A classe mineira asturiana é um referente histórico do movimento operário e tem um enorme sentimento de identidade colectiva, construído em mais de um século de lutas. Por Miguel Pérez
A greve do sector hulheiro em Espanha está a ganhar novas dimensões e a atrair as atenções dos media. A luta entra na terceira semana e a perspectiva de uma solução consensuada parece mais afastada do que nunca. É difícil perceber o carácter radical e directo das mobilizações dos mineiros espanhóis sem levar em conta as tradições de combate desse sector da classe trabalhadora, que se confronta com a extinção virtual da indústria extractiva no país. Saber se os operários das minas conseguirão arregimentar uma larga resposta social nas regiões afectadas, como conseguiram sempre, e quais os efeitos que terá um conflito social duro sobre o clima social geral são as questões que se colocam neste momento.
O início desta terceira semana de greve no sector carvoeiro está a cumprir as previsões. Os cortes de estrada endurecem e a tendência é para se estenderem, tanto em Leão como nas Astúrias. Nesta província registaram-se na segunda-feira, dia 4 de Junho, duras batalhas com as forças policiais, com pelo menos 8 detidos. Entretanto, há encerramentos em três poços.
A pessoa detida em Madrid na semana passada ficou em liberdade provisória (com recurso já feito pela procuradoria), acusado de actos terroristas, nomeadamente por ter partido o nariz a um polícia (o que parece difícil observando os capacetes que os “antidistúrbios” usam). As imagens que estão a circular (veja aqui e aqui) são bastante esclarecedoras. Na greve do transporte já são mais de 50 os veículos sabotados pelos piquetes, um deles completamente queimado.
Na segunda semana de conflito a greve dos mineiros radicalizou-se com rapidez. A manifestação do dia 31 de Maio em Madrid foi um sucesso – congregando cerca de 10.000 pessoas – e terminou com sérios confrontos com a força pública, que mostrou mais uma vez a sua brutalidade. A violência policial tornou-se a marca da casa nas relações do governo de Rajoy com os protestos sociais que se vão multiplicando. Desde a greve geral do passado 29 de Março um termo voltou ao nosso vocabulário político: o de preso social.
“No estamos indignados, estamos hasta los cojones” era uma das palavras de ordem lida nas faixas, para além de referências directas ao resgate do Bankia. Com efeito, o sentimento geral é já de qualquer coisa que vai além da indignação…
O conflito do carvão foi provocado pelo anúncio do corte de mais de 60% dos subsídios às empresas mineiras. A actividade, do ponto de vista capitalista, é inviável e as companhias só se mantêm com os subsídios nacionais e da União Europeia. O corte proposto implica, segundo os sindicatos, a falência imediata de todas elas e o fim da indústria. Isto afectaria uns 5.000 trabalhadores entre Astúrias (1700 na empresa pública Hunosa e várias centenas em empresas privadas) e Leão (mais de 2.000); e Aragão, em muito menor medida. Há vinte anos eram mais de 20.000 só nas Astúrias.
As formas de luta duras têm sido habituais entre os mineiros do Noroeste. No caso das Astúrias fazem mesmo parte da imagem construída da região proletária e bastião da esquerda, que existe dentro e fora das suas fronteiras. Das míticas greves do início do século XX à paralisação geral no meio do terror franquista de Maio de 1962, passando pela greve revolucionária de 1917 e a heroicidade da Comuna de Outubro de 1934, o certo é que a classe mineira asturiana é um referente histórico do movimento operário e tem um enorme sentimento de identidade colectiva construído em mais de um século de lutas. Se há oitenta anos o recurso a sabotagens e acções violentas já se tornam habituais, em tempos mais recentes, desde o fim da ditadura e nas grandes greves de 1987, 1992 e 1998, as paralisações são marcadas pela ocupação do espaço e do tempo em manifestações (não muitas) e numa espécie de guerrilha dos mineiros com o objectivo de bloquear vias de comunicação, o que leva necessariamente a intervenções policiais que se vão endurecendo com o passar dos dias, do mesmo modo que endurece a própria luta. Uma experiência que os leoneses também sofridamente conhecem.
A implicação total das populações na luta levou em muitos momentos à instauração na prática de uma verdadeira ocupação policial de vilas e comarcas inteiras, com centenas de polícias de choque e intervenções indiscriminadas, que levantam, obviamente, a indignação geral e o encontro com uma memória presente e real.
Em relação às recentes barragens nas estradas, vale a pena assinalar o seu carácter simbólico e o seu carácter organizado, quase militar. Ainda não houve uma estratégia de fechar estradas por períodos longos nem encerrar percursos completamente, nem os polícias se viram obrigadas ao corpo-a-corpo. Por enquanto parece mais uma demonstração das capacidades do movimento, do que pode acontecer se “isto não se arranjar” rapidamente. Mas o certo é que também parece que o governo do Partido Popular tem muito pouca capacidade de manobra e que existe um descontentamento profundo com a política do governo e a situação económica e social. Ele não pode dar sinais de fraqueza, mas um confronto total nas minas é uma jogada de enormes riscos. E neste sentido assinalamos também a estratégia sindical que tem colocado o conflito nas capas dos media, com acções radicais mas controladas e uma greve por tempo indeterminado, de grande força mas que também pode evitar o colapso das empresas sem financiamento, e obrigando os patrões e as autoridades locais a tomar partido na defesa do sector.
Seria também arriscado estarmos a fazer previsões sobre o que pode vir a acontecer nas próximas semanas, mas para já esta que começa será mais uma semana horrível para este governo de chouriços. Para além de taxas de risco e taxas de juros e bancos radioactivos, no Noroeste vai ser uma boa. A greve na mina continua (com um trabalhador na prisão?). Na segunda-feira, dia 4 de Junho, inicia-se nas Astúrias outra paralisação estratégica nos transportes rodoviários de passageiros e mercadorias, também por tempo indeterminado e que necessariamente se misturará com a dos mineiros. Pode ser que os chouriços sejam assados no carvão.
texto bem interessante. mas qual a pauta de reinvidicação do movimento?