à vida.
Mas estamos crescendo a cada dia, na mesma medida que o genocídio contra nossos jovens cresce a cada dia.
PP: Qual a principal reivindicação do movimento de familiares aqui no estado de São Paulo? E quais as principais dificuldades enfrentadas por vocês?
DS: A nossa principal reivindicação é pela vida, a defesa da vida literalmente, e por um país mais justo e igualitário. A maior dificuldade que encontramos é que não somos tratadas com respeito, igualdade, dignidade e justiça como seres humanos. Ser pobre e negro não é defeito para termos que pagar com nossas próprias vidas ou com humilhações. Queremos paz para termos o direito de continuar vivos e respeitados.
PP: Sabemos que o Brasil mantém uma distinção profunda no tratamento dispensado a seus chamados “cidadãos”. Há, de um lado, poucos indivíduos ricos e via de regra brancos que portam direitos (e privilégios); e, de outro lado, uma maioria de pobres e negros cada vez mais tratados como descartáveis, completamente alijados dos direitos humanos mais elementares. Em sua opinião, quais as principais raízes e razões para a permanência desse abismo num país que se diz democrático? Podemos chamar de democracia um país com tantas execuções sumárias nas periferias? Em que medida setores dito progressistas, ao aceitarem que vivemos numa democracia, também reproduzem este preconceito?
DS: Não existe democracia num país em que a maioria das pessoas é pobre, e cada vez mais pobre devido à corrupção dos brancos, que adquirem e reproduzem privilégios de pai para filho e de filho para pai. Os senhores feudais nunca foram extintos no Brasil, mas estão perpetuados até os nossos dias com corrupções cada vez mais elevadas. Violando repetidamente os direito de cidadãos, que adquirimos ao longo de nossas vidas: vários compas morreram para podermos ter direitos! Mesmo assim são violados.
Usam uma política de segurança pública de extermínio de pobres e negros para legitimar a democracia brasileira. A pena de morte camuflada em nosso país leva ao nosso entendimento que pobres e negros não têm o direito sequer de viver em nosso país. No meu entender, que o hino nacional é violado todos os dias, porque a maioria dos brasileiros nunca se viu deitada em «berço esplêndido», a não ser os brancos burgueses que vivem de exploração, corrupções e de violar os direitos humanos. E de produzir preconceitos.
PP: Por último, Débora: como você classificaria o crime cometido contra seu filho (“comum”, “político”, “gratuito” etc.)? E como você classificaria a sua forma de atuação (“comum”, “política”, “humanitária” etc.)? Essas classificações significam ou explicam alguma coisa para você?
DS: O crime contra meu filho eu classifico como crime político, pois na época era ano eleitoral e o Estado não tinha o controle da situação. Ele se encontrava em meio a corrupções e outras negociações anunciadas. Meu filho, como os filhos de centenas de outras mães, pagou com sua vida pelo suposto controle de uma situação em que o estado de São Paulo meteu a si mesmo. Eles tinham o dever de dar segurança a meu filho e garantir a integridade de todas as pessoas (independentemente dos seus problemas com a lei), mas não fizeram isso, pois a verdade é que tem uma grande quantidade de assassinos corruptos de fardas.
A política de genocídio está em nosso estado como um todo, em todos os estados do país. Sempre vou me classificar como uma guerreira e defensora dos direitos humanos adquiridos pelos pobres e negros, que temos direitos como cidadãos brasileiros. Direitos que jamais poderiam ser violados, mas sim respeitados pelos governantes.
SÍTIO CALDEIRÃO, O ARAGUAIA DO CEARÁ: UM GENOCÍDIO 72 ANOS NA IMPUNIDADE!
No CEARÁ, para quem não sabe, houve também um crime idêntico ao do “Araguaia”, contudo em piores proporções, foi o MASSACRE praticado por forças do Exército e da Polícia Militar do Ceará no ano de 1937, contra a comunidade de camponeses católicos do Sítio da Santa Cruz do Deserto ou Sítio Caldeirão, que tinha como líder religioso o beato JOSÉ LOURENÇO, seguidor do padre Cícero Romão Batista.
A ação criminosa deu-se inicialmente através de bombardeio aéreo, e depois, no solo, os militares usando armas diversas, como fuzis, revólveres, pistolas, facas e facões, assassinaram mulheres, crianças, adolescentes, idosos, doentes e todo o ser vivo que estivesse ao alcance de suas armas, agindo como feras enlouquecidas, como se ao mesmo tempo, fossem juízes e algozes.
Como o crime praticado pelo Exército e pela Polícia Militar do Ceará foi de LESA HUMANIDADE / GENOCÍDIO / CRIME CONTRA A HUMANIDADE é considerado IMPRESCRITÍVEL pela legislação brasileira bem como pelos Acordos e Convenções internacionais, e por isso a SOS – DIREITOS HUMANOS, ONG com sede em Fortaleza – Ceará, ajuizou no ano de 2008 uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a União Federal e o Estado do Ceará, requerendo que sejam obrigados a informar a localização exata da COVA COLETIVA onde esconderam os corpos dos camponeses católicos assassinados na ação militar de 1937.
Vale lembrar que a Universidade Regional do Cariri – URCA, poderia utilizar sua tecnologia avançada e pessoal qualificado, para, através da Pró-Reitoria de Pós Graduação e Pesquisa – PRPGP, do Grupo de Pesquisa Chapada do Araripe – GPCA e do Laboratório de Pesquisa Paleontológica – LPPU encontrar a cova coletiva, uma vez que pelas informações populares, ela estaria situada em algum lugar da MATA DOS CAVALOS, em cima da Serra do Araripe.
Frisa-se também que a Universidade Federal do Ceará – UFC, no início de 2009 enviou pessoal para auxiliar nas buscas dos restos dos corpos dos guerrilheiros mortos no ARAGUAIA, esquecendo-se de procurar na CHAPADA DO ARRARIPE, interior do Ceará, uma COVA COM 1000 camponeses.
Então por que razão as autoridades não procuram a COVA COLETIVA das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO? Seria descaso ou discriminação por serem “meros nordestinos católicos”?
Diante disto aproveitamos a oportunidade para pedir o apoio nesta luta, à todos os cidadãos de bem, no sentido de divulgar o CRIME PERMANENTE praticado contra os habitantes do SÍTIO CALDEIRÃO, bem como, o direito das vítimas serem encontradas e enterradas com dignidade, para que não fiquem para sempre esquecidas em alguma cova coletiva na CHAPADA DO ARARIPE.
Dr. OTONIEL AJALA DOURADO
OAB/CE 9288 – (85) 8613.1197
Presidente da SOS – DIREITOS HUMANOS
http://www.sosdireitoshumanos.org.br