Já que estamos na época dos presentes, o Passa Palavra oferece aqui um inédito de José Mário Branco. Por Passa Palavra

José Mário Branco (no centro) em 1974
José Mário Branco (no centro) regressando do exílio em 1974

Independentemente de nos organizarmos para lutar contra elas, o povo ensina-nos uma coisa preciosa: também nos faz bem rir das nossas desgraças. Por isso decidimos, nesta época festiva, presentear os nossos leitores com uma interpretação inédita que José Mário Branco, autor, compositor e intérprete português, gravou em sua casa em 1985.

Baseando-se numa conhecida canção antifranquista – que ele tantas vezes cantou nas suas intervenções antifascistas por toda a Europa, Que culpa tiene el tomate -, José Mário Branco canta em “espanholês” umas estrofes de Manuela de Freitas (extraídas da letra “Fado do ceguinho”) acerca do período de refluxo da Revolução dos Cravos. Essa ideia surgiu-lhe, em 1985, porque acabara de regressar da Nicarágua onde, com outro músico português, Fausto Bordalo Dias, José Mário participara num festival de músicas populares do mundo, no 5º aniversário da revolução sandinista.

A canção espanhola, cuja primeira estrofe é aqui cantada a abrir e a fechar, diz:

Que culpa tiene el tomate
Que está tranquilo en la mata
Y viene un hijo de puta que lo
Mete en una lata y lo
Manda p’a Caraca’

E são estas, em português, as estrofes cantadas em “espanholês” (ou “portunhol”):

Temos sorte, portugueses
Que Nosso Senhor nos valha
Sempre Ele arranja uns cabrões
Que nos enchem de razões
P’ra não mexer uma palha

andy-warhol-2Foi a PIDE e o Salazar [1]
P’ra nos tirar a tesão
Só nos ficava o jejum
Que p’ra não fazer nenhum
Era uma grande razão

Muda o país, vem Abril
Finalmente é nossa a hora
Vem o caos, a confusão
Um cabrão e outro cabrão
E a vontade de ir embora

Cunhal, Soares, Mota Pinto [2]
Crises e contradições
É o Bom Deus que nos valha
P’ra não mexer uma palha
Já nos enchem de razões

Que é que nos falta fazer
Para sair desta merda
Para deixarmos de ser
Uma aposta p’ra perder
E (de) só ganharmos com a perda

Ouçam e divirtam-se!

Notas para os leitores não portugueses

[1] A PIDE era a polícia política da ditadura de Salazar.

[2] Dados de 1985. Álvaro Cunhal, líder histórico do Partido Comunista Português. Mário Soares, fundador do Partido Socialista, então primeiro-ministro. Carlos Mota Pinto, então presidente do Partido Social-Democrata e no governo em aliança com o PS de Soares.

Na fotografia, da esquerda para a direita: José Jorge Letria, José Afonso, tia de José Mário Branco, José Mário Branco, Isabel Alves Costa, José Duarte, Adriano Correia de Oliveira e mãe de José Mário Branco.

El tomate y la lata: Pintura de Andy Warhol, Campbell’s soup can.

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